A escolha de Luiz Pondé

A coerência é uma virtude que eu sempre admirei, mesmo naqueles dos quais eu discordo. É por isso que acho valer a pena a leitura do artigo do Luiz Felipe Pondé na Folha de São Paulo de hoje (aqui em segunda mão), sobre [ainda!] o aborto em Recife. O articulista diz, muito claramente, que, se fosse a filha dele, autorizaria o aborto. Fá-lo-ia, contudo, sem eufemismos, com a consciência de estar condenando à morte dois inocentes.

Fosse minha filha a menina de nove anos, eu não pestanejaria, faria o aborto. A ideia de ela correr risco por culpa de um canalha me levaria a fúria. Entre perder minha filha e a eliminação de dois bebês estranhos, optaria pela eliminação dos bebês. Não usaria eufemismos. Não pediria para que me considerassem um guerreiro da luz contra as trevas nem pediria palmas. Aceitaria a culpa como parte da escolha. Fosse eu o médico envolvido no procedimento, tampouco pestanejaria. Mas não veria aí a vitória da ciência contra a religião, mas uma dura decisão num campo de batalha: qual das vítimas deve morrer?

A coerência é o primeiro passo para se encontrar a verdade. Palmas para o Luiz Pondé, que analisa “a escolha” sob uma ótica honesta, sem repetições de preconceitos e mentiras, sem anestesiar a consciência por meio da distorção da realidade. Sim, ele se coloca em posição favorável ao aborto no caso da garota pernambucana, mas a sua honestidade dá um eloqüente testemunho contra o aborto. Afinal, em se colocando as coisas como elas são, e em se chamando o assassinato de crianças inocentes pelo seu nome duro e cruel de “assassinato de crianças inocentes”, nós já temos mais de meio caminho andado para abolir definitivamente esta prática nefasta de quaisquer legislações civis sérias.

Os abortistas sabem disso, e é exatamente por isso que fazem de tudo para esconder a realidade dos crimes que defendem. Falam em “saúde da mulher” e em “direitos reprodutivos”, em “interrupção da gravidez”, em “direitos sexuais”, “autonomia do próprio corpo” e tantas outras coisas mais, exatamente porque sabem que, se falarem em tirar a vida de seres humanos, encontrarão bem poucas pessoas dispostas a subscreverem as suas teses. É por isso que eles não podem, de jeito nenhum, dizer claramente que o que eles defendem é o assassinato de seres humanos. Assim, o simples ato de definir um abortista é ipso facto refutá-lo definitivamente. Trazer um desses seres macabros à luz do sol é vê-lo virar pó.

Voltemos ao Pondé, ao final do seu artigo: “De minha parte, repito, escolheria minha filha, sabendo que meu ato implicou a morte de seres inocentes, mas a paixão por minha filha me impediria o luxo de ter princípios”. É este o ponto, que a maior parte dos pró-aborto com o “argumento” ad hominem do “e-se-fosse-você?” simplesmente não consegue entender: não dá para “legislar em causa própria”. “E se fosse você” não interessa absolutamente nada, porque aí “você” passaria a ser parte interessada no problema e, portanto, perderia a isenção necessária para julgá-lo com justiça – ou seja, estária impedido do “luxo de ter princípios”, como disse muito apropriadamente o Luiz Felipe Pondé.

Não existem argumentos para se defender o aborto; nem um único sequer. Os que o defendem não o fazem por terem “princípios” diferentes dos nossos, e sim – ao contrário – por não terem princípio algum e postularem a completa impossibilidade de tê-los. Claro, é perfeitamente possível concordar que ninguém está obrigado (além da obrigação moral de todos os homens de aderirem à Verdade) a ter princípios; mas a defesa da inexistência deles não é, de modo algum, aceitável [e dizer que eles existem, mas não obrigam, é equivalente a dizer que não existem]. Aceito perfeitamente a inexistência de senso moral em fulanos e sicranos, mas isto é uma evidente deficiência que não se pode constituir em norma para a elaboração das leis do Estado. Na verdade, não dá para tratar “de igual para igual” um pró-aborto e um pró-vida: eles são tão radicalmente diferentes que a sua própria natureza impede esta nivelação. O que interessa é saber de que lado se deve ficar: do lado dos que defendem a existência de princípios, ou do lado dos que clamam pela construção de um mundo em que princípios não existam. E, em se chamando as coisas pelo seu nome – trazendo a lume os abortistas como eles são -, não creio que esta escolha seja muito difícil de ser feita.

8 comentários em “A escolha de Luiz Pondé”

  1. “Os abortistas sabem disso, e é exatamente por isso que fazem de tudo para esconder a realidade dos crimes que defendem. […], exatamente porque sabem que, se falarem em tirar a vida de seres humanos, encontrarão bem poucas pessoas dispostas a subscreverem as suas teses. É por isso que eles não podem, de jeito nenhum, dizer claramente que o que eles defendem é o assassinato de seres humanos. Assim, o simples ato de definir um abortista é ipso facto refutá-lo definitivamente. Trazer um desses seres macabros à luz do sol é vê-lo virar pó.”

