Feliz espera!, por Claudemir Júnior

Publico, com um pouco de atraso, o bonito texto que o caríssimo Claudemir escreveu por ocasião do meu casamento, pelo qual já o agradeci particularmente mas faço questão de repetir, aqui em público, meu muito obrigado. Foi publicado, durante a minha viagem de Lua de Mel, pelo Wagner Moura, a quem também agradeço; li-o ainda em viagem e, desde já, pude tornar aqueles momentos mais agradáveis com a beleza das palavras dos amigos. Como não sei se todos o leram, fica aqui o registro. Nossos mais sinceros agradecimentos a todos.

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Feliz espera!

por Claudemir Júnior

Adriana atrasou. Aliás, noivas sempre atrasam e não é de hoje. Mas, desta vez, o fato corriqueiro me fez refletir um pouco. O Matrimônio, afinal, gira em torno da espera. E esperar, não raro, consiste em mantermo-nos firmes em nossos propósitos mesmo depois de passada a hora que havíamos estabelecido por nossa própria conta.

Tudo no tempo certo. Primeiro espera-se pelo Chamado, pela Vocatio – sem a qual ninguém deveria ousar embarcar nesta aventura, sob pena de colocar em sério risco a própria Salvação Eterna. É o Senhor quem chama e, sabemos todos, mais felizes seremos quanto mais nos assemelharmos àquilo de Ele quer que sejamos.

Em seguida, espera-se pelo outro, por aquele ao lado de quem se vai realizar a própria vocação. Uma vez que os dois se encontram – a si mesmos e um ao outro -, espera-se o momento certo de colocar em prática aquilo que o Altíssimo determinou. Chegada a data, espera-se a hora marcada. Chegada a hora, espera-se a noiva diante do Altar do Senhor.

Sacramentada a união, esperam-se os frutos do amor fértil; esperam-se as surpresas que a Providência reserva aos que resolveram embarcar na aventura do amor conjugal; esperam-se as forças do alto para suportar e, quiçá, superar os diversos obstáculos que surgirão pelo caminho; e espera-se, por fim, o termo ao qual conduz toda vocação bem vivida: a Bem-Aventurança Eterna, onde Nosso Senhor nos espera.

Eu esperei. Desta vez, não foram apenas os nubentes que esperaram ansiosos por este último sábado, 29 de setembro de 2012. Eu também esperei muito por este dia. O dia mais importante, até o presente momento, na vida dos meus amigos Adriana e Jorge, o dia da realização da vocação dos dois.

Esperei por este momento por ter tido, por graça de Deus, a honra de ter presenciado ao longo de muitos anos alguns dos grandes passos e transformações na vida deste meu grande amigo. Mas, faltava algo. Eu não conhecia ao certo a vocação de Jorge, mas, em oração, pedia à Virgem Santíssima que não o deixasse esperar por muito mais tempo por esta fundamental decisão.

E Ela não tardou em atender as minhas – e não só minhas, certamente – preces, pois, eis que, de forma inesperada, surge aquela que Deus escolheu para ser com Jorge uma só carne, aquela que o Altíssimo reservou dentre tantas outras para mudar de forma drástica a vida dele, aquela que o Senhor de nossas vidas escolheu para ser o auxílio e a companhia constante na conversão diária do meu amigo.

Adriana veio e mudou tudo. Aquele a quem, em brincadeiras, eu costumava alcunhar de “avocacionado” agora tinha uma vocação muito clara. Jorge estava resoluto desde o princípio, mas eu demorei a me dar conta de que, agora, realmente Nosso Senhor havia decretado no tempo aquilo que já havia decretado desde toda a eternidade: a salvação da alma do meu amigo deveria passar pelo doce e árduo caminho do Santo Matrimônio.

E, nos dizeres de Chesterton, “o casamento é um duelo mortal que nenhum homem honrado deve rejeitar”. E meu amigo é um homem honrado, e jamais declinaria um duelo mortal ao qual fora por Deus chamado!

Eu chorei. Emocionei-me neste casamento como jamais havia me emocionado em qualquer outro. Não que eu já não tenha honrosamente presenciado as núpcias de outros grandes amigos, mas, desta vez era diferente. Desta vez estava para acontecer diante do altar algo que muito esperei. Desta vez Jorge era o noivo! Quem esperava?! E um noivo sorridente. Brilho no olhar e a felicidade estampada em seu rosto, mormente quando avistou, de longe, a bela noiva adentrar a Igreja.

A espera acabou. Adriana, enfim, apareceu. Jorge sorriu com ainda mais vigor. Ela, emocionada, seguiu ao encontro de seu escolhido. Ambos, de braços dados, subiram ao altar d’Aquele que os havia convocado, o altar do Deus que é a Alegria a nossa juventude! Depositaram ali mesmo as suas vidas, entregando-as um ao outro. Deram o consentimento sacramental diante de Deus e dos homens.

Enfim, casados! Parabéns, amigos! Sejam santos! Que Jorge possa na vida de Adriana ser aquilo que Cristo é para a Igreja. Que ele saiba amá-la e conduzi-la à Glória Eterna, apresentando-a sem ruga nem mancha, mas santa e irrepreensível diante do Altíssimo (cf. Ef 5, 27).

