A entrevista do novo superior geral dos jesuítas provocou estupor pela afirmação de que, no tocante ao acesso aos sacramentos dos divorciados recasados, seria necessário «reinterpretar Jesus». As perguntas do entrevistador são muito bem feitas e, as respostas, um verdadeiro show de horrores.
Primeiro o padre Arturo Sosa Abascal põe em dúvida a autoridade das Escrituras Sagradas ao afirmar que na época de Cristo “ninguém tinha um gravador” (!) para registrar o que Ele teria dito ou deixado de dizer. A afirmação é de uma grosseria sem tamanhos e esconde o pressuposto elíptico de que uma gravação poderia ser mais fidedigna que a infalível palavra de Deus, escrita pelos santos, reconhecida pelos doutores e chancelada pela Igreja ao longo dos séculos.
Que não existissem gravadores na Palestina da época de Cristo é de uma irrelevância sem tamanho e, a menção ao fato, de um materialismo que chega a assustar. A autoridade dos Evangelhos não repousa sobre o grau de confiabilidade do meio de registro (de modo que a gravação mediante um aparelho é sob certo aspecto mais exata que o relato feito de memória), mas sobre a chancela da Igreja de Cristo que é «coluna e sustentáculo da Verdade» (1Tm 3, 15). Nós não sabemos, é verdade, todas as palavras que foram proferidas por Nosso Senhor nesta terra; no entanto, as palavras que foram consignadas por escrito pelos Evangelistas, estas nós temos sim a certeza de que foram ditas — e uma certeza mais firme do que poderia ser proporcionada por qualquer extemporâneo meio de registro eletrônico.
Não existe esta divisão — de sabor kantiano — entre a palavra de Jesus e a interpretação da palavra de Jesus. Do jeito que o pe. Arturo fala, fica parecendo um formalismo inútil: é verdade que o que Jesus disse é verdadeiro, mas o que nós sabemos sobre o que Jesus disse pode estar errado… Ora, se não fosse possível a certeza a respeito da interpretação das palavras de Cristo então o Evangelho seria de todo inútil.
A Igreja existe precisamente para dizer qual a interpretação verdadeira das palavras de Cristo. É esta a Sua função precípua e espanta que um sacerdote — o superior de uma importantíssima ordem religiosa! — o pareça ignorar. É sem dúvidas necessário saber quais foram as palavras de Cristo, mas nós as sabemos e, além disso, sabemos qual a sua correta interpretação!
As palavras de Cristo são as que estão registradas na Vulgata: quod ergo Deus coniunxit homo non separet — o que Deus uniu, portanto, não separe o homem (Mt XIX, 6).
E a interpretação dessas palavras é a que está consignada, por exemplo, na XXIV sessão do Concílio de Trento:
977. Cân. 7. Se alguém disser que a Igreja erra quando ensinou e ensina que, segundo a doutrina evangélica e apostólica (Mc 10; l Cor 7), o vínculo do matrimonio não pode ser dissolvido pelo adultério dum dos cônjuges e que nenhum dos dois, nem mesmo o inocente que não deu motivo ao adultério, pode contrair outro matrimonio em vida do outro cônjuge, e que comete adultério tanto aquele que, repudiada a adúltera, casa com outra, como aquela que, abandonado o marido, casa com outro — seja excomungado.
Sim, o pe. Arturo tem total razão ao dizer que é preciso saber exatamente quais são as palavras de Cristo (que ninguém pode mudar), bem como o quê exatamente estas palavras significam. Isto é sem dúvidas muito necessário, e um sem-número de erros absurdos — como os que o próprio pe. Arturo insinua na sua entrevista — seriam evitados se se soubessem, com certeza, as palavras de Cristo e o que elas significam.
E a correta interpretação sobre qualquer ponto da Doutrina Católica — sobre as palavras do Evangelho inclusive — só a dá o Magistério da Igreja. E se é verdade que ninguém pode mudar a palavra de Cristo, é igualmente verdade, e pela mesma razão, que ninguém pode mudar o ensino do Magistério: qui vos audit me audit (Lc X, 16). «Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou». Absolutamente nada pode ser «reinterpretado» de modo a fugir disso.
A entrevista primeiro tentou lançar dúvidas sobre o registro escriturístico das palavras de Cristo; depois, procurou introduzir uma distinção entre as palavras de Cristo e a interpretação das palavras de Cristo. Tudo vão: nada disso tem lógica dentro do Catolicismo, porque i) a infalibilidade das Escrituras Sagradas nos garante que sabemos, sim, com certeza, o conteúdo do que Cristo disse e ii) a infalibilidade do Sagrado Magistério garante-nos saber, sem possibilidade de erro, o sentido do que Cristo quis dizer.
Resta, por fim, a questão do «discernimento». Acerta o sacerdote ao dizer — e ainda bem que o disse! — que «um verdadeiro discernimento não pode prescindir da doutrina». Repita-se isso quantas vezes forem necessárias: nenhum discernimento pode prescindir da doutrina da Igreja Católica e Apostólica: se o fizer será um falso discernimento! No entanto, ao final, o superior dos jesuítas afirma que o discernimento «pode chegar a conclusões distintas [das] da doutrina». Aqui é preciso ir com calma.
