Durante muito tempo as pessoas souberam a diferença entre o início e o fim do sistema digestório humano. Desde tempos imemoriais as crianças aprendiam – na escola e no dia-a-dia – que uma coisa era a comida que elas botavam para dentro e, outra coisa, os dejetos que elas botavam para fora. Em hipótese alguma era permitido confundir essas duas coisas.
Também desdes tempos imemoriais, contudo, alguns indivíduos pareciam não se adaptar àquele exigente estilo de vida. Sempre houve aquelas pessoas que, por razões quaisquer, desenvolviam uma compulsão por ingerir os próprios dejetos ou os de outras pessoas. O hábito, nojento e repugnante, sempre foi repudiado com veemência pela sociedade. Ser papa-bosta era um sinal de infâmia e de vergonha, e os que padeciam de tão estranho prazer queriam se libertar dele mais do que qualquer outra coisa no mundo. Havia também, contudo, aqueles que não conseguiam se libertar de seus hábitos alimentares; estes, comiam fezes somente às escondidas, às escuras, sozinhos, como quem comete uma espécie de crime do qual as demais pessoas não podem tomar ciência.
Um dia isso mudou. Não se sabe bem por qual motivo, um dia os papa-bostas cismaram que tinham o direito de comer bosta mesmo e ai de quem não gostasse. Pior: todos tinham que gostar. Disseram que tinham direito de escolher o que comiam, que a boca era deles mesmo e, nela, eles colocavam o que melhor entendessem. Disseram que com isso não estavam fazendo mal a ninguém, e era um absurdo injustificável que, em pleno século XXI, os degustadores de detritos (o primeiro dos nomes pomposos que se auto-atribuíram) fossem discriminados.
As pessoas normais reagiram com estranheza. Como alguém poderia se orgulhar de ser um papa-bosta?! No entanto, toleraram. Pensavam: “eles que comam a bosta deles para lá!”. Não sabiam, no entanto, que eles queriam muito mais do que isso.
Por serem olhados com estranheza, passaram a dizer que eram vítimas de preconceito e de tratamento desumano pelo simples fato de terem gostos alimentícios diferenciados. Passaram a combater com virulência a comidanormatividade alimentícia! E mais: a injustiça era ainda mais gritante porque o gosto por fezes, como é óbvio, não era uma escolha e sim uma condição. A pessoa nascia gostando (ou não) de comer detritos! Não era justo discriminar uma pessoa por aquilo que ela é: mulher, negro ou papa-bosta… Aliás, este termo passou a ser rapidamente considerado ofensivo e indigno de uma sociedade civilizada. Os degustadores de detritos, agora, queriam ser chamados escatófagos.
Muitos reagiram: “Sim, é verdade que cada um come o que quiser, mas eu não quero passar pela experiência desagradável de estar num restaurante e ver alguém comendo bosta na mesa ao lado, nem quero que meu filho adquira estes hábitos por conviver com gente assim”. Os papa-bostas urraram: escatofagofobia! Escatofagofobia! O termo (recém-cunhado) designava, segundo os seus inventores, o ódio irracional pelas pessoas que, ao fim e a cabo, gostavam de comer bosta. Era inadmissível que os seus gostos alimentares fossem considerados inferiores aos dos demais. Era intolerável existir alguém que não tolerasse um escatófago.
Rapidamente, jurisprudências em favor dos papa-bostas foram estabelecidas. Se alguém entrasse em um estabelecimento qualquer comendo bosta e fosse maltratado, o dono do estabelecimento era punido. A escatofagofobia, argumentavam os papa-bostas, matava centenas de milhares de escatófagos por ano. Se um pai descobria que a babá contratada por ele para tomar conta do seu filho era papa-bosta, e a demitia, os tribunais o condenavam a pagar pesadas indenizações. Ninguém podia nem mesmo recusar-se a contratar um candidato para um emprego pelo fato dele ser um papa-bosta. Os hábitos alimentares, diziam, não influenciavam nada na capacidade de exercer a sua função. O resto era puro preconceito.
As pessoas ficaram perplexas, mas pouco fizeram. Os papa-bostas passaram a se organizar em grandes manifestações de ruas, chamadas paradas, onde as pessoas lambuzavam-se publicamente com as fezes umas das outras. Faziam uma grande festa, atraíam muitas pessoas, dançavam e bebiam e papavam bosta e diziam que isso era tudo muito natural. Reivindicavam a criminalização da escatofagofobia, i.e., que nenhum papa-bosta fosse tratado como um ser humano inferior. Que fossem presos os que pensassem diferente.
Grupos mais conservadores rapidamente começaram a dizer que isto era errado. Os papa-bostas reagiram chamando-os de escroques fundamentalistas e retrógrados, escatofagofóbicos calhordas, dizendo que a única base que eles possuíam para dizer que era errado degustar detritos era um livro velho escrito há milhares de anos que continha um monte de proibições absurdas que, hoje, não eram levadas a sério por ninguém. A violência da reação foi tão grande que os conservadores, no primeiro momento, se retraíram. Os papa-bostas comemoram publicamente.
