Sobre as “provas” (!) da inexistência de Deus

A existência de Deus, como ensina a Doutrina Católica, é alcançável pela razão humana: «Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas» (Concílio Vaticano I, Seção III, Cap. II). Assim, os que dizem que Deus não existe são, nas Escrituras Sagradas, chamados de estultos, i.e., insensatos, tolos, ignorantes. A expressão na Vulgata Latina é ainda mais clara: dixit insipiens in corde suo non est Deus (Ps. XIII, 1). “Insipiente” (descobri-o agora) é inclusive dicionarizado em português (ao menos em Portugal): aquele “que nada sabe”, em oposição a “sapiente”.

Neste sentido, gostaria de tecer alguns comentários sobre este texto que se propõe a provar a inexistência de Deus (!). Ele foi apresentado aqui. As tais absurdas “provas” podem ser sistematizadas no seguinte:

1. «Há uma óbvia contradição entre ser “onisciente, onipotente, onipresente” e “imaterial, atemporal” simultaneamente».

Só na cabeça do estulto arrogante. A justificativa apresentada, de um materialismo tão absurdamente grosseiro, chega a ser pueril: «Conquanto informação no universo é, necessariamente, energia, particularmente energia eletromagnética, qualquer entidade que se supõe onisciente deve, imperiosamente, ser capaz de ler as informações que são transmitidas por estas ondas energéticas. Tem de haver pelo menos um receptor sensível, vale dizer material, para todas as informações, capaz de detectá-las e permitir o efeito da onisciência. (…) Seriam necessários infinitos receptores para que o atributo da onisciência fosse verdadeiro, o que implica que em todos os lugares do universo haveria receptores presentes – a onipresença material».

O que dizer? Nego, óbvia e simplesmente, a necessidade (imperativa, segundo o filósofo!) de um “receptor sensível” (!) para “ler” a “informação” do Universo. O insipiente autor destas alegadas provas está, na verdade, aplicando um reducionismo grosseiro ao problema – no caso, reduzindo a existência à matéria e pressupondo a necessidade de um sensor material para se conhecer a matéria. Isto não é, absolutamente, uma prova, e sim uma petição de princípio: que não exista uma Inteligência imaterial está já contido na premissa adoptada pelo estulto de que é necessário haver receptores sensíveis para que haja possibilidade de conhecimento do Universo. Naturalmente, os crentes negam esta premissa estapafúrdia.

É talvez com relação à Onipresença que o argumento pode impressionar um pouco, mas ele padece do mesmo vício acima apontado. Diz o ignorante: «Nenhuma presença que não pode ser traduzida, experimentada, efetivada em algum tipo de matéria, que não assuma uma corporalidade material, que não ocupe algum lugar no espaço – ainda mais supostamente presente em todo o espaço – pode ser detectada e interagir neste universo».

Percebam o salto lógico: de “não pode ser detectada” (coisa com a qual naturalmente concordamos, se “detectada” estiver no sentido de “detectada por meio de instrumentos de medição”), o ateu passa imediatamente para “não existe”! Isto, sim, é um primor de lógica. De novo a petição de princípio: prove primeiro o estulto ateu que não existe o que não pode ser detectado, para só depois vir falar em “provas” sobre o que quer que seja.

Na verdade, Deus é Onipresente não de presença material (óbvio, posto que senão cairíamos no panteísmo), mas de presença enquanto causa do ser das coisas que existem, “como o agente está presente no que faz” (Summa Ia, q. 8 – o ignorante ateu faria bem em ler ao menos esta questão da Summa antes de vir falar em onipresença “física”!). Deus não apenas cria o Universo como também o mantém na existência – e é neste sentido que Deus é Onipresente. Aliás, com um materialismo destes, espanta (positivamente!) que o autor do texto em análise não tenha “refutado” a Onipotência Divina com o exemplo do terrível embate entre as meias Vivarina e as facas Ginsu

2. «Porque (sic) um deus “onisciente, onipotente, onipresente, transcendental, imaterial, atemporal, pessoal e necessário” não é, afinal, auto-evidente?»

O que o ateu entende por “auto-evidente”? Parece ser “aquilo sobre o qual ninguém discorda”, o que é uma definição evidentemente errônea, visto que (principalmente nos dias de hoje!) não existe rigorosamente nada com o qual todo o mundo concorde.

Ademais, o Doutor Angélico também explica por que é que a existência de Deus não é evidente por si mesma (Summa Ia, q.2). E a resposta é, simplesmente, porque nós não conhecemos Deus – “não sabemos em quê consiste Deus [e portanto] para nós [a Sua existência] não é evidente”. É por isso que nós precisamos ensiná-la e demonstrá-la; uma vez que entendamos que Deus é o Ser Necessário e que o Ser Necessário existe necessariamente, a existência de Deus passará a ser evidente também para nós.