Pode, de ser metafisicamente possível, é claro que pode, porque o discernimento — como uma operação da razão prática — está sujeito ao erro. Agora, pode, de ser moralmente lícito, aí não, não pode, porque o verdadeiro discernimento é aquele que consiste em fazer a vontade de Deus. E a vontade de Deus não pode ser «distinta» do que está expresso na Doutrina que Ele próprio nos transmitiu, é evidente. A doutrina não é um substituto do discernimento como o bem moral não é sucedâneo do livre-arbítrio, mas da mesma forma que o livre-arbítrio só se exerce verdadeiramente na prática do bem, o discernimento só é legítimo estritamente dentro do espaço delimitado pela doutrina. Pecar não é exercitar a liberdade e, do mesmo modo, contrariar os ensinamentos de Deus não é discernir senão confundir.
Não faltou quem quisesse utilizar a entrevista do pe. Arturo Abascal como um subsídio para a interpretação da Amoris Laetitia — como se a Exortação Apostólica não dissesse, logo na primeira linha do célebre capítulo VIII, exatamente o contrário do que defende o pe. Abascal: «toda a ruptura do vínculo matrimonial «é contra a vontade de Deus (…)»» (AL 291)! Não há aqui nada que se «reinterpretar». Permanece válido — e não poderia ser diferente — o ensino católico em todo o seu fulgor: a homem algum é lícito tomar outra esposa, e a mulher nenhuma tomar outro marido, durante a vida do cônjuge verdadeiro. Qualquer «discernimento» possível de ser feito precisa levar isso em consideração, e ignorar esta verdade — sob o argumento de não se saber exatamente as palavras de Cristo, ou de haver dúvidas sobre o seu significado, ou ainda de que não se pode fazer a doutrina substituir a consciência moral, ou de qualquer outro — é servir ao Demônio e não a Deus.
É… alguma coisa está muito errada.
Jorge,
Em relação ao “pode”, ele acrescentou que a doutrina não pode substituir o discernimento nem o Espírito Santo, ficando clara a clivagem que ele faz entre a doutrina e a vontade de Deus.
Para mim, o pior trecho é este:
P. – ¿Y quién debe decidir?
R. – La Iglesia ha confirmado siempre la prioridad de la conciencia personal.
P. – Por lo tanto, si la conciencia, después del discernimiento, me dice que puedo hacer la comunión aunque la norma no lo prevea…
R. – La Iglesia se ha desarrollado a lo largo de los siglos, no es un pedazo de hormigón. Nació, ha aprendido, ha cambiado. Por esto se hacen los concilios ecuménicos, para intentar centrar los desarrollos de la doctrina. Doctrina es una palabra que no me gusta mucho, lleva consigo la imagen de la dureza de la piedra. En cambio la realidad humana es mucho más difuminada, no es nunca blanca o negra, está en un desarrollo continuo.
Se isto está ou não de acordo com a Amoris Laetitia, só Deus saberá. Mas acho que está clara qual é a interpretação que o Superior Geral dos Jesuítas lhe dá em relação à comunhão dos divorciados. As “normas” que vão às favas… E, dada a proximidade entre o Pe. Abascal e Francisco, é pouco provável que estejam em desacordo.
Jorge,
Já que voltamos a esse tópico, eu realmente queria saber sua opinião sobre a necessidade do firme propósito de não mais pecar para receber os sacramentos.
Ainda está valendo? Em caso afirmativo, como fica a comunhão dos divorciados e recasados que vivem maritalmente com suas novas companheiras? Eles serão dispensados de rezar o ato de contrição? Vão pular aquela parte que diz “prometo firmemente nunca mais Vos ofender”?
Mesmo que não haja culpa subjetiva, fazer sexo com quem não se está casado continua sendo um ato que ofende a Deus, ou não mais é assim?
Companhia de Jesus…e pensar que fostes um dia um dos esteios da Igreja Católica…
Padres Mateo Ricci, Georges Lamaitre, São Francisco Xavier!! E tantos outros, que seria impossível colocá-los neste espaço.
Oremos!!
Gostaria que você esclarecesse sobre a demissão do Grão Mestre da Ordem de Malta pois quase não encontrei reportagens sobre este assunto.
Paulus,
Não estou muito por dentro da questão envolvendo a Ordem de Malta. O Grão-Mestre renunciou e não sei se se sabe o porquê. O assunto aparentemente envolve um embate entre o Vigário de Cristo e a maçonaria. Rezemos pelo Papa.
JB,
Penso que o firme propósito é para os pecados cometidos. Se o fulano acredita em candura de consciência que a pessoa com quem ele vive more uxorio é sua esposa legítima, obviamente isso não está abarcado pelo propósito do ato de contrição.
Você parece pensar que o sujeito pode agora receber o perdão de um adultério sem que precise (ao menos ter o propósito de) o abandonar, o que é um absurdo. Se a pessoa se sabe adúltera, então ela não está na primeira parte das condições do Cap. VIII da Amoris Laetitia (é incapaz de perceber o caráter pecaminoso de sua atitude). Se ela se sabe adúltera, mas está coagida por vis relativa (segunda parte das condições — é incapaz de agir de forma diferente), acho que o propósito de abandonar a situação é exigido sim, ainda que eventualmente venha a falhar.
Jorge,
1) “Se o fulano acredita em candura de consciência que a pessoa com quem ele vive more uxorio é sua esposa legítima, obviamente isso não está abarcado pelo propósito do ato de contrição.”
Sim. Fulano até pode acreditar nisso de boa fé, mas então cabe ao confessor ou diretor espiritual explicar-lhe que não é bem assim e, se o fulano insistir no erro, negar-lhe a absolvição. Do contrário entraríamos no primado da consciência individual, que é exatamente o que pretendem os kasperitas.