Que Adriana possa retribuir amando-o e respeitando-o, cumprindo dignamente o seu papel de esposa e mãe, tal qual a Virgem Santíssima na Sagrada Família de Nazaré. Enfim, que “animados pela força do Evangelho sejam, entre todos, verdadeiras testemunhas de Cristo; sejam eles fecundos em filhos, pais de comprovada virtude, e possam ver os filhos de seus filhos; e que após uma vida longa e feliz, alcancem o reino do céu e o convívio dos santos” (cf. Benção Nupcial). Assim seja!

Abertura do Ano da Fé

A Fé é aquela virtude teologal pela qual o indivíduo humano, movido pela graça divina, presta a adesão do seu intelecto e da sua vontade às verdades reveladas por Deus e propostas pela Igreja. A definição é talvez a mais clássica possível; no entanto, longe de se encontrar desgastada pelo uso ao longo dos séculos, reveste-se de uma – imperecível! – luminosa vitalidade também nos dias de hoje, somente à luz da qual o homem dos tempos modernos pode encontrar a Deus e, encontrando-O, descobrir o verdadeiro sentido da sua existência e realizar plenamente a sua vocação nesta terra.

Vivemos em uma terrível crise de Fé: imagino que ninguém o ignore. No entanto, o que eu percebo que muitas vezes se ignora é o significado mais profundo desta crise. Muitas vezes costuma-se percebê-la como a simples falta de clareza na expressão do Dogma católico, não raro com injustas e pouco reverentes acusações aos Legítimos Pastores da Igreja – o Sumo Pontífice em particular – e ao próprio Magistério Católico recente. Isto, no entanto, é perder de vista o essencial. Sem (absolutamente!) desprezar o valor das formulações dogmáticas históricas, é preciso ter sempre em mente que o Depositum Fidei não se confunde com elas. A Fé pressupõe esta colaboração entre dois elementos: por um lado o dogma católico (mediante a sua formulação) e, pelo outro, a razão humana que livremente lhe presta assentimento. Tenho a impressão de que hoje muitas vezes se insiste em demasia nas deficiências da formulação dogmática, sem no entanto prestar atenção à malícia humana que, por conta do pecado, insiste em rejeitar o conteúdo da Fé.

A mais perfeita e cristalina exposição da Doutrina Católica não seria capaz de, sozinha, produzir nas almas a virtude da Fé: este é um fato incontestável que decorre imediatamente da própria definição de “Fé” como resposta livre e pessoal ao Deus que Se revela e que convida a crer. Temos problemas com a exposição sistemática da Fé Católica? Sem dúvidas que sim! No entanto, temos também o problema – no meu entender ainda mais grave do que o anterior – de uma humanidade orgulhosa e fechada à transcendência, sem interesse algum pelo dogma católico (bem ou mal formulado).

Hoje é a abertura do Ano da Fé. Sem dúvida, e isto provavelmente nunca será repetido tanto quanto necessário, é preciso insistir na clareza da exposição da Fé (acessível aos homens e livre de erros ou interpretações equivocadas); mas é também da mais alta importância cultivar a “sede de Deus” dos homens, aquela santa inquietação da qual Santo Agostinho fala tão maravilhosamente ao dizer que o coração dos homens – criados para Deus! – vive inquieto enquanto não repousa n’Ele. Hoje, os erros em matéria religiosa são muito mais básicos do que o foram historicamente: enquanto uma heresia é uma opção visceral – ex imo cordis – por uma doutrina errônea, o relativismo dos dias modernos é a negação da própria necessidade de se aderir a qualquer doutrina, errônea ou não. Um herege ao menos entende a importância de se crer em alguma coisa, e erra somente quanto ao objeto da sua crença; muitos dos homens de hoje em dia, ao contrário, não têm sequer este sentido da importância de crer em algo. É por isso que, para estes, debruçar-se sobre o conteúdo específico e detalhado da Fé é não apenas inútil como também maçante. Há, hoje em dia, a exigência de um trabalho (geralmente árduo e demorado) de, antes de dizer aos homens no que eles devem ter Fé, convencê-los simplesmente de que eles devem crer. É por isso que a questão da clareza do dogma é somente uma parte do problema atual: de nada adianta expôr perfeitamente uma doutrina a quem não se convenceu ainda de que precisa de uma. Ambas as questões merecem a nossa atenção.

No dia de hoje, vale ainda fazer referência a quatros textos que, embora bem diferentes entre si, guardam estreita relação com este Annus Fidei que hoje se inicia. São eles:

1. O motu proprio Porta Fidei, com o qual se proclama o Ano da Fé: «Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor».

2. Este texto inédito de Bento XVI por ocasião do 50° aniversário do Concílio Vaticano II: «Os Padres conciliares não podiam nem queriam criar uma Igreja nova, diversa. Não tinham o mandato nem o encargo para o fazer: eram Padres do Concílio com uma voz e um direito de decisão só enquanto bispos, quer dizer em virtude do sacramento e na Igreja sacramental. Então não podiam nem queriam criar uma fé diversa ou uma Igreja nova, mas compreendê-las a ambas de modo mais profundo e, consequentemente, «renová-las» de verdade. Por isso, uma hermenêutica da ruptura é absurda, contrária ao espírito e à vontade dos Padres conciliares».

3. A homilia do Santo Padre na Missa de hoje da abertura do Ano da Fé: «É por isso que repetidamente tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio – ou seja, aos seus textos – para também encontrar o seu verdadeiro espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança».

