Para mostrar que é possível não ter Fé e, mesmo assim, escrever sobre a renúncia do Papa com erudição e compostura, sem cair na mediocridade anti-clerical dominante dos nossos dias. O Pondé é de origem judaica e eu não sei se segue algum culto específico; o Jacques Le Goff, eminente medievalista francês, é agnóstico.
– Vale a pena ler o Pondé. Dê-se-lhe um desconto, que ele não é católico; releve-se-lhe a irreverência, que aliás já esteve muito pior. Retenha-se somente o que é bom: particularmente, a insuspeita admiração elogiosa dirigida à Igreja como um todo e, em específico, ao Papa Bento XVI. Excerto:
Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta.
Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um “mundo mau” pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes.
Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.
– Vale também muito a pena ler Le Goff (encontrei via O Camponês). Remeto à íntegra da entrevista (que aliás é pequena), sem comentar nada. Apenas cito:
Pessoalmente, [o trono vazio] não é uma imagem que me toca muito, mas é importante para uma religião: ela mostra que, mesmo que a religião não tenha uma cabeça humana para mostrar, há sempre o trono que simboliza a existência de um rei no céu, Deus. Consequentemente, o trono vazio é o símbolo da continuidade. Ele é um dos atout do cristianismo, que sempre evitou as rupturas e para o qual a única ruptura foi a encarnação de Jesus. Pode haver crises, reviravoltas, catástrofes, mas o trono de Deus está sempre lá. Essa eterna associação entre a mudança e a continuidade, encarnada pelo trono vazio, é uma das virtudes do cristianismo.
O Pondé é do contra, se a audiência for católica ele vai esculhambar a Igreja, caso contrário vai defender o Papa com unhas e dentes. Não embarque em sua conversa fiada.
Escreveu um interessante artigo sobre o Papa, não sei se leu mas sugiro que o faça: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1229541-analise-alemao-e-brilhante-como-teologo-mas-fracassou-como-papa.shtml
Esse papa é um arregão! João Paulo II estava muito pior que ele mas ficou até o fim!
Jussara,
Parece até que foi escrito pra você:
http://freirojao.blogspot.com/2013/02/gente-ridicula-fariseus-ignorantes.html
Jorge Ferraz, o comentário da Jussara, certamente deve ter sido influenciado pela coluna da Barbara Gancia, na Folha de São Paulo, chamado “Bento, o Arregão”. Um mau jornalismo, uma imprensa tendenciosa é capaz de gerar ou fomentar comentários cristofóbicos e catolicofóbicos. É um absurdo que as pessoas falem coisas fundamentádos em juízos temerários e ilações. Eu escrevi um artigo pertinente sobre isso. Leiam. http://lennyjornalistacatolico.blogspot.com.br/2013/02/coluna-recente-escrito-por-jornalista_16.html
Quanto ao outro Jorge, eu acho verdadeiramente impressionante que alguém consiga dizer para a gente não embarcar na “conversa fiada” do Pondé e, na linha seguinte, recomendar a leitura de um artigo seu. Ou seja, o colunista só merece ser lido quando é conveniente; quando não, é um piadista
contraditóriodo contra que não deve ser levado a sério. Genial isso.Mas tudo bem, vamos ao Pondé de novo.
– Jorge
A recomendação da coluna foi para que você percebesse o que citei no primeiro parágrafo, se não entendeu a culpa não é minha.
Depois de ler o post mais recente, eu não entendi afinal o porquê do Jorge Ferraz ter indicado os textos referenciados neste post. Talvez eu tenha lido muito cansado.
Ontem ou anteontem eu já ia comentar por aqui que aproveitei quase nada dos dois textos indicados, que não concordava com eles. Só que esse formulário para comentários não estava funcionando. Daí veio o próprio Jorge Ferraz para falar coisas que parecem reescrever este post…
Jorge Ferraz, você pode precisar o que pensa diante dois textos que indicou, o texto do Pondé e o texto do Le Goff?
Alexandre, o objetivo deste post é mostrar textos de não-católicos que fazem um contraponto à leviandade chula com a qual a maior parte da mídia tradicional vem noticiando assuntos referentes à renúncia de Bento XVI.
O do Pondé transborda admiração à Igreja e ao Papa, a despeito de alguns comentários irreverentes e julgamentos injustos que, não sendo o Pondé católico, eram já de se esperar – mas que, mesmo assim, são enormemente mais respeitosos do que os relinchos do Boff, p.ex.
E a entrevista do Jacques Le Goff é excepcional. Só me parece possível não aproveitar quase nada dela se se estiver buscando um texto explicitamente catequético ou apologético, caso em que – realmente – é possível se decepcionar. Mas mesmo o historiador agnóstico dá catequese e realiza apologética, porque diz a verdade, e a catequese e a apologética nada mais são que arranjos específicos da Verdade, organizados de modo a dar mais ênfase a tal ou qual aspecto d’Ela.
Abraços,
Jorge
Da entrevista com Jacques Le Goff, segue o que eu ia comentar antes. Deixo registrado.
