Esclarecimentos: Conferência Episcopal Alemã e “pílula do dia seguinte”

Ganhou repercussão recente (parece-me que saiu até no Jornal Nacional) uma notícia sobre a Conferência Episcopal Alemã ter autorizado o uso da chamada “pílula do dia seguinte” em casos de estupro. No início deste mês, eu escrevera aqui algumas coisas sobre uma declaração do Card. Meisner neste sentido, cuja leitura é importante para se entender o que está acontecendo. Aproveito que o assunto voltou à tona para insistir n’alguns pontos.

– A vida começa no momento da concepção, i.e., quando o espermatozóide do homem fecunda o óvulo da mulher. A partir deste instante, qualquer tentativa de impedir o desenvolvimento deste indivíduo humano recém-fecundado é um atentado à vida de um ser humano inocente, e não pode ser aceita sob nenhuma justificativa. O Vaticano sabe disso, nós sabemos disso e os bispos alemães sabem disso.

– Há três maneiras de uma relação sexual consumada não resultar em um bebê alguns meses depois: se a mulher não tiver ovulado (1), se os espermatozóides do homem não conseguirem fecundar o óvulo (2) ou se o óvulo fecundado não conseguir se desenvolver (3).

– Do exposto, segue-se que não há aborto nos casos (1) e (2) acima. Provocando-se o caso (3), ao contrário, há a destruição de um ser humano e, portanto, há um atentado direto contra uma vida já existente, há um aborto. Para a moralidade do ato não faz diferença se esta ação é feita diretamente (com pinças de aborto, p.ex.) ou indiretamente (p.ex., danificando o ambiente onde o embrião humano haveria de se desenvolver): em qualquer um dos casos há um aborto. Em particular, impedir a nidação (= a fixação do embrião já fecundado na parede uterina) equivale a abortar.

– “Pílula do dia seguinte” é um nome genérico dado a uma gama de medicamentos, cujos efeitos não são necessariamente idênticos no modo como operam. Há os que agem dos modos (1), (2) e (3) acima e – atenção! – há os que alegadamente não têm efeitos pré-implantatórios no embrião já fecundado (ou seja, que não são capazes de impedir a nidação). O mecanismo de ação desses últimos, supostamente, englobaria apenas os modos (1) e (2) acima.

– A Teologia Moral Católica diz ser lícito à mulher estuprada procurar impedir a concepção (veja-se o meu texto anterior). Assim, a mulher violentada pode (p.ex.) fazer uma lavagem interna para tentar se livrar do sêmen do estuprador e, deste modo, impedir uma gravidez. Não há pecado algum aqui.

– Uma droga que impedisse apenas a ovulação ou a concepção seria um equivalente químico da lavagem íntima pós-estupro. Assim, hipoteticamente, se existisse um composto químico que pudesse impedir a fecundação mas não fosse capaz de causar nenhum tipo de dano a um eventual embrião já fecundado, este composto poderia ser utilizado em casos de violência sexual como legítima defesa da vítima contra o sêmen do estuprador.

– Foi exatamente a utilização desta hipotética droga que a Conferência Episcopal Alemã autorizou, e não a de todos os compostos que atendem pelo nome de “pílula do dia seguinte” independente do seu mecanismo de ação. As declarações são claras, mesmo na mídia secular: «Métodos médicos e farmacêuticos que induzem à morte de um embrião [p.ex. – acrescento eu – impedindo a nidação] continuam sem poder ser usados» (Terra).

– Se só existem drogas que impedem a nidação do óvulo fecundado no útero da mulher, então nenhuma dessas drogas pode ser usada nem mesmo em casos de estupro, e é exatamente isso o que os bispos da Alemanha estão dizendo com todas as letras: métodos «que induzem à morte de um embrião continuam sem poder ser usados».

– Os documentos da plenária da Conferência Episcopal da Alemanha que decidiu esta questão estão disponíveis aqui. A declaração (em inglês) sobre o uso da pílula do dia seguinte em casos de estupro está aqui.