Note-se ainda que a queixa do estulto ateu é totalmente descabida. Não existe nada que «[t]odas as crianças do mundo, no nascimento ou quando se auto-descobrissem, sem qualquer outra influência» descubram por si sós. Até mesmo os princípios básicos como “o todo é maior do que as partes” precisam ser ensinados antes que sejam reconhecidos como evidentes, uma vez que as pessoas não nascem sabendo o que seja “todo” e o que seja “parte”. Por qual motivo, então, Deus não deveria ser ensinado?

3. «Ninguém seria insano de negar a existência do que necessita para viver».

Mas é óbvio que seria, uma vez que o número dos estultos é infinito – stultorum infinitus est numerus (Ecclesiastes I, 15): aí estão os ateus para o demonstrar! Por que não? Do fato de Deus – como explicado acima – ser a causa da existência dos seres não segue que todos os seres reconheçam imediatamente esta necessidade causal. Do fato de haver «muitos humanos que simplesmente continuam a viver sem saber sequer da existência deste debate, quanto mais deste deus» não segue que estes seres humanos vivam sem que Deus os mantenha na existência. Desde quando “saber” a respeito de alguma coisa é necessário para que esta coisa exista?

Para usar uma analogia bem rudimentar e materialista (como parece ser necessário para alguns adeptos radicais do materialismo cego), durante muito tempo as pessoas não souberam da existência das bactérias que vivem no intestino humano e regulam o equilíbrio do organismo. E a flora intestinal continuou existindo, a despeito de haver muitos humanos que simplesmente continuavam a viver sem saber sequer da existência de uma coisa chamada “bactéria”. No quê isto é minimamente um argumento contra a existência da flora intestinal? No quê a ignorância dos ateus é um argumento contra a existência de Deus?

É esta, enfim, a miséria intelectual de quem pretende “provar” que Deus não existe. As palavras das Escrituras Sagradas chegam a ser brandas: chamar “insipiente” uma pessoa dessas é até um tratamento honroso que lhe é dispensado. Mas a arrogância dos ignorantes parece não ter limites. Na contramão de qualquer metafísica minimamente séria, o que dizer de um sujeito que tem a coragem de afirmar que «o universo é a prova da não-existência de deus»? O autor de tal texto deveria envergonhar-se dele, se lhe resta ao menos um mínimo de amor-próprio para compensar a falta de entendimento das coisas mais básicas – sobre as quais, não obstante, ele insiste em discorrer. Mas a caravana passa enquanto os cães ladram. E, enquanto isso – diz outro salmo -, “Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo” (Sl 2, 4).

Chesterton vs. Clarence Darrow

Mais Chesterton dramatizado! Recentemente, eu dizia para alguém que posso ler um texto de vinte páginas, mas não tenho paciência para assistir um vídeo de três minutos. Estes dez minutos de Chesterton, no entanto, são deliciosos.

Do canal do youtube: «O debate que vocês assistirão abaixo é a reconstrução de um que realmente aconteceu em Nova York, em 1931. A reconstrução foi feita por Dale Ahlquist a partir de relatos do mesmo (não há dele transcrição conhecida) e de textos de Chesterton que tratam dos mesmos assuntos que animaram o debate. Ele é atual porque o agnosticismo é o mesmo — e tem muitos representantes na intelectualidade atual — a doutrina católica é a mesma e, sobretudo, porque “o elo perdido de Darwin continua perdido”, como nos lembra o grande escritor inglês».

Pena de Morte e Clemência

A Doutrina Católica sempre reconheceu a legitimidade do recurso à pena de morte quando esta é a única maneira de defender a sociedade e punir justamente o agressor. Os argumentos pela sua licitude, creio, são já amplamente conhecidos – e, conforme entendo, os “argumentos” dos que são contra ela em princípio resumem-se a um chororô naturalista e, absolutamente, não respondem às objeções dos que sempre defenderam ser permitido aos poderes públicos punirem certos crimes com a pena capital. Para quem tiver ainda alguma dúvida sobre o assunto, é imprescindível a leitura deste texto do Corção.

Uma coisa, no entanto, são os princípios que a dizem legítima e, outra, são as circunstâncias concretas nas quais ela pode ser legítima ou não. Imagino que não haja ninguém defendendo que seja lícito condenar a morte em quaisquer circunstâncias. A divergência quanto a questões de fato, neste caso, é perfeitamente legítima: de tal modo que um católico, embora não possa defender que a pena de morte é injusta em si mesma, é não obstante livre para julgá-la justa ou injusta diante de cada caso concreto.

