Hoje de manhã eu estava na igreja, em silêncio, aguardando a entrada do sacerdote e o início do Santo Sacrifício da Missa. De repente, o toque da sineta anuncia a pequena procissão de entrada; acto contínuo, as vozes do pequeno coral enchem o templo. Conheço aquele canto; já não o ouvia, creio, desde a Quaresma do ano passado. Reconheci-o hoje e me enchi de compunção.
Attende Domine, et miserere, quia peccavimus Tibi. Ainda não é Quaresma; mas já a Sagrada Liturgia se reveste de roxo, e já os cânticos penitenciais tomam conta dos nossos Domingos. «Ouvi[-nos], Senhor, e tende misericórdia, porque pecamos contra Ti»; esta súplica, tão desgastada pelos séculos, ainda consegue nos comover. E a nós resta a esperança de que o coração do Altíssimo também se deixe tocar por estes versos que já Lhe foram incontáveis vezes dirigidos. Há um capítulo específico da História da Salvação para cada alma que passou por este mundo; e o que existe de extraordinário nisso é que Deus, justamente por ser Deus, consegue escutar estes nossos pedidos já tão gastos como se eles fossem as primeiras palavras amorosas balbuciadas pelos Seus filhos muito amados. Bastando, para isso, que nós nos acheguemos a Ele com um coração inocente, com aquele coração de criança sem o qual o Evangelho garantiu que não poderíamos entrar no Reino de Deus.
Já é Septuagesima, já começa a morte da Liturgia que chegará a seu cume na Semana Santa. Ainda nem é Carnaval e a Igreja já nos acena com a Quaresma; ainda nem nos despedimos do Tempo Comum e já somos privados do Gloria in Excelsis Deo dominical! Esta é a beleza da orgânica harmonia da vida litúrgica católica: cada tempo é precedido pelos seus sinais, e cada acontecimento importante ensaia seus passos mil vezes antes de subir ao palco da vida.
Voltei para casa e, ao chegar na internet, descobri que o mundo real nem sempre é tão benevolente quanto a Liturgia da Igreja; no mundo real, as tragédias por vezes chegam de supetão, qual relâmpago em céu claro, de surpresa, sem avisar e sem dar tempo para que nos preparemos. No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, centenas de pessoas morreram em um incêndio ocorrido na madrugada deste domingo numa boate. No momento em que escrevo estas linhas, o número de mortos já chega a 233; outras centenas estão hospitalizadas, em estados mais ou menos graves.
O número de mortos me espantou: no Brasil, acidentes aéreos não provocam tantas vítimas assim! E a tragédia assume contornos ainda mais dolorosos quando pensamos que, provavelmente, são jovens que perfazem a maior parte destas vítimas. Jovens com uma vida inteira pela frente, ceifada de modo estúpido pelas chamas que iluminaram lugubremente Santa Maria nesta madrugada. Se cada alma tem a sua história de salvação particular, certas páginas dolorosas, lidas de fora, deixam-nos perplexos. Não as entendemos; e por vezes o máximo que podemos fazer é cair de joelhos e suplicar a Deus misericórdia.
O texto do Fabrício Carpinejar sobre a tragédia foi muito comovente; mas momentos assim já naturalmente provocam comoção. As palavras chegam a ser supérfluas, por vezes até ofensivas. A situação toda já é de uma brutalidade atroz; custa-me acreditar que, no meio do incêndio, havia seguranças da boate «impedindo as pessoas de saírem para que pagassem o cartão de consumação». Isto chega a ser surreal; mas os corpos amontoados, esperando identificação, são angustiantemente reais. No Rio de Janeiro, um bloco de carnaval católico foi transformado em procissão de homenagem às vítimas da tragédia. Por toda a internet multiplicaram-se mensagens de luto pelos mortos e de apoio aos familiares que perderam seus entes queridos. Ao menos é reconfortante saber que o ser humano ainda é capaz de se solidarizar com a dor dos seus próximos, mesmo quando estes próximos estão a centenas ou milhares de quilômetros de distância. Na dor, nós ao menos descobrimos o quanto ainda somos humanos.
Quem quiser ajudar de modo mais concreto pode conferir o guia que o Zero Hora preparou. E todos, independente de onde estejam ou da situação na qual se encontrem, podem ajudar elevando uma prece a Deus pedindo o descanso eterno para os falecidos e o conforto para os que ficam. Miserere, Domine! Que a Virgem Santíssima, cujo nome foi dado à cidade onde aconteceu a tragédia, possa olhar com maternal solicitude para todas as vítimas deste incêndio. Que Ela console os que choram a perda dos seus filhos, irmãos e amigos; e que possa receber nas Moradas Celestes os que pereceram entre as chamas do acidente terrível.
Obrigado pelas palavras de apoio, Jorge! Aqui todo o RS está em estado de choque… :-(
Eles estavam na boate fazendo o que? Santificando o Domingo? Só de lembrar o que ensinava o Santo Cura de Ars sobre o que acontece com seu anjo da guarda quando se entra em um ambiente mundano eu fico apavorado.
