2 – Forjado na disciplina e obediência & Eminência parda do poder
Os dois artigos seguintes do Especial do Jornal do Commercio servem como duas espécies de “biografias” – uma de Dom José Cardoso e outra de sua irmã, Dona Judite Cardoso. Seria de se esperar que encontrássemos em destaque coisas que costumam aparecer em biografias, como a data de nascimento do “biografado”, o nome dos pais, quantos irmãos teve, onde estudou, onde foi formado, etc. Contudo, todas essas coisas ocupam um segundo plano nos dois textos, que têm – como objetivo principal – formar uma imagem negativa do Arcebispo.
Isto é evidente. A começar pelo título: “Forjado na disciplina e obediência”, passando pelo primeiro parágrafo, onde é dito que Dom José pertence ao grupo das pessoas que quebram (e não das que vergam – a expressão denota “intransigência”), que é radical, que tem dificuldade para ceder, que é chamado de reacionário, que é (à semelhança do pai) fechado e de poucos amigos… tudo isso para pintar, aos olhos do leitor, uma figura pela qual se pode ter qualquer sentimento – menos o de simpatia.
A imagem é ainda endossada por um “esquecimento” eloqüente: não é citada a data de nascimento de Dom José! Alguém poderia dizer: “ah, todo mundo sabe que foi na segunda-feira, logo, dia 30 de junho; e, então, é só subtrair 75 – a idade do Arcebispo – para se chegar à data exata: 30 de junho de 1933”. Ainda concedendo que assim fosse, e quanto à data de nascimento de Dona Judite, que também não aparece no segundo artigo?! Como é que um artigo escrito para apresentar a figura de uma pessoa sobre a qual é dedicado um caderno inteiro, não obstante seja capaz de pintá-la com uma gama de adjetivos depreciativos, “não se lembra” de apontar-lhe o dia do aniversário? Por que o autor do texto não cita os dados objetivos que poderiam e deveriam constar na apresentação da vida de um homem, e quase que se limita a fazer juízos morais sobre a personalidade dele?
Não é só a data de nascimento de Dom José que falta. Faltam todas as datas: de nascimento, de primeira eucaristia, de profissão de votos, de ordenação presbiteral, de ordenação episcopal… Falta o nome de todas as pessoas (à exceção dos familiares e de um membro do Movimento Pró-Criança), como a catequista dele em Caruaru, ou o frade carmelita que o chamou ao sacerdócio… Falta a formação acadêmica [limitando-se o artigo a dizer que ele virou doutor em Direito Canônico…], falta a vida religiosa. Enfim: falta virtualmente tudo!
O mesmo vale para o texto que apresenta dona Judite: ela não tem data de nascimento, não tem formação [foi freira durante 30 anos – e só], não tem história, não tem nada. Há fofocas [nos bastidores, comenta-se…] e juízos sobre a personalidade, à semelhança do irmão [uma pessoa de temperamento difícil e muito fechada] – e só. As únicas coisas que se salvam são as palavras de Dona Judite, entre as quais merecem destaque: “[o] arcebispo é muito fiel à Igreja e cumpre rigorosamente as regras de Roma. Isso é ser um bom cristão” – bravo! Sem dúvidas, a irmã do Arcebispo está corretíssima; no entanto, depois do cartão de visita que o jornal apresenta como sendo dela e do seu irmão, de que servem as palavras publicadas de Dona Judite – após ter-se escrito, aliás, que ela disse que não dava entrevistas ao JC – a não ser de ironia, de deboche, de chacota [Judite também puxou à personalidade do pai]?!
Os textos, portanto, não são informativos: têm, ao contrário, o objetivo – repetimos – de formar uma imagem negativa de Dom José Cardoso nos leitores. Afinal, ainda no texto que apresenta o Arcebispo, lemos que Dom José passou 25 anos respirando a burocracia da Cúria Romana, que fez do Direito Canônico uma espécie de Bíblia, que é um homem com pouco jogo de cintura, que tem um temperamento fechado… no final, com uma apresentação dessas, pode por acaso ser chamado de “imparcial” e “responsável” o jornal que a publique? Não, não é. O caderno foi escrito para denegrir a imagem do Arcebispo; é patente. E o Jornal do Commercio revela-se (mais uma vez) um meio de comunicação irresponsável e não comprometido com a verdade.