4. Este texto de Dom Fernando Rifan chamado “A Fé em perigo”. «Quando estava em Roma, no ano 2001, assisti admirado, na Praça de São Pedro, à chegada de milhares de fiéis do movimento Kolping, vindos da Alemanha, sobretudo homens, cantando com entusiasmo contagiante. Comentei então com um Cardeal alemão que estava ao meu lado: “Diante disso, Eminência, não se pode dizer que a Alemanha não seja um país católico!” Ele, porém, observou, acalmando um pouco o meu entusiasmo: “É, mas a Fé sempre corre perigo!”. Era o Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé».

E que a Virgem Santíssima, Mãe de Deus e da Igreja, conceda-nos muitas graças ao longo deste ano que hoje se inicia. Que Ela nos faça crescer sempre em estatura, sabedoria e graça diante do Seu Divino Filho.

Não, não há juízes em Brasília

Eu propositalmente mantive silêncio aqui no blog a respeito do julgamento (ora em curso) do STF sobre o escândalo do Mensalão. Não embarquei no entusiasmo nacional pela alegada “limpeza” que se estava fazendo em Brasília, nem faço coro jubiloso aos que estão comemorando a condenação de José Dirceu por compra de votos no esquema. Na verdade, a minha leitura dos fatos vai na contramão deste júbilo cidadão que tem invadido as mídias sociais. Explico o porquê.

Já há algum tempo, passaram a circular no Facebook algumas campanhas como esta que reproduzo abaixo. Consigo entender as razões que fazem com que este sentimento de admiração surja e se tenha o desejo de externá-lo; não concordo, absolutamente, é que ele corresponda à realidade e deva ser motivo de orgulho nacional. Aliás, muito pelo contrário.

Joaquim Barbosa não é um herói nacional. É simplesmente mais um arauto revolucionário empenhado na destruição do Brasil, da mesmíssima laia dos outros ministros do STF que, julgamento após julgamento, têm nos últimos anos utilizado a Suprema Corte como ponta de lança para implantar na sociedade brasileira uma visão de mundo imoral e contrária quer à verdadeira Justiça, quer aos anseios e valores da população brasileira. Não que o Mensalão não tenha sido o maior escândalo de corrupção da história recente do Brasil; é claro que foi. Eu sempre disse que não se tratava de um simples desvio de dinheiro público em benefício próprio, o que seria já bem grave, mas algo infinitamente pior: estamos falando de um esquema de escancarada violação da independência dos Três Poderes da Democracia, onde o Executivo comprava apoio político do Legislativo e, assim, o PT construía para si exatamente a concentração hegemônica de poder que a divisão tripartida dos poderes existe para evitar. Não se trata de um crime de dinheiro; é um golpe de morte na própria instituição da Democracia. É claro que isto é uma coisa enormemente imoral e escandalosa, e é evidente que tal atitude deve ser punida com o máximo rigor. Não é este o ponto.

A questão é que o STF vem aberta e sistematicamente realizando um incansável trabalho de implantar no Brasil – per fas et per nefas – uma visão jurídica imoral e revolucionária, amiúde ao arrepio do próprio ordenamento jurídico vigente – da Constituição Federal inclusive. E a coisa está tão impudicamente escancarada que, nos últimos tempos, a imagem da Suprema Corte estava (graças a Deus!) perigosamente desgastada junto à população brasileira. Ora, que melhor oportunidade para “limpar a barra” da Suprema Casa da Mãe Joana poderia se apresentar que não esta chance de ouro de fazer uma nababesca e midiática condenação exemplar do esquema do Mensalão, escondendo assim sob a glória da aclamação popular presente as vergonhas passadas e passando sobre a Suprema Corte um verniz de Justiça que possa depois ser usado para justificar, retroativamente, todas as barbaridades feitas no passado?

O Ministro Joaquim Barbosa não está “lutando contra os maiores vilões da história do Brasil” (!), é óbvio que não, porque os maiores vilões da história recente desta Pátria são, precisamente, os que usam Toga Preta e sentam-se à Praça dos Três Poderes para, do alto de seus tronos olímpicos, fulminar o Brasil com suas determinações disparatadas. O meritíssimo Joaquim Barbosa inclusive. Veja-se:

– Ministro Joaquim Barbosa sobre a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas: «A meu sentir, pedindo vênia aos que pensam de maneira diferente, creio que a permissão para a pesquisa científica, tal como disposta na lei ora atacada, não padece de inconstitucionalidade».

Ministro Joaquim Barbosa sobre a “união homoafetiva”: «O não reconhecimento da união homoafetiva simboliza a posição do Estado de que a afetividade dos homossexuais não tem valor e não merece respeito social. Aqui reside a violação do direito ao reconhecimento que é uma dimensão essencial do princípio da dignidade da pessoa humana».

Ministro Joaquim Barbosa sobre o aborto de anencéfalos (voto que, conforme notícia do STF, foi juntado aos autos do julgamento da ADPF 54): «Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento em que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente».

Portanto, este senhor não é um herói; muito pelo contrário aliás. Uma atitude correta isolada não é capaz de transformar ninguém em um herói, nem mesmo que ela seja alvo dos mais potentes holofotes da mídia. É justa, sim, a condenação dos criminosos petistas do caso do mensalão, mas a montanha de injustiças acumulada nos últimos anos pelo STF em geral e pelo Min. Joaquim Barbosa em particular sobrepuja – e muito! – o acerto da decisão presente. Isto não se deve perder de vista.

