A carta que o Papa Francisco enviou recentemente ao Eugenio Scalfari já começa a dar frutos. Foi publicada na edição de hoje do La Repubblica (original aqui, em inglês aqui; em português só encontrei esta tradução do Fratres in Unum) uma entrevista «exclusiva» que o fundador do jornal realizou com o Vigário de Cristo.
Foi o próprio Papa quem o convidou: «mercoledì non posso, lunedì neppure, le andrebbe bene martedì?» “Sim”, respondeu o ateu, «va benissimo». E lá se foram os dois veneráveis anciãos conversar sobre a Fé e sobre os problemas do mundo atual.
Problemas cuja expressão máxima o Papa identifica, logo de saída, com a falta de transcendência do mundo moderno: «si può vivere schiacciati sul presente?» “É possível viver esmagado pelo presente”, sem passado e sem futuro? Aqui o «desemprego» da juventude é mais acídia do que questão trabalhista e, a «solidão» da velhice, mais desespero do que carência emocional. Uma vez que se elimina Deus do mundo, uma vez que o materialismo é erigido como norte da vida humana, os velhos estão encurralados diante de um abismo que conduz ao nada e os jovens não se sentem motivados a trilhar o caminho que conduz a este crepúsculo inglório que eles já hoje enxergam nos seus pais e avós. Os dois extremos são, assim, parte de um só e mesmo problema: se a vida caminha inexoravelmente para a velhice e esta não tem sentido, então o próprio «caminho» não tem sentido. A vida se transforma numa estrada estúpida que conduz a lugar nenhum: é natural que muitos não tenham portanto sequer vontade de a trilhar. Não têm as coisas que dão sentido à vida, «e il guaio è che non li cercano più». “E o problema é que sequer as procuram mais”, como disse o Papa Francisco.
Ele não quer fazer proselitismo: «[o] mundo é cruzado por vias que se aproximam e se separam, mas o importante é que elas levem ao Bem». Grifo: levem, verbo conjugado no subjuntivo, que expressa desejo, dever, e não levam, no presente do indicativo, como se se tratasse já de um fato consumado. No original italiano, «portino», para não deixar dúvidas. É óbvio que as vias não necessariamente conduzem, assim em ato, ao Bem; mas é importante que elas conduzam para Ele. A história de nossas vidas não necessariamente nos há de levar para Deus. Mas, se existe algum Fim Último na História, o que importa é que as nossas histórias concretas conduzam a Ele. É esta a missão da Igreja. É esta a contribuição concreta que Ela pode dar à triste situação poucas linhas atrás delineada.
Para explicá-lo melhor, o Papa parafraseia Sto. Tomás: “Cada um de nós tem uma visão do bem e do mal. Temos que encorajar as pessoas a caminhar em direção ao que elas consideram ser o Bem”. No original italiano: «Noi dobbiamo incitarlo a procedere verso quello che lui pensa sia il Bene». É o mesmíssimo ensinamento que o Aquinate expõe de maneira lapidar na Summa: «hay que decir sin reservas que toda voluntad que está en desacuerdo con la razón, sea ésta recta o errónea, siempre es mala» (I-IIae, q. 19, a. 5, resp.). E se é evidente que Santo Tomás não é um relativista, tampouco o é o Papa Francisco. Ele sabe muito bem que, embora nem sempre desculpe (cf. id. ibid., a.6), a consciência – mesmo errônea – sempre obriga; e portanto é mister incentivar a segui-la. Simplesmente não há outro caminho.
Porque o papel da Igreja obviamente não é obrigar as pessoas a agirem contra a própria consciência, e sim levá-las a uma verdadeira conversão, uma metanóia, uma “mudança de mente”, de consciência, a fim de que façam o que é certo não como uma imposição exterior, mas em harmoniosa obediência ao mais íntimo do seu ser. Para isso precisam encarar a Fé Católica não como um conjunto desconexo de normas e proibições, mas como um encontro com uma Pessoa: Jesus Cristo. E para isso é preciso à Igreja “ir ao encontro” delas, usando uma expressão cara ao Papa Francisco, a fim de que possa mostrar-lhes o Bem a que elas almejam. Para isso é preciso «conhecer um ao outro, ouvir um ao outro e melhorar o nosso conhecimento do mundo ao nosso redor», como ele falou ao Scalfari nesta entrevista, e como já o repetiu tantas outras vezes de outras formas ao longo do seu pontificado.