Para quem quiser encontrar a formação de Dom José, existe este site; para lerem uma biografia (muito) melhor, há esta página em um site de Paracatu, primeira cidade onde Dom José assumiu o bispado. No mais, resta dizer que a tendência encontrada no “pórtico” do caderno especial do Jornal do Commercio vai ser desenvolvida ao longo das páginas subseqüentes de “O adeus do arcebispo” – e elas serão, depois, comentadas aqui.
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Anexo 1 – .O adeus do arcebispo
Forjado na disciplina e obediência
Publicado em 04.07.2008
Nascido em Caruaru, em uma família dedicada ao catolicismo, dom José saiu de casa aos 12 anos para viver sob as leis da Igreja
De lá, passou pelo Recife e seguiu para São Paulo, onde os carmelitas têm um instituto de filosofia. Quando estava terminando o curso, veio a notícia de que seria mandado para Roma. Foram 25 anos, respirando a burocracia da Cúria Romana. Virou doutor em direito canônico e fez do código uma espécie de Bíblia. Durante todo o arcebispado em Olinda e no Recife, a fidelidade aos cânones que traduzem as leis do Vaticano seria a principal justificativa para a maioria de seus atos polêmicos. A formação rígida o fez também um homem com pouco jogo de cintura. “Ele é uma pessoa de diálogo, dentro da ortodoxia dele”, diz Sebastião Barreto Campelo, responsável pelo Movimento Pró-Criança, uma das raras obras sociais deixadas por dom José. Ele reconhece que o temperamento fechado do arcebispo lhe trouxe dificuldades, mas justifica a postura radical pela fidelidade aos seus princípios.
O primeiro desafio de dom José como bispo veio em 1979, quando foi mandado de volta ao Brasil para assumir uma pequena diocese, no interior de Minas Gerais. Em Paracatu, encontrou o ambiente disciplinado a que estava acostumado: eram apenas 12 missionários carmelitas. A tranqüilidade foi interrompida no início de 1985, quando ficou sabendo que seria o novo arcebispo de Olinda e Recife, notícia que ele classificou como uma “bomba”.
Dom José resistiu o quanto pôde. Foi para Roma determinado a dizer não. Mas, num café da manhã com o papa João Paulo II, ouviu do pontífice palavras que, segundo ele, deixaram-no sem escolha. “Você está com medo de ir para o Recife porque você é pequeno? Dom Hélder também é pequeno. Não tenha medo, não”, provocou o papa. Depois disse: “O pastor é o modelo do rebanho. Até hoje, o modelo do rebanho se chamava Hélder Câmara. De hoje em diante, é José Cardoso”. Obediente como sempre foi, fez as malas e saiu de uma diocese rural, com dez paróquias, para uma arquidiocese com 80 e símbolo de uma Igreja engajada. O tempo provaria que a semelhança com dom Hélder na baixa estatura (dom José mede menos de 1,60 metro) seria irrelevante. Nas profundas divergências é que residiria o maior problema.
Anexo 2 – .O adeus do arcebispo
Eminência parda do poder
Publicado em 04.07.2008
Na última segunda-feira, durante a celebração dos 75 anos do arcebispo de Olinda e Recife, realizada na Cúria Metropolitana, ela acompanhou a missa na primeira fila. Estava ao lado das irmãs Margarida e Dorotéia. Mas, diferentemente das duas, novamente não quis muita conversa com a imprensa. Questionada como via esse momento de celebração na vida do irmão, respondeu apenas: “Vejo os 75 anos com a graça de Deus e mais nada”.
Diante do pedido para que comentasse o legado deixado pelo arcebispo, Judite declarou: “Não faço nenhuma avaliação porque só quem faz avaliação é Deus. Mas ele sempre cumpriu o dever dele com fidelidade à Igreja, ao papa, a Jesus Cristo.” Também não quis se pronunciar sobre os questionamentos feitos durante o arcebispado do irmão. “De crítica eu não quero falar. A crítica é muito boa quando ela é construtiva. Mas não é isso o que fazem por aí.” Judite também puxou à personalidade do pai.