A Canção Nova traduziu e disponibilizou a segunda catequese de Bento XVI sobre [a] obra de São Boaventura – 10/03/2010. No próprio site do Vaticano, o texto em português não contém a íntegra da catequese papal.
Esta audiência geral foi interessante. Por um lado, o Papa fez questão de afirmar:
[D]epois do Concílio Vaticano II, alguns estavam convencidos de que tudo é novo, que há uma outra Igreja, que a Igreja pré-conciliar é finita e teríamos outra, totalmente diferente. Um utopismo anárquico e, graças a Deus, os sábios timoneiros da barca de Pedro – Papa Paulo VI, Papa João Paulo II – defenderam, por um lado, a novidade do Concílio e, ao mesmo tempo, a unicidade e continuidade da Igreja, que é sempre Igreja de pecadores e sempre um lugar de graça.
Mas, pelo outro lado, e dando título a este post:
Isso não significa que a Igreja seja imóvel, fixa no passado, e não possa exercer novidade alguma. “Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt” [“As obras de Cristo não retrocedem, não são enfraquecidas, mas progridem”], disse o Santo na carta De tribus quaestionibus. Assim, São Boaventura formula explicitamente a ideia de progresso, e essa é uma novidade em comparação aos Padres da Igreja e a grande parte de seus contemporâneos.
Até então, o pensamento central que dominava os Padres era apresentado como cume absoluto da teologia: todas as gerações posteriores somente poderiam ser suas discípulas. Também São Boaventura reconhece os Padres como professores para sempre, mas o fenômeno de São Francisco lhe dá a certeza de que a riqueza das palavras de Cristo é inesgotável, e que também entre as novas gerações podem parecer novas luzes. A unicidade de Cristo também nos garante novidade e renovação em todos os períodos.
Não sei exatamente no que consiste esta “idéia de progresso” à qual faz referência o Papa, nem por que esta seria “uma novidade em comparação aos Padres da Igreja”. Mas gosto de ver a habilidade de Bento XVI: como o Papa, ao mesmo tempo, precisa salvaguardar a permanente fecundidade da Igreja e a Sua eterna estabilidade. Vem-me a mente a expressão de Santo Agostinho, que se refere a Deus mas que se aplica, analogicamente, também à Sua Igreja: “oh Beleza tão antiga e tão nova”. Vem-me a mente a passagem do Evangelho sobre o Reino de Deus (cf. Mt 13, 52), segundo a qual este é como “um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas” (se bem que os Padres parecem explicar a passagem como sendo referência aos Dois Testamentos). E agradeço a Deus porque Ele prometeu estar conosco, todos os dias, até a consumação dos séculos – e Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre, mas nós somos chamados a ser, a cada dia, mais semelhantes a Ele.
E oremus pro Pontifice nostro Benedicto. Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius.
Esse sentido de progresso aparece em diversos documentos oficiais da Igreja e consiste na constatação de que, embora a Revelação esteja toda ela contida nas Escrituras, e nisso a doutrina seja imutável, os avanços das pesquisas científicas em razão de novas tecnologias e, daí, a ampliação da cultura, é que disponibilizam meios de compreensão dos quais antes não dispúnhamos. Na verdade, nada se acrescenta; mas a capacidade de compreender verdades antes veladas é que agora se amplia. E isso muitas vezes acontece, primeiro, entre os leigos, sendo estes seguidos depois pelo Magistério a quem compete ratificar a verdade. As aparições de Nossa Senhora têm mostrado esse itinerário: primeiro, são os simples que recebem a mensagem; depois, averiguada e achada conforme, é homologada pelo Magistério. E, em certos casos, depois de “muito ventar e chover”.