 – O que se autorizou foi o emprego de um composto que possa impedir a fecundação mas não a nidação; em suma, de uma droga que aja dos modos (1) e (2) acima enumerados, mas não do (3). Foi isso e somente isso o que a Conferência Alemã autorizou. Em nenhum momento os bispos da Alemanha autorizaram o uso de micro-abortivos, muito pelo contrário até: eles reforçaram a sua proibição. A Pontifícia Academia para a Vida, a propósito, também declarou que jamais deu aprovação ao uso da pílula do dia seguinte. Não há espaço para dizer o contrário disso.

– O que resta aqui é uma questão de fato, um problema de ordem prática, a saber: se existe uma droga capaz de impedir a ovulação (1) ou a fecundação do óvulo (2), mas que seja totalmente inofensiva para um eventual embrião já fecundado (3).

– Infelizmente, nenhuma das pessoas (entre médicos e biólogos) com as quais falei parece acreditar na existência de tal composto químico: a afirmação mais generosa que obtive foi a de que pílulas a base apenas de progestágeno teoricamente não teriam como impedir o embrião fecundado de nidar, mas que isso – embora seja aparentemente consenso entre médicos – é uma coisa que não foi ainda demonstrada na prática com o rigor científico que a seriedade do assunto exige. Ou seja: a dúvida fundada sobre se o composto é ou não capaz de impedir a nidação é o bastante para justificar o óbice moral ao seu uso mesmo em casos de estupro, e esta dúvida de fato existe.

– Em suma, a autorização dos bispos da Alemanha é exclusivamente para uma droga que possa simultaneamente impedir a concepção e deixar ileso um eventual embrião já fecundado. Esta autorização para casos de estupro, como vimos, está perfeitamente correta dentro da Moral Católica. O que se pode objetar contra os bispos é que eles, por falta de assessoria científica adequada, talvez tenham autorizado o uso de um composto que não existe no mundo real. O que revela um problema de ordem prática e científica, mas não de ordem moral. Assim, pode-se no máximo acusar a Conferência Episcopal Alemã de mal-informada; mas não de tentar deturpar a Doutrina Moral da Igreja Católica.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

65 comentários em “Esclarecimentos: Conferência Episcopal Alemã e “pílula do dia seguinte””

  1. Claríssimo o seu texto, muito bom.

    Só acrescentaria uma coisa: se existisse um fármaco que impedisse a fecundação, o seu uso fora do caso do estupro seria sempre pecaminoso: no Matrimônio porque seria um método anticoncepcional, com um juízo moral equivalente ao uso de pílulas ou de preservativos; separaria a dimensão unitiva e procriativa do Matrimônio, o que é sempre desordenado (um pecado); e fora do Matrimônio, é pecaminoso todo ato sexual.

    Grande abraço e que o Senhor o abençoe.

  2. “…por falta de assessoria científica adequada…”

    “…problema de ordem prática e científica, mas não de ordem moral…”.

    “…no máximo acusar a Conferência Episcopal Alemã de mal-informada; mas não de tentar deturpar a Doutrina Moral da Igreja Católica.”

    Jorge,

    A sua louvável intenção de defender a Igreja faz com que você não veja o que é óbvio para qualquer pessoa de bom senso.

    A decisão da conferência alemã não visa estimular os cientistas a produzirem uma pílula não-abortiva. Tal decisão visa simplesmente dar respaldo a uma prática que já é corrente nos hospitais católicos de meio mundo.

    O efeito prático da decisão dos bispos alemães é esse: os poucos hospitais católicos que ainda se recusam a dar a pílula do dia seguinte às vítimas de estupros passarão a da-las.

    Não sei como você consegue escrever que a conferência alemã está apenas “mal-informada” e por lhes faltar “assessoria científica adequada”. Pobrezinhos dos bispos alemães. Tão ortodoxos!

