Fumaça e Garoa

Vai entrar em vigor depois de amanhã, sexta-feira, em São Paulo, a nova lei anti-fumo. Não é novidade e eu quase não tenho mais o que comentar sobre o assunto. A esta altura do campeonato, toda insistência parece ser redundante e improfícua: quem ainda não entendeu, não acho que vai ser agora que vai entender.

Por uma dessas ironias do destino, sexta-feira (dia 07 de agosto) vai fazer três anos que o João Pereira Coutinho escreveu que a guerra acabou. O texto é interessante: “A guerra acabou e, de certa forma, vocês, fanáticos, venceram. A luta contra o tabaco nunca foi uma luta pela saúde dos ‘passivos’ (o que seria compreensível). Foi simplesmente uma luta contra a liberdade individual em nome de uma utopia sanitária: os fanáticos não desejam apenas que o fumo não os perturbe; desejam que a mera existência de um fumante também não. É a intolerância levada ao extremo e servida numa retórica simpática e humanista. E agora com cobertura legal”. Não foi a primeira vez que o articulista lusitano escreveu sobre o tabagismo; um ano e meio antes, na mesma Folha de São Paulo, foi publicado “Lauren Bacall, por favor”.

Navegando pelas últimas notícias paulistas sobre o assunto, encontrei uma que merece um comentário: Estabelecimento escapa da lei antifumo em São Paulo. Trata-se da “tabacaria, restaurante e bar Esch Café”, que conseguiu recentemente uma liminar para “continuar recebendo charuteiros, sem precisar cessar a venda de bebidas e comidas, o que não é permitido pela legislação antitabaco”. E o governo do Estado tenta reverter a decisão, e certamente há de conseguir, porque a sanha ditatorial dessa gente não tem limites.

É isto o que está em jogo. Não sei há quanto tempo existe o Esch Café nem nunca lá estive, mas os militantes antitabagistas não querem nem saber. Simplesmente não pode existir uma tabacaria onde se sirva comida e bebida, na cabeça dessa gente. Trata-se de uma intolerância doentia e injustificável. Não tem nada a ver com proteger a saúde dos não-fumantes; afinal de contas, alguém pode me explicar o que raios um não-fumante, preocupado o suficiente com sua saúde a ponto de não desejar passar tempo algum em um ambiente onde haja cigarros, iria fazer em uma tabacaria?! No entanto, um tal antro de perdição simplesmente não pode existir. Dura lex, sed lex, mesmo que não iuxta lex. É lastimável. Com este tipo de raciocínio, não dá para saber onde vamos parar.

Leitura suplementar: O cigarro, os fumantes e os direitos de propriedade.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

12 comentários em “Fumaça e Garoa”

  1. O antitabagismo é uma histeria social. Agora, os fumantes; depois, os obesos. Espere só pra ver. Triste mundo.

  2. Finalmente concordamos em alguma coisa!!!

    O mais absurdo de tudo é que o álcool, droga mais perigosa e socialmente nociva, continuará sendo vendido aos borbotões nas casas noturnas, aumentando os índices de acidentes automobilísticos, homicídios, violência doméstica, gravidezes indesejadas e problemas de saúde relacionados ao etanol.
    É o cúmulo da hipocrisia e do ianquismo tupiniquim…

    Triste.

  3. “afinal de contas, alguém pode me explicar o que raios um não-fumante, preocupado o suficiente com sua saúde a ponto de não desejar passar tempo algum em um ambiente onde haja cigarros, iria fazer em uma tabacaria?!”
    Pô, pelo menos conheça o argumento contrário: o problema, dizem, são os garçons, quem está lá a trabalho.

  4. O que está em causa é o cerceamento do indivíduo através da propaganda higienista. Fosse uma preocupação com o coletivo e o meio-ambiente, essa gente teria posto a boca no trombone contra a Petrobrás que exigiu a prorrogação do prazo para filtrar seu combustível indecentemente poluente, especialmente nessa época de epidemia por gripe.

  5. E tem gente que pensa que o Serra é uma alternativa ao PT…

  6. Jether,

    Muito provavelmente a tabacaria já funcionava como tabacaria antes dos garçons lá trabalharem. Quando eles se candidataram ao emprego, sabiam exatamente a que tipo de trabalho estariam sujeitos. Não é justo mudar as regras do jogo depois; seria – mutatis mutandis – como eu, trabalhando desde sempre oito horas por dia na frente do computador (e sabendo desde antes de iniciar o emprego que seria assim), pleitear a posteriori uma redução da carga horária argumentando que o trabalho me pode causar LER…

    Abraços,
    Jorge

  7. Jorge, eu sei que existem argumentos para isso, mas o problema é que, se existissem empregos em abundância para escolher, os garçons poderiam recusar, mas muitos não tem opção, né? Ou você deixaria de trabalhar como garçom neste lugar e passar fome?

  8. Alien,

    A questão não é essa. Se formos discutir os conceitos de boas condições de trabalho e salários justos, seria ridicularmente parcial auxiliar somente os garçons das tabacarias…

    As questões chaves são: é justo haver tabacarias, sim ou não? O Estado pode proibir uma tabacaria de vender cigarros ou de servir bebidas, sim ou não?

    Abraços,
    Jorge

  9. E porque o Estado não pode legislar a favor desses garçons considerando sua atividade como insalubre (é essa a figura jurídica?) diminuindo sua carga horária ou o tempo para aposentadoria, etc como se faz para outras atividades que representam perigo para a saúde (minas de carvão, p. ex.)?

    Logicamente isso implicaria em aumento de custo para esses estabelecimentos e, por consequência, para seus frequentadores, mas seria socialmente justo e não limitaria a liberdade individual.

  10. Vale a leitura dos textos do blog do Reinaldo Azevedo sobre essa tentativa de impedir judicialmente a exposição de crucifixos em repartições públicas. Alguns dos argumentos por ele esgrimidos poderiam ser igualmente usados para caracterizar a sanha anti-tabagista de meu governador….

  11. Como não-fumante, acho que a lei é exageradamente proibitiva. Acho justo separar os fumantes dos não-fumantes, mas não se pode simplesmente banir os fumantes.

  12. Só tenho certa reserva quanto à constante invocação do caso da Alemanha nazista. O anti-tabagismo moderno, a meu ver, tem menos a ver com o ideário nazi-fascista de homens perfeitos, a mais com o velho puritanismo norte-americano, que muito antes de Hitler, buscava cercear prazeres individuais. O exemplo mais clamoroso foi o da lei seca dos anos 20 e 30, que só serviu para fomentar o crescimento do crime organizado e para corromper a polícia e o judiciário. Hitler, que era bastante atento à sociedade americana, provavelmente atentou pra isso e limitou seu antitabagismo à propaganda.

Os comentários estão fechados.