Eu concordo em parte com o Cardoso neste post. Entre outras coisas, o articulista diz que a internet “sozinha” – ao contrário do que alguns apregoam – não faz com que as pessoas tenham um salto intelectual qualitativo. E o exemplo citado por ele é irrefutável:
Quando o email se popularizou vários acadêmicos deram entrevistas dizendo que era uma Era de Ouro da Palavra Escrita, as crianças escreveriam como nunca, teríamos milhares de novos autores, o ensino do idioma no colégio seria facilitado, etc.
Aí veio o miguxês.
As ferramentas são somente ferramentas, e dar poder às pessoas não necessariamente vai fazer com que elas adquiram responsabilidades. Às vezes, funciona. Outras vezes, no entanto – e, infelizmente, na maior parte das vezes -, as pessoas não mudam (talvez piorem), e utilizam mal o poder que lhes foi concedido.
Na verdade, nada substitui a educação, e “educação” não deve ser confundida meramente com “informação”. Hoje em dia temos muita informação. Qualquer criança “sabe” (= ter informação) muito mais coisa do que um adulto médio de algumas décadas atrás. Mas não sabe o que fazer com isso. Informação em demasia, sem desenvolver os processos intelectuais necessários para processá-la, e sem um senso moral apurado para saber o que fazer com ela, é um desastre.
A internet cria o “miguxês”, mas este não é o único problema dos nossos dias. O excesso de informação, dissociado de uma formação moral decente, cria as aberrações morais hodiernas. Pode-se clonar? Clone-se. Pode-se fertilizar artificialmente? Fertilize-se. Pode-se curar doenças destruindo embriões humanos? Destrua-se e cure-se. Pode-se abortar com segurança? Aborte-se. Et cetera, que esta lista é bem grande.
Na verdade, confunde-se o “pode-se” técnico com o “pode-se” moral. Não lembro quem diz uma frase parecida, mas já a escutei mais de uma vez: [p.s.: Fides et Ratio, 88] ter capacidade técnica de fazer algo não significa que este algo pode ser feito. As crianças de hoje sabem, do ponto de vista informativo, muito mais do que os adultos de antigamente; mas até mesmo as crianças de antigamente sabiam “certo” e “errado” muito melhor do que alguns adultos dos nossos dias…
O progresso técnico desvinculado da moral é em grande parte responsável pela crise dos nossos dias. Isto obviamente não significa que somos contra o progresso técnico, da mesma forma que não somos contra a internet por causa da nova gramática “miguxa”. Mas somos, sim, contra a desvirtuação das ferramentas, e pregamos, sim, que haja ordem nas coisas. Afinal de contas, há usos mais nobres para a internet que o miguxês. E há usos mais nobres para a ciência que a degradação do ser humano. Os irresponsáveis defensores de uma ciência sem ética correspondem perfeitamente aos “miguxos” da internet, só que num plano mais elevado, mais sério, e mais desastroso.
“Infelizmente, deve-se constatar que o cientificismo considera tudo o que se refere à questão do sentido da vida como fazendo parte do domínio do irracional ou da fantasia. Ainda mais decepcionante é a perspectiva apresentada por esta corrente de pensamento a respeito dos outros grandes problemas da filosofia que, quando não passam simplesmente ignorados, são analisados com base em analogias superficiais, destituídas de fundamentação racional. Isto leva ao empobrecimento da reflexão humana, subtraindo-lhe aqueles problemas fundamentais que o animal rationale se tem colocado constantemente, desde o início da sua existência sobre a terra. Na mesma linha, ao pôr de lado a crítica que nasce da avaliação ética, a mentalidade cientificista conseguiu fazer com que muitos aceitassem a ideia de que aquilo que se pode realizar tecnicamente, torna-se por isso mesmo também moralmente admissível.”
(Fides et Ratio)
Renato,
Pefeito, obrigado! =)
Estou ficando velho… esquecer trechos da Fides et Ratio… Acho que preciso de férias…
Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz
Pois é, a mesma coisa é quando vemos tanta propaganda a favor da educação. Que a educação irá mudar o mundo, com escolas de alta qualidade a violência diminuirá, mas não é bem assim que ocorre. Muito mais importante e eficiente não é a educação escolar, e sim a educação em família. Essa sim faz a diferença. Existem tantos fascínoras de alto coturno com diploma em Harvard e com fluência em 5 idiomas…
Parafraseando algo que li no twitter… Informação é saber que tomate é fruta. Educação é saber que não se deve colocar tomate em salada de fruta. Gosto de tomates. Lembrei.
Educar em família, Michele? Não, isso não pode, os pais não têm competência para isso!!
Pais são maus, são homofóbicos, preconceituosos, incutem medo nas crianças, dão lições de morais, traumatizam os filhos porque não os deixam (e também porque os deixam) ir para o baile funk aos 10 anos de idade, pais molestam criancinhas, pais deixam criancinhas cairem de apartamentos, e muitas outras coisas medonhas!
O Estado não! O Estado é bom! Só ele tem competência para levar a criança ao bom caminho.
Voltando ao assunto do post em si, faço minhas as palavras do Jorge:
” Na verdade, nada substitui a educação, e “educação” não deve ser confundida meramente com “informação”. Hoje em dia temos muita informação. Qualquer criança “sabe” (= ter informação) muito mais coisa do que um adulto médio de algumas décadas atrás. Mas não sabe o que fazer com isso. Informação em demasia, sem desenvolver os processos intelectuais necessários para processá-la, e sem um senso moral apurado para saber o que fazer com ela, é um desastre.”
O texto da Fides et Ratio pode ser resumida na expressão inglesa “might makes right”. Aliás, lendo o Karl Giberson descobri que essa ideia parece ser bem antiga, de um tal Trasímaco.
Oops, pode ser resumido. Foi mal o erro de concordância.
A novidade de uma tecnologia inédita sempre vem com ingenuidade. É muito ingênuo achar que qualquer tecnologia, por si só, “revolucione” a vida das pessoas. Tecnologia não serve para nada sem o “uso”, e o uso deve ser correto.
Ingenuidade, por exemplo, desses “acadêmicos” citados pelo Cardoso. Pensar que o e-mail traria uma revolução no conhecimento seria o mesmo que garantir que a invenção da escrita permitiria que todos fossem alfabetizados. Ingenuidade boba, de confundir a tecnologia com seu uso.