À luz de uma visão mais ampla, este julgamento atual não destoa de todos os outros. Muito pelo contrário, complementa-os admiravelmente, conferindo-lhes um poderoso elemento de legitimação: ora, se a Suprema Corte teve coragem de julgar com acerto este caso de corrupção política, como acusar-lhe de conspiração contra a Pátria? Como negar a seriedade deste tribunal? Como não confiar no julgamento deste impoluto herói nacional de toga brilhante que está empenhado em uma cruzada santa contra a corrupção no Brasil?

Sob um olhar mais aguçado, assim, este julgamento é somente mais um passo orquestrado da Revolução. Se humanamente orquestrado, embora seja possível, eu não o sei dizer; mas em obediência (quiçá involuntária) a um plano mais amplo de não-sei-que hostes infernais, com toda a certeza. Porque o desenho é muito claro para que não seja notado e, os seus desdobramentos lógicos, evidentes demais para não serem inferidos. Olhando para o processo como um todo, trata-se, objetivamente, de um sacrifício de indivíduos para salvar o processo revolucionário. Exemplo mais clássico de modus operandi da Revolução é impossível.

Hoje de manhã eu ouvia na CBN que José Dirceu fizera questão de participar de reunião do Diretório Nacional do PT, desejando as honrarias de um herói injustiçado e manifestando repúdio à decisão injusta do STF. E, embora esta analogia seja evidentemente falaciosa, ela não perde a sua força retórica calhorda: em um instante, eu vi todos nós, conservadores que lutamos contra os descalabros do STF, colocados pelos inimigos da Pátria lado-a-lado com petistas corruptos esperneando contra as justíssimas e sagradas decisões da Suprema Corte Brasileira. Não, não há juízes em Brasília. Há somente um teatro de fantoches, uma tentativa de tratar o povo brasileiro como se fôssemos marionete em mãos invisíveis de um punhado de megalomaníacos, arrogantes que padecem de um patológico e perigoso complexo de Deus. Nós não estamos assistindo a uma revitalização da moralidade das instituições brasileiras, muito pelo contrário. Embora escondido sob a pirotecnia da vez, o processo revolucionário segue o seu curso. E nós não temos o direito de nos deixarmos distrair pelos fogos de artifício.

Católicos, mais uma vez, precisam defender uma catedral de uma turba de vândalos

Está excelente a cobertura que o Edson fez sobre o vandalismo anti-católico das abortistas e dos gayzistas na Argentina. Leiam lá. Deixo aqui só um vídeo, o segundo que consta no link acima. É longo, mas é bonito.

Aos 1m50, aparece uma manifestante pichando (!) a camisa dos católicos que, fazendo um cordão humano, se interpunham entre a horda de revolucionários e a Catedral de Posadas (Argentina). Aos 3m25, uma garota histérica tenta agredir um dos defensores da Catedral e, contida por uma amiga, descamba em um frenesi de gritaria que me fez lembrar este exemplo de argumentação abortista que pus há alguns anos cá no blog. Aos 9m47, uma das revolucionárias enfia um papel (!!) na boca de um dos católicos que estavam rezando. E, ao longo de todo o vídeo, o deboche, as agressões, a provocação gratuita, o vandalismo, enfim, toda a baixeza sulfúrea desta gente que se diz defensora iluminada de direitos humanos fundamentais.

Aconteceu também recentemente em La Plata, embora este vídeo seja menos violento (mas não menos dramático, ao mostrar os bárbaros se aproximando cada vez mais das muralhas que defendem a civilização…) e, a julgar por ele, o confronto aqui talvez não tenha sido tão aberto quanto em outros lugares. Mas não se trata de nenhuma novidade e nem de nenhum fato isolado. O mesmo aconteceu no Peru no início do ano passado e, alguns anos antes, em Neuquén. Estas ondas de violência são organizadas e sistemáticas. Só não vê quem não quer.

E quem são os opressores aqui? Quem os obscurantistas? Quem, enfim, os representantes de um modelo atrasado que ameaça o futuro da civilização? São os católicos rezando e suportando toda sorte de violências, ou – ao contrário! – os baderneiros que se lançam tão agressivamente contra eles?

Miscelânea ligeira: eleições, células-tronco, crônicas de um Brasil Comunista e sínodo heterodoxo no RS

– A propósito do comentário que eu fiz aqui mais cedo sobre o terceiro vereador mais votado da cidade do Recife não ter sido eleito (quando o foram outros que tiveram um terço dos votos dele), interessante a coluna do Ramalhete da semana passada, que eu ainda não lera e que fala sobre o mesmo assunto. «As campanhas [eleitorais brasileiras] são pessoais; mais pessoais, impossível. Cada candidato explicita suas propostas, faz suas promessas, beija pessoalmente as bochechas de centenas de criancinhas. Mas o cargo não é dele. É ele que é escolhido; a população percebe a eleição como sendo a escolha de um candidato. O voto dado, contudo, vale mais ou menos de acordo com o coeficiente eleitoral do partido. Um candidato que pertença a um partido pequeno – leia-se um partido que já não esteja no poder – precisa de muito mais votos que um que pertença a um partido grande».

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Homenagem ao japonês Shinya Yamanaka, pesquisador responsável pela descoberta das células-tronco pluripotentes induzidas. «“Se a investigação com células-tronco embrionárias é a única maneira de ajudar os doentes, acho que temos que fazer isso. Mas, ao mesmo tempo, é um sentimento natural, quero evitar a utilização de embriões humanos”, declarou certa vez o professor Yamanaka».