Foi iniciada uma campanha de inclusão cidadã da escatofagia. Nas escolas, as crianças eram apresentadas a materiais educativos que diziam ser normal comer fezes. A experiência escatofágica era estimulada. Os papa-bostas eram apresentados como pessoas de bem, modelos famosas, executivos de sucesso, bons pais de família, excelentes cidadãos. A figura da mãe obrigando o filho a comer verduras era pintada como se fosse o supra-sumo da opressão alimentar, uma violência sem precedentes e que não podia ser tolerada. Psicólogos renomados subscreviam esta tese. Um escatófago – diziam – não ia deixar de sentir vontade de comer fezes porque sua mãe lhe forçara a comer verduras. Ao contrário, o que ele devia fazer era se assumir, sair do banheiro e ser feliz.
Os conservadores, percebendo as dimensões que a loucura estava tomando, resolveram se manifestar. Mas a tropa dos papa-bostas já tinha tomado grande parte das estruturas de poder social, da imprensa aos órgãos de governo. Quando um conservador dizia que comer bosta fazia mal, rapidamente diziam que isto era puro preconceito dele. Quando ele mostrava a maior incidência de infecções intestinais em pessoas que tinham o hábito de comer bosta, os escatófagos rapidamente diziam que isto era justamente devido ao preconceito social que os papa-bostas sofriam – que os forçava a praticarem a escatofagia em ambientes e condições pouco adequados. Quando um conservador dizia que a boca foi feita para alimentar o corpo, os papa-bostas o ridicularizavam dizendo que as pessoas já há muito comiam para ter prazer, e não somente para se nutrir. Ousaram dizer que era anti-natural comer bosta, só para ouvirem os escatófagos listarem as inúmeras ocorrências de animais que comiam as próprias fezes, provando assim que a escatofagia era, na verdade, uma exigência da natureza.
No fim, foram vencidos. Humilhados impiedosamente, foram se tornando cada vez mais odiados pelas novas gerações. Muitos se renderam aos “novos tempos” e passaram até mesmo a gostar dos papa-bostas. De vez em quando, para não serem olhados com muita estranheza, aceitavam participar de uma degustação fecal. Outros tantos foram presos por escatofagofobia, e não se sabe ao certo o que aconteceu com eles. Alguns outros simplesmente foram embora, buscando algum rincão do mundo onde pudessem simplesmente se estabelecer e viver em paz; onde pudessem educar os seus filhos ensinando-lhes que é errado comer bosta, da forma como eles próprios foram ensinados. A verdade é que, no fim, quase nenhuma voz dissidente restou. E eles deixaram para trás um mundo sem preconceitos: onde ninguém era tratado como um inferior por gostar de comer detritos. Deixaram para trás um mundo moderno e civilizado, de ruas fétidas, pessoas de mau hálito e doentes. E todos se julgavam felizes por terem conseguido dar mais este importante passo na erradicação do preconceito da humanidade.
Este texto é de ficção.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Excelente insight, Jorge. Parabéns!
Excelente artigo, Jorge. Pior é que estou vendo bastante semelhança com casos reais…
Perfeito, primoroso, genial e corajoso. Parabéns!
Jorge, meu filho…
Menino de ouro ( melhor que o Cristiano Ronaldo).
Excelente texto!.
Mas o melhor dele é o que está nas entrelinhas…
“Este texto é de ficção.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência”
Tá bom…
Eu acredito, he,he.
Cara, sensacional a fábula criada! Muito bem construída!
Seria cômica se não fosse trágica a “mórbida semelhança” com os fatos reais…
Sensacional.
Meus parabéns, mais uma vez.
Jorje ,genial .
Parabéns pelo excelente texto !
Meu Deus!
Até onde pode um Cristão ser tão intolerante?
Pra que tanto retiro, tanta perigtinação, se o coração Cristão é vazio?
Arre!
Textos assim são um perigo. Vai que “elles” acham a idéia boa…
ECA!
Em outros tempos, Eric Arthur Blair assumindo o nome de George Orwell escreveu revolução dos bichos para romantizar a hipocrisia do comunismo, denunciando toda a sujeira, podridão e miséria do diabólico regime vermelho, baseado, diante todos os seus fracassos, na falida URSS. Hoje, sem a utilização de pseudônimo, Jorge Ferraz escreve similar ato de bravura com esta parabolização da imundice que é a realidade brasileira no século XXI, excelente texto, parabéns Joelho! Muito bom mesmo!
