É impressionante como quaisquer notícias relacionadas à comunidade de Taizé conseguem sempre provocar escândalo. A comunidade não-católica é uma fonte inesgotável de irenismo e de confusão doutrinária, e muitas vezes a Igreja é questionada pela “simpatia” com a qual sempre tratou Taizé e, em particular, o Ir. Roger Schutz, seu fundador, cujo assassinato completou recentemente (no dia 16 de agosto) três anos. A mais recente zombaria à qual foi submetida a Esposa de Cristo deu-se justamente por ocasião do aniversário da morte do Ir. Roger, onde o Cardeal Kasper deu uma entrevista sobre o fundador da Comunidade de Taizé. A notícia foi veiculada por ZENIT e também publicada integralmente no site da comunidade de Taizé.
O ponto mais doloroso da questão – apontado acidamente pelo Fratres in Unum – foi a declaração do Card. Kasper de que o Ir. Roger, mesmo não sendo católico, recebia ordinariamente a Sagrada Eucaristia:
“a Igreja Católica tinha aceitado que ele [Ir. Roger] comungasse na missa […] [e ele] também recebeu a comunhão, por diversas vezes, das mãos do Papa João Paulo II, que tinha uma relação de amizade com ele desde o Concílio Vaticano II” [Kasper, in ZENIT]
Todo mundo sabe que não se escreve o que o Kasper diz. Que o cardeal alemão tenha idéias heterodoxas sobre aspectos da Fé Católica que qualquer criança aprende no catecismo, não é novidade para ninguém. Agora, a declaração de que a Igreja e o Papa tenham aceitado sem mais nem menos esta sacrílega communicatio in sacris é bastante grave. Detenhamo-nos um pouco mais na questão.
Em primeiro lugar, o que o cardeal Kasper entende por “Ecumenismo” é uma besteira sem tamanhos. Diz o cardeal:
[O Irmão Roger e]stava convicto de que só um ecumenismo alimentado pela Palavra de Deus e pela celebração da Eucaristia, pela oração e pela contemplação, seria capaz de reunir os cristãos na unidade desejada por Jesus. [Kasper, in Taizé]
O Concílio Vaticano II, todavia, diz o contrário disso:
[N]ão é lícito considerar a communicatio in sacris como um meio a ser aplicado indiscriminadamente na restauração da unidade dos cristãos. [Unitatis Redintegratio, 8]
Ou seja: Kasper diz que o único ecumenismo que “funciona” é o que se alimenta da Eucaristia. A Igreja diz que a Eucaristia não pode ser considerada como um meio para a restauração da unidade dos católicos. Os dois dizem coisas diametralmente opostas. Claro está que é a Igreja quem está certa e, o Kasper, errado.
Acrescente-se a isso o fato óbvio de que não pode receber a Comunhão Eucarística quem está fora da Comunhão com a Igreja. Isso está no Compêndio do Catecismo (n. 291) e o Papa Bento XVI o afirma com bastante clareza:
De facto, a Eucaristia não manifesta somente a nossa comunhão pessoal com Jesus Cristo, mas implica também a plena comunhão (communio) com a Igreja; este é o motivo pelo qual, com dor mas não sem esperança, pedimos aos cristãos não católicos que compreendam e respeitem a nossa convicção, que assenta na Bíblia e na Tradição: pensamos que a comunhão eucarística e a comunhão eclesial se interpenetrem tão intimamente que se torna geralmente impossível aos cristãos não católicos terem acesso a uma sem gozar da outra. [Sacramentum Caritatis, 56]
As exceções da qual fala o Papa no mesmo número da exortação apostólica (“em ordem à salvação eterna, há a possibilidade de admitir indivíduos cristãos não católicos à Eucaristia, ao sacramento da Penitência e à Unção dos Enfermos; mas isso supõe que se verifiquem determinadas e excepcionais situações, associadas a precisas condições”) são as seguintes:
293. Quando é possível administrar a sagrada Comunhão aos outros cristãos?
1398-1401
Os ministros católicos administram licitamente a sagrada comunhão aos membros das Igrejas orientais que não têm plena comunhão com a Igreja católica, sempre que estes espontaneamente a peçam e com as devidas disposições.