Simples. Agindo de modo a ser impossível acusar-lhe de obscurantista cristão e, ao mesmo tempo, evitando desprezar os limites éticos como infelizmente sói fazer grande parte dos cientistas fundamentalistas irreligiosos, o dr. Yamanaka fez mais pelo avanço da ciência do que todos os bilhões gastos em fraudes políticas, propagandas apelativas enganosas e financiamentos obscuros em pesquisas fadadas ao fracasso. A ele, o nosso obrigado.

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Reconstruindo Cristo no Brasil comunista: e se Luís Carlos Prestes tivesse sido vitorioso na Intentona Comunista? «Prestes veio a falecer em 7 de março de 1990, desapontado com a queda do Muro de Berlim, o Nobel para Gorbachev e o fim do futebol arte. O Cavaleiro da Esperança se tornou o líder mais tempo à frente de um país, 55 anos, recorde imbatível. Seu concorrente direto, Fidel Castro, ficou “míseros” 49 anos. Apenas um político da República do Maranhão, José Sarney, pode ainda quebrá-lo».

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– Congresso dissidente no Brasil equipara o Concílio Vaticano II com a teologia marxista da liberação (!). Mais do mesmo. Mas é bom registrar: «A realização do evento recebeu a desaprovação pública e explícita da Diocese de Ciudad del Este (no Paraguai) liderada por Dom Rogelio Livieres. Em um texto publicado na sexta-feira 5 de outubro afirmam que esta diocese “une-se à preocupação da Santa Sé diante do Congresso Continental de Teologia que se realizar[á] entre os 7 e 11 de outubro no Brasil”». A hegemonia satânica, graças ao bom Deus, começa a ser quebrada. A voz do bom senso, graças ao bom Deus, torna a fazer-se ouvir.

Aviso – retorno de atividades

Após um casamento, uma merecida lua de mel e as cansativas eleições municipais de ontem, este blogueiro avisa a todos que está de volta. Agradeço pela paciência de todos, bem como pelas – incontáveis! – mensagens de felicitações e oferecimento de orações que eu recebi ao longo destes dias. Que o bom Deus, que é rico em misericórdia, possa recompensar a cada um de vocês com muito mais do que aquilo que me desejam.

Recife amanheceu com um misto de alegria e tristeza. Alegria, porque o PT foi devidamente escorraçado da cidade, ad majorem Dei gloriam, após doze anos de desmandos municipais. Tristeza, porque o apadrinhado pelo governador socialista, ilustre desconhecido até há poucos meses, conseguiu uma (apertada, verdade seja dita) vitória no primeiro turno com 51,15% dos votos válidos. Simplesmente ridículo. E, para completar a aberração eleitoral brasileira, o terceiro vereador mais votado da cidade – com mais de 13.000 votos – não foi eleito.

Um último ligeiro apontamento triste, agora no cenário latino-americano, foi a fantástica reeleição de Chávez na Venezuela contra todos os prognósticos. Vivemos dias sombrios! Nossa solidariedade ao povo venezuelano. Que continuem firmes, a despeito da tirania que lhes subjuga e oprime.

Hoje à noite eu vou ser Cristo

Muitas vezes é banalizada a força daquela expressão bíblica onde, após a narrativa da Criação do Homem, diz-se de Deus que “homem e mulher Ele os criou”. E esta sagrada união natural entre os sexos – destinatária da única bênção que não foi abolida nem pelo Pecado Original e nem pelo castigo do Dilúvio, como se diz em uma das orações do Ritual do Matrimônio – é talvez aquilo de mais sublime que, na ordem da natureza, faz parte da Criação do Altíssimo. Porque foi precisamente esta união entre o homem e a mulher que o próprio Deus escolheu para simbolizar a Sua relação com o Seu povo e, como diz Dietrich Von Hildebrand, aquilo que não fosse já naturalmente sublime não seria digno de ser usado para representar a sublimíssima união entre Cristo e a Sua Igreja. Se esta união mística e sobrenatural é excelsa em grau máximo, quão digna de honra e louvor não é a relação humana que – dentre todas as existentes! – foi elegida pelo próprio Deus para ser sinal da Sua relação com a humanidade?

Hoje é o dia mais importante da minha vida. Logo mais, à noite, subirei ao altar do Senhor para tomar por esposa aquela que escolhi por companheira, para me completar e me auxiliar nesta caminhada da minha existência terrena, para estar a meu lado na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias da minha vida. A responsabilidade chega a ser assustadora, porque “todos os dias da minha vida” é um intervalo de tempo bastante difícil de se abranger de um lance de vista! No entanto, preciso fazê-lo. Talvez o valor de um homem seja medido menos por aquilo que ele faz com as coisas que estão sob seu controle do que pelos seus esforços para obter controle sobre as coisas que ele precisa fazer. Não sei se me faço claro: oferecer os dias passados é simples, porque estes já está feitos. Oferecer os dias futuros, aqueles que você não sabe como serão… isto, sim, é desafiador. E o Matrimônio, assim, afigura-se-me não meramente como uma entrega daquilo que é seu, mas como – a partir de então – uma luta ferrenha e perpétua para conquistar a cada dia aquilo que, diante de Deus, foi um dia entregue. Conquistar para entregar. O Matrimônio consuma-se na noite de núpcias, claro, mas é aí que ele começa. A entrega da própria vida foi feita, mas – justamente por ter sido um feita um dia – precisa ser consumada a cada dia. Por todos os dias da vida. Sim, é o que eu quero.