2) “Você parece pensar que o sujeito pode agora receber o perdão de um adultério sem que precise (ao menos ter o propósito de) o abandonar, o que é um absurdo.”
É absurdo sim. Mas é nisso que a interpretação usual da Amoris Laetitia implica. Do contrário, não haveria toda essa celeuma.
3) “Se a pessoa se sabe adúltera, então ela não está na primeira parte das condições do Cap. VIII da Amoris Laetitia (é incapaz de perceber o caráter pecaminoso de sua atitude).”
Não sei o que você chama de primeira parte das condições do Cap. VIII. Pode dizer-me?
O parágrafo 298 parece indicar o perfil dos candidatos aos sacramentos:
“Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, ***consciência da irregularidade da sua situação*** e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas.”
Como dar absolvição a uma pessoa destas sem exigir o compromisso de interromper as relações íntimas?!
4) “Se ela se sabe adúltera, mas está coagida por vis relativa (segunda parte das condições — é incapaz de agir de forma diferente), acho que o propósito de abandonar a situação é exigido sim, ainda que eventualmente venha a falhar.”
Eu bem que gostaria que fosse assim. Isso nos levaria de volta à Familiaris Consortio. Mas sua interpretação, infelizmente, não parece estar substanciada em lugar algum da Amoris Laetitia.
Boa noite … me encho de calafrios …
Bem próprio o Evangelho de hoje (São Marcos 10, 1-12).
Sim, sim, não, não. O que passa disso vem do demônio!
Céus e terra passarão …
Miserere nobis, Domine!
Quanta diferença entre os jesuítas de outrora, piedosos e intrépidos defensores da fé, filhos de S Inacio que desmontaram tantas investidas dos relativistas filhos de Lutero, comparando-os aos atuais que pareceriam ser produzidos em laboratorios de engenharia social – evidente, tratar-se de os que se comportarem similarmente ao Pe Arturo!
Ou então sucedeu de os filhos de S Inacio em nosso tempo deixarem-se subverter pelas ideologias, abandonaram-no e se associaram ás hostes anticristãs, daí passando a seguirem os ditames do pessoal da regua e compasso, os quais são submissos ao deus camaleão denominado G.A.D.U. – aquele que se adapta ao tempo, às condições, às conveniencias, considerado o regente do modernismo atual!
Aliás, depois de aparecer e ser entronizado um tal “diálogo”, que mais se pareceria aceitar o que os inimigos da Igreja querem – nenhum desses estaria disposto a se converter, mas os desconvertidos da Igreja têm agradado a eles, a verdade – o catolicismo tem sido levado a não mais anunciar o exigente evangelho de Jesus, mas uma doutrina mesclada de muitos tons do alienado modernismo que se configuraria na alienante religião que os globalistas pretendem instalar a qualquer custo!
Depois, aumentando o caos, apareceu o tal dissimulado “discernimento” – peque à vontade, sem remorsos, dê guarida a suas paixões até que deseje se converter, se lhe convier – e enquanto isso, a doutrina da Igreja vai aos poucos sendo mitigada, transformada e apregoada por esses como numa dessas relativistas seitas protestantes por aí, onde vale de tudo e v é o auto espirito santo a se iluminar!
Em cima de tudo citado, deparamo-nos ainda com uma misericordia desvinculada da justiça – companheiras inseparáveis, sob pena daquela se tornar conivencia com a injustiça – e os frutos dessa dissociação são bastante conhecidos – gerações de reedições do Pe Arturo Sosa Abascal, por sinal, da Venezuela; estaria ele ao lado do ditador Maduro?
Enquanto aguardamos os esclarecimentos do Jorge, convém ler a bizarra entrevista do Cardeal Coccopalmerio a respeito da comunhão para os divorciados. O jornalista fez boas perguntas que até deixaram o cardeal irritado.
http://www.ncregister.com/daily-news/cardinal-coccopalmerio-explains-his-positions-on-catholics-in-irregular-uni
“it’s necessary to instruct the faithful that when they see two divorced and remarried that go to the Eucharist, they ought not to say the Church now says that condition is good.”
JB,
Se fulano insistir no erro, sim. Acontece que a hipótese que estamos tratando aqui é a de fulano ser incapaz de perceber o erro.
Isso nunca foi tão preto-no-branco como você parece colocar. O Vademecum para os confessores do Pontifício Conselho para a Família manda o confessor «procurar aproximar-se cada vez mais desses penitentes pela oração, pela advertência e exortação à formação da consciência e pelo ensinamento da Igreja»:
Procurar aproximar-se cada vez mais, uma gradação, um iter, e não simplesmente “negar-lhe a absolvição”.
Tenho dividido em duas as hipóteses em que é possível haver situação objetiva de pecado grave sem pecado mortal correspondente: vício da inteligência (1) e vício da vontade (2). Faço-o com base na seguinte passagem da AL:
Segundo todos os moralistas que conheço, o vício da inteligência, o erro, para escusar, precisa ser invencível — e, por isso, a única possibilidade de interpretar o ponto (1) acima é considerando que o sujeito está em ignorância axiológica invencível (o termo fui eu que cunhei, até onde saiba, para significar uma ignorância que não é de ordem intelectual, mas valorativa). Creio ter discorrido sobre isso no topic sobre a Conferência Filipina.
Igualmente, para que o sujeito moral não peque por não estar em condições de «agir de maneira diferente», ele está em estado de consciência perplexa, ou em coação de diversos níveis, que são outras categorias, creio, bem-aceites na Teologia Moral.
