Hoje é-me um dia particularmente festivo: 23 de abril é festa de São Jorge, meu onomástico e também do Papa Francisco gloriosamente reinante. É um privilégio compartilhar com o atual Vigário de Cristo o nome de Batismo; neste dia de São Jorge, peço ao mártir que nos dê – a nós, jorges em honra e dívida a ele – a sua têmpera e a sua firmeza.
São conhecidas as lendas modernas a respeito da festa de hoje. Muitos dizem que o santo não existiu de fato ou que a sua celebração foi suprimida pela Igreja. Nada disso procede. A festa litúrgica continua sendo celebrada, sim, no dia de hoje, 23 de abril, nos dois calendários (tradicional e reformado). Sobre os detalhes históricos da biografia tradicionalmente atribuída ao santo, é na minha opinião elucidativo escutar o que já foi dito por D. Estêvão sobre o assunto:
A respeito de São Jorge, portanto, apenas se pode dizer com segurança que nasceu em Lida (Lydda) na Síria por volta de 270 e foi martirizado em Nicomédia no ano de 303. São considerados como incertos ou mesmo lendários os pormenores habitualmente narrados: Jorge, como soldado do Império Romano, teria participado de uma campanha na Pérsia, após a qual haveria residido em Beirute (Síria); nesta cidade, teria lutado contra um dragão; depois disto, dizem que Diocleciano o enviou em expedição à Grã-Bretanha; Jorge atravessou então o mar da Irlanda, hoje também dito «Canal de São Jorge», e desembarcou em Porta Sistuntiorum; daí dirigiu-se para Glastonbury em peregrinação ao túmulo de seu compatriota José de Arimatéia…
Estamos falando de um santo que morreu há dezoito séculos. É claro que não temos hoje uma reconstituição precisa de sua vida, e nem isso é importante. A ausência de dados biográficos detalhados não implica na inexistência de ninguém. Para fins de culto litúrgico, basta saber que o santo existiu e praticou heroicamente a Fé (no caso, ao menos dando o supremo testemunho Martírio).
Naturalmente, se vamos nos espelhar no exemplo de São Jorge (ou de qualquer outro santo), ser-nos-ia muito útil conhecer mais detalhes da sua vida. As tradições piedosas que nos foram legadas pelo seu culto multissecular podem não ter a garantia férrea das fontes historiográficas incontestáveis, mas nem por isso nos é lícito afastá-las como se fossem “estórias” sem fundamento. Repetimos: nem tudo o que não é cientificamente demonstrado é, por conta disso, falso ou mítico. A biografia rigorosa de São Jorge pode ser extremamente lacônica, mas o santo tem também uma biografia passível de ser reconstituída a partir das tradições cristãs que, embora não possa pretender o mesmo grau de certeza daquele minimum ao qual D. Estêvão já aludiu, não obstante é ao menos possível e não é sensato descartá-la por mero preconceito tecnicista.
Que lições podemos tirar da vida do santo que hoje se celebra na Igreja? Para responder a esta pergunta, é interessante a leitura deste artigo sobre ele, que reconstrói os aspectos tradicionais da sua história a partir do que nos foi legado pela piedade cristã. Traz-nos tudo, naquela riqueza de detalhes tão caras às narrativas hagiográficas, inclusive as transcrições dos diálogos entre o mártir e as autoridades romanas que o condenaram nas longínquas perseguições anteriores ao Edito de Milão. “Que é a Verdade?”, pergunta o cônsul ao soldado cristão, parafraseando Pilatos. “É Jesus Cristo, meu Senhor, a quem perseguis”, arremata o grande Jorge. Bravo!