Não sei o que estavam fazendo na boate e não interessa. Sim, talvez estivessem santificando o domingo, na serena alegria e diversão que são características do Oitavo Dia – não sabemos e não podemos julgar.
«Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém?» (São Lucas 13,4)
“talvez estivessem santificando o domingo, na serena alegria e diversão que são características do Oitavo Dia”
Não é preciso ser vidente para saber que isso que foi dito acima com certeza não é o que as pessoas fazem em uma boate. “Serena alegria?”, “Santificando o Domingo?” em uma boate? Só pode ser piada.
Pedro, como eu não sou capaz de dizer o que cada um dos jovens estava fazendo naquela boate (muito menos todos em grupo!), prefiro me abster de fazer juízos temerários sobre o estado de espírito alheio.
Já você parece estar muito bem informado sobre o que as pessoas fazem em boates. Quando foi a última vez que você foi pra uma? E o que estava fazendo lá? :)
E por acaso é preciso ir para uma boate para saber que lá não se santifica o domingo? Ou você se faz de ingênuo a ponto de achar que isso é possível em uma boate?
Veja isso e me diga se lá é lugar para se santificar o domingo.
http://www.youtube.com/watch?v=fvpREKjBFUY
E antes que pergunte, eu sei que esse vídeo não é na Boate Kiss, mas ainda assim é uma Boate.
Sim, a santificação do domingo é possível em qualquer lugar. Até num prostíbulo, se você estiver lá para evangelizar as prostitutas. Como eu não tenho, absolutamente, a menor condição de saber o que os jovens estavam fazendo na boate Kiss (e, salvo engano, tampouco o senhor), não me atrevo à leviandade de afirmar que “com certeza” eles estavam fazendo coisas erradas.
Quanto aos vídeos, não significam nada. Ainda que você arrolasse vídeos de todas as noites de todas as boates do mundo, continuaria sendo leviano afirmar que todo mundo que está num lugar qualquer (por pior que este lugar seja) está pecando, simplesmente porque o ser humano não admite essa generalização determinista. Em uma aula de lógica isto seria simplesmente uma proposição que admite muitos contra-exemplos. No contexto de uma tragédia, é – além disso – um juízo temerário e uma insensibilidade para com as pessoas que estão sofrendo.
Totalmente desnecessários seus discurso, ainda mais no que diz respeito a lógica, o que prova que você a desconhece, visto que a generalização sobre a boate não é algo impróprio uma vez que a própria essência da boate é justamente o contrário da santificação do domingo (daqui a pouco você vai querer defender a possibilidade de se freqüentar o carnaval. Vai falar de um Carnaval de “Jesus”). O que foi colocado em questão foi “em uma boate não pode se santificar o domingo”. Porém você acha que seja possível.
ps: Sinceramente eu não sei o que deve está pensando uma pessoa que vai para uma boate evangelizar, ela nem mesmo conseguirá falar com todo aquele barulho.
Que a «essência da boate é justamente o contrário da santificação do domingo» é um ponto não-demonstrado e aliás indemonstrável. Concedendo ad argumentandum que fosse, ainda assim seria leviano excluir a possibilidade de haver lá pessoas com finalidades nobres. É a intenção que determina a moralidade dos atos humanos, e não o meio onde eles se realizam. E a intenção não cabe a ninguém julgar.
Sim, eu acho que é possível santificar o domingo em qualquer lugar, até num prostíbulo, como falei, se quem lá estiver for um santo evangelizando as prostitutas: porque a santificação do Domingo se dá através do interior, e não do exterior. Claro que é mais provável santificar-se em certos lugares do que outros, mas isso (e este é o ponto aqui) não nos dá o direito de lançarmos ao inferno pessoas que não conhecemos só porque elas estavam em um lugar onde nos parece que foram para pecar. Isso é julgar pelas aparências, e isso é expressamente proibido pela Moral Cristã.
Sobre evangelizações, muitas vezes não é preciso falar para evangelizar. Evangeliza-se com o exemplo. Lembre-se do Poverello di Assisi: «Predicate il Vangelo, e se è proprio necessario usate anche le parole».
Sobre o Carnaval eu já escrevi muito aqui. Acho que você vai se divertir :)
Obrigado por me mostrar que tipo de católico você é, eu já desconfiava que você era assim, mas as suas postagem sobre a Boate e sobre o Carnaval já serviram para provar esse estilo católico “mais ou menos”. Sempre buscando meio termos para justificar o pecado.
“não é verdade que o carnaval seja uma completa desgraça” e mais “a primeira coisa que se precisa ter em mente ao se analisar o carnaval é justamente que ele é uma coisa boa”. Frases sua encontrada aqui https://www.deuslovult.org//2011/03/04/carnaval-i/
E não pense que não vi sua tentativa de justificar a sua frase atribuindo à inversão dos valores dos bens, mas saiba que nem toda felicidade (ou alegria) é de fato felicidade, muitas vezes ela só tem uma aparência de bem, o que não quebra com a lógica de que todo mundo busca sempre algum bem, mas a pessoa pode ser enganada com um “bem” que é apenas aparente.