O parágrafo 298 parece me referir à hipótese (2) — «grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas» — e, nestes casos, como disse, penso que o compromisso de [empregar todos os meios para] interromper as relações íntimas, ainda que seja inexequível, é de se exigir sim.
Como venho procurado mostrar, considero-a perfeitamente substanciada, considerando que a AL não existe sozinha no meio do nada mas se insere (precisa se inserir) no contexto mais amplo da Teologia Moral católica como um todo.
Obrigado pela entrevista, não tinha visto ainda. A partir dela, nós descobrimos que o cardeal acredita que os casos em que a AL se aplica para permitir a comunhão dos divorciados recasados são raríssimos — e que mesmo nestes casos o sacramento deve conduzir ao progressivo abandono da situação de pecado.
Pois é, neste ponto, aparentemente, o cardeal discorda do Deus lo Vult!. Já disse aqui que penso que as condições da AL são cumulativas e, portanto, se houver risco de escândalo, a comunhão não pode ser dada publicamente ainda que os penitentes estejam com as disposições exigidas.
Abraços,
Jorge
Caro Jorge,
>Acontece que a hipótese que estamos tratando aqui é a de fulano ser incapaz de perceber o
>erro.
Bem, se alguém insiste num erro é precisamente porque é incapaz de percebê-lo como tal.
Se fulano quer comungar mas é honesta e sinceramente incapaz de perceber seu erro, não lhe resta outra alternativa se não aceitar o argumento de autoridade e seguir o que a Igreja lhe pede. É isso que se espera de um penitente de boa fé. Mude o foco de sua análise do penitente para o confessor e verá mais claramente.
Mesmo que fulano seja honestamente incapaz de perceber seu erro, o confessor sabe que há erro. E ele, o confessor, sabe que não há justificativa alguma no universo inteiro para a continuidade de uma ação intrinsecamente má. Portanto, se absolver o penitente, torna-se cúmplice.
O Cardeal Coccopalmerio cita o exemplo de uma mulher que não “pode” sair de uma segunda união pois do contrário seus filhos muito sofreriam. Ora, é irrelevante se a mulher tem ou não culpa própria e é irrelevante se ela é capaz ou incapaz de entender os valores inerentes à norma. O fato é que o confessor que a absolver estará ipso facto afirmando que certas ações intrinsecamente más tornam-se justificáveis quando a segurança dos filhos está em jogo.
>Isso nunca foi tão preto-no-branco como você parece colocar.
A citação que você trouxe nada fala de recepção de sacramentos a quem pratica uma ação intrinsecamente má e ninguém aqui defende que confessores devam ser duros e ríspidos. A Familiares Consortio e o ensinamento anterior da Igreja sobre a comunhão dos recasados era bastante preto-no-branco. Ou não? O próprio texto que você cita em nada suporta sua tese. Pelo contrário, poucas linhas antes, seu autor, o Cardeal Lopez Trujillo, escreve:
“O confessor é chamado a admoestar os penitentes sobre as transgressões em si, graves, da lei de Deus e fazer com que desejem a absolvição e o perdão do Senhor com o propósito de repensar e corrigir a conduta. De qualquer modo, a recidiva nos pecados de contracepção não é em si mesma motivo para se negar a absolvição; mas não pode ser concedida se faltar o arrependimento suficiente ou o propósito de não recair no pecado.”
E acrescenta pouco depois: “(…), é considerada inaceitável pretextar fazer da própria fraqueza o critério da verdade moral.”
>Tenho dividido em duas as hipóteses em que é possível haver situação objetiva de pecado grave sem pecado mortal correspondente:
Obrigado pelo esclarecimento.
Infelizmente, contudo, a Amoris Laetitia nada diz de concreto sobre as situações em que os sacramentos poderão servir como ajuda. Sei que você está fazendo um bem-intencionado exercício hermenêutico. Mas é puro achismo seu achar que a Amoris Laetitia diz que aqueles que estão na situação 1 poderão receber os sacramentos, mesmo sem firme compromisso de não mais pecar, ao passo que aqueles na situação 2 deverão fazê-lo. Isso simplesmente não está no texto. Pode-se interpretar assim? Talvez. Mas essa interpretação não é mais fiel ao texto que uma outra qualquer.
Há suporte na Tradição da Igreja para que divorciados sejam admitidos à comunhão por “vício de inteligência”? Não creio que tal problema tenha passado despercebido a tantos teólogos durante tantos séculos. Henrique VIII certamente padecia de “vício de inteligência” pois estava firmemente convencido que seu primeiro casamento era inválido. Thomas Moore, homem de cultura invulgar, certamente teria se lembrado dessa possibilidade.
>Como venho procurado mostrar, considero-a perfeitamente substanciada, considerando que a
>AL não existe sozinha no meio do nada mas se insere (precisa se inserir) no contexto mais
>amplo da Teologia Moral católica como um todo.
Não consegui ver na Amoris Laetitia onde se fala da necessidade do firme propósito de não mais pecar para receber os sacramentos. Mas, se como você diz, a Amoris Laetitia “precisa se inserir no contexto mais amplo da Teologia Moral católica como um todo”, então mais vale assumir a posição do Cardeal Muller e recusar-se a ver nessa exortação uma mudança no ensino da Igreja. Afinal, se o papa quisesse mesmo que os divorciados e recasados pudessem comungar ele o diria claramente. Ou não?
Frase que destaco do JB:
“Afinal, se o papa quisesse mesmo que os divorciados e recasados pudessem comungar ele o diria claramente. Ou não?”
Esse é o ponto. Falta de clareza do papa.