Por fim, vamos ao que todo mundo quer saber: e o dragão? O sr. Luís Azevedo – no texto acima linkado – diz que a história do dragão «não encontra fundamento real em sua vida». Não é tão simples assim. Na prestigiada Legenda Aurea de Jacobus de Voragine, sob o título de “São Jorge, Mártir”, é possível ler tudo, tintim por tintim: a cidade assolada pelo dragão, o povo reunido para matá-lo sem o conseguir, os sacrifícios feitos à fera – primeiro de animais, depois humanos – para a manter satisfeita, a sorte certa vez recaindo sobre a filha do rei, a princesa amarrada fora da cidade, prestes a ser devorada pela besta.
Milagres da Divina Providência: eis que por lá passa São Jorge! A nobre garota tenta dissuadir o valoroso cavaleiro de salvá-la, mas os seus rogos não são capazes de esmorecer o guerreiro. O dragão aparece e interrompe o diálogo, arremetendo contra ambos. São Jorge persigna-se e se lança à luta contra o monstro, conseguindo enfim prostrá-lo por terra. Amarra-o pelo pescoço com o cinto da princesa e a faz conduzi-lo de volta à cidade. À vista da fera todos se desesperam; mas São Jorge, imponente, pede àquele povo a profissão da Fé e o Batismo, que então ele mataria o dragão. O rei batiza-se com todo o povo – quinze mil homens, sem contar mulheres e crianças, a narrativa faz questão de quantificar – e São Jorge mata o dragão. Em agradecimento, o monarca oferece incontáveis riquezas a São Jorge, que as manda distribuir aos pobres e, deixando ao rei alguns conselhos, despede-se dele e parte. C’est fini.
Incrível? Sem dúvidas. De onde surgiu tão fabulosa história? Ela remete ao menos à Idade Média, há uns sete ou oito séculos atrás. O que há de verdade nela? Difícil dizer. Por favor, não me venham com os truísmos de “dragões não existem”, coisa que é evidente. Mas existem feras selvagens, povos rudes e maus, sacrifícios humanos, homens covardes e corajosos, lutas e conversões. O dragão é o que menos interessa na narrativa, e pode perfeitamente ser substituído por um urso feroz ou um cavaleiro poderoso sem alterá-la em praticamente nada. Impugnar a historicidade do santo por conta desse detalhe é tão sem sentido quanto negar a independência do Brasil por causa dos erros do quadro de Pedro Américo.
O problema aqui se situa em pelo menos dois níveis. Primeiro, não é – absolutamente! – necessário afirmar que é mítica a existência inteira de um personagem por causa de um trecho de sua biografia que nos soa inverossímil. Segundo, não é necessário nem mesmo, por causa da mescla de elementos fantásticos e plausíveis que se encontra nas narrativas sobre ele que nos foram legadas, reduzir toda a sua biografia a um minimum passível de ser criteriosamente estabelecido. Dá para descontar o dragão e mesmo assim haurir da controversa passagem virtudes heróicas capazes de nos aumentar a piedade cristã; e sem dúvidas é possível obter fruto, e muito, de outras passagens clássicas da vida do santo que ficam entre a inverossimilhança manifesta e o rigor documental, como as narrativas do seu martírio. E, claro, dá pra contar com a intercessão do valoroso São Jorge, cuja vida só conheceremos em detalhes quando nos encontrarmos na Glória de Deus. Que o glorioso mártir rogue por nós.
http://fratresinunum.com/2014/04/23/telefonema-do-papa-reacende-debate-sobre-comunhao-para-divorciados-recasados/
Vou colocar um comentário que fiz ano passado no blog do Catequista, o qual é minha opinião a respeito desta lenda de São Jorge e o dragão:
O dragão podemos identificar como sendo o próprio diabo, já que as Sagradas Escrituras, sobre tudo, o livro do Apocalipse, diz que o diabo é identificado com o dragão que persegue a mulher no capítulo 12 deste livro. Assim como São Jorge enfrentou o dragão, ou seja, o diabo, nas pessoas dos perseguidores cristãos daquela época, assim nós também temos que lutar contra os dragões de nossos dias, que nos assolam com toda sorte de perseguições, tentações e embustes de todos os lados, não mais vestindo qualquer armadura de combatente, mas, nos disseres de São Paulo: “11. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio. 12. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares. 13. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever. 14. Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, 15. e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. 16. Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno. 17. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.(Ef. 6,11-17) – See more at: http://ocatequista.com.br/archives/9386#comments
Amigo Jorge,
Tu poderias me tirar uma duvida, ou melhor, responder uma pergunta simples, o que perpassa teu coração, qual sentimento é gerado em ti, ao contemplar a atual situação do nosso país, na direção do ‘governo mundial’ ? A situação moral do país, e as leis que vem sendo aprovadas pelos poderes constituídos, que cada vez mais se afastam da Moral Cristã ? Será que nosso país tem salvação ?