Li hoje que o Comitê de Indultos da Geórgia (USA) negou um pedido de clemência para Troy Davis, homem negro condenado à morte pelo assassinato de um policial branco após um processo, ao que parece, bastante questionável – para dizer o mínimo. Segundo o portal de notícias do Terra, «[d]esde que foi condenado em 1991, sete dos nove testemunhas policiais se retrataram dos depoimentos alegando coerção e intimidação por parte da polícia».

um abaixo-assinado da Anistia Internacional para que se pare a execução – que ocorrerá amanhã, dia 21 de setembro. Eu não conheço os detalhes específicos deste caso e, portanto, não sei dizer se a pena é justa. Sei, contudo, que se deve evitar a todo custo condenar um inocente, como sei também que a criação de um “mártir” pode tornar (ainda mais) difícil a discussão racional sobre o assunto…

E sei também que, em todo caso, precisa de orações o sr. Troy Davis; para que encontre clemência se for inocente ou, se executado, para que aceite a expiação. E, inocente ou culpado, perdoado ou executado, que possa encontrar a Clemência do Justo Juiz, a única que – no final das contas – realmente importa. Que seja em favor dele a Virgem Santíssima. Que Deus possa mostrar-lhe misericórdia.

“Tudo é absurdo” – Frei Leão José Moreau

Muitas formas, bem diversas, de ceticismo e de pessimismo, se encontram registradas na história do pensamento humano, desde os sofistas e os pirrônicos antigos até os modernos agnósticos, desde Çakya-Muni até Schopenhauer. Foi posta em dúvida a possibilidade do conhecimento objetivo. Com Heráclito talvez, e com Hegel, contestou-se mesmo o valor do princípio fundamental de todo pensamento, sem o qual êste se nega a si mesmo: o princípio de não-contradição. A vida foi declarada radicalmente má e preferido o nada ao ser. A história dos sistemas filosóficos oferece-nos tôdas as espécies de expressões – ao menos verbais – da dúvida e da recusa. Entretanto ter qualquer escola do passado jamais proclamado a absurdidade do ser tão explícita e tão abruptamente como nossos existencialistas ateus?

“No existencialista não cristão, a contingência da existência não mais toma o caráter de mistério provocante e sim de irracionabilidade pura e de brutal absurdidade. O homem é um fato nu, cego. Está ali, dêsse modo, sem razão. É isto que Heidegger e Sartre chamarão sua “factividade”. Cada um de nós por seu turno, se encontra ali (Befindlichkeit), ali, agora, porque aqui mais aqui, não se sabe, é idiota. Quando desperta para a consciência e para a vida, está já ali, não o pediu. É como se se o lançasse ali – quem? ninguém; para quê? para nada. Tal é o sentimento de uma situação originária, sentimento supremo para lá do qual nada existe. Acordo em plena viagem numa história de louco… O desvio é absoluto e sem esperança. Êste sentimento é de tal modo ofuscante que Sartre o traduz por uma nuance nova, cuja incidência ontológica é capital: o ente é por demais (de trop). Sua estupidez injustificável estorva como a asneira… Estou como atirado e abandonado por êste nada sem olhar e sem resposta num ponto perdido do universo… Cada segundo renova êste abandono entregando-me indefeso ao mundo estranho: introduz até em mim a estraneidade que me envolve e que me priva inclusive desta cálida intimidade comigo mesmo em que o desespêro encontraria uma promessa familiar” (E. Mounier, Introduction aux existencialismes, ed. Denoel, Paris, 1947, p. 35-36).

Êstes temas do ser que “é uma demasia (de trop) para a eternidade” do homem, “paixão inútil”, do nada, do absurdo, da estraneidade, etc., inspiram tôda uma literatura contemporânea, as obras dum J. P. Sartre, dum Camus e duma Simone De Beauvoir… O século XX, que viu o ateísmo chegar à consagração oficial de doutrina do Estado, viu-o também, no plano intelectual, chegar à inevitável conclusão lógica: tudo é absurdo.

Mas, será que se trata efetivamente duma “conclusão intelectual”?

Trata-se, é certíssimo, de uma atitude literária. Trata-se também – ao menos em certa medida – duma moda. Mas se queremos nos colocar do ponto de vista estritamente filosófico, é de todo impossível considerar êste “absurdismo” como uma conclusão intelectual. Isto por motivo bastante evidente: uma conclusão intelectual deve poder ser pensada. Ora, o absurdismo é – por definição – impensável… O absurdismo consiste em negar o pensamento, em sustentar que o ser é radicalmente incoerente.