    Sinceramente, esperava mais de você.

  3. JB,

    Pelo que um amigo médico me informou, o status quaestionis é que existe uma “pílula do dia seguinte não-abortiva”. Tratar-se-ia da pílula de progestágeno puro, sobre a qual a Wikipedia anglófona diz:

    The primary mechanism of action of progestogen-only emergency contraceptive pills is to prevent fertilization by inhibition of ovulation. The best available evidence is that they do not have any post-fertilization effects such as the prevention of implantation.

    O problema, apontado pelo mesmo amigo, é que nunca foram feitos testes clínicos rigorosos para demonstrar a inexistência de efeitos pré-implantatórios nesta pílula. Ou seja, estas “melhores evidências disponíveis” não são tão boas quanto a gravidade da situação exige.

    Além dessas pílulas de progestágeno puro, há as combinadas. Estas evitam (ou podem evitar) a nidação, sendo portanto abortivas (e portanto mais – argh – “eficazes”, de modo que as imagino mais utilizadas). A declaração da Conferência Episcopal Alemã é clara em dizer que estas últimas não podem ser usadas.

    Abraços,
    Jorge

  4. Jorge,

    Ou eu li apressadamente ou sua segunda mensagem contradiz a primeira.

    “Pildoras del dia despues sin efecto abortivo NO EXISTEN” (grifo no original).

    Na wikipedia, clique no link das “Progestogen_only_pill” e você lerá:

    “If the endometrium were also thin and atrophic during an ovulatory cycle, this could, in theory, interfere with implantation of a blastocyst (embryo).”

    Mas dê uma olhada também em:

    http://www.lifesitenews.com/news/top-vatican-official-calls-german-bishops-approval-of-morning-after-pill-ex

    Isso é a completa desmoralização do movimento pró-vida. Coitados dos médicos de Colônia que se recusaram a aplicar esse tratamento e deram origem a essa polêmica. Foram totalmente desautorizados. Depois que o gênio sai da garrafa não há mais como voltar a pô-lo lá.

    Se admitiram o uso dessa pílula em casos de estupro, vai ser difícil não admiti-las em caso de pobreza extrema, doença congênitas, idade avançada e n outros motivos que levam as pessoas a não querer ter filhos.

    Acabou-se.

    No próximo carnaval, a CNBB vai emitir um comunicado dizendo que:

    “Aqueles modelos de camisinha que protegem contra DSTs mas não possuem efeito anticoncepcional podem livremente ser usados por católicos.”

    Má-fé? De jeito algum. Só falta de “assessoria científica adequada”.

  5. Jorge, meu irmão. Permita-me discordar. Tal fármaco não existe. Se existisse seria improvável que funcionasse a tempo de impedir a fecundação, pois não podemos precisar o exato momento em que ela irá ocorrer após o ato sexual. A Conderência Alemã pisou feio na bola. Sua decisão é estranha e lançará cizânia e divisão entre os que são mais fracos na fé. Está se esforçando para defender o indefensável. Desta vez acho que você pisou na bola.

  6. Jorge, a Conferência Alemã está a autorizar o assassinato de seres humanos amparada, a um só tempo, na doutrina moral católica e numa quimera científica. Não vê que isso é diabólico?

  7. JB,

    Ou eu li apressadamente ou sua segunda mensagem contradiz a primeira.

    Sim, a mensagem do pessoal da Suíça diz que não existe uma pílula do dia seguinte que seja contraceptiva mas não abortiva, caracterizando precisamente o que apontei como a grande questão aqui: há controvérsias sobre a questão de fato da existência da droga que a CE alemã autorizou.

    Note que não tem ninguém dizendo simpliciter que os bispos alemães tenham autorizado micro-abortivos, a não ser alguns setores mal-intencionados ou mal-informados da mídia não-especializada – cuja visão dos fatos eu não vejo razão para que devamos assumir.