Certo: é uma opinião. Mas o Papa não está fugindo. Le Goff parece querer fazer subentender isso já aqui, com seu macio “ele se retira do diante do mundo moderno”.
“A grande recusa” coisa nenhuma! Não sei até que ponto teve ou não teve “fundamento” o que Dante, segundo Le Goff, insinuava de Celestino V. O que é eu sei que Bento XVI testemunha a Fé eloquentemente. Também com a renúncia ele está servindo ao Senhor.
Le Goff insiste no erro que denuncio.
Que conversa é essa?! Não é isso que José está fazendo.
Le Goff talvez queira fabricar uma verdade pela repetição. Só que não é possível.
Alexandre, eu não sei exatamente o que você esperava ou o que você acha que Le Goff está dizendo, mas o fato é que Bento XVI acredita sim ser incapaz de guiar a Igreja e foi exatamente esta a razão apresentada para a renúncia. As palavras literais do Papa foram: «tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado». Não há nenhuma referência pejorativa a “fuga” nem na declaração do Papa e nem no texto do historiador francês, que chega quase a repetir-lhe literalmente. Ao contrário, Le Goff classifica a atitude do Papa como uma síntese de lucidez, modéstia e esperança.
“Grande Recusa” é erro de tradução. O correcto é “Grã Renúncia”, e eu próprio usei a expressão aqui no Deus lo Vult! assim que soube que o Papa renunciara. De novo, não há conotação pejorativa alguma.
Dante colocou Celestino V no Inferno, mas é irrelevante. O poeta italiano é citado aqui bem en passant, e não dá para induzir que Le Goff, com esta alusão, esteja condenando a atitude de Bento XVI.
Abraços,
Jorge
Jorge, a seguir eu comento mais cada citação que fiz anteriormente.
Primeira citação. Le Goff está dizendo — em outras palavras — que o Papa deu uma desculpa mentirosa e fugiu do enfrentamento dialogal com o mundo moderno. Como se o Papa, durante todo o seu pontificado, tivesse se passado por “dialogante” (tal como os modernos entendem o termo; leia-se: alguém disposto a ceder, por força de “argumentos de maioria” e “honestidade intelectual anárquica”, mesmo em coisas que a Igreja nunca poderá ceder), mas ao ver que com a falsa identidade muito não conseguiria em termos de persuasão, tivesse se fechado em uma inflexibilidade humanamente defeituosa, tivesse “chutado o balde” como se diz, ou ao menos, num fideísmo, tivesse decidido agora “deixar mais coisa para a parte (o trabalho) de Deus”, confiante na “força da oração”. Como se o Papa, com uma presunção que Paulo não tinha, de ganhar o mundo tão somente pela persuasão, tivesse se desiludido, entrando em íntimo desespero ou no fideísmo de um velho cabeça dura. A entrevista fala disso. Não se engane!
Quanto à minha segunda citação. Errei em não ter ido checar o significado de “a grande recusa” de Dante, antes de comentar. Mas ainda acredito que posso presumir, até mesmo com linha de raciocínio diferente da usada no comentário à primeira citação, que Le Goff está insinuando que o Papa recusa-se a servir ao Senhor crucificado pelos modernos, fugindo dos modernos como Pedro fugira em seu tempo. Entendo que Le Goff está, de uma forma ou de outra, dizendo que o Papa “foge por defeito” e que deu uma desculpa mentirosa, uma desculpa daquelas de quem sai de cena sem nunca dar o braço a torcer.
Quanto à minha terceira citação. Ao falar de Celestino V, Le Goff o faz com mais suavidade, afinal é um Papa que já se foi. Le Goff não precisa esmurrá-lo, nem mesmo com um toque ninja. Mas note, por favor note, que a forma como ele expõe a decisão de Celestino V é diferente da forma como ele expõe a decisão de Bento XVI. Ele até parece creditar a justificação dada por Celestino V, mas não credita a justificação dada por Bento XVI: “Ele diz que é por causa da idade e do cansaço, mas, fundamentalmente, …“. Ou seja, repito, chama o padre de mentiroso!
Nesse sentido, reconheço, fica até confuso o que presumi sobre como Le Goff quis colocar “a grande recusa”. Mas o compromisso dessa entrevista é difuso mesmo.
Quanto à quarta e última citação que fiz. É claro que é verdade que o Papa não rende homenagem à modernidade! Isso não contradiz o que eu disse. Só que o gesto de Ratzinger não é uma rejeição da modernidade como quem se nega a dirigir a palavra a alguém. No entanto, é nisso que Le Goff quer fazer crer. Como se Ratzinger estivesse a abandonar seu grande Ministério por um capricho intelectual!
Com as astutas palavras dele, que agradaram até a Jorge Ferraz, é isso que Le Goff comunica na entrevista: o Papa tem “uma opinião” que não é a do mundo, e resolve parar de falar às paredes a sua visão de mundo caduca.
Eu posso estar errando enormemente por não ser conhecedor da obra de Le Goff. Acredito que não! Estou tratando apenas do que li numa entrevista. Acredito estar interpretando corretamente o que está escrito. Sei que pode ser diferente se na obra de Le Goff ele amplia os significados da entrevista. Ele amplia?