Não sei se é falta de clareza ou se não será outra coisa, pois a estas alturas todos sabemos qual é o significado autêntico da Amoris Laetitia. A ambiguidade intencional com que a Amoris Laetitia foi escrita deixa claro qual o sentido em que certas palavras e certas expressões devem ser lidas.
Graças a esse arranjo, o Cardeal Muller pode salvar a cara dizendo que nada mudou na doutrina da Igreja e, na mesma semana, a Conferência dos Bispos da Alemanha pode anunciar a seus contribuintes que os divorciados poderão comungar.
Não necessariamente. A diferença entre o cara que seria capaz de perceber o erro mas negligentemente não o percebe e o que é incapaz de o perceber é, justamente, a diferença entre a ignorância culpável (porque vencível) e a inculpável — ou invencível.
Pois é, não é assim. O Vademecum citado — que é de 1997, da época de S. João Paulo II portanto — afirma existir um princípio «segundo o qual é preferível deixar os penitentes de boa fé no caso dum erro devido à ignorância subjectivamente invencível».
Bom, fala da licitude (veja bem, da licitude!) de se cooperar com a ação de tornar voluntariamente infecundo o ato sexual, que é intrinsecamente má (cf 3, 13). E fala também de «ignorância invencível sobre a sua [do pecado] malícia» e «erro de juízo não culpável» (cf. 3, 7) — e sobre a contracepção a orientação é para «trabalhar, do modo mais oportuno para libertar a consciência moral dos erros que estão em contradição com a natureza do dom total da vida conjugal» (id. ibid.), não diz nada sobre «se absolver o penitente torna-se cúmplice».
Exato, e exatamente por isso é preciso aquilatar caso a caso o arrependimento e o propósito.
Na verdade, o que “simplesmente não está no texto” — e aliás contraria o texto — é a idéia de que agora qualquer fiel pode por conta própria examinar-se a si mesmo e se “achar” que não está cometendo pecado então pode confessar-se e comungar. Não obstante, é o que está sendo repetido ad nauseam. A toda evidência minha interpretação é melhor do que essas, quando menos porque procura integrar a exortação apostólica no edifício da Teologia Moral Católica.
Você não está percebendo o problema. Não é padecer de vício de inteligência, é estar em situações concretas tais que o juízo correto lhe seja impossível. Não é qualquer ignorância, senão a ignorância invencível. Henrique VIII poderia estar nesta situação como poderia não estar. A autoridade eclesiástica julgou que não estava. Certamente o Papa levou em consideração a eventual dificuldade do rei de entender o valor da norma e a sua possibilidade de agir diferente, e concluiu que Sua Majestade pecava formalmente. Ele poderia fazer o mesmo com a AL diante dos olhos. Ainda hoje todo confessor pode — aliás, deve — investigar se o penitente está ou não está em condições de ser absolvido. O negócio de “ueba, agora quem acha que não tem pecado pode comungar” só existe na cabeça dos modernistas.
Mas é lógico. O ensino da Igreja é imutável por definição. O card. Müller e o card. Coccopalmerio dizem que não houve mudança absolutamente nenhuma. Eu, que inicialmente achei que pudesse ter havido uma alteração na norma do cân. 915, agora já vejo que é simplesmente para aplicar o que sempre se aplicou — pois a ignorância subjetiva e o erro de juízo não culpável sempre estiveram nas orientações dos confessores, e a cooperação inculpável com o pecado já estava na Casti Connubii.
Bom, o único sentido autêntico de qualquer texto do Magistério é o que se harmoniza com a Doutrina Católica, e semelhante pressuposto não se pode sequer pôr em discussão. Achar que os maus pastores encarnam a autêntica vontade da Igreja faz com que essa discussão se reduza àquela que pretende ver no subsistit in da Lumen Gentium uma autorização para se dizer que a Igreja Católica deixou de ser a única Igreja de Cristo.
Jorge, não entendi essa passagem de seu último parágrafo acima:
” Achar que os maus pastores encarnam a autêntica vontade da Igreja faz com que …”
Ygor,
Desde há quarenta anos que os modernistas pretendem que a «legítima interpretação» de documentos eclesiásticos seja a da ruptura. Fizeram isso com o Vaticano II em oposição ao Vaticano I, com as encíclicas sociais de S. João Paulo II em oposição às de Leão XIII, agora com a Amoris Laetitia em oposição à Familiaris Consortio. Nada de novo sob o sol.
Jorge,
Você faz uma interpretação equivocada do Vademecum.
Seguindo Santo Afonso Maria de Ligório, o Vademecum diz que, em certos casos, onde haja boa-fé e ignorância invencível, é melhor o confessor nem perguntar sobre a vida sexual do penitente. Isso está refletido no CDC 979 e é mais ou menos assim repetido no manual do Pe. Del Greco. O motivo é simples. Se o penitente disser que usa contraceptivos, não se arrepende e vai continuar usando, o confessor se verá forçado a negar-lhe a absolvição e o penitente nem entenderá porque.
Leia novamente o Vademecum: “O princípio, segundo o qual é preferível deixar os penitentes de boa fé no caso dum erro devido à ignorância subjectivamente invencível, é de reter sempre como válido, até com vista à castidade conjugal, quando se prevê que o penitente, apesar de orientado a viver no âmbito da vida de fé, não modificaria a conduta e que, pelo contrário, ****passaria a pecar formalmente**** (…)”
Ou seja, a partir do momento em que o sacerdote orienta o fulano a viver no âmbito da vida de fé e este não modifica sua conduta, ele, o fulano, passa a pecar formalmente. Por isso, é melhor nem perguntar, em certos casos, e deixar o fulano comungar em paz.