E esta doação generosa de si é, como eu dizia, figura d’Aquela união mística entre Cristo e a Sua Igreja. Uma entrega total e permanente, pessoal e exclusiva, amorosa e fecunda: a mera consideração do significado teológico do Matrimônio bastaria (permito-me o ligeiro parêntese) para fazer com que todos os fantasmas que andam à ronda da Família ávidos por Lhe destruir (do divórcio ao sexo livre, da poligamia à união gay) desvanecessem-se como as trevas ao alvorecer. E importa multiplicar pelo mundo estes reflexos do Amor de Deus pelo Seu Povo, estas pequenas Igrejas Domésticas, estas instituições que perpetuam na terra um pouco da glória d’Aquela Sagrada Família de Nazaré: importa fazê-lo, para que Deus seja mais louvado e para que as pessoas, relacionando-se ordenadamente nesta terra através das coisas que vêem, possam mais facilmente relacionar-se com o Deus Invisível com o Qual se relacionam mediante a Fé. E assim, subindo das coisas visíveis para as invisíveis, dos sinais para a realidade, possam consumar um dia as Núpcias para a qual foram criadas. Em cada homem e em cada mulher que se unem pelos sagrados liames do Matrimônio, está presente a união mística entre Cristo e a Sua Igreja Santa.

Hoje à noite eu vou ser Cristo. De pé à porta da Igreja, esperando a minha amada noiva chegar – como o Senhor esperando o Seu povo -, oferecendo-lhe o braço para conduzi-la ao altar de Deus, tornando-me depois uma só carne com ela! Senhor, eu não sou digno de desempenhar tão sublime papel; mas, como disse um personagem de Chesterton, o Matrimônio é um duelo de uma vida inteira que, uma vez apresentado, os homens honrados não têm o direito de recusar. Sim, este papel é assustador! E só ouso fazê-lo por estar convencido de que sois Vós, Senhor, quem me chamais a ele. E, se Vós chamais, Senhor, adsum. Se Vós chamais, tenho certeza de que fareis com que eu o possa realizar.

Aos que por aqui passarem, peço uma Ave Maria por esta nova etapa da minha vida. Para que eu seja fiel, e corresponda às graças que Deus quer me conceder. Para que eu seja um bom marido e, amando a minha esposa, possa uma dia chegar com ela – junto a ela! – ao Banquete Nupcial do Cordeiro, às Bodas Eternas cujo sinal eu celebrarei logo mais.

As agressões contra o islamismo e contra o Cristianismo

Em tempos onde fazer um filme amador ridicularizando a figura de Maomé provoca violentos protestos mundo afora, em cuja decorrência já foram mortas pelo menos 50 pessoas, é no mínimo curioso ver a recente capa da revista Placar onde uma imagem de um jogador de futebol pregado numa cruz faz uma debochante referência a Cristo Crucificado.

[A propósito, independente das minhas considerações abaixo, vale a pena seguir a recomendação do texto acima linkado: «[a]cessem a página da revista Placar em que se encontra a notícia da capa e deixem seu comentário. Divulguem para outras pessoas e peçam que façam o mesmo. Não deixem isso passar em branco. E vamos esperar para ver se nossos amigos politicamente corretos dedicarão suas excelsas atenções a esse fato».]

Vou até admitir que o autor da peça publicitária tenha querido apenas fazer uma simples jocosidade inocente. É possível. O que sem dúvidas não é possível, a menos que a capa tenha sido obra de um alienígena ou de alguém recém-saído de um coma profundo que não teve tempo de passar a vista pelos jornais mundiais, é imaginar que esta capa não tenha nenhuma relação com a “guerra santa” que os muçulmanos estão neste momento travando contra o Ocidente por conta do filme de Maomé.

É como se fosse uma tentativa infantil de auto-afirmação. Os [auto-intitulados] Iluminados da Razão gostam de debochar da fé alheia (isto, aliás, faz parte do plano deles de minar a influência religiosa nos povos por meio da dessacralização midiática das coisas sagradas, o que torna os homens menos susceptíveis a levá-las a sério; mas isto é um outro assunto) e, quando os muçulmanos gritaram mais alto e todo mundo começou a ficar pianinho, com medo e com o rabinho entre as pernas, eles se sentiram humilhados e não gostaram. E já que não têm cojones para peitar o fundamentalismo islâmico, vêm aliviar a sua consciência por meio destes pogrons pseudo-intelectuais contra o Cristianismo. Como se dissessem uns para os outros “viu, a gente não precisa se preocupar, a gente ainda pode fazer piada com a religião dos outros sim, está tudo sob controle”.

A cena me parece comicamente com aquela do início de “Procurando Nemo”, onde o peixe emburrado vai nadando em direção à âncora só porque seu pai lho proibiu, e toca-a com a barbatana unicamente para desobedecer ao pai que acabara de lhe dizer que não a tocasse. É como se alguns meninos tivessem sido atacados por lobos selvagens nos quais brincavam de atirar pedras, e aí voltam pra casa e vão chutar os cães de guarda dos seus pais para, por algum processo de substituição psicológica, vingar nestes a dor das mordidas que sofreram daqueles. Acontece que é uma péssima idéia maltratar os cães domésticos da casa quando há lobos raivosos à ronda. Mesmo que as crianças mimadas não percebam isso.