E a conversa prossegue: Igreja, santos, mística, graça. Alfineta o Sumo Pontífice: «Mesmo o senhor, sem o saber, poderia ser tocado pela graça». O ateu diz que não acredita em alma. «[M]as você tem uma», riposta com maestria o Vigário de Cristo. O ateu sente o chão faltar-lhe aos pés e corta a conversa: «Santidade, o senhor disse que não tem a intenção de tentar me converter e não acho que o senhor conseguiria». E o Papa: «Questo non si sa», “isto não se sabe”, não dá para saber.
O Papa Francisco então pergunta no que crê o velho ateu. Ele responde: «Acredito no Ser, que está no tecido do qual surgem as formas e o corpos». Insiste o Vigário de Cristo: «Mas você pode definir o que você chama de Ser?». E a resposta do Scalfari é digna de ser reproduzida na íntegra, em português e no original italiano, para que se tenha uma noção do quão confusa é a única cosmogonia a que foi capaz de chegar um intelectual ateu após longos 89 anos de vida:
Ser é uma fábrica de energia. Energia caótica, mas indestrutível e caos eterno. As formas emergem da energia quando ela atinge o ponto de explosão. As formas têm as suas próprias leis, os seus campos de magnetismo, os seus elementos químicos, que combinam aleatoriamente, evoluem e eventualmente são extintos, mas a sua energia não é destruída. O homem é provavelmente o único animal dotado de pensamento, ao menos, no nosso planeta e no sistema solar. Disse que ele é guiado por instintos e desejos, mas eu acrescentaria que ele também contém dentro de si uma ressonância, um eco, uma vocação de caos.
[L’Essere è un tessuto di energia. Energia caotica ma indistruttibile e in eterna caoticità. Da quell’energia emergono le forme quando l’energia arriva al punto di esplodere. Le forme hanno le loro leggi, i loro campi magnetici, i loro elementi chimici, che si combinano casualmente, evolvono, infine si spengono ma la loro energia non si distrugge. L’uomo è probabilmente il solo animale dotato di pensiero, almeno in questo nostro pianeta e sistema so-lare. Ho detto è animato da istinti e desideri ma aggiungo che contiene anche dentro di sé una risonanza, un’eco, una vocazione di caos.]
Aqui a entrevista praticamente termina. Diz o Papa, em tom condescendente: «Está certo. Não quero que você me faça um resumo de sua filosofia e o que você me disse é o suficiente». Um pouco antes das afabilidades finais, uma última coisa disse o Papa Francisco:
Demos um passo à frente em nosso diálogo. Observamos que na sociedade e no mundo em que vivemos o egoísmo tem aumentado mais do que o amor pelos outros, e que os homens de boa vontade precisarão trabalhar, cada qual com os seus pontos fortes e experiência, para garantir que o amor aos outros aumente até que seja igual e possivelmente exceda o amor por si mesmo.
Na redação que lhe conferiu o fundador do La Repubblica, este é o clímax da entrevista, o ponto de chegada ao qual ela conduz. E um jornal secular estampando na primeira capa uma reportagem onde se fala de deveres morais, de santos, de mística, de graça, e que termina conclamando as pessoas a se esforçarem por amar mais ao próximo do que a si próprias é uma vitória e tanto do Sumo Pontífice. Pela primeira vez em muito tempo, talvez a primeira vez desde que eu me entendo por gente, um Papa pautou o tom das reportagens sobre ele ao invés de ser pautado por elas. Bravo, bravissimo! Que Deus abençoe o Papa neste terreno pantanoso em que ele se move com tão assombrosa desenvoltura. Que os inimigos dele sejam confundidos e dispersados diante desta Rocha imponente contra a qual não prevalecerão as portas do Inferno. Que, olhando para ele, o mundo creia e se coloque aos pés do Crucificado. A fim de que (re)encontre o caminho. A fim de que seja salvo.