Sustentar conscientemente uma proposição absurda, ou afirmar – o que dá no mesmo – a verdade objetiva do absurdo, é contradizer-se a si mesmo, é pôr uma afirmativa e declarar, ao mesmo tempo, que ela é destituída de fundamento: jôgo realmente impossível, que ninguém pretende realizar nas matemáticas, por exemplo, em que a precisão desnudada da expressão não permite artifício algum na linguagem. O que não é possível em matemática é verbalmente possível em filosofia, porque, dada a densidade e a riqueza do objeto desta, ela não pode exprimir-se de maneira tão rigorosamente adequada como aquela. Explica-se assim o dito de Cícero, que não há tolice que não tenha sido afirmada por algum filósofo.

Frei Leão José Moreau, O.P.,
“Ateísmo e Absurdismo”,
in “A ORDEM”, Vol. LIII, FEV/1955

Mais sobre o simpósio gay da Unicap

Ainda sobre o Simpósio Gay da Unicap, fui informado de que esta semana (terça ou quarta-feira) um grupo de fiéis dirigiu-se até a residência episcopal a fim de suplicar a Sua Excelência que impedisse a realização do ultrajante encontro. Dom Fernando recebeu atenciosamente a comitiva; mas deu a entender que, a esta altura (o simpósio inicia-se agora à tarde), nada podia fazer para impedir o evento.

Na ocasião, foi entregue uma carta a Sua Excelência sobre o assunto, assinada por algumas pessoas (não eu; eu só soube desta iniciativa a posteriori) e firmada então também pelo senhor Arcebispo, que confirmou o recebimento. Segue abaixo.

Rezemos pela Igreja! A fim de que os inimigos de Deus não possam triunfar. A fim de que o Altíssimo não permita que zombem d’Ele os que O deveriam servir. A fim de que Ele tenha misericórdia de nós.

O reino dos papa-bostas

Durante muito tempo as pessoas souberam a diferença entre o início e o fim do sistema digestório humano. Desde tempos imemoriais as crianças aprendiam – na escola e no dia-a-dia – que uma coisa era a comida que elas botavam para dentro e, outra coisa, os dejetos que elas botavam para fora. Em hipótese alguma era permitido confundir essas duas coisas.

Também desdes tempos imemoriais, contudo, alguns indivíduos pareciam não se adaptar àquele exigente estilo de vida. Sempre houve aquelas pessoas que, por razões quaisquer, desenvolviam uma compulsão por ingerir os próprios dejetos ou os de outras pessoas. O hábito, nojento e repugnante, sempre foi repudiado com veemência pela sociedade. Ser papa-bosta era um sinal de infâmia e de vergonha, e os que padeciam de tão estranho prazer queriam se libertar dele mais do que qualquer outra coisa no mundo. Havia também, contudo, aqueles que não conseguiam se libertar de seus hábitos alimentares; estes, comiam fezes somente às escondidas, às escuras, sozinhos, como quem comete uma espécie de crime do qual as demais pessoas não podem tomar ciência.

Um dia isso mudou. Não se sabe bem por qual motivo, um dia os papa-bostas cismaram que tinham o direito de comer bosta mesmo e ai de quem não gostasse. Pior: todos tinham que gostar. Disseram que tinham direito de escolher o que comiam, que a boca era deles mesmo e, nela, eles colocavam o que melhor entendessem. Disseram que com isso não estavam fazendo mal a ninguém, e era um absurdo injustificável que, em pleno século XXI, os degustadores de detritos (o primeiro dos nomes pomposos que se auto-atribuíram) fossem discriminados.

As pessoas normais reagiram com estranheza. Como alguém poderia se orgulhar de ser um papa-bosta?! No entanto, toleraram. Pensavam: “eles que comam a bosta deles para lá!”. Não sabiam, no entanto, que eles queriam muito mais do que isso.

Por serem olhados com estranheza, passaram a dizer que eram vítimas de preconceito e de tratamento desumano pelo simples fato de terem gostos alimentícios diferenciados. Passaram a combater com virulência a comidanormatividade alimentícia! E mais: a injustiça era ainda mais gritante porque o gosto por fezes, como é óbvio, não era uma escolha e sim uma condição. A pessoa nascia gostando (ou não) de comer detritos! Não era justo discriminar uma pessoa por aquilo que ela é: mulher, negro ou papa-bosta… Aliás, este termo passou a ser rapidamente considerado ofensivo e indigno de uma sociedade civilizada. Os degustadores de detritos, agora, queriam ser chamados escatófagos.