Já a proposta da Amoris Laetitia é completamente outra. Nessa exortação, os divorciados e recasados são convidados a relatar sua situação a um sacerdote com o qual terão várias ou pelo menos algumas sessões de acompanhamento e discernimento. Nessas, o sacerdote não deixará certamente de orientar fulano a viver no âmbito da vide fé. E, se fulano não modificar sua conduta, fulano passará a pecar formalmente, sendo necessário exigir dele o firme compromisso de não mais pecar.
Convém ler o que São João Paulo II escreveu a cerca da Reconciliação dos divorciados e recasados:
“O outro é o princípio da verdade e da coerência, pelo qual a Igreja não aceita chamar bem ao mal e mal ao bem. Baseando-se nestes dois princípios complementares, a Igreja mais não pode do que convidar os seus filhos, que se encontram nessas situações dolorosas, a aproximarem-se da misericórdia divina por outras vias, mas não pela via dos Sacramentos, especialmente da Penitência e da Eucaristia, até que não tenham podido alcançar as condições requeridas.”
O Santo Papa acrescenta também:
“Para todos aqueles que não se encontrem actualmente nas condições ***objectivas*** requeridas pelo Sacramento da Penitência, as demonstrações de maternal bondade por parte da Igreja, o apoio de actos de piedade diversos dos actos sacramentais, o esforço sincero por se manter em contacto com o Senhor, a participação na Santa Missa, a repetição frequente de actos de fé, de esperança, de caridade e de contrição quanto for possível perfeitos, poderão preparar o caminho para uma plena reconciliação no momento que só a Providência conhece.”
Por favor, preste atenção ao grifo. É irrelevante se houve ou não culpa subjetiva e é irrelevante se há ignorância invencível, o confessor não pode absolver um pecado não arrependido porque a matéria da absolvição é precisamente os pecados contritos.
> o que “simplesmente não está no texto” — e aliás contraria o texto — é a idéia de que agora >qualquer fiel pode por conta própria examinar-se a si mesmo e se “achar” que não está >cometendo pecado então pode confessar-se e comungar. Não obstante, é o que está sendo >repetido ad nauseam.
Infelizmente, sim. Mas existem boas razões para isso e você sabe muito bem quais são.
>A toda evidência minha interpretação é melhor do que essas, quando menos porque procura >integrar a exortação apostólica no edifício da Teologia Moral Católica.
Sem dúvida que sim.
A sua interpretação pode até ser plausível, mas não está de modo algum certo que seja a mesma interpretação que Francisco dá às suas próprias palavras. A evidência disponível indica exatamente o contrário. Ontem mesmo o Cardeal Marx disse que Francisco elogiou as normativas liberais da conferência episcopal alemã.
http://www.onepeterfive.com/cardinal-marx-pope-francis-joyful-german-bishops-wrote-guidelines-amoris-laetitia/
Você parece saber qual é o significado autêntico da Amoris Laetitia mais até do que o próprio Francisco!
JB,
Perfeitamente. Disto nós concluímos que i) é possível estar em uma situação objetiva de pecado (mesmo envolvendo um ato intrinsecamente mau como a contracepção) sem que contudo se peque formalmente e ii) é possível às vezes conceder a absolvição sacramental a quem se encontre em uma tal situação.
Sim, exatamente.
JB, na hipótese (1) — ignorância invencível — o penitente está na mais perfeita candura de consciência e, portanto, deste pecado em específico ele não há de se confessar, mas sim de outros que a consciência lhe acuse. Na hipótese (2) — coação moral irresistível — a pessoa reconhece [a sua cooperação com] o pecado, detesta-o, odeia-o e tem propósito de não mais pecar, mas sabe que será provavelmente levada a ele pelas circunstâncias — circunstâncias que ela também se esmera por modificar.
Note que, como a própria descrição mostra e como o confessa o Card. Coccopalmerio, são casos raríssimos. No geral essas condições excepcionais não estão presentes. No geral é para negar os sacramentos mesmo.
Primeiro que «se o papa quisesse mesmo que os divorciados e recasados pudessem comungar ele o diria claramente».
Segundo que não está em discussão a eventual interpretação particular (e oculta) do Card. Marx, do ghost writer da Amoris Laetitia ou mesmo do próprio Papa, porque o sentido dos documentos eclesiásticos é ditado pela Igreja e não pelos seus autores materiais.
Jorge,
> ii) é possível às vezes conceder a absolvição sacramental a quem se encontre em uma tal >situação.
>(1) — ignorância invencível — o penitente está na mais perfeita candura de consciência e, >portanto, deste pecado em específico ele não há de se confessar, mas sim de outros que a >consciência lhe acuse.
Sim. Se um penitente em boa fé não mencionar que faz uso de contraceptivos e/ou o confessor não lhe perguntar nada a respeito, é evidente que a absolvição não poderá ser negada. Com base em quê o seria?
Contudo, tal cenário é impossível na Amoris Laetitia já que ela pede explicitamente que o divorciado-recasado relate ao sacerdote sua condição. Após as tais sessões de acompanhamento e discernimento, torna-se impossível a um divorciado-recasado de boa fé candidamente desconhecer a irregularidade de sua situação. Logo, não há como conceder absolvição já que o confessor sabe que o fulano está, e pretende continuar, numa situação objetiva de pecado.