“É prova de uma submissão pouco sincera estabelecer uma oposição entre um Pontífice e outro” – Leão XIII

O blog “Tradição em Foco com Roma” publicou a tradução de uma interessante carta do Papa Leão XIII ao Cardeal Guibert, então arcebispo da França. Buscando o original, encontrei a Lettre de Sa Sainteté a Son Em. Le Cardinal Guibert aqui (a partir da página 12). As admoestações do Papa feitas em 17 de junho de 1885 são bastante atuais e podem servir para lançar luzes sobre a situação atual da Igreja: se é verdade que passamos por uma crise talvez sem precedentes na história da Igreja, não é menos verdadeiro que Cristo instituiu sobre esta terra uma Igreja Indefectível e, por mais que as coisas nos pareçam difíceis, não podemos perder de vista a força daquele vigoroso NON PRAEVALEBUNT que, há tantos séculos, Nosso Senhor decretou na Cesaréia.

É claro que a infalibilidade da Igreja é restrita e não ampla: ela engloba os atos do Magistério Supremo entendidos como tais, e não todo pronunciamento de qualquer prelado. No entanto, o contrário de “ser infalível” não é “errar”, como alguns parecem gostar de concluir em um exercício totalmente heterodoxo de lógica proposicional. É bem verdade que há, em princípio, situações nas quais o católico – mesmo o leigo – tem mesmo o dever de desobedecer às ordens da autoridade legítima; inobstante, transformar uma hipótese extraordinária na regra de fé ordinária é uma interpretação tão perigosamente elástica da doutrina católica que deveria ao menos provocar um certo incômodo naqueles que se sabem feridos pelo Pecado Original. Deveria pelo menos lhes deixar com alguma dificuldade de consciência. Como eu escrevi aqui lá no primeiro ano do Deus lo Vult!:

Sempre é possível inventar exemplos e mais exemplos de situações hipotéticas nas quais o homem estaria realmente dispensado da obediência e ainda nas quais obedecer cegamente seria um pecado; mas quando esta hipótese é aplicada amiúde em situações concretas que não guardam com os exemplos aventados senão uma vaga e forçada semelhança, então nós temos um sério problema: nós temos a repetição do non serviam primordial sob uma nova roupagem. Afinal, aquele que é capaz de “se transfigura[r] em anjo de luz” (IICor 11, 14) também é capaz de dar ao seu brado rebelde uma aparência de virtude.

Abaixo, um excerto da supracitada carta de Leão XIII, com grifos meus. Para uma leitura na íntegra, remeto aos links que foram colocados no início deste post.

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Por certos índices que se observam, não é difícil constatar que, entre os católicos, certamente em razão da infirmeza do tempo, existem os que, pouco contentes com sua situação de súditos que têm na Igreja, crêem poder ter alguma parte em seu governo ou pelo menos imaginam que lhes é permitido examinar e julgar à sua maneira os atos da autoridade. Se isto prevalecesse, seria um grande dano na Igreja de Deus, na qual, pela vontade manifesta de seu divino Fundador, distingue-se no seu pessoal os que são ensinados e os que ensinam, o rebanho e os pastores, entre os quais um é o chefe e o pastor supremo de todos.

Apenas aos pastores foi dado poder de ensinar, de julgar, de corrigir, aos fiéis foi imposto o dever de seguir os ensinamentos, de submeter-se com docilidade ao julgamento e de deixar-se governar, corrigir, conduzir à salvação. Assim é absolutamente necessário que os simples fiéis se submetam de espírito e de coração a seus próprios pastores, e esses com eles ao Chefe e Pastor supremo; é nesta subordinação e dependência que gira a ordem e a vida da Igreja; é nela que se funda a condição indispensável do bem fazer e tudo levar a bom porto. Ao contrário, se ocorre que os simples fiéis se atribuem autoridade, se eles a pretendem como juízes e senhores; se os subordinados, no governo da Igreja universal, preferem ou tentam fazer prevalecer uma diretriz diversa daquela traçada pela autoridade suprema, é uma subversão da ordem; leva-se dessa forma a confusão a muitos espíritos, e sae-se do caminho.

E não é necessário, para faltar a um dever tão santo, fazer ato de oposição manifesta, seja aos bispos, seja ao chefe da igreja, é bastante que tal oposição se faça por meios indiretos, tão mais perigosos quanto mais ocorre a preocupação de escondê-los por aparências contrárias. Desta forma, falta-se a esse dever sagrado desde que, ao mesmo tempo que se manifesta zelo pelo poder e as prerrogativas do Supremo Pontífice, não se respeitam os bispos que a ele estão unidos, não se tem em conta suficiente a sua autoridade, e se interpretam lamentavelmente seus atos e suas intenções sem aguardar o julgamento da Sé Apostólica.

Da mesma forma, é prova de uma submissão pouco sincera, estabelecer uma como que oposição entre um Pontífice e outro. Aqueles que, entre duas direções diversas, repudiam o presente para prender-se ao passado, não dão prova de obediência à autoridade que tem o direito e o deverde guiá-los: e sob um certo aspecto se assemelham aos que, condenados, quisessem apelar ao Concílio futuro ou a um Papa melhor informado.