Pois é! Quanta intolerância do Jorge para com os comedores de merda! Que absurdo! Eles têm todo o direito de comerem fezes! Criticar isso é um ato de intolerância terrível! Afinal de contar, comer excrementos é uma coisa muito digna! É o exercício de um direito e essa atividade é sacrossanta, não podendo jamais ser criticada, pois assim você está magoando os sentimentos dos apreciadores dessa iguaria! Só porque esse comportamento é antinatural, não quer dizer que não possa ser, hã… prazeiroso para aqueles que se entregam a ele! Absurdo! Jorge, seu mau cristão, devemos tolerar a tudo e a todos, inclusive àqueles que ingerem rejeitos! E mais: isso tem mesmo que ser promovido e subvencionado pelo Estado!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Este texto vai dar um repercussão .
É ,em tempo de ditadura devem ser usadas estas artimanhas de linguagem simbólica,parábolas,fábulas,etc kkkkkkkkk
A boca do Matheus Cajaíba já está até com esparadrapo ,kkkkkkkkk
Pois é, acho que essa intolerância do Jorge passou dos limites. Quem come bosta tem o direito de comer bosta e o dever de não tolerar que os outros o critiquem. Todo mundo tem que achar lindo comer bosta, sem exceção! E os cristãos, acima de tudo, tem de aceitar, porque Cristo aceitou a todos! Cristo tolerou as escolhas, preferências, decisões de todo mundo, fossem eles mulheres, gays, fariseus (não, peraí, fariseus não… apesar de Jesus ter jantado com eles (Lc 7), fariseus não prestam), samaritanos, gentios, prostitutas, vendedores no Templo, pecadores, aversos aos Mandamentos, todos podiam fazer o que quisessem e nem Cristo os obrigou a nada! Os cristãos que não fazem o mesmo são hipócritas de coração vazio!
Quem acha feio, nojento ou insalubre comer bosta, não será tolerado! Abaixo à intolerância!
Gente,como fizeram em uma certa ‘parada’,vamos defender os escatófagos usando os versículos bíblicos :’o que importa não é o entra pela boca do homem ‘…..
Que falta de caridade !!!
Deixemos os escatófagos em paz.
Amai-vos uns aos outros.
Essa é para os heterofóbicos que pensam ser irônicos:
Um homem estava sentado no avião, ao lado de uma menininha. O cara olhou a criança e lhe disse:
– Vamos conversar? Tenho certeza que a viagem parecerá mais rápida. O que você acha?
A menina, que acabava de abrir um livro para ler, o fechou lentamente e respondeu com voz suave:
– Sobre o que gostaria de conversar?
– Bom, não sei… – disse o homem. – Que tal física nuclear? – e mostrou um grande sorriso.
– Bem,- disse a pequena – Esse parece ser um tema interessante. Mas antes, gostaria de lhe fazer uma pergunta: o cavalo, a vaca e a ovelha comem a mesma coisa: capim, não é mesmo? Porém, o excremento da ovelha é um monte de pequenas bolinhas, o da vaca é uma pasta e o do cavalo é um monte de pelotas secas. Por que o senhor acha que isto acontece?
O cara, visivelmente surpreso com a inteligência da menina, pensou durante uns momentos e respondeu:
– Hmmm, não faço a menor idéia…
E então, a menininha disse:
– Sinceramente, como o senhor se sente qualificado para discutir física nuclear, se não entende de bosta nenhuma???
Fantástico! Parabéns pelo texto!
Caro Jorge… pena que não fui eu quem escreveu!
Muito bom, tão bom que até a crítica de nossa amiga secreta acima, lançou-a numa crítica de bosta.
Só uma dúvida. Nos retiros e peregrinações de que participei, em nenhum serviram bosta, agora estão servindo?
Este texto é realmente um perigo para muitos religiosos. Como a biblia não condena comer bosta, muitos catolicos podem ser influenciados ao erro. Não seria uma boa ideia que o papa se manifesta-se sobre o assunto?
Caro Gustavo
Existem escatófagos que se dizem católicos, mas são os que não leram a Bíblia corretamente, e não ouvem a voz da Igreja, tanto uma quanto outra são claramente contra escatofagia.
Nossa, já tem gente defendendo a escatofagia!! O negócio foi mais rápido que pensei!!
Adorei o “sair do banheiro”!!!
Genial.
Por que os “tolerantes” não “toleram” a nossa “intolerância”?
Olegário.
Já falei que isso vai dar merda !!!
Se algum adepto de tal prática tomar conhecimento deste texto (que tem autor desconhecido) é capaz de dizer:
Bota na conta do Papa !!! Vamos denunciá-lo à Corte Internacional.
Sensacional!
Cara, esse texto está uma merda!
E, por isso mesmo, está me dando uma fome danada! Viva à escatofagia e abaixo à escatofagofobia!
O melhor desse texto é a menininha do Demerval que provou para todos que a maioria das pessoas querem discutir coisas difíceis sem entender de bosta nenhuma. kakakakakaka
Olegario
Tu já imaginou que chato um mundo em que todos concordassem em tudo? Temos mais que descordar e defender nossa maneira de pensar.
Brilhante!
Jorge,
Excelente! Parabéns!
Talvez fosse bom você consultar um advogado, pois a intolerância dos “tolerantes” pode se manifestar…