E mesmo que fulano continue de boa fé ignorando que não está casado com a mulher com a qual ele faz sexo, ainda assim o canon 915 proibiria o ministro de dar-lhe a Comunhão.
>Na hipótese (2) — coação moral irresistível — a pessoa reconhece [a sua cooperação com] o >pecado, detesta-o, odeia-o e tem propósito de não mais pecar, mas sabe que será >provavelmente levada a ele pelas circunstâncias — circunstâncias que ela também se esmera >por modificar.
Sim, embora nada disso esteja na Amoris Laetitia. Aliás, o sentimento geral da leitura desse texto é precisamente o oposto disso.
> são casos raríssimos. No geral essas condições excepcionais não estão presentes. No geral é >para negar os sacramentos mesmo.
Foram dois sínodos e o mais longo documento jamais escrito na história da Igreja apenas para confirmar o que São João Paulo II disse 30 anos num parágrafo curto. Eu acredito.
>Primeiro que «se o papa quisesse mesmo que os divorciados e recasados pudessem comungar >ele o diria claramente».
Sim. Parece-me ser essa a defesa mais natural do Papa no presente momento, tanto que é essa a linha adotada pelos bispos e cardeais conservadores. Acho esse um argumento muito mais sólido do que pretender que a comunhão dos recasados sempre fez parte da Tradição ou que o ensinamento contido na Familiaris Consortio é mera disciplina.
>o sentido dos documentos eclesiásticos é ditado pela Igreja e não pelos seus autores materiais.
Bem, pode então dar-se a curiosa situação em que o interprete de um texto conheça mais seu significado que o próprio autor do texto. Talvez seja assim. Mas não deve ser por acaso que “autêntico” e “autoria” possuem a mesma raiz.
E o que exatamente a Igreja está dizendo HOJE a respeito da comunhão dos recasados?
>Segundo que não está em discussão a eventual interpretação particular (e oculta) do Card. >Marx, do ghost writer da Amoris Laetitia ou mesmo do próprio Papa
Oculta? A decisão da conferência episcopal alemã de respeitar o desejo de todos aqueles que solicitarem a comunhão foi publicada na internet…
Jorge, acabo de ler no fratres:
https://fratresinunum.com/2017/03/07/arcebispo-do-vaticano-aparece-em-mural-homoerotico-encomendado-por-ele-mesmo/
A pintura vem desde 2007, época de Bento XVI. Você sabia desta pintura? Eu não conhecia o caso.
O fato é que a notícia envolve o Papa Francisco pelo fato de Dom Paglia ter sido promovido duas vezes pelo Papa.
Se considerar conveniente, faça um post sobre ou nos dê seu parecer.
Obrigado.
“Se considerar conveniente, faça um post sobre ou nos dê seu parecer.”
Ygor, o teólogo recifense não comentará nada. Para o Jorge Ferraz o mundo da era Bergoglio é uma maravilha.
Renato, aguardemos.
Mas percebo que os amigos de Francisco interpretam a AL de modo bem progressista e este amigo em especial já tinha demonstrado sua “fé” há 9 anos …
Não creio que seja esta a interpretação do Vademecum. Se há um princípio é porque ele deve ser aplicado, e para ele ser aplicado é preciso que ele seja possível. Ora, só é possível optar por manter um penitente de boa fé em ignorância subjetivamente invencível se se souber que ele pratica — em candura de consciência — atos que, em situações normais, configurariam um pecado formal. Não vejo como possa ser possível interpretar o «não modificaria a conduta e que, pelo contrário, passaria a pecar formalmente» de outra maneira. Esta conduta tem que ser uma conduta conhecida.
Como eu já disse, sou cauteloso para afirmar peremptoriamente impossibilidades fáticas. Se o penitente relatar e se, no relato e na orientação do sacerdote, ficar caracterizada a sua inescusabilidade, então é claro que ele não pode comungar por não atender mais à condição de ignorância axiológica invencível (poderá eventualmente se estiver, ainda assim, em coação moral irresistível ou consciência perplexa).
Outra hipótese que pode acontecer, já prevista no ponto 3.8. do Vademecum ora em comento, é o sacerdote não desfazer de imediato a ignorância invencível por prever «que o penitente, apesar de orientado a viver no âmbito da vida de fé, não modificaria a conduta e que, pelo contrário, passaria a pecar formalmente». Isso, no entanto, é excepcional e precisa evitar «fazer da própria fraqueza o critério da verdade moral», como diz o mesmo documento.
Mas é claro que está. Afinal, «grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas» (AL 298; cf. tb. 301) é praticamente a definição de consciência perplexa dos manuais de teologia moral:
Na Igreja é sempre assim. Por exemplo, o Magistério — intérprete da Tradição — conhece melhor o significado das passagens bíblicas que os próprios hagiógrafos.
Não existe «a Igreja HOJE», isto é uma categoria modernista. A Igreja é a comunidade dos fiéis de todos os tempos. Bento XVI disse isso em um encontro com seminaristas:
O que a Igreja diz, portanto, sem condicionantes temporais, é que quem está em pecado mortal não pode comungar.
Bom, a decisão da Conferência Alemã pouco se me dá. As intenções ocultas a que me referi foram as do(s) autor(es) da Amoris Laetitia.
Abraços,
Jorge
Jorge,
>Não creio que seja esta a interpretação do Vademecum.
É o que se depreende da leitura dos parágrafos do cap. 3 (e do CDC 979):
“Em linha de máxima, *****não é necessário que o confessor indague sobre os pecados cometidos por causa de ignorância invencível***** sobre a sua malícia ou de um erro de juízo não culpável.”