Muitos reagiram: “Sim, é verdade que cada um come o que quiser, mas eu não quero passar pela experiência desagradável de estar num restaurante e ver alguém comendo bosta na mesa ao lado, nem quero que meu filho adquira estes hábitos por conviver com gente assim”. Os papa-bostas urraram: escatofagofobia! Escatofagofobia! O termo (recém-cunhado) designava, segundo os seus inventores, o ódio irracional pelas pessoas que, ao fim e a cabo, gostavam de comer bosta. Era inadmissível que os seus gostos alimentares fossem considerados inferiores aos dos demais. Era intolerável existir alguém que não tolerasse um escatófago.

Rapidamente, jurisprudências em favor dos papa-bostas foram estabelecidas. Se alguém entrasse em um estabelecimento qualquer comendo bosta e fosse maltratado, o dono do estabelecimento era punido. A escatofagofobia, argumentavam os papa-bostas, matava centenas de milhares de escatófagos por ano. Se um pai descobria que a babá contratada por ele para tomar conta do seu filho era papa-bosta, e a demitia, os tribunais o condenavam a pagar pesadas indenizações. Ninguém podia nem mesmo recusar-se a contratar um candidato para um emprego pelo fato dele ser um papa-bosta. Os hábitos alimentares, diziam, não influenciavam nada na capacidade de exercer a sua função. O resto era puro preconceito.

As pessoas ficaram perplexas, mas pouco fizeram. Os papa-bostas passaram a se organizar em grandes manifestações de ruas, chamadas paradas, onde as pessoas lambuzavam-se publicamente com as fezes umas das outras. Faziam uma grande festa, atraíam muitas pessoas, dançavam e bebiam e papavam bosta e diziam que isso era tudo muito natural. Reivindicavam a criminalização da escatofagofobia, i.e., que nenhum papa-bosta fosse tratado como um ser humano inferior. Que fossem presos os que pensassem diferente.

Grupos mais conservadores rapidamente começaram a dizer que isto era errado. Os papa-bostas reagiram chamando-os de escroques fundamentalistas e retrógrados, escatofagofóbicos calhordas, dizendo que a única base que eles possuíam para dizer que era errado degustar detritos era um livro velho escrito há milhares de anos que continha um monte de proibições absurdas que, hoje, não eram levadas a sério por ninguém. A violência da reação foi tão grande que os conservadores, no primeiro momento, se retraíram. Os papa-bostas comemoram publicamente.

Foi iniciada uma campanha de inclusão cidadã da escatofagia. Nas escolas, as crianças eram apresentadas a materiais educativos que diziam ser normal comer fezes. A experiência escatofágica era estimulada. Os papa-bostas eram apresentados como pessoas de bem, modelos famosas, executivos de sucesso, bons pais de família, excelentes cidadãos. A figura da mãe obrigando o filho a comer verduras era pintada como se fosse o supra-sumo da opressão alimentar, uma violência sem precedentes e que não podia ser tolerada. Psicólogos renomados subscreviam esta tese. Um escatófago – diziam – não ia deixar de sentir vontade de comer fezes porque sua mãe lhe forçara a comer verduras. Ao contrário, o que ele devia fazer era se assumir, sair do banheiro e ser feliz.

Os conservadores, percebendo as dimensões que a loucura estava tomando, resolveram se manifestar. Mas a tropa dos papa-bostas já tinha tomado grande parte das estruturas de poder social, da imprensa aos órgãos de governo. Quando um conservador dizia que comer bosta fazia mal, rapidamente diziam que isto era puro preconceito dele. Quando ele mostrava a maior incidência de infecções intestinais em pessoas que tinham o hábito de comer bosta, os escatófagos rapidamente diziam que isto era justamente devido ao preconceito social que os papa-bostas sofriam – que os forçava a praticarem a escatofagia em ambientes e condições pouco adequados. Quando um conservador dizia que a boca foi feita para alimentar o corpo, os papa-bostas o ridicularizavam dizendo que as pessoas já há muito comiam para ter prazer, e não somente para se nutrir. Ousaram dizer que era anti-natural comer bosta, só para ouvirem os escatófagos listarem as inúmeras ocorrências de animais que comiam as próprias fezes, provando assim que a escatofagia era, na verdade, uma exigência da natureza.