    Na wikipedia, clique no link das “Progestogen_only_pill” e você lerá: (…)

    Sim, no uso ordinário e regular ao longo de todo o ciclo (anticoncepcional clássico), e não na dose única da “pílula do dia seguinte”.

    Mas, reitero, isso ainda não foi demonstrado de maneira definitiva.

    Isso é a completa desmoralização do movimento pró-vida. Coitados dos médicos de Colônia que se recusaram a aplicar esse tratamento e deram origem a essa polêmica.

    Eu não vejo o porquê. Se uma mulher estuprada chegar num hospital católico e pedir uma pílula do dia seguinte dizendo que os bispos autorizaram, o médico pró-vida de plantão pode simplesmente dizer: “a Conferência proibiu explicitamente o uso de medicamentos que possam matar o embrião. Só está autorizado o uso de pílulas contraceptivas e não-abortivas. Estas nós não temos”.

    A Conferência reforçou taxativamente a proibição de micro-abortivos, e só autorizou o uso de uma coisa que a gente não sabe nem se existe. Não entendo o motivo de nos apegarmos somente à segunda parte da declaração, e fingirmos que a primeira (que é muito mais importante) não existiu. Do resultado desta plenária da CE, poderia sair uma manchete dizendo que a Conferência ratificou a decisão do hospital de Colônia, e seria verdade. Saiu uma manchete contrária por pura seletividade da mídia, e penso que estamos comprando uma versão dos fatos que não é necessária nem conveniente.

    Se admitiram o uso dessa pílula em casos de estupro, vai ser difícil não admiti-las em caso de pobreza extrema, doença congênitas, idade avançada e n outros motivos que levam as pessoas a não querer ter filhos.

    A questão, JB, é que a Teologia Moral Católica sempre ensinou que à mulher estuprada é lícito fazer o que puder para evitar conceber um filho do estuprador – Del Greco enquadra isso como legítima defesa. Para os demais casos que tu citas não há nem precedente nem justificativa moral razoável.

    “Aqueles modelos de camisinha que protegem contra DSTs mas não possuem efeito anticoncepcional podem livremente ser usados por católicos.”

    :)

    Se existisse uma camisinha sem efeito anticoncepcional ela poderia ser usada.

    Naturalmente, só por casais católicos casados, e não por estranhos no carnaval.

    Abraços,
    Jorge

  8. Se pode usar lavagem uterina ou mesmo medicamentos para impedir a concepção então podemos dizer que é um anti-concepcional ou seja contra-concepção. Por acaso isso também não é considerado pecado pela Igreja? Se for assim, o uso da camisinha, coito interrompido ou mesmo o DIU seria aceito pela Igreja certo? Acredito que a Igreja é contra qualquer tipo de contracepçào inclusive a pilula do dia seguinte,

  9. Rogério,

    Pode em caso de estupro. O estupro não é um ato conjugal, é uma violência, uma agressão. Nos atos conjugais não é lícito usar preservativos, nos atos de violência é legítimo defender-se.

    Se uma mulher que está sendo estuprada consegue empurrar o estuprador quando ele está chegando ao clímax de modo que ele não despeje o sêmen dentro dela, isto é defesa contra uma agressão e não “coito interrompido”. O mesmo vale para a lavagem íntima, ou para qualquer outra coisa que tencione impedir a concepção. Só o que não pode fazer é matar o embrião que eventualmente já exista, porque aí é assassinar um inocente.

    Abraços,
    Jorge

  10. “Não entendo o motivo de nos apegarmos somente à segunda parte da declaração, e fingirmos que a primeira (que é muito mais importante) não existiu.”

    Em vez de uma análise legalista-literalista, faça uma análise psico-sociológica. Avalie a coisa em termos de tendências sociais, considere o poder da mídia e a influência do modernismo dentro da Igreja e vai ver porque essa decisão da conferência episcopal alemã foi péssima e trará consequências gravíssimas no futuro.