> só é possível optar por manter um penitente de boa fé
>em ignorância subjetivamente invencível se se souber que ele pratica
De modo algum. Pode-se apenas suspeitar e, em atenção “à condição e à idade do penitente”, achar preferível “deixar o penitente em boa fé”.
Salvo erro, o Pe. Del Greco diz basicamente o mesmo.
>Como eu já disse, sou cauteloso para afirmar peremptoriamente impossibilidades fáticas.
Como assim? Fulano foi batizado, fez primeira comunhão, contraiu um matrimônio válido e depois de várias sessões de discernimento e acompanhamento com um sacerdote, ainda estará em ignorância invencível a respeito da licitude de manter relações íntimas com quem não é casado? Só se for débil mental já que a lei natural está inscrita na alma de todos os homens.
E é evidente que a Amoris Laetitia não foi escrita tendo-se em mente casos especialíssimos. Os “casos raríssimos” ficam por conta sua, normalmente tão cauteloso a afirmar impossibilidades fáticas, e do Cardeal Coccopalmerio. A evidência empírica mostra precisamente o contrário, já que a comunhão dos recasados é prática rotineira, há décadas, na maioria das paróquias.
>Outra hipótese que pode acontecer, já prevista no ponto 3.8. do
> Vademecum ora em comento, é o sacerdote não desfazer de imediato a ignorância invencível
Mas a Amoris Laetitia torna isso impossível pois, no próprio momento que o sujeito ler a Amoris Laetitia, ele deixará de estar em ignorância invencível a respeito da licitude de sua segunda união, quanto mais após várias sessões de discernimento e acompanhamento.
Cumpre ainda lembrar que o Vademecum refere-se ao uso de contraceptivos que é um gravíssimo pecado, mas não é um pecado público. Portanto, nenhum sacerdote pode negar a comunhão em público a quem usa contraceptivos (e não alardeia o fato, claro).
No caso dos divorciados e recasados, a situação é muito diferente pois enquadram-se no CDC 915 (E o Cardeal Coccopalmerio ainda quer re-catequisar os fiéis para que não mais se escandalizem).
>Mas é claro que está
Não, está não. Onde na Amoris Laetitia se fala que “a pessoa reconhece [a sua cooperação com] o pecado, detesta-o, odeia-o e tem propósito de não mais pecar”?
> Por exemplo, o Magistério — intérprete da Tradição — conhece melhor o significado das >passagens bíblicas que os próprios hagiógrafos.
Perdão? O Magistério conhece melhor o significado das passagens bíblicas que os profetas e evangelistas que as escreveram? Por favor, Jorge.
O Magistério é um ente de razão. O Magistério é composto por pessoas e é evidente que ninguém conhece melhor o significado AUTêntico de um texto que o próprio AUTor que o escreveu.
O que você provavelmente quer dizer é que o significado **doutrinal** de um texto é dado pelo Magistério e não necessariamente pelo autor do texto. De fato, não é de todo inconcebível – acho que até é relativamente comum – que o Magistério posterior redefina o significado de um texto produzido no passado. Essa outra interpretação pode ser legítima, lícita, mas não autêntica, já que autêntico remete necessariamente ao autor original.
>Não existe «a Igreja HOJE», isto é uma categoria modernista.
Então, por favor, onde está “Igreja HOJE” leia “padres, bispos e cardeais”.
O que padres, bispos e cardeais estão HOJE dizendo a respeito da comunhão dos recasados?
Já agora, por que a interpretação do Jorge Ferraz seria mais de acordo com a Tradição que a interpretação da conferência episcopal alemã? Como você sabe que Francisco realmente não elogiou essa interpretação liberal?
>O que a Igreja diz, portanto, sem condicionantes temporais, é que quem está em pecado mortal >não pode comungar.
Mas não é só isso o que a Igreja diz. São João Paulo II disse categoricamente, a respeito daqueles que vivem em situação irregular, o seguinte:
“a Igreja mais não pode do que convidar os seus filhos, que se encontram nessas situações dolorosas, a aproximarem-se da misericórdia divina por outras vias, ****mas não pela via dos Sacramentos****, especialmente da Penitência e da Eucaristia, até que não tenham podido alcançar as condições requeridas.”
http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_02121984_reconciliatio-et-paenitentia.html
O que exatamente não ficou claro para você nessa citação?
>As intenções ocultas a que me referi foram as do(s) autor(es) da Amoris Laetitia.
Ok. Mas, assim sendo, por algum lapso sua frase acabou incluindo o Cardeal Marx entre o(s) autore(s) (!?!?) da Amoris Laetitia.
>Bom, a decisão da Conferência Alemã pouco se me dá.
Entendo. A realidade concreta que afeta os fiéis católicos lhe é irrelevante.
Sim, e em matéria sexual só existem as suspeitas mesmo. Como o confessor vai saber que o casal de divorciados recasados não vive em continência?
Em conformidade com as orientações do Conselho Pontifício para a Família, o confessor pode temporariamente se abster de perguntar sobre se o penitente vive ou não more uxorio, se achar «que o penitente, apesar de orientado a viver no âmbito da vida de fé, não modificaria a conduta e que, pelo contrário, passaria a pecar formalmente».
Não, a Amoris Laetitia foi escrita pensando-se em todos os casos. O que abrange somente casos especialíssimos é a nota 351.
Sim, comunhões sacrílegas, que eram ilícitas e continuam sendo independente do que digam Conferências Episcopais inteiras.
De maneira nenhuma. O mero conhecimento material