A quinta-feira seguinte chegou e, com ela, a resposta da Gazeta do Povo à mobilização de milhares de internautas que, desde a última semana, haviam se polarizado entre o ataque estúpido e a defesa solidária ao professor Carlos Ramalhete por conta da sua última coluna publicada naquele jornal. Com relação ao desfecho deste affair (aguardado com expectativa pelos dois lados da polêmica!), os nossos mais sinceros agradecimentos à Gazeta do Povo porque, nela, o bom senso venceu o obscurantismo intolerante dos fanáticos que babando exigiam o fim da coluna do Ramalhete. O articulista segue escrevendo nas quintas-feiras. Parabéns ao jornal de Curitiba por não ceder à pressão dos neofascistas! Não nos esqueçamos de nos manifestar junto ao jornal apoiando esta sua louvável atitude.
Em uma excelente resposta à talvez mais tosca das acusações que ele sofreu ao longo desta semana – a de que as suas opiniões a respeito da adoção de crianças por duplas de homossexuais eram um atentado à laicidade do Estado -, o Ramalhete publicou hoje um texto chamado “Uma religião para todos?”, onde aborda o problema com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar. Leiam-na. Cito apenas um trecho, do comecinho, para dar água na boca.
Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.
Isso que o Carlos aborda vem ao encontro de várias coisas que eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! sobre o assunto (p.ex., aqui e aqui, entre tantas outras). Ora, se o ateísmo é ou se propõe a ser uma resposta ao problema de Deus, então é lógico que ele é um fenômeno localizado no mesmo patamar das diversas expressões religiosas existentes mundo agora. Quando a pergunta “quem é Deus?” se coloca diante do homem, dizer “não há Deus” é uma resposta no máximo tão válida quanto qualquer outra que afirme “Deus é este” ou “Deus é aquele”. E o que vale para estas últimas deve também, por força de coerência, valer para aquela. A alegada laicidade do Estado, portanto, antes de oferecer suporte às pretensões totalitárias dos anti-católicos, na verdade serve para lhes dar um “cala-a-boca” e os reconduzir ao seu lugar. Evocar o Estado Laico na promoção de uma cultura atéia é simplesmente uma contradição boba, é uma usurpação indevida e perigosa do conceito de laicidade, é uma ameaça concreta à liberdade religiosa. No Brasil de hoje, os maiores inimigos do Estado Laico não são os cristãos e nem nenhuma outra religião tradicional: são os sacerdotes do ateísmo, porque estes contam com o apoio intelectual dos formadores de opiniões e com a amizade dos que detêm o poder.
Ainda esta semana, nas discussões sobre o artigo do Carlos Ramalhete, eu comentei no Facebook com uma garota que os ateus têm todas as características que gostam de execrar nos religiosos. Eles acreditam em coisas que não podem ser demonstradas (= que Deus não existe, que o ateísmo é a melhor resposta ao problema de Deus, etc.), agem com proselitismo na expansão de suas crenças (o que se expressa nos seus constantes ataques à religião), julgam-se detentores da verdade absoluta (no máximo tratando com uma pseudo-caridosa condescendência os religiosos tradicionais, que julgam possuir uma inteligência inferior), estão convencidos de que as suas concepções religiosas são as mais corretas e as melhores para o mundo e quando não conseguem vencer os seus oponentes nos argumentos apelam para o braço secular exigindo que o Estado venha em seu socorro e cale o dissidente. Ora, qual é sinceramente a diferença entre isto e a mais grotesca caricatura que os próprios ateus pintam de um fanático religioso queimando bruxas nas profundezas da Idade das Trevas? É espantoso que esta nova modalidade religiosa seja assim tão exaltada nos dias de hoje! Espantoso e aliás perigoso. Poucos fanatismos religiosos são mais daninhos à sociedade do que este fanatismo ateu típico dos nossos tempos.
Muito bom artigo!