    “o médico pró-vida de plantão pode simplesmente dizer: “a Conferência proibiu explicitamente o uso de medicamentos que possam matar o embrião. Só está autorizado o uso de pílulas contraceptivas e não-abortivas. Estas nós não temos”.”

    Irrealista ao máximo. Cerca de metade dos hospitais católicos já usa pílulas do dia-seguinte, abortivas, em caso de estupro… Agora então.

    Sem falar nas associações médicas católicas, que passaram anos dizendo que não existia pílula do dia seguinte não-abortiva, que a pílula do dia seguinte era contra a doutrina etc., pois agora ficaram com cara de tacho.

    Como é impossível saber se um dia não inventarão uma camisinha sem efeito contraceptivo, você provavelmente aprovaria tal declaração da CNBB, certo? Afinal, literalmente, não há nada errado com ela.

  11. Amigo Jorge, salve Maria.

    Veja se esta citação enviada a nós pelo Felipe ajuda em algo:

    “Unicamente si la mujer hubiere sido violada contra su derecho podría tratar de expulsar o esterilizar el semen invasor; pero sólo mientras no hubiera peligro razonable de destruir una vida humana, o sea durante un par de horas escasas después de la violación” (“El Magisterio Eclesiastico y la Medicina” [Madrid: Razon y Fe, 1955], de autoria de M. ZALBA e J. BOZAL, pág. 17).

    Que tal? Um “par de horas” é uma expressão que, em sentido estrito, designa literalmente duas horas, mas em sentido amplo pode designar um espaço de tempo que pode ser mais do que duas horas. Aqui em Minas se fala muito isso: “levei uns par di’ora pra cabá o trabaiú”, o que quer dizer que se levou muitas horas para concluir a tarefa.

    Penso que o autor aqui se referiu ao sentido estrito e literal: até duas horas após o ato sexual se poderia ingerir o tal medicamento, exatamente porque esta é uma margem segura para ser adotada. E assim sabe-se com certeza moral que não houve fecundação e consequentemente aborto.

    Então esse medicamento nesta situação específica não justificaria em hipótese nenhuma com a pílula do dia seguinte, sempre condenada.

    Cordialmente,

    Sandro de Pontes

  12. JB.,

    Eu entendo a possível leitura negativa do fato, apenas acho que ela não é a única possível e que nós não temos nenhuma necessidade de reforçá-la.

    Ser pró-vida é questão é de convicção, e não de legalismos. Uma convicção dessas não se abandona à força de declarações genéricas de uma CE. Quem queria distribuir micro-abortivos já o fazia à revelia da Igreja, como tu apontaste.

    As associações médicas católicas podem continuar dizendo que não existe pílula do dia seguinte não-abortiva, simplesmente porque a CE alemã não disse que ela existia. E, aliás, nem teria competência para fazer uma afirmação dessas, que é técnica e não moral.

    Por fim, sobre a camisinha sem efeitos contraceptivos, ela obviamente não poderia ser “autorizada” num contexto de fornicação, que é pecado da parte de ambos os envolvidos, o que é totalmente diferente de um estupro – onde se tem um agressor e uma vítima.

    Abraços,
    Jorge

  13. Sandro,

    Obrigado pela citação, que estabelece com clareza o critério a ser seguido para a aplicação desta orientação da CE Alemã: para evitar uma gravidez, a mulher violada só pode fazer aquilo que não provoque risco de destruir uma vida humana, i.e., de expulsar um embrião já fecundado.

    A “margem segura” que o autor estabelece pressupõe uma droga que possa destruir o embrião recém-fecundado. Seria o caso, p.ex., das pílulas do dia seguinte clássicas. Não é destas que os bispos alemães estão falando, e sim de uma droga que fosse efetiva para impedir a ovulação ou a fecundação, mas segura para o possível embrião já fecundado.