No fim, foram vencidos. Humilhados impiedosamente, foram se tornando cada vez mais odiados pelas novas gerações. Muitos se renderam aos “novos tempos” e passaram até mesmo a gostar dos papa-bostas. De vez em quando, para não serem olhados com muita estranheza, aceitavam participar de uma degustação fecal. Outros tantos foram presos por escatofagofobia, e não se sabe ao certo o que aconteceu com eles. Alguns outros simplesmente foram embora, buscando algum rincão do mundo onde pudessem simplesmente se estabelecer e viver em paz; onde pudessem educar os seus filhos ensinando-lhes que é errado comer bosta, da forma como eles próprios foram ensinados. A verdade é que, no fim, quase nenhuma voz dissidente restou. E eles deixaram para trás um mundo sem preconceitos: onde ninguém era tratado como um inferior por gostar de comer detritos. Deixaram para trás um mundo moderno e civilizado, de ruas fétidas, pessoas de mau hálito e doentes. E todos se julgavam felizes por terem conseguido dar mais este importante passo na erradicação do preconceito da humanidade.

Este texto é de ficção.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

A loucura da Cruz

Eu queria escrever este texto ontem, mas não tive tempo. Ontem, dia 14 de setembro, foi a Festa de Exaltação da Santa Cruz; foi também o aniversário (quatro anos!) de entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum, e ainda o dia do esperado encontro entre a Congregação para a Doutrina da Fé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X.

A exaltação da Santa Cruz, do Lenho Santo do Qual pendeu a Salvação do mundo: vinde, adoremos! «Per lignum servi facti sumus, et per sanctam Crucem liberati sumus. Fructus arboris seduxit nos, Filius Dei redemit nos». O mistério é portentoso demais para ser esgotado; as Escrituras Sagradas dirão que a linguagem da Cruz é loucura para os que se perdem. E onde a loucura?

Loucura entre todos os maus católicos inimigos da Santa Missa celebrada na Forma Extraordinária do Rito Romano, da Missa Gregoriana, Missa Tridentina, Missa de São Pio V ou seja lá o nome que lhe queiram dar. O ódio a esta forma piedosa e tradicionalíssima de celebração – de renovação do Sacrifício de Cristo no Calvário – não é, no fundo, outra coisa que não o ódio à Cruz de Cristo, o desespero diante das exigências de uma Fé [a Fé Católica e Apostólica, a Fé dos Apóstolos!] que parece seguir – em tudo – na contramão dos valores pregados pelo mundo de hoje.

Loucura entre os profetas de desgraças que sentem ojeriza pela aproximação da FSSPX à Sé de Pedro, e que intimamente torcem (quiçá rezem…) pelo malogro das conversações e para que os sacerdotes e fiéis ligados a Lefebvre permaneçam para sempre à margem da Barca de Pedro. Este ódio não é, também, outra coisa que não o ódio à intransigência da Fé Católica e Apostólica, às exigências da Cruz que não querem ver exaltada.

E, por fim, loucura nestas palavras de um Sucessor dos Apóstolos, que propõe-nos aos cristãos escondermos a Cruz (!) ao invés de A exaltarmos, em atenção aos infiéis sarracenos (!!). Sua Excelência termina seu texto dizendo que se deve tomar «cuidado com os marcados por símbolos». Eu diria a Dom Demétrio que, antes, devemos tomar cuidado – e muito! – com os marcados por ideologias estranhas à doutrina católica, ainda que se apresentem de mitra e báculo.

Porque nós, cristãos, somos marcados com o sinal de Cristo, e o sinal de Cristo é a Sua Cruz. «Estou pregado à cruz de Cristo» são palavras do Apóstolo (Gl 2, 19b); como podemos então não carregar em nossos corpos as marcas desta tão importante conformação a Nosso Senhor? Nós cristãos somos marcados indelevelmente com o caráter batismal e, mais tarde, com o selo do Santo Crisma. Os que ascendem às Sagradas Ordens recebem ainda um terceiro caráter indelével, o do Sacramento da Ordem. Ao evocar o adágio latino, Dom Demétrio esquece que ele próprio é três vezes marcado por Nosso Senhor. E, por via adversa, por linhas tortas, sem nexo causal, o bispo de Jales termina por dizer uma grande verdade: que os cristãos devem tomar cuidado com ele.

“Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6, 14). Que nós façamos nossas estas palavras de São Paulo. Que nós não nos gloriemos neste mundo, a não ser na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, na festa litúrgica de ontem exaltada. Que nós tenhamos sempre a ousadia de ostentar esta Cruz bem alto – sem respeito humano, sem receios de ofender hereges ou infiéis -, porque só assim as pessoas poderão ser atraídas a Ela. Que nós – como cantam as composições populares de antigamente – possamos sempre, aqui na Terra, cantar louvores à Santa Cruz, a despeito do que digam o mundo e os maus prelados.