Ataque de “neofascistas”? Ora, as posições desse sujeito (e as suas) são típicas de extrema-direita, corrente política dos fascistas. Essa enxurrada de artigos pedindo pateticamente apoio ao autor é um claro sinal de que estão acuados, estão na defensiva. E isso é muito bom para mostrar que esses pseudo-guias da sociedade e aqueles saudosos do poder temporal da igreja estão isolados e tem apoio ínfimo da sociedade. Já se foi o tempo em que essas posições anacrônicas eram expostas na imprensa como uma verdade suprema, como um guia para sociedade, sem admitir contestações. Na era da internet e da população (um pouco mais) esclarecida, isso já era. Se estão acuados, é porque sentiram o golpe e de forma dolorosa implicitamente tem que admitir que não são mais do que meros prosélitos de um modo de vida arcaico e quase extinto. Como diria Galileu: “Eppur si muove” – No entanto a Terra se move!
Ué, e a enxurrada de artigos, comentários, tweets, emails et cetera exigindo histericamente que a Gazeta do Povo retrate-se e demita o colunista, mostra o quê? :)
Outrossim, se você acha que temos “apoio ínfimo da sociedade”, a gente podia tirar a prova dos nove e fazer um plebiscito para perguntar à população se ela quer que o Estado entregue crianças órfãs para duplas de gays, lavrando certidões de nascimento com o nome de dois marmanjos (ou duas senhoras) no lugar do pai e da mãe. Que tal?
Pois é, caríssimo, a despeito da sanha totalitária da minoria barulhenta ávida por solapar a sociedade brasileira de suas bases religiosas históricas, a terra se move. Tome cuidado pra não cair com o movimento :)
“corrente política dos fascistas”
Você está falando olhando no espelho, homofascista dawkinista?
A argumentação deste artigo cai diante apenas de uma premissa: a de que a fé em deus pode simplesmente não ser relevante para certos grupos de pessoas. Em outras palavras: essa não seria uma questão-guia para responder os “grandes mistérios” que envolvem a existência humana para tais grupos. O professor Ramalhete falha em seu argumento – imagino que por desconhecimento de linhas de pensamento diferentes das quais ele faz parte – ao estabelecer que as pessoas necessitam de uma ligação com o sobrenatural para compreender a “ordem das coisas”. Ignora, deste modo, todo o restante do vasto conhecimento secular (i.e. filosófico, científico, popular) presente em diversas culturas – incluindo a nossa – que podem vir a cumprir perfeitamente esse mesmo papel. Quanto ao fanatismo e obscurantismo, este pode ser observado claramente tanto por parte dos ateístas quanto dos teístas. Excluindo-se as frentes mais radicais, linhas de pensamento adequadas para alguém que se diz humanista seriam o monismo, caracterizado principalmente pelo naturalismo, ou o dualismo, onde a crença espiritual (seja teísmo, deísmo ou outras formas de crenças) divide espaço com o empirismo material.
Abraços.
Você não entendeu.
Dizer “a fé não é relevante” é exatamente dar uma resposta ao problema de Deus (à pergunta sobre o que é fé e qual o seu papel na vida humana em sua integridade, incluindo as suas relações sociais) que, portanto, está no mesmíssimo nível de qualquer outra resposta à mesma pergunta (as respostas religiosas clássicas). Não há, portanto, nenhuma razão para discriminar as crenças religiosas em favor da crença atéia, uma vez que esta nem é essencialmente diferente das outras concepções religiosas, nem pode aduzir a favor da sua preponderância argumentos que dirimam a questão, nem tem potencial civilizatório historicamente demonstrado, nem é a crença da maior parte das pessoas de uma sociedade concreta, nem nada do tipo.
Dizer “a vida em sociedade deve se organizar como se Deus existisse” e “a vida em sociedade deve se organizar como se Deus não existisse” são duas propostas de valor em princípio absolutamente iguais. Assim, a sanha laicínica de alguns setores auto-intitulados “bem pensantes” e “esclarecidos” da sociedade é, tão somente, um exemplo clássico de fanatismo religioso e intolerante de gente que acredita (bem ou mal intencionada, não vem ao caso) que a sua proposta religiosa é a melhor para o mundo e, portanto, deve ser adoptada sem discussões na vida política, com a exclusão (com o uso da força, se necessário for) de todas as vozes discordantes. Qualquer semelhança com uma ditadura teocrática não é mera coincidência.
Você não entendeu.