No que se refere aos membros doutras Comunidades eclesiais, os ministros católicos administram licitamente a sagrada comunhão aos fiéis, que, por motivos graves, a peçam espontaneamente, tenham as devidas disposições e manifestem a fé católica acerca do sacramento.
[Compêndio, 293]
Evidente está que o “ecumenismo” não pode ser considerado como “em ordem à salvação eterna” e nem tampouco como “motivos graves” (pois isto iria contrariar o texto da Unitatis Redintegratio citado). Mas, então, por que o Ir. Roger comungava (até do Papa!) sem ser católico?!
Por respeito ao Sumo Pontífice, deve-se-lhe conceder a benevolência de não levantar suposições indignas do cargo que ele ocupa. Há uma outra suposição mais caridosa que se pode fazer: e se o Ir. Roger fosse católico?
A notícia saiu há dois anos:
Ir. Roger, o fundador da Comunidade Ecumênica de Taizé, na França, manteve em segredo, por 33 anos, o fato de ter abandonado a religião protestante e ter-se convertido ao Catolicismo.
[…]
A revelar, ou pelo menos confirmar oficialmente, a conversão do religioso suíço foi o bispo emérito de Autun, na França, Dom Raymond Seguy.
[…]
Sua possível conversão ao Catolicismo teria ocorrido em 1972 e, imediatamente após sua profissão de fé, ele teria tomado a decisão de manter segredo sobre isso.
Se baseia ela numa reportagem do Le Monde que diz (não tive acesso à íntegra e também não adiantaria, já que “mon Français est très petit”):
Le cardinal Ratzinger, préfet de la Congrégation pour la doctrine de la foi, qui avait toujours refusé l’accueil des protestants à la communion catholique, faisait-il une exception ? L’énigme est résolue. L’historien Yves Chiron, dans le numéro d’août de la lettre d’information mensuelle Aletheia qu’il publie, révèle que Frère Roger, mort assassiné le 16 août 2005, était converti au catholicisme depuis 1972.
[O Cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que sempre rejeitou que os protestantes fossem admitidos à comunhão [sacramental] católica, abriria uma exceção [ao dar a comunhão para o Ir. Roger nos funerais de João Paulo II]? O enigma está resolvido. O historiador Yves Chiron, na edição de agosto do boletim mensal Aletheia que ele publica, revela que o Ir. Roger, assassinado no dia 16 de agosto de 2005, havia se convertido ao catolicismo desde 1972 – tradução bem livre]
Os rumores foram imediatamente negados pela comunidade de Taizé (“Respeitemos a memória do irmão Roger”, “O Ecumenismo é em primeiro lugar uma partilha de dons” e “Um percurso sem precedente”), mas os artigos publicados pela comunidade são, como sempre, sofríveis. Será que a versão do Le Monde não é possível?
É possível que sim. São palavras do Kasper na citada entrevista:
No entanto, por respeito pela caminhada na fé do irmão Roger, seria preferível não aplicarmos a seu respeito categorias que ele próprio considerava desapropriadas à sua experiência e que, aliás, a Igreja Católica nunca quis lhe impor.
E, se o antigo prior de Taizé converteu-se realmente, e poucos o sabiam, e ele preferiu manter tudo em segredo, por achar termos com “conversão” pouco adequados à empreitada ecumênica por ele conduzida, as coisas passam a fazer mais sentido. Permita Deus que seja verdade! E que a Virgem nos conduza a tempos – em futuro não muito distante, esperemos – em que deixe de ser “politicamente incorreto” falar em conversão, ou em que os politicamente incorretos não corram o risco de pôr muitas coisas boas a perder.
Jorge, concordo que o que o Kasper diz não se escreve. Mas quando ele afirma “[O Irmão Roger e]stava convicto de que só um ecumenismo alimentado pela Palavra de Deus e pela celebração da Eucaristia, pela oração e pela contemplação, seria capaz de reunir os cristãos na unidade desejada por Jesus” não seria possível entender que, por algum milagre, o Kasper não estaria falando justamente do ecumenismo “correto”?