Prezado Jorge, salve Maria.
Você escreve:
“(…) eu sei que você acredita estar fazendo o bem ao achincalhar a hierarquia visível da Igreja, e é verdade: você é moralmente obrigado em consciência a isso! No entanto, como ensina Sto. Tomás, embora a consciência sempre obrigue, ela nem sempre desculpa, e é possível pecar – e mesmo pecar gravemente – ao se seguir a própria consciência, caso ela esteja errônea por negligência. É certamente o meu dever de caridade lembrar-lhe isso e rezar por si; mas se a pessoa é sedevacantista, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? :)”.
Por isso eu gosto de você, meu amigo, mas Francisco foi mais além disso, dizendo que se deve encorajar a pessoa a fazer aquilo que ela julga ser o Bem.
Você me encoraja a fazer o que eu julgo ser o Bem, e entende que com isso eu faço um mundo melhor, achincalhando a “hierarquia visível”?
Abraços,
Sandro
Jorge,
Ele não negou, mas também não afirmou.
Se o Papa achasse importante acrescentar o adjetivo “reta” ou “bem formada” ao substantivo “consciência”, ele poderia perfeitamente tê-lo feito. Acho inacreditável que um Papa não saiba a distinção entre “seguir a própria consciência” e “seguir uma reta consciência”.
Assim, o fato incontestável é que o Papa Francisco não disse o mesmo que você está dizendo.
Você está adicionando elementos externos e partindo de axiomas que não estão presentes nas palavras do Papa para atribuir-lhes um sentido que, na sua opinião, é o mais correto. Contudo, outros poderão partir de outros axiomas e legitimamente chegarão a sentidos completamente diferentes do seu.
As palavras do Papa que estamos discutindo foram dirigidas a um ateu, num tom coloquial, e foram publicadas num jornal popular. Assim, parece-me que é tolice querer ler nelas mais do que elas de fato contêm.
Mas não, não acho que elas sejam prova de heterodoxia ou coisa que o valha. Se essas palavras revelam alguma coisa, eles revelam apenas a desproporção entre o atual Pontífice e os desafios que a Igreja enfrenta.
Jorge,
As duas citações que você trouxe provêm de homilias do Papa. Como já disse, o discurso do Papa para consumo interno é geralmente bom; já o discurso para consumo externo é geralmente ruim.
Sandro, Salve Maria!
Como eu já falei acima, incentivar genericamente a pessoa a fazer o que ela acha que é o bem é bastante distinto de incentivar concretamente um mal objetivo que a pessoa toma por bem.
Como eu tenho certeza de que nenhuma pessoa sã no mundo pode ter entendido que o Papa tenha mandado incentivar, p.ex., que um estuprador violente uma mulher lésbica para «corrigir» a sua sexualidade, ainda que ele ache que isso é o bem para aquela mulher, parece-me que está óbvio para virtualmente todo mundo que o Papa não poderia nos estar mandando incentivar concretamente atos objetivamente maus.
Portanto, não, eu não o encorajo concretamente a achincalhar a hierarquia visível da Santa Madre Igreja, como não encorajaria concretamente um espírita a freqüentar seus centros, ou um macumbeiro os seus terreiros, e tenho certeza de que é exatamente isso o que disse o Papa. Aliás, qualquer outra interpretação da frase dele conduz a absurdos.
Você com certeza faz um mundo melhor ao seguir a sua consciência, porque caso contrário seria um hipócrita, e um mundo de pessoas sinceras, ainda que enganadas, é objetivamente melhor do que um mundo de hipócritas. Isso não significa, no entanto, que as pessoas sinceras não possam fazer o mundo melhor ainda ao se esforçarem por formar cada vez mais retamente as suas consciências.
Abraços,
Jorge
JB,
Não me parece nada «legítimo» partir de axiomas anti-católicos para chegar a interpretações de declarações pontifícias que não façam sentido dentro do Catolicismo.