Estava me referindo ao ignosticismo, o que também pode ser entendido como uma “resposta ao problema de Deus”. Segundo essa corrente teológica, não há um deus a ser problematizado e, portanto, não existe um problema de facto. O termo “Deus” simplesmente perde o seu significado, uma vez que não pode ser claramente definido (segundo o ignosticismo). Ou seja, a questão deixa de ter significado uma vez que a premissa que a sustenta não possui valor algum (independente de existir ou não, o que é outra discussão). Opinião minha (sinta-se a vontade para refutar): talvez essa fosse uma linha de raciocínio mais honesta a ser seguida quando se trata da laicidade do Estado, uma vez que este (como previsto na Constituição) deve amparar TODOS os seus cidadãos, independente de credo das maiorias ou minorias de sua população. Nesse caso, simplesmente não há proposta religiosa ideal, uma vez que a religião não é alvo do debate. Sugiro uma leitura mais aprofundada sobre essa linha teológica, para maiores considerações. Abraços.
Acabei de assistir a uma reportagem onde o Arcepisbo Emérito, Dom Vitório Pavanelo se manifestava sobre um fato ocorrido em Campo Grande-MS, a morte brutal e violenta de dois jovens por causa de um carro que seria trocado por droga (a quadrilha que cometeu o crime era composta por jovens também).
Ele dizia mais ou menos isto: “enquanto o Estado ficar com este discurso laicista e impedindo que valores cristãos sejam propagados e difundidos para sociedade qualquer tentativa de combate à violência será praticamente fazer buraco em água.”
Diante da frase do Arcebispo digo, a pretexto de laicidade do Estado não se pode querer calar a voz daquele que propaga princípios cristãos. Afinal, Estado laico não significa Estado ateu.
O “problema de Deus”, conforme postulado pela Filosofia (considerada em si, acima das correntes filosóficas específicas) existe objetiva e absolutamente. A ele é possível dar diversas respostas, e mesmo dizer que “não tem resposta” é em si uma resposta a ele. Para fazer uma analogia, na matemática existem problemas sem resposta e demonstrar que eles não têm resposta (assim como demonstrar que a resposta existe e é unica, p.ex.) é resolvê-lo (ou ao menos parcialmente). Assim, dizer que “não há um Deus a ser problematizado” é uma resposta a este problema, em princípio tão válida quanto dizer, p.ex., que o Deus que existe é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.
Ora, é possível ter a opinião de que o Estado laico deve agir como se não existisse Deus. O que não é possível é julgar a priori (como fazem os fanáticos neo-ateístas) esta crença como se fosse a única válida, pairando superiora sobre as demais crenças como se não tivesse (no mínimo) a mesma natureza delas. Ou, pior ainda, querer usar a força política para impôr a hegemonia social desta visão que não é, absolutamente, a visão da maioria dos cidadãos (aliás, nem mesmo de parte significativa deles).
Sinto que você continua sem entender o que eu escrevi (faço mea culpa, talvez tenha sido vago em minhas palavras), mas tudo bem. Ainda aconselho leitura sobre Ignosticismo (que é diferente do Agnosticismo, para constar). Abraços. (P.S.: não é necessário publicar esse comentário) :)
Ops, escapou :)
2012/9/6 Disqus
Quanto ao Sr. Ramalhete eu já previa o resultado, motivo? Total irrelevancia dos inimigos, três mil pessoas(alias a maioria não foram os gays foram as vadias, que ainda devem estar com raiva dele) é nada, o jornal deve ter perto de 160 mil exemplares, o Ramalhete (para ser relevante para o jornal) deve ter pelo menos dez vezes mais leitores que os pouquíssimos defensores que teve, a pergunta de porque tão pouca gente defendeu ele?Bom acredito que ninguém liga para as vadias.
Jorge,
Parabéns pelo artigo. Excelente!
Afirmar que Deus é “um não-problema” não é uma resposta ao “problema-Deus”?
Pois é Lampedusa: exatamente. Não há como tergiversar aqui.
É verdade. O termo neofascistas se aplica muito mais ao sujeito em questão – posições típicas de direita e até extrema-direita, do que aos seus adversários. E parece que o tal Ramalhete sentiu o golpe…
O tal Ramalhete ultrapassou os neofascistas quanto ao número de apoios nas petições…
Seria muito lindo e verdadeiro, se a pessoa neofascista com quem você conversou, no caso EU, não tivesse deixado bem claro naquele momento que NÃO É ATÉIA. Aliás, acredito sim em Deus e tenho muito mais certeza de seguir os preceitos deixados pelo Mestre Jesus do que pessoas mentirosas e hipócritas como você. Justamente pela constante necessidade de mentir é que seu discurso demonstra ser totalmente vazio. Se quer viver uma mentira com tanta energia, vá em frente. O Estado livre que defendo dá essa chance para você. Apenas não queria liberdade para divulgá-las como se verdades fossem em jornal de grande circulação, porque estaremos de olhos muito bem abertos nas próximas publicações. Quem sabe apenas as desculpas oferecidas pelo Ramalhete não sejam mais suficientes em uma segunda oportunidade. Vai arriscar?