E sobre São Jorge, por que ele é associado ao ‘sincretismo’ religioso ?
Veja esse artigo:
http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/01/27/vamos-educar-contra-o-aborto-ben-carson-brit-hume-ann-coulter-e-papa-francisco-contra-barack-obama/
No brasil S.Jorge é um santo “ecumênico”,reverenciado por outras religiões.O sincretismo religioso, é a maior prova de que “conversões à força”,realizada no passado,nunca deram frutos.Os africanos,judeus e outros forçados a aderirem o catolicismo romano,na verdade apenas fingiram aceitar e permaneceram fiéis as suas crenças.A igreja aprendeu,graças à Deus,que naõ é possível subjugar consciências.
Amigo Jorge,
Como estás, querido irmão ? A Paz do Senhor esteja convosco. São João Paulo II e São João XXIII roguem por ti.
O amigo viu a pergunta que fiz em uma postagem recente aqui?
“Estamos aqui”,
Vi sim. O governo mundial é um assunto deveras complicado, que pode ser tanto algo positivo quanto extremamente negativo (nas atuais conjunturas, é mais provável que seja negativo). Mas não estou convencido da sua possibilidade concreta, pelo menos não a curto prazo.
Sobre S. Jorge, a história tradicional é a de que os escravos africanos fingiam a conversão ao Catolicismo e continuavam praticando as suas religiões nativas às escondidas, “disfarçando” os seus deuses sob os santos católicos, e isso gerou a Umbanda. Mas não sei muitos detalhes sobre este processo…
Abraços,
Jorge
Amigo Jorge,
Com toda a venia, ou seja , data venia, não seria o caso do amigo relembrar essa passagem aqui:
“”Sabeis distinguir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos?”
Mt 16,4″
De toda forma, quando a “coisa” estiver instalada, talvez a maioria acredite na existência da “coisa”. É parecida com a história de que se soubéssemos que o ladrão iria invadir nossas casas, nós reforçaríamos a porta antes, de toda sorte que acho pouco provável que os ladrões avisem antes…rsrs
De toda forma deixarei esses dois vídeos muito bons aqui, vosmecê pode assisti-los na sequencia:
http://www.youtube.com/watch?v=J6Oc3Nyio30
http://www.youtube.com/watch?v=AkfH37CXc2Q
Muita saúde, paz e a unção do Espírito Santo a ti.
Ps.: Dá um retorno da postagem.
“Estamos aqui”,
Parece-me politicamente muito difícil estabelecer um governo único dentro do hodierno cenário internacional. De qualquer modo, eu não sou especialista e nem mesmo estudioso do assunto…
Acredito que devemos fazer o que podemos fazer. Não está ao meu alcance influenciar a política global, então prefiro concentrar as minhas energias em tornar as pessoas melhores dentro da estreita esfera de influência que consigo exercer.
Em todo o caso, reflexões sobre governo mundial são bem-vindas, como por exemplo quando eu traduzi este comentário à Caritas in Veritate:
https://www.deuslovult.org//2009/07/09/editorial-popes-new-encyclical-speaks-against-not-for-one-world-government-and-new-world-order-lifesitenewscom/
Apenas eu (Jorge Ferraz) não tenho suficiente gabarito para discorrer com propriedade sobre o assunto :)
Abraços,
Jorge