    A fecundação pode ocorrer num par de horas sim, mas pode também ocorrer só depois de um par de dias. A gente não sabe o momento exato, mas uma droga cujos efeitos exclusivos fossem a inibição da ovulação e o endurecimento do muco cervical poderia ser tomada pela mulher a qualquer momento, uma vez que seria totalmente inócua para o embrião.

    O problema está todo na questão de fato da natureza dos compostos químicos que são comercializados a título de pílula do dia seguinte.

  14. Prezado Jorge, salve Maria.

    Não há de que. Realmente me parece que os alemães acertaram desta vez. Inclusive, sobre a camisinha, depois que Bento XVI emitiu sua opinião a respeito do assunto, estudei alguns moralistas que disseram ser lícito aconselhar pessoas a cometerem pecados menos graves para repercutir menos na vida da pessoa e da sociedade se não tiver maneira de fazer com que a pessoa desista do pecado.

    Eles dão exemplos assim: se alguém vai matar e você não tem como impedir tal coisa, pode aconselhar esta pessoa a “apenas” roubar, sem matar…se a pessoa vai e rouba sem matar seguindo um conselho seu, Deus no céu fica feliz, porque você impediu o assassinato, embora aconselhando o roubo, que nunca é bom, mas que neste caso foi menos pior, foi um mal menor.

    Assim penso que se isso se aplicar a Bento XVI ele também acertou moralmente quando aconselhou a camisinha para os prostitutos naquela situação específica colocada por ele.

    Abraços,

    Sandro de Pontes

  15. Você já leu essa no fratres? Os anos 70 estão de volta.

    Literal e legalmente, é perfeito. Em termos de tendências e práticas, seria um óbvio desastre.

    Mas vamos lá, Jorge, ponha um spin positivo na coisa e assegure-nos que tudo vai bem. Afinal, o bondoso Cardeal Kasper não pode ter outras intenções além do bem da Igreja, certo?

    “Kasper falou de uma “diaconisa” paroquial, que seria diferente do diácono clássico, e que poderia desempenhar funções pastorais, de caridade, de catequese, além de serviços litúrgicos particulares. A diaconisa não receberia o sacramento da Ordem, mas uma bênção. Dessa forma, se retomaria uma antiga tradição, acrescentou, lembrando que o diaconato feminino estava previsto na Igreja dos séculos III e IV”.

    Alessandro Alviani, vaticanista do La Stampa, relatando as palavras do Cardeal Walter Kasper durante a assembléia da Conferência Episcopal da Alemanha.

    Original: http://vaticaninsider.lastampa.it/nel-mondo/dettaglio-articolo/articolo/chiesa-church-iglesia-germania-germany-alemania-22571/

    ainda tem essa:

    “i vescovi in Germania si sono inoltre impegnati ad aumentare sensibilmente il numero delle donne nelle posizioni ecclesiastiche di vertice che non presuppongono l’ordinazione sacerdotale.”

  16. Jorge,

    Não é possível determinar o exato momento da fecundação. Ele pode ocorrer minutos, horas ou dias após o ato sexual. Qualquer distribuição de medicamentos contraceptivos deve ser realizada preventivamente, ou seja, antes do ato sexual violento. Ora, este tipo de prevenção só poderia ser aceita pela moral católica em situações muito excepcionais como num cenário de guerra civil, onde por exemplo freiras estivessem submetidas ao risco de estupro. Não é o caso de hospitais católicos em países em situações estáveis como a Alemanha. Aplicar o medicamento após o ato sexual é absurdo. Não irá ter efeito contraceptivo, simplesmente porque é possível que a concepção já tenha ocorrido. Não existe um fármaco que possa garantir a contracepção após o ato conjugal com plena certeza. Sua ação possivelmente será anti-implantatória, ainda que se desejasse uma contracepção.