E onde foi que eu disse que você é atéia, menina?!
Eu hein! Vai ser ruim de interpretação de texto assim lá no Facebook!
Carlos Ramalhete pediria desculpa pelo quê?
“Onde fica o cemitério dos deuses mortos? Algum enlutado ainda regará as flores de seus túmulos? Houve uma época em que Júpiter era o rei dos deuses, e qualquer homem que duvidasse de seu poder era ipso facto um bárbaro ou um quadrúpede. Haverá hoje um único homem no mundo que adore Júpiter? E que fim levo Huitzilopochtli? Em um só ano — e isto foi há apenas cerca de quinhentos anos — 50 mil rapazes e moças foram mortos em sacrifício a ele. Hoje, se alguém se lembra dele, só pode ser um selvagem errante perdido nos cafundós da floresta mexicana. Falando em Huitzilopochtli, logo vem à memória seu irmão Tezcatilpoca. Tezcatilpoca era quase tão poderoso: devorava 25 mil virgens por ano. Levem-me a seu túmulo: prometo chorar e depositar uma couronne des perles. Mas quem sabe onde fica? (…) Arianrod, Nuada, Argetlam, Morrigu, Tagd, Govannon, Goibniu, Gunfled, Odim, Dagda, Ogma, Ogurvan, Marzin, Dea Dia, Marte, Iuno Lucina, Diana de Éfeso, Saturno, Robigus, Furrina, Plutão, Cronos, Vesta, Engurra, Zer-panitu, Belus, Merodach, Ubililu, Elum, U-dimmer-an-kia, Marduk, U-sab-sib, Nin, U-Mersi, Perséfone, Tammuz, Istar, Vênus, Lagas , Belis, Nirig, Nusku, Nebo, Aa, En-Mersi, Sin, Assur, Apsu, Beltu, Elali, Kusky-banda, Mami, Nin-azu, Zaraqu, Qarradu, Zagaga, Ueras. Peça ao seu vigário que lhe empreste um bom livro sobre religião comparada: você encontrará todos eles devidamente listados. Todos foram deuses da mais alta dignidade — deuses de povos civilizados —, adorados e venerados por milhões. Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos.”
— H. L. Mencken
“Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais”
A falácia já começa na ignorância do assunto. Os deuses astecas – Huitzilopochtli, Tezcatlipoca (e não ‘TezcaTILpoca’), Quetzalcoatl, dentre outros – NÃO eram imortais nem, muito menos, onipotentes. Aliás, um verdadeiro estudioso de religiões saberá distinguir um credo monoteísta, de percepção quase ou totalmente abstrata, de mitos como os citados, carregados de antropocentrismo. Divindades como Zeus, Odin, Huitzilopochtli, para citar figuras máximas dos seus panteões, nascem, crescem, reproduzem, guerreiam, possuem parentes, exatamente como os que os cultuavam. Igualar essas cosmovisões a Deus, em que acreditamos nós, cristãos, é de uma mediocridade intelectual de causar pena. Falando nisso, seria bom alguém avisar ao tal Mencken que não precisa juntar numa mesma citação Saturno e Cronos, par sincrético greco-romano (talvez um “bom livro sobre religião comparada” o ajudasse a evitar erro tão primário).
E enfim, pergunta-se: o que insinua o autor desse texto? Vamos ver o “poderosíssimo argumento”, bem próprio de ateu antirreligioso irracional: divindades greco-romanas, sumérias, acádicas, nórdicas, e outras, não tem mais crentes hoje em dia, posto que os que neles acreditavam desapareceram junto com sua civilização. Logo, o deus cristão não existe, porque desaparecerá se/quando esta civilização chegar a seu término.
Muito bonitinho, mas só tem um probleminha. Poderia o ateu demonstrar que para Deus existir é necessário existir quem nEle acredite? Haja “non sequitur”.