    Caro e estimado Jorge…

    Tenho medo. Confesso que muito medo mesmo!

    Tenho medo que o próximo passo dos abortistas, seja mesmo a afirmação nua e crua de que não queiram seguir princípios e ponto final. Daí a ponto de promover a conscientização geral de que o ‘errado’ de agora em diante vai ‘ser’ certo.

    Seria isso possível? Acredito eu seria já o ‘fim-do-mundo’ mesmo!!! É-nos preparar para o martírio de sangue mesmo.

    Que Deus possa ter misericórdia de nós.

    Até mais ‘ver’.

    Abraços.

    André Víctor

  2. Como as pessoas tampam os olhos quando nao sao com elas. Dai as leis serem complicadas. Sao 8 meses que foi publicado e nao ha manifestaçoes. Pena que so agora vi . A coerencia de Luis Ponde esta acima do bem e do mal.

  3. Belo texto, inquietante. A propósito, escrevo sobre o Pondé regularmente em meu blog: http://www.criticaparnasiana.blogspot.com
    O texto abaixo é uma resposta ao texto em que Pondé, com muita razão, critica o filme Avatar, de James Cameron.

    Pondé, pessimista incurável ou último romântico?

    É óbvio que “Avatar” não merece o mesmo cuidado analítico que um filme europeu, e Pondé parece saber bem disso. Por isso evita tratar o filme em seus aspectos formais (absolutamente convencionais) e vai direto aos finalmentes. Não tem sentido fazer critica imanente aqui. “Avatar” é provavelmente o avatar de uma nova série de filmes com tecnologia 3D, mas sua estrutura narrativa, por exemplo, é basicamente a mesma de 2012 ou a de qualquer outro filme apocalíptico de Hollywood (“O dia depois de amanhã”, por exemplo). Portanto, não adianta criticar o Pondé por não compreender a forma fílmica ou qualquer coisa desse tipo. Por outro lado, não é apenas o investimento que garante o sucesso de um filme junto ao público, basta lembrar fracassos como os de “Pluto Nash” (2002) ou “Ricos, bonitos e infiéis” (2001), que pagaram um preço alto por não estarem em dia com a agenda ideológica hollywoodiana. Numa postagem futura falarei mais sobre isso, mas o teórico Fredric Jameson, em “Marcas do Visível” (Graal, 1995), explica de maneira bem satisfatória a receita do sucesso das megaproduções. Em linhas gerais, o filme não pode ser completamente falso: embora ideológico em sua fatura, contém gérmens de reivindicações legítimas. Isso Pondé parece ignorar. Vejamos como.

    Pondé define Avatar como “romantismo para idiotas”, e nisso tem absoluta razão. Acerta ainda mais quando aponta a idealização presente no filme, que vê no retorno à natureza e a uma vivência comunitária uma solução para os impasses de nossa sociedade. Não devemos esquecer que a idéia de refundar uma “comunidade” (Gemeinschaft) foi e ainda é um dos pontos centrais do discurso nazista. Contudo, Pondé erra quando afirma que “a diferença na relação com a natureza sempre se definiu pela maior ou menor capacidade técnica de cada cultura em controlá-la.” Essa não é uma opinião unânime. Theodor W. Adorno, por exemplo, citado por Pondé como um filósofo romântico (certamente com uma pitada de ironia), tem como um dos pontos centrais de seu pensamento filosófico a possibilidade de uma relação não-identitária, no conhecimento, entre sujeito e objeto. No plano histórico isso implica uma crítica da relação homem/natureza ditada por parâmetros puramente abstratos. A relação puramente unilateral com a natureza seria uma das características da “Razão instrumental”, conceito partilhado pelos teóricos da escola de Frankfurt (principalmente Adorno e Horkheimer). Contudo, Adorno não propõe que voltemos a morar em palafitas. Pelo contrário, a única cura que o filósofo enxergava para o “esclarecimento” (ou iluminismo, no alemão Aufklärung, termo pelo qual se designa o projeto de modernidade, nas palavras de Kant, “a saída do homem de sua minoridade”) era ainda “mais” e não menos, esclarecimento. Heidegger, tido como filósofo de direita, também tece críticas em relação ao rumo que tomou o conceito de Entbergung ou “desocultamento” em nossa sociedade, que teria preservado apenas seu significado “instrumental”. Obviamente os dois filósofos divergem em muitos pontos e o resumo que fiz aqui não faz jus à complexidade das questões que, infelizmente, não são nosso objeto aqui.