A instrumentalização do sofrimento alheio

Esta notícia é uma verdadeira piada: Vítimas de pedofilia denunciam papa à corte internacional. «Uma associação americana de vítimas de padres pedófilos anunciou nesta terça-feira que apresentou uma queixa ao Tribunal Penal Internaiconal (TPI) contra o papa Bento XVII e outros dirigentes da Igreja católica por crimes contra a humanidade».

Solidarizo-me, de verdade, com as vítimas de abusos sexuais. Em tempos mais civilizados – durante as glórias do Medievo, p.ex. -, um sacerdote que traísse de maneira assim tão grave os seus votos seria trancado em um buraco (possivelmente pelo resto da vida) para meditar nos seus pecados sem ver mais a luz do sol e nem ninguém; ou então seria queimado em praça pública para a maior glória de Deus, e seria justo. As pessoas de hoje, no entanto, dizem que estas práticas são bárbaras e que é um absurdo vergonhoso elas terem um dia existido. E, simultaneamente, promovem um terrível linchamento moral sobre qualquer sacerdote – culpado ou inocente – sobre o qual pese a mais remota suspeita de se ter envolvido em escândalos sexuais (de pedofilia ou não), ao mesmo tempo em que pretendem acusar a Igreja por Ela não [mais!] punir os Seus ministros da forma como fazia anteriormente e que é, hoje, execrada pela totalidade do mundo dito “civilizado”.

Eu entendo que o “braço secular” muda ao longo dos séculos, e entendo que fogueiras ou forcas no Largo da Piedade seriam descabidas nos dias de hoje. Mas o mesmo não vale para os aljubes, que poderiam perfeitamente se ter transformado em prisões eclesiásticas (com o mesmo propósito original). Penso que, assim, as coisas seriam melhores.

No entanto, divago; pois não importa como as coisas poderiam ser (e muito menos se seriam melhores ou piores se fossem de uma maneira diferente do que são), e sim como elas são. E o fato é que, hoje, desconheço qualquer existência de foro eclesiástico para crimes civis. Como alguém colocou em alguma lista de emails da qual participo, a instância responsável por investigar uma denúncia de pedofilia (ou do que quer que seja) são as autoridades do lugar onde o fato supostamente se deu, e não a cúria romana [que fica no Vaticano] e nem muito menos o Papa. Qualquer tentativa de responsabilizar estes é pura calhordice, é instrumentalização do sofrimento alheio para fins ideológicos que deve ser denunciada.

A tal associação americana pretende que o Papa tenha “responsabilidade direta e superior por crimes contra a humanidade, por estupro e outras violências sexuais cometidas em todo o mundo”! Vejam que não estamos sequer falando de alguma coisa que (embora equivocada) tivesse um mínimo de lógica, como p.ex. uma suposta recusa em denunciar às autoridades um suposto caso que porventura tivesse acontecido n’alguma circunscrição geográfica (München, p.ex.) pela qual o então Bispo Ratzinger fosse à época responsável. Na verdade, acusam o Papa de ter “responsabilidade direta” pelos casos de abusos sexuais ocorridos em todo o mundo! Seria alguma coisa como (mutatis mutandis) acusa a sra. Presidente da República do Brasil pelos crimes cometidos por brasileiros em qualquer parte do globo terrestre, e levá-la a um Tribunal Internacional acusando-a de omissão e cumplicidade por eles. A idéia, claro, é estúpida; no entanto, algumas pessoas (movidas por um ódio cego e irracional) perdem completamente a noção do ridículo em sua tentativa de lançar lama na Igreja.

“A juventude do Papa” – Por Claudemir Júnior

A Juventude do Papa

Calor de rachar, por vezes superando a casa dos quarenta graus Celsius. Ambiente seco a ponto de provocar uma sede quase constante. Estas eram as condições climáticas nada convidativas da cidade de Madri no último mês de agosto, quando a bela capital da Espanha acolheu cerca de dois milhões de jovens do mundo inteiro para a XXVI Jornada Mundial da Juventude. Somem-se a isso ouros dois fatores: o desconforto causado pelo caminhar apertado entre multidões, em termos de número, típicas de grandes blocos carnavalescos do Brasil; e as alardeadas ameaças de protestos promovidos pelos inimigos da religião, infelizmente cada vez mais numerosos numa Europa que vem aos poucos abandonando as raízes cristãs que fundamentam a sua existência. Observando tal contexto desfavorável, qualquer um de nós é levado a imaginar o ar de preocupação e esgotamento estampado nos rostos daqueles jovens peregrinos que ousaram embarcar nesta aventura. Não foi bem isso o que ocorreu, no entanto. Muito pelo contrário.