Concordo que é tolice ler nas palavras do Papa mais do que elas contêm. E como a frase «quem segue a consciência nunca peca» não se encontra na fala do Papa, lê-la é uma tolice.
As proposições “seguir a própria consciência” e “seguir uma reta consciência” são duas coisas bem diferentes e ambas bem verdadeiras, como explicamos à exaustão aqui.
Abraços,
Jorge
O Bem absoluto está gravado nos corações de cada um, mas somos livres para ignorá-lo, sempre é possível não fazer o bem que queremos e sim fazer o mal que não desejávamos fazer.
A vida eterna é destinada aos que perseverando em fazer o bem, buscam a glória, a honra e a imortalidade.
Tribulação e angústia sobrevirão a todo aquele que pratica o mal, primeiro ao católico depois ao não católico, mas glória honra e paz a todo o que faz o bem, primeiro ao católico e depois ao não católico, porque diante de Deus não há distinção de pessoas. Todos os que sem conhecer a doutrina pecam, sem a aplicação da doutrina perecerão; e quantos pecaram estando cientes da fé, pela fé serão julgados.
Porque diante de Deus não são justos o que dizem ter fé, mas são tidos por justos os que praticam o que é bom aos olhos de Deus.
Os que não professam a fé católica, fazendo naturalmente as coisas que agradam a Deus, são justificados pelos seus atos; eles mostram que o bem está gravado em seus corações, dando-lhes testemunho a sua consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente.
O Julgamento é sempre dEle.
Jorge,
O axioma que tenho para mim – “O Papa pode eventualmente cometer erros em entrevistas concedidas a jornais leigos” – não me parece ser anti-católico.
Sua cultura e inteligência são muito superiores às minhas, mas a impressão que às vezes tenho é que você parte do axioma “O Papa nunca erra” e, depois de algumas voltas brilhantes, conclui: “O Papa não errou!”
Considerando todos os fatores envolvidos, custa-me a crer que você realmente julgue que o saldo dessa desastrosa entrevista tenha sido positivo, como o título de sua postagem indica. Você certamente concordará que uma explicação incompleta é uma explicação errada.
Não entendo como o mero fato de estar seguindo a própria consciência possa remover o pecado de um ato objetivamente mau e não entendo como um mundo de pecadores “sinceros”, que sequer admitem que estão pecando, possa ser melhor que um mundo de pecadores hipócritas, que ao menos admitem interiormente que pecam.
Jerusalém, com todos os seus fariseus hipócritas, era certamente uma cidade melhor que Roma com seus idólatras e sodomitas sinceros.
Aconselhar alguém a seguir a própria consciência só pode ser um bom conselho se temos um mínimo de certeza que a consciência dessa pessoa é bem formada.
JB,
Não é «[o] Papa pode eventualmente cometer erros em entrevistas concedidas a jornais leigos» que é o axioma anti-católico aqui. Na verdade, é «não existe dever de formar retamente a própria consciência» o pressuposto elíptico que precisa ser adotado para achar que o Papa está mandando os pecadores pecarem. Como falei mais acima, tenho absoluta certeza de que ninguém interpretou dessa maneira as palavras do Papa em se tratando de pedófilos, cleptomaníacos, sádicos, psicopatas em geral, etc. Parece que os únicos que estão achando que o Papa está mandando os que pecam pecarem ainda mais firmemente são os católicos tradicionais…
Não tenho certeza de que os judeus que mataram a Cristo estavam melhores do que os pagãos que O confessaram alegremente pouco depois. Se é verdade que as árvores se conhecem pelos frutos, há pelo menos uma frase de Nosso Senhor nos Evangelhos mais favorável à Capital do Império do que à Cidade Santa: «Não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel» (Mt VIII, 10b).
Você está provavelmente certo em achar que os que não admitem estar pecando não podem ser melhores para o mundo do que os que pecam sabendo o que estão fazendo. Acontece que a maior parte das pessoas tem uma consciência bem formada em parte bastante considerável das situações concretas com as quais se depara, uma vez que a Lei Natural é intrínseca ao ser humano. Claro que ninguém pode aconselhar Robespierre a mandar fazer mais guilhotinas, mas estas exceções não derrogam a regra geral.