Mas se você acha que o show (carnaval, boate, bailes, etc.) tem que continuar então explique isso aos santos:
“O carnaval: tempo de minhas dores e aflições” (São Francisco de Sales).
“O carnaval é um tempo infelicíssimo, no qual os cristãos cometem pecados sobre pecados, e correm à rédea solta para a perdição” (São Vicente Ferrer).
Santa Catarina de Sena, referindo-se ao carnaval, exclamava entre soluços: “Oh! Que tempo diabólico!”
“Numa outra vez, no tempo de carnaval, apresentou-me (Jesus), após a santa comunhão, sob a forma de Ecce Homo, carregando a cruz, todo coberto de chagas e ferimentos. O Sangue adorável corria de toda parte, dizendo com voz dolorosamente triste: Não haverá ninguém que tenha piedade de mim e queira compadecer-se e tomar parte na minha dor no lastimoso estado em que me põem os pecadores, sobretudo, agora?” (Santa Margarida Maria Alacoque, Escritos Espirituais).
“Não há um só mandamento da Lei de Deus que o baile não transgrida. […] Meu Deus, poderão ter olhos tão cegos a ponto de crerem que não há mal na dança, quando ela é a corda com que o demônio arrasta mais almas para o inferno? O demônio rodeia um baile como um muro cerca um jardim. As pessoas que entram num salão de baile deixam na porta o seu Anjo da Guarda e o demônio o substitui, de sorte que há tantos demônios quantos são os que dançam” (São João Maria Vianney).
No mais eu fico com os ensinamentos da Igreja e dos Santos como São Vicente Ferrer, São Luis Maria G. de Montfort, São João Maria Vianney, etc..
Lucas & Pedro: resumindo então, vocês estão é mandando um sonoro BEM FEITO para as vítimas da tragédia, correto? É proibido rezar, se preocupar, ter pena, etc. delas, é isso?????
Errado VR5. O que Estou contestando é a frase do Jorge Ferraz que diz que a Boate pode ser um lugar de Santificação. Isso não tem nada haver com o que você postou. Leia com atenção antes de comentar.
Pedro,
Sobre buscar «meio termos para justificar o pecado», desculpe, mas você não entendeu absolutamente nada. Leia de novo, de preferência na ordem, e concedendo-me um pouco de boa vontade (entender o contexto e chamá-lo pejorativamente de “justificativa” (!) só para ter o que atacar não é muito honesto intelectualmente).
Sobre as frases dos santos e o Carnaval, eu já falei aqui e aqui. Você teria visto, se tivesse lido o que indiquei ontem.
Por fim, é claro que você tem todo o direito de não ir a bailes, sejam de Quinze Anos, de MPB ou de Carnaval. Fique à vontade! Só não julgue os outros (menos ainda em público), porque isso é muito feito.
Abraços,
Jorge
Jorge Ferraz:
Prefiro pensar que por ignorância aqueles seguranças não conseguiam imaginar que alguém ia sequer ferir-se com uma pequena chama, se é que na fase dos impedimentos de saída eles já sabiam que havia fogo. Na verdade, sabemos que o que causou mais dano efetivo foi a fumaça, e não é qualquer um que tem o conhecimento necessário para temer a tempo “uma fumacinha” próxima, num contexto daqueles. Seguranças geralmente são mais providos de músculos. Quando a coisa cresceu a ponto de provocar o medo generalizado, já não era possível deslocar a massa com eficiência.
Acho que foi uma semana antes, assisti um filme na TNT que na minha interpretação e opinião tem muito a ver com o que acabo de falar: O Leitor.
O filme não passa uma mensagem santa; seu atrativo maior provavelmente é a estorinha pecaminosa de início de enredo: um adolescente alimenta um vício sexual diariamente com uma senhorita muito atraente que tem o dobro de sua idade. Acontece que essa senhorita é uma analfabeta, e do meio para o fim o filme fica mais, digamos, intelectual, tratando do causo central: o julgamento da tal senhorita como uma suposta nazista supostamente responsabilizável em alto grau pela morte de judeus que ela não deixara sair de uma igreja em chamas. Assistindo o depoimento da personagem, ficou claro para mim que ela, por uma ignorância inerente à sua condição de analfabeta, apenas procurou “cumprir seu dever de manter a ordem”, segundo sua condição existencial limitada. A personagem definitivamente não tinha consciência do que era o nazismo!
Penso ser plausível considerar a possibilidade de situações assim na vida real.
Eu:
Oops! Equivoquei-me. Ou expressei-me mal. O filme passa algumas mensagens santas, sim; só que ele também passa mensagens não santas, como já mostrei. Essas, infelizmente, chamam atenção muito mais facilmente do que aquelas. Foi esse ponto.