Pondo por água abaixo as expectativas dos que levaram em consideração apenas as limitações humanas diante das dificuldades e das intempéries da natureza, o que se viu foi um espetáculo da Fé Católica, um verdadeiro testemunho público de amor a Cristo e à Sua Igreja diante de uma Europa secularizada. O que se viu foi uma multidão de jovens – e nem tão jovens assim – aparentemente incansáveis, sempre com um sorriso no rosto e dispostos a suportarem grandes dificuldades para estarem ao lado do Vigário de Cristo na Terra. E não foram poucas as provações: aos que quiseram ver o Papa passar de perto, nove ou dez horas de espera foram necessárias para garantir um bom lugar junto à passarela por onde desfilaria o papamóvel; uma tempestade cheia de raios – acompanhada de uma ventania que trazia consigo bastante poeira – aguardava os jovens na noite da vigília para a Missa de Envio com o Papa.

Comitiva recifense em Madrid: Adriana Rocha, Jorge Ferraz, Humberto Carneiro, Poliana Pacheco e Claudemir Pacheco

Tudo para estar alguns instantes ao lado do Sucessor de Pedro. Instantes que tornaram desprezíveis os sacrifícios suportados por horas a fio. Algo incompreensível aos olhos dos que ainda não receberam o dom da Fé, pois, como diria o Apóstolo, “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras, nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar” (ICor 2, 14).

Ouvir a voz suave do Doce Cristo na Terra (cf. Santa Catarina de Sena) é uma graça de incalculável valor. Frágil por conta da idade e tímido por conta de seu temperamento, Bento XVI é eloquente, fala ao coração e, principalmente, ao intelecto. Instiga profundas reflexões com suas palavras claras e firmes. Ao jovial e performático Bem-Aventurado João Paulo II juntavam-se multidões para vê-lo; a Bento XVI juntam-se as multidões para ouvi-lo falar.

E ele foi ouvido. Até mesmo os arredios meios midiáticos – que até então apenas valorizavam e exageravam as poucas e tímidas manifestações laicistas que quase passavam despercebidas pela multidão de peregrinos – deram o braço a torcer e passaram a destacar o alcance das mensagens do Papa e a atenção que os jovens dedicavam a ouvi-la.

Ele falou, mas também calou. E com ele dois milhões de jovens em pleno sábado à noite no enorme aeroporto [desativado] de Quatro Ventos. Foi após a tempestade, quando o Santo Padre convidou o Dono da festa a estar presente. O silêncio foi ensurdecedor. E todos se puseram de joelhos na terra molhada ou no asfalto a adorar Nosso Senhor Sacramentado. Ele, o Homem-Deus, era o verdadeiro motivo pelo qual jovens de diversos países abandonaram o conforto de seus lares para viverem a loucura de testemunhar, em torno do Santo Padre e diante do mundo inteiro, um amor incondicional Àquele que nos amou primeiro. O Deus que é a “Alegria da nossa juventude” (cf. Sl 42).

Até mesmo o renomado escritor Vargas Llosa, Nobel de Literatura e agnóstico confesso, rendeu-se à beleza e à força deste testemunho. Logo após a JMJ de Madri, em artigo intitulado “La fiesta y la cruzada” (A festa e a cruzada), proferiu as palavras que seguem: “Crentes e não crentes devemos alegrar-nos por isso com o que aconteceu em Madrid nestes dias em que Deus parecia existir, o catolicismo parecia ser a religião única e verdadeira, e todos como rapazes bons caminhávamos mão dada com Santo Padre em direção ao reino dos céus”.

Que juventude é esta capaz de arrancar tão elevadas palavras de um agnóstico? Que juventude é esta capaz de tornar tímidos, quase irrelevantes, os gritos histéricos dos que querem banir Deus da sociedade? Quem são estes que, de diversos povos e culturas, unem-se para manifestar a mesma Fé, a Fé Católica e Apostólica? Tais questões foram já respondidas no grito de guerra que ressoou em Madri durante uma semana inteira: “Esta es la juventud del Papa!” (Esta é a juventude do Papa!).

“Queridos jovens, para descobrir e seguir fielmente a forma de vida a que o Senhor chama cada um de vós, é indispensável permanecer no seu amor como amigos. E, como se mantém a amizade se não com o trato frequente, o diálogo, o estar juntos e o partilhar anseios ou penas?” (Bento XVI, em discurso interrompido pela tempestade na Vigília de Oração com os Jovens)

José Claudemir Pacheco Júnior é recifense e analista de sistemas.
Casado e pai de uma filha, esteve com a esposa [Poliana, na foto] em Madrid no último mês de agosto para tomar parte da JMJ 2011