Abraços,
Jorge
Jorge,
De fato, suponho que um serial-killer aja contra sua própria consciência e que, portanto, se seguisse o conselho do Papa, seria melhor para todos.
Mas creio não errar muito se disser que o uso de anticoncepcionais é hoje a regra entre os cristãos do mundo. Suponho que os milhões que os usam tenham achado as palavras do Papa reconfortantes e estejam mais do que antes estimulados a seguirem sua própria consciência (isto é, a continuar usando anticoncepcionais). Esse raciocínio não me parece absurdo.
JB,
Parece-me justamente o contrário. Se as pessoas tinham algum mínimo escrúpulo de consciência em usar contraceptivos, o Papa diz-lhes que elas devem se pautar por este incômodo interior, e não pelo que o mundo diz. Devem fazer o que elas sinceramente acham, e não o que dizem para elas fazerem.
Pensando bem, a Igreja não tem hoje mais força do que a mídia. Não pode, portanto, competir com ela em capacidade de formar mentalidades. Ao apelar para a consciência, o Papa diz às pessoas que não ouçam o que os ideólogos do momento pregam, mas as suas convicções mais íntimas e pessoais. E, no âmbito da consciência, a voz de Deus na Lei Natural é mais audível que os sofismas barulhentos dos revolucionários. Na incapacidade prática de falar mais alto do que a modernidade, o Papa muda o terreno do combate e manda as pessoas se guiarem não por quem se faz ouvir melhor, mas pelo que as suas consciências interna e sinceramente lhes dizem. Jogada de mestre!
Abraços,
Jorge
Não sou especialista no assunto, outros provavelmente poderão falar com muito mais propriedade sobre todo o significado da palavra consciência, do ponto de vista teológico. Mas entendo que, quando remetemos alguém ao exame de consciência, pedimos que esta procure no mais profundo do seu ser, que reflita, que faça uma avaliação corajosa, honesta e justa, longe de possíveis influências externas negativas. Seguir a própria consciência não tem nada a haver com seguir impulsos, ser teimoso, ou procurar o caminho mais fácil. O que hoje se chama de “consciência”, na maioria das vezes, tem muito pouco a haver com ela. Quando o Papa fala em seguir a consciência, penso que todo católico entende , ou deveria entender, como seguir a voz da Verdade.
Será que o Papa não está sobrestimando a consciência cauterizada?
Há vários tipos de consciência: a verídica e a errônea, a vencivelmente errônea, a invencivelmente errônea, e, dentre as errôneas, a escrupulosa, a perplexa, a laxa, a cauterizada (fonte: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=2790)
Eu entendo as boas intenções do Sumo Pontífice, mas acho que ele poderia ter insistido mais na formação da consciência, porque quem segue a uma consciência laxa ou cauterizada vai para o inferno, mesmo com a obrigação de segui-la.
Santo Tomás dá a entender que costumes depravados e hábitos corrompidos podem apagar da consciência de uma determinada sociedade certos preceitos de lei natural, a exemplo dos germanos que não consideravam ilícito o roubo, como relata Júlio César em “De Bello Gallico”.
Caro Rui Bibeiro
É sempre muito bom ler o saudoso Dom Estêvão Bettencourt, sempre que posso leio.
Repito a fonte(fonte: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=2790)
Destaco do texto.
Todo homem está obrigado a observar estritamente os preceitos e as proibições de sua consciência, dado que esta a) seja verídica ou b) seja invencivelmente errônea.
Note-se bem que na formulação acima não se trata de permissões nem de conselhos dados pela consciência, pois em tais casos não há obrigação de seguir o respectivo alvitre.
A necessidade de obedecer às ordens ou proibições da consciência verídica evidencia-se facilmente.
Com efeito, a consciência verídica é a que faz a aplicação fiel da lei à situação precisa em que a pessoa se acha; ela vem a ser, portanto, a expressão exata da lei moral em tal caso concreto. Por isto o ditame de tal consciência obriga tanto quanto a própria lei justa.