Sob esse aspecto, o que é necessário fixar é que no governo da Igreja, salvo os deveres essenciais impostos a todos os Pontífices por seu cargo apostólico, cada um deles pode adotar a atitude que julgar a melhor, segundo os tempos e outras circunstâncias. Disto é ele o único juiz; considerando que para isso ele tem não somente luzes especiais, mas ainda o conhecimento de condições e necessidades de toda a catolicidade a que convém que condescenda sua previdência apostólica. É ELE QUE CUIDA DO BEM PARTICULAR [??? – C’est lui qui doit procurer le bien de l’Eglise universelle, auquel se coordonne le bien de ses diverses parties, no original], e todos os outros que são submetidos a esta ordem devem secundar a ação de um diretor supremo e servir ao fim que ele quer atingir. Como a Igreja é uma e um o seu chefe, assim é uno o governo a que todos devem conformar-se.

Humor Conciliar

Publico uma tradução do “Humor Conciliar” que o Andrea Tornielli nos trouxe recentemente e um amigo me mostrou via Secretum Meum Mihi. As historietas fazem parte de um livro («Las burbujas del Concilio», 128 páginas, 12 euros) de 1966 que acabou de ganhar uma edição moderna, a ser vendida nas editoras (italianas, suponho) a partir do próximo dia 3 de outubro. Algumas das anedotas são demasiado mordazes, mas outras são muito boas. E todas são, no mínimo, curiosas.

À lista abaixo eu acrescento outra que um amigo nos contou por email (talvez esteja no livro, não sei), sobre o nome das duas lojas que vendiam lanches para os Padres Conciliares: o «Bar Judas» e o «Bar Abbas». Que ninguém diga que os católicos (nem mesmo a alta hierarquia católica!) não têm senso de humor.

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Os primeiros efeitos da pílula

Em várias ocasiões, alguns jornais anunciaram novas nomeações cardinalícias por Paulo VI. E, a cada vez, as notícias se revelaram falsas previsões. «Por que o Papa não cria mais cardeais?», um bispo se perguntava. «Deve ter aprovado a pílula… e funcionou!», respondeu um perito.

Ecumenismo angélico

Um visitante chega ao Vaticano e pede uma audiência imediata com o Papa. O Guarda Suíço em serviço fica desconcertado: não é possível, tem que marcar um horário. O visitante insiste; o Guarda Suíço pergunta o seu nome e, depois, um Monsenhor o recebe. «Sou o Doutor Satanás», explica o visitante, «e preciso falar urgentemente com o Papa». O Doutor Satanás insiste tanto que o Monsenhor consegue, enfim, obter uma audiência extraordinária no mesmo dia, embora não sem [antes] ter verificado cuidadosamente a identidade do estranho visitante: chifres sob o chapéu, cauda ondulada, pé de bode… No dia seguinte, “L’Osservatore Romano” publica uma nota: «Sua Santidade recebeu em audiência privada o ilustre Doutor Satanás. O encontro durou cerca de 80 minutos e aconteceu em um ambiente cordial. O Santo Padre assegurou sua simpatia pelo líder dos anjos rebeldes».

Non decet

Alguns leigos participaram do famoso Esquema XIII, em particular na elaboração do capítulo sobre o Matrimônio. Entre eles havia uma mulher vinda do México (acompanhada pelo seu marido). Um dia, o cardeal irlandês Michael Browne interviu na comissão sobre o tema do «amor de concupiscência», afirmando que o esquema devia recordar este aspecto deplorável do amor humano, inclusive no âmbito do Matrimônio. De repente, a mulher o interrompeu dizendo: «Todos os bispos aqui presentes, espero, veneram a própria mãe e não se consideram frutos da concupiscência». O cardeal enrubesceu, mudou de assunto e ninguém voltou a falar sobre o tema.

Toaletes

Os banheiros do Concílio tinham duas indicações em italiano: «libre» e «ocupado». Um bispo propôs que fossem traduzidos para o latim, nestes termos: «sede vacante» e «feliciter regnante».

Mais atitudes e menos palavras.

O cardeal Suenens falava muito do diálogo no Concílio, mas (ao que parece) o praticava pouco em sua diocese. «É um especialista do monólogo no diálogo», diziam alguns dos sacerdotes da diocese de Malinas-Bruselas.

Onde está o pai?

Alguém abandona um recém-nascido nos jardins do Palácio do Santo Ofício. Dois seminaristas que passavam por lá o vêem e se perguntam quem serão seus pais: «será um bispo?», diz um. «Não, claro que não», responde o outro. «Por quê?». «Porque nunca se soube de nenhum bispo que tivesse feito algo significativo em nove meses. Talvez o Concílio?». «Impossível, o que sai dele nasce morto ou inválido. E se for de alguém do Santo Ofício?» «Nem brincando! Um filho é fruto do amor, e no Santo Ofício não há nenhum vestígio de amor».

Humor Pontifício

Ao final da Quarta Sessão, muitos Padres Conciliares criticaram duramente a prática das indulgências e chegaram até mesmo a pedir que fossem abolidas. O que dizia o Papa? Apenas se pode indicar que, ao receber os bispos latino-americanos pouco antes de terminar o Vaticano II, Paulo VI lhes dissera: «Dou-lhes minha bênção e as respectivas indulgências… porque ainda me é concedido dá-las».

A Trento

Os cardeais Ottaviani e Ruffini sobem num táxi e dizem ao motorista: «ao Concílio!». Depois começam a discutir questões teológicas. De repente, se dão conta de que o táxi saiu de Roma e se dirige ao norte. «Ei, taxista, onde nos está levando?». «Vocês me disseram: “ao Concílio!” e eu os estou levando a Trento. Creio que é o único destino possível para vocês…».