Afinal, se o ecumenismo é o retorno dos não-católicos à Igreja, é um ecumenismo alimentado pela Eucaristia — não no sentido de que os não-católicos possam comungar, mas no sentido de que a Eucaristia é um motor que traz os não-católicos de volta. Quantos casos não conhecemos de gente que se converteu graças à doutrina católica sobre a Eucaristia?
Abraços!
Marcio,
Ah, aí, sim! De facto, se “ecumenismo alimentado pela Eucaristia” não tem o sentido – que se depreende quando se lê a notícia – de “comunhão para não-católicos a fim de que alcancem a unidade”, então a frase do Kasper é excelente.
E, dando-lhe este sentido, é um indício extra para se imaginar que, talvez, o sentido das comunhões do Ir. Roger esteja mais alinhado com o que disse o Le Monde do que com o que diz a Comunidade de Taizé…
Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz
Excelentes ponderações, Jorge.
Concordo com as “Excelentes ponderações, de Jorge”, Afinal somos a única Igreja que está aberta a todos os que querem participar !!!!!
“Politicamente correto” é termo que bem que poderia ser sinônimo de “hipocrisia”. Parece que tudo assusta, menos o pecado. Aliás o pecado do “escandâlo” é realmente mal interpretado pelos que são politicamente “corretos”! Escândalo é ofender a qualquer regra desta sociedade doente e pagã segundo eles!
PAX
JM
Você, por acaso, conheceu o Irmão Roger para dizer quem está ou não preparado para comungar? Para além de todos os livros de teologia que leu, sabe dizer na totalidade o que é isso da comunhão?
Caro Gustavo
O Irmão Roger foi uma boa pessoa, não apenas o irmão Roger mas muito mais gente.
A Santa Eucaristia é reservada exclusivamente para os católicos, é algo tão extraordinário, que qualquer pessoa que tenha um mínimo de compreensão de sua magnitude, desejará ser católico e buscará sua conversão.
Quando alguém, quem quer que seja, despreza a doutrina católica, fica estranho que tenha amor pelo centro desta doutrina.
Para participar da Santa Eucaristia, ser bom é muito pouco, quase irrelevante, mas basta ser católico.
Estarei em Taizé in France este ano e gostaria de maiores informações… acho os termos tratados aqui muito interessantes, mas não se trata de correto ou incorreto, trata-se da vontade divina… não é entender ser Roger era ou não católico, Deus nos chama a conversão, mas uma conversão que nos faz ver que todos somos irmãos e devemos viver em perfeita comunhão… porque tanto criticar sem ao menos ouvir ou dar espaço para todos?
Preciso de opiniões.
Lucianno,
Eu não tenho informações mais recentes sobre Taizé, desculpe-me.
Mas a vontade divina é sem dúvidas “que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade” (ITm 2, 4), ou seja, que todos sejam católicos.
Abraços,
Jorge
Meu amigo Ferraz…
Vou pra Taizé com a intenção de expandir as minhas visões sobre mim mesmo e sobre os meus irmãos, sejam eles católicos ou não…
Pois tem um valor em mim que diz que independe a religião, raça ou país para eu amar o próximo. E não quero dizer que não concordo totalmente com a sua colocação, entretanto, quando Jesus encontrou a Prostituta que “provavelmente” não era católica acolheu-a e me deixou um grande exemplo: Deus nos ama do jeito que somos, com as escolhas que fazemos, com os caminhos que seguintos e com os resultados em que chegamos, mas exige de nós mudanças, mudar para o caminho do bem, o qual ele nos deixou como legado…
Eu sei que a fé católica é a correta, mas como eu vou passar isso para as pessoas que não a tem como base cristã se a todo momento eu excluo e não dou espaço?
Lucianno,
E quem está falando em excluir? Chame o seu amigo herege para o cinema, para tomar cerveja num barzinho, para uma pelada ou um churrasco, para viajarem juntos, para qualquer coisa! Só não faça nada que o leve a acreditar que você aprova o estilo de vida dele e que, portanto, na sua opinião ele não precisa mudar.
Abraços,
Jorge