Quanto à obrigação de seguir a consciência invencivelmente errônea, ela se depreende do seguinte raciocínio:
A qualificação moral (boa ou má) de uma ação deduz-se do objeto dessa ação: objeto bom constitui ação boa, objeto mau constitui ação má…,
… deduz-se, porém, do objeto não como ele é em si, mas como ele é apresentado (ou como ele é percebido) pela consciência de quem está agindo. Assim o julgamento da consciência é que vem a ser a norma imediata da moralidade.
E ainda..
À guisa de ilustração, citamos o seguinte testemunho de J. H. Cardeal Newman, que assim se referia à consciência invencivelmente errônea:
«Sempre considerei a obediência à consciência moral, mesmo errônea, como sendo o melhor caminho para chegarmos à luz» (Apologia pro vita sua c. 5).
Todo o que se considera detentor da tradição, deveria ser inteligente, esta é a maior tradição da Igreja.
Caro Rui,
O texto linkado é um bom material de estudo. De acordo com ele, os principais meios para formar uma consciência verídica seriam ( resumidamente): estudo, conselho e proximidade com pessoas adequadas, oração, remoção dos obstáculos pessoais ( características psicológicas indesejáveis). É uma grande trabalho, sem dúvida! Um trabalho para toda uma vida. Ao mesmo tempo, possível para qualquer um que o queira, realmente.
Penso que o Papa, dada a sua formação e experiência , não deve desconhecer todos esses fatores que limitam a reta consciência das pessoas. Mesmo assim, ao invés de recriminá-las ou alijá-las do seu convívio, certifica-as de que o Caminho estará sempre aberto para elas. Queira Deus ajudá-las.
Tempos atrás eu andei querendo saber o que é acídia. Cheguei a ler alguns trabalhos acadêmicos, se me lembro bem. Mas nada “concluí”. Não sei realmente o que é. A ideia que tenho é de que é preguiça de caminhar para Deus. Alguém pode me ajudar?
Alexandre,
http://padrepauloricardo.org/cursos/doencas-espirituais-um-olhar-que-cura
Recomendo o curso inteiro, mas os áudios específicos sobre a acídia são os 11 e 12.
Abraços,
Jorge
Prezado Jorge, salve Maria.
Você escreve:
“(…) eu não o encorajo concretamente a achincalhar a hierarquia visível da Santa Madre Igreja, como não encorajaria concretamente um espírita a freqüentar seus centros, ou um macumbeiro os seus terreiros, e tenho certeza de que é exatamente isso o que disse o Papa. Aliás, qualquer outra interpretação da frase dele conduz a absurdos”.
Claro que você não me encoraja: na prática, contradiz aquilo que afirma Francisco. Na verdade, é aquilo que ele diz que não pode ser interpretado da maneira que você o faz, e se o faz é porque deseja duas coisas: salvar Francisco e a fé ao mesmo tempo.
Os modernistas dizem isso mesmo: “é melhor ele continuar no protestantismo ou no budismo do que sair de lá”. E encorajam as pessoas a continuarem em seus erros, desde que se sintam bem ou qualquer outro tipo de argumento deste tipo.
Tenho um livro com histórias de conversões protestantes onde um depoente conta exatamente isso: ao se converter ao catolicismo (por meio do estudo da patrística) ele procurou um padre que o desencorajou de ser católico, recomendando que continuasse na heresia. E ainda disso algo do tipo: “o melhor que você faz para a Igreja Católica é ser um bom calvinista”.
Francisco é desta linha, embora não creia que tão radical como este padre que lhe cito, talvez ele realmente seja mais mitigado. Porém, ele claramente ensina algo que você não pode negar: que se deve encorajar o protestante a continuar sendo protestante, o espírita a continuar sendo espírita, etc….e não fazer “proselitismo”, palavra péssima usada pelos apóstatas que anula o apostolado católico como este que você faz.
Logo lhe respondo sobre o “Mysterium Fidei”. Aguenta um pouco mais, porque estou entregando aqui uns dois trabalhos e por isso estou meio paralisado nos últimos dias.
Amanhã é domingo, o Dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos!!!