  17. Jorge,

    Agradeço a excelente contribuição do Luciano Perim e recomendo a você fortemente a leitura do link que ele postou:

    http://www.acidigital.com/noticia.php?id=24935

    “Então, a declaração dos Bispos alemães é, de fato, muito problemática e dá sua aprovação moral a algo que simplesmente não existe. *****A consequência é uma situação insalvável****”. Kuby questiona: “Quem pode dizer com clareza que a fertilização ocorreu ou não? Que hospital católico, daqui em diante, rechaçará administrar a pílula do dia seguinte a uma vítima de estupro se a fertilização pôde haver-se dado faz algumas horas? (…)”

    Aliás, li nesses links que a definição jurídica de aborto na Alemanha é pós-nidação. Começo a achar, portanto, que a decisão dos bispos alemães nada mais foi que uma rasteira tentativa de adequar a moral católica à lei civil para parecerem moderninhos e bonzinhos.

    De acordo com a lei alemã, só há aborto após a nidação. A pílula do dia seguinte atua antes da nidação (inclusive impedindo-a). Logo, a pílula do dia seguinte não é abortiva. Lógica perfeita.

    Acho que você deveria modificar sua postagem e dizer algo sobre a precipitação (para ser educado) dos bispos alemães haja vista a ausência de evidência científica sólida que suporte a decisão deles.

  18. Luciano Perim [e JB],

    O «exato momento da fecundação» é irrelevante aqui, porque os bispos alemães aprovaram uma droga que não tenha efeitos sobre o embrião fecundado, que não seja capaz de impedir a nidação, que unicamente iniba a ovulação ou impeça a fecundação, que possua exclusivamente efeitos contraceptivos, mas não micro-abortivos. Perdoe-me a redundância, mas ela me parece aqui necessária (porque vira e mexe volta-se ao mesmo assunto): se a fecundação já houver ocorrido, a administração de uma droga com as características da que a CE alemã aprovou não vai provocar absolutamente efeito algum na mulher ou no embrião, e isto é de tal modo claro que, se por acaso houver uma droga que possa expulsar o embrião já fecundado, então a CE alemã foi taxativa em dizer que ela não pode ser utilizada.

    Ninguém quer «garantir a contracepção após o ato conjugal com plena certeza» (grifos meus); quer-se simplesmente fornecer à mulher violentada a possibilidade de se defender [das conseqüências] do estupro. É análogo (volto ao mesmo exemplo) à lavagem íntima, que não garante que a mulher não vá engravidar, mas talvez diminua as chances de que ela engravide.

    A insinuação de que os bispos estão misturando a terminologia da Teologia Moral Católica com a da legislação positiva alemã é (pra dizer o mínimo) fantasiosa. É claro que um texto de bispos católicos deve ser lido com os conceitos da Doutrina Católica, e não com os das leis particulares de determinados Estados (a menos que o contrário fosse dito explicitamente no documento, o que não é o caso). Ainda admitindo a hipótese de que os maquiavélicos bispos estejam mancomunados com o aborto e tenham escrito um texto polissêmico com o intuito de estimular o aborto nas terras germânicas, ainda assim todo mundo tem o dever intelectual de ler o texto de modo que ele faça sentido, e não como se ele fosse auto-contraditório.

    Os bispos não estão aprovando nenhuma droga específica, estão apenas elencando as características que uma droga deve possuir para que seu emprego em casos de estupro seja moralmente lícito. As evidências científicas devem vir para justificar caso a caso se um composto químico específico é lícito ou não, e simplesmente não faz sentido pretender que uma definição de princípios morais seja justificada por evidências científicas! Os princípios são imutáveis, as evidências científicas são falíveis por definição.

    A dra. Kuby está dizendo «que não existe pílula do dia seguinte que não tenha um efeito abortivo» – ótimo, então isso significa que os bispos estão dizendo que nenhuma pílula do dia seguinte pode ser administrada nem mesmo em casos de estupro. Não precisa modificar a declaração, ela já diz exatamente isso. Basta fazer o silogismo:

    Maior: [M]étodos «que induzem à morte de um embrião continuam sem poder ser usados» (Conferência Alemã)
    Menor: [N]ão existe pílula do dia seguinte que não tenha um efeito abortivo (Dra. Kuby)
    Conclusão: Ergo, não existe pílula do dia seguinte que possa ser usada.