    É por isso que Pondé tem alguma razão quando afirma: “Ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade, por isso toda tentativa de “re-fundar” comunidades fracassa, apesar da admiração de muito pós-moderno bobo por culturas que não conheciam a roda. Não basta ter um filtro de barro em sua casa na Vila Madalena pra você conseguir viver em paz na comunidade da deusa natureza.” O erro de Pondé está em não dar dignidade filosófica a pergunta sobre quais seriam os parâmetros de nossa relação com a natureza, o que o levaria talvez a questionar o próprio conceito de “natureza” como um par antitético de “cultura” ou “história”. Pondé decide responder a questão de modo peremptório, por meio do que eu definiria como um darwinismo romântico:

    “Preste atenção: a relação com a natureza é de vida ou morte, ou ela ou nós. A expressão “lei da selva” não foi inventada pela avenida Paulista e seus bancos, mas sim como descrição da natureza e seu horror.

    Isso não significa que não existam limites para a exploração da natureza, mas isso tampouco significa que exista uma coisa que seja “a doce Natureza”. ”

    O que falta ao darwinismo de Pondé, vejam só, é justamente rigor científico. A teoria desenvolvida por Darwin partilha de um ideal utópico que está na origem de nossas ciências materialistas. Se “a idealização do que seria uma comunidade é uma das marcas dos idiotas utópicos”, não devemos concluir daí que todo ideal utópico seja idiotice. Afinal, isso seria chamar de idiotice todo o projeto moderno, erigido sobre uma promessa utópica de felicidade. Para comprovar o que disse, transcrevo a seguir o trecho de um texto do orientador de Pondé na USP, Franklin Leopoldo e Silva entitulado “Conhecimento e Razão Instrumental”:

    (…)”se nos detivéssemos numa análise mais precisa deste pensamento que se constituiu na alvorada dos tempos modernos, duas coisas poderiam talvez causar inquietação. A primeira é o caráter utópico de certas propostas de organização social do trabalho científico que acompanham e mesmo ilustram a pretensão de domínio racional. Em Bacon, textos como a Nova Atlântida descrevem, na forma da utopia, uma civilização extremamente equilibrada, totalmente calcada na busca e organização do saber em todos os domínios, do que resulta o estado de felicidade desfrutado por todos os habitantes. O segundo motivo de inquietação deriva da maneira como Descartes pretendia integrar as várias partes que compõem a totalidade unitária do saber humano, definindo a vinculação do empreendimento teórico com as suas aplicações práticas através do termo sabedoria. A esta perfeita integração entre a teoria e a prática é assinalado o mesmo objetivo proposto por Bacon: a consecução da felicidade humana.” (disponível na íntegra em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641997000100002).

    Como todo pensamento conservador, o de Pondé possui raízes pré-modernas. Não é por outro motivo que vimos, em outros textos, o filósofo tecer elogios à Idade Média. No entanto, é interessante notar como Pondé não é um conservador clássico. Ao lado da defesa da liberdade individual há a alusão a um “limite” que a “exploração da natureza” deve respeitar. Fica evidente o paradoxo. Afinal, como jogar fora todo o projeto moderno de “Afklärung” sem se recorrer a algum tipo de instância mística ou tabu proibitivo? Acho que a resposta de Pondé seria tipicamente brasileira: mudemos um pouco o rumo das coisas para que elas, ao fim e ao cabo, permaneçam as mesmas. Mas isso não se pode afirmar com certeza, pelo menos não ainda, pois mal começamos a desconstruir o embróglio que é o pensamento de Pondé.

    A ideologia de “Avatar” é realmente coisa de retardado. Mas, então, por que o filme faz tanto sucesso? Afinal, se “ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade” por que tantos aplaudem o filme efusivamente e insistem justamente em que o filme tem uma “grande mensagem a nos transmitir”? Ao contrário de Pondé, penso que a ideologia de Avatar tenha se tornado poderosa, mas disso falarei em outra ocasião.

  4. Não tinha visto esse post, as colocações do Sr. Pondé chocam, mas, de fato, chocam menos que a hipocrisia e falsa compaixão dos abortistas.

    Faltou a ele perceber que a gravidez da menina não a colocaria em risco de morte iminente, mesmo com 9 anos de idade, então ninguém precisaria morrer. Só por conta disso ele foi a favor do aborto, caso tivesse essa consciência, pelo teor das palavras dele, não o faria.

    E, em relação a legislar em causa própria, se vivêssemos nessa lógica, quase nenhum assassino deveria ser condenado, pois todos eles tem algum “porquê” de estar cometendo esse tipo de crime.

  5. O conjunto nao deixa de ser os 70% da eterna Caverna de Platao

  6. O pior esta sendo divulgado, amorte de uma garota de 12 anos,que morreu por consequencia do efeito da caverna de Platao- Em um Hospital foi confundido soro fisiologico com vaselina liquida ,muito semelhante,por niglegencia dos fabricantes.

  7. Este dois estranhos que você sinta, são duas pessoas com o mesmo direito de viver seu, e de sua suposta filha se fosse o caso dela. São duas pessoas, duas vidas, que tem o direito de esta aqui e viver com o mesmo direito seu. Ninguém tem o direito de decidi que é mais importante, que tem o direito de viver, essa pessoa ou a outra. Que mata duas pessoas são assassinos. Se você tivesse sido abortado, não estaria aqui para defende aquilo que o matou.

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