É Advento. O ano-novo litúrgico iniciou-se ontem, com as nossas igrejas revestidas de roxo, com o povo de Deus em solene expectativa pelo nascimento do Messias. Já tremeluz a primeira chama da Coroa do Advento. Já esperamos a Luz que há de refulgir nas trevas. Em breve.
É de Saint-Exupéry o famoso diálogo entre o Príncipe e a Raposa: «se tu vens às quatro da tarde, desde às três já começo a ser feliz». Uma vez, no início da faculdade, uma professora de estatística, do nada, recomendou a leitura deste livro. “Para que aprendêssemos o valor dos rituais”. Ao que parece, há pessoas que não receberam este piedoso conselho. Na Venezuela, p.ex., o Natal já passou. O presidente decretou-o para novembro. Se ele já houvesse celebrado o Natal alguma vez na vida, não faria jamais semelhante idiotice.
Porque o tempo não está sujeito aos decretos dos homens. Tem a sua própria cadência, que se impõe e é sábio respeitar. Diante dele, não cabe outra atitude que não a de uma humilde subserviência: ser homem é também, em certo sentido, ser capaz de esperar.
Não uma espera meramente passiva, por certo; não uma espera ignorante que os acontecimentos pegam sempre de surpresa. Mas uma espera que é expectativa: sabemos o que há de vir. Muitas vezes gostaríamos de ser como deuses, e desejaríamos que o futuro se realizasse quando o desejássemos, à nossa voz onipotente: mas isso é por demais infantil. Os rituais são o nosso modo de manipular o tempo, nos limites de nossa onipotência. Onipotência que é aliás bem limitada; voltando ao Pequeno Príncipe, mais ou menos como a do Rei…
Mas divago. Os rituais são a nossa maneira de colocar o tempo a nosso serviço, dizia. Na impossibilidade de transportar o futuro para o presente, confeccionamos o nosso presente à imagem do futuro: transformamo-lo numa estrada pavimentada rumo ao que há de vir, onde tudo em um certo aspecto “já é” embora, em realidade, ainda não seja. Onde tudo aponta para o que há de ser – que, nesta nossa antecipação, já goza de um pouco de realidade. Não é possível decretar o Natal para agora. Mas é possível – e saudável – viver a expectativa do Natal.
Os cânticos do Advento já tomaram o lugar do Hino de Louvor nas nossas igrejas, e o Gloria in Excelsis da noite de Natal não seria tão belo se não fosse precedido e preparado pelo silêncio entre o Kyrie e a Colecta ao longo desses quatro domingos. A Luz não resplandeceria com tanto fulgor se as Trevas da noite não fossem tão densas e escuras. O Branco dos paramentos festivos não seria tão brilhante se não contrastasse com o roxo pesado dos dias precedentes. Em uma palavra, a beleza do Natal depende em grande medida das características dos dias que o precedem; e se é assim, o que fazemos já hoje é determinante de como será o nosso Natal. Se é assim, nós já começamos a vivê-lo. E, se queremos vivê-lo bem, é importante que bem o vivamos desde já.
É Advento. Preparemo-nos para a vinda do Messias que há-de vir. Preparemo-nos bem, conscientes de que aquela esperada Noite Feliz se faz ao longo do caminho que conduz a ela. Que por meio de um santo Advento, nos venha a todos um santo Natal.
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