    Isto é claro como “Os homens são mortais / Sócrates é homem / Logo, Sócrates é mortal”. No entanto e lamentavelmente, a militante pró-vida alemã – junto com parte considerável dos católicos – prefere interpretar o texto da CE alemã de um modo explicitamente contrário ao que ele próprio diz com todas as letras, afirmando (contra a Doutrina Católica e contra o próprio texto da declaração) que os bispos alemães autorizaram o uso de micro-abortivos. Francamente, isto a gente espera da mídia anti-clerical, mas nós católicos somos mais inteligentes do que isso.

  19. Prezado Jorge, salve Maria.

    Realmente, parece-me que realmente você tem toda a razão no que diz.

    Aproveito a oportunidade para dizer aos amigos leitores que interpretaram minhas palavras (quantos e-mails que recebi) como se eu estivesse dizendo-as com ironia, que eu não fiz isso. Falei exatamente o que penso, tanto neste caso como no da camisinha ratzingeriana.

    Abraços sinceros a todos,

    Sandro de Pontes

  20. Caro administrador,

    O texto é bastante claro, assim como as explicações posteriores na seção de comentários.Só não entende, quem não quer.
    Também sou da opinião de que, se houve um erro por parte CE alemã, foi o de levar a público um assunto sem ter informações suficientes para fazê-lo. Não acredito que tenha havido má-fé, mas precipitação numa questão que requer muita seriedade.
    Como esposa e mãe católica, coloco-me ao lado de todos aqueles que tentam amenizar o sofrimento atroz pelo qual passam as vítimas de semelhante situação.
    Infelizmente, com os conhecimentos científicos que possuímos até o momento, não há muito o que fazer nesse sentido ( que não fira o direito à Vida) , restando-nos o apoio material e espiritual a essas pessoas.

  21. A Conferência falou de algo que não existe e isso é um absurdo. Não deveriam ter se pronunciado sobre algo assim. Continuo a discordar de vc.

  22. Desculpe-me, mas é fantasioso achar que os bispos alemães não soubessem que as evidências a favor de uma pílula não-abortiva são, na melhor das hipóteses, tênues. É igualmente fantasioso achar que as associações médicas católicas da Alemanha e movimento pró-vida alemão não tenham alertado os bispos para esse erro.

    Pior que fantasioso é analisar um texto unicamente pelo seu valor de face, ignorando contextos e intenções, como se as palavras não mudassem de sentido conforme a boca que as pronuncia.

    Cometer um erro científico não é certamente imoral. Mas cometer um erro científico por displicência, acomodação, covardia ou má-fé é imoral.

    Para quem não sabe o que são os bispos alemães, fica aqui uma dica: http://www.intereconomia.com/blog/cigueena-torre/vomitiva-iglesia-alemana-20130222. O autor desse blog faz uma breve análise sobre o caso da pílula e da qualidade dos bispos alemães.

    Mas nem tudo está perdido. Ainda há bispos na Espanha. A declaração do bispo espanhol (vide link abaixo) é teologicamente correta (assim como a dos alemães). Contudo, ao contrário de seus colegas germânicos, D. Martinez Camino não finge não saber a inexistência das tais pílulas e ainda faz ironia com seus colegas do norte.

    “todas las píldoras del día siguiente tienen ese posible efecto abortivo. Luego, su uso es ilícito. Si en Alemania la hay, nosotros no la conocemos. A nosotros no nos consta que existe esa posibilidad técnica”.

    http://www.elmundo.es/elmundo/2013/02/26/espana/1361883168.html

  23. Os bispos não deveriam falar de algo que não existe. Simples assim. Confundiam a mídia e os mais fracos na fé.

Os comentários estão fechados.