Sandro de Pontes
Sandro de Pontes, pode até ter gente que encoraja ao protestante continuar protestante exatamente como você descreve. Eu não faço. E não acredito que seja o que o Papa Francisco ou Jorge Ferraz faz. Mas faço uma coisa que parece estar fora da sua consideração (da sua capacidade de separar): se a pessoa “não sabe” sair do protestantismo, que ele fique onde for menos mal; certamente não é melhor ele se apartar de Deus por não saber alcançar o catolicismo.
Você pode me replicar que no protestantismo a pessoa não está com Deus. Mas quem seria você para mensurar tal coisa? Eu não estou dizendo que necessariamente o protestante está com Deus. Um “católico” (rotulado) também não necessariamente está com Deus. A real qualidade do relacionamento entre cada um e Deus é um mistério.
Se for para sair do protestantismo ou qualquer outra religião para vir na Igreja Católica ficar por algum tempo e depois sair e até voltar para sua antiga crença, seria bom nunca ter passado por aqui a exemplo do ex pastor protestante e depois diácono e depois no final da vida novamente protestante Jaime Francisco de Moura e Magdi Allam ex muçulmano que se converteu a Igreja Católica e foi batizado pelo próprio Papa Bento XVI mas depois de algum tempo deixou a Igreja Católica por não concordar com a postura da Igreja diante do Islã.
Jorge,
Desculpe mas acho que moramos em planetas diferentes.
Para começar, parece-me claro que o Papa não estava dirigindo-se a católicos nem a especialistas em teologia moral. Ele estava se dirigindo a leigos em geral, católicos e não-católicos.
Eu converso muito com pessoas de diversas tendências e digo-lhe com certeza que, nos dias de hoje, quem usa anticoncepcionais está plenamente convencido de praticar o Bem.
Se você disser a um médico, por exemplo, que o uso de anticoncepcionais, incluindo camisinha, é pecado mortal, ele vai ficar boquiaberto achando que você é um fanático.
Dizer a essas pessoas para seguir sua própria consciência, sem explicações adicionais, certamente vai leva-las a firmarem-se mais ainda nas suas atitudes.
Além disso, volto a perguntar-lhe: custava muito o Papa Francisco ter dito “consciência bem formada”?
Sugiro-lhe o artigo abaixo. Imparcial e ponderado. Nem crítica radical nem adesismo incondicional.
http://www.catholicworldreport.com/Item/2622/pope_francis_the_good_the_baffling_and_the_unclear.aspx
JB,
Obrigado pelo artigo, já o leio. De bate-pronto, respondo que é óbvio que dizer simpliciter que contraceptivos são pecados iria deixar o Papa parecendo um fanático, e foi justamente por não querer parecer um fanático que ele preferiu uma outra abordagem do assunto. Parece-me claro que parecer fanático não tem dados muitos bons frutos, pois não me parece que as pessoas estejam usando cada vez menos contraceptivos – muito pelo contrário aliás.
Ninguém pode se sentir “reconfortado” na prática do mal objetivo ao ouvir o Papa dizendo que se deve seguir a consciência, pois se há algum desconforto aqui este só pode ser o da consciência, posto que o senso comum não causa desconforto algum em quem usa anticoncepcionais. O que o Papa manda é obedecer não ao «senso comum», mas à voz interna da consciência, e isto não pode ser jamais “reconfortante” – é no máximo indiferente. Se a consciência já provocava anteriormente algum desconforto, o Papa mandar segui-la é o contrário mesmo das pessoas calarem-na para obedecerem ao caminho cômodo que o mundo oferece. E, se a consciência já não provocava incômodo nenhum mesmo, ninguém vai passar a usar mais contraceptivos por causa disso ou a usá-los de modo “mais convicto” do que a plena convicção anteriormente firmada.
Sim, o Papa poderia dizer «consciência bem formada». Só que aí ele estaria dizendo uma outra coisa diferente. O dever de seguir a própria consciência (bem ou mal formada) é uma coisa, o dever de formar bem a própria consciência é uma segunda coisa. Não existe só o dever de seguir «a consciência bem formada», existe igualmente o dever de seguir a consciência mal formada. Achei que isso já estivesse claro aqui.
Abraços,
Jorge
Sandro, salve Maria!
Bom, mesmo chovendo no molhado, repito que o Papa não disse que se deva encorajar os nazistas a eliminarem judeus, a Ku Klux Klan a espancar negros, os pedófilos a incentivarem a sexualidade das crianças, os protestantes a serem protestantes, os espíritas a serem espíritas.
Ninguém entendeu dessa maneira, a não ser os costumeiros detratores do Romano Pontífice…
Abraços,
Jorge
Prezado Jorge, salve Maria.
É importante mantermos a calma neste momento, porque estamos em um momento histórico.
E penso que irá concordar comigo: Francisco conseguiu fazer com que milhares, ou mesmo milhões de católicos no mundo inteiro de repente se levantassem de certa letargia para abordar temas relacionados a fé. Acho que podemos dizer que estamos em um tipo de “levante” católico neste sentido.
Nos últimos dias eu mesmo conversei com católicos de todos os tipos: sedes, trads, cons, carismáticos, libertários, modernistas, etc. Todos estão acompanhando MUITO DE PERTO as falas de Francisco, e tais falas tem provocado acalorados debates ou indagações de todos os tipos, mesmo nas mentes e nos corações dos mais devotados.
E é por isso que eu penso que você erra quando diz que esta frase de Francisco foi mais uma vez mal-interpretada pelos seus detratores: desta vez NÃO, meu amigo. A realidade constatável facilmente é que mesmo os devotos seguidores de Francisco estão escandalizados com ele, ou no mínimo com o famoso “pé atrás”.
E aqui afirmo que o contrário é que é verdadeiro: somente pessoas como você e Dr. Broadbeck, entre bem poucos que se dedicam arduamente e zelosamente a defender Francisco, entendem que ele está sendo mal interpretado. O senso comum é o contrário de suas defesas!
Prezado Jorge, Francisco está nos fazendo um favor, esta é que é a verdade. Penso que em breve, em torno de seis meses, tudo ficará mais claro, porque as reformas que ele promete, em nível “horizontal”, deverão chocar mesmo os seus mais ardorosos defensores.
Como Bergoglio ele defendeu ma Igreja sem a maioria dos sacramentos, apenas o batismo, entre outras coisas do tipo. E ele deverá implantar reformas neste sentido também. Já viu como ele crismava os seus diocesanos?
Penso que nos próximos meses devemos ter esta atenção total, e muita oração mesmo, porque penso que o anticristo está a porta, e bate.
Abraços,
Sandro de Pontes
Caro Jorge, depois de três conversas com meu pároco, consegui (até que enfim!) entender a frase do Papa sobre o bem (na entrevista ao ateu). Fiquei impressionado com certos padres que ao criticarem o Papa, demonstram insubmissão, arrogância e ignorância. Insubmissão porque criticam o Papa publicamente, arrogância porque pensam conhecer a verdade e ignorância porque demonstram, por suas críticas, desconhecerem o conceito do que é o bem. Lamentável e perigoso para suas almas….
Também, percebi que meu comentário anterior, no fim, onde digo pensar que Cristo seria o primeiro católico, não é correto. Deus sempre existiu, a Igreja tem pouco mais de dois mil anos. Ela foi criada por Deus como instrumento e caminho seguro até o Céu, mas ao chegarmos lá, onde Deus está, não teremos mais a Igreja católica, pois a barca de Pedro no fim do mundo, ao chegar ao destino, cumpre sua serventia. E apesar de Cristo estar presente em toda Missa válida, isto não lhe confere o título de católico.
Assim, finalmente pude reconhecer que o Papa não se equivocou em coisa alguma, eu é que estava em ignorância a respeito dos temas em questão.
Agora vejo quanta utilidade esta entrevista teve. Demonstra a fragilidade do pensamento ateu, leva a mensagem do Papa ao mundo (o Papa é papa de todos, queiram estes ou não) e obriga os católicos a estudar com mais afinco sobre as verdades da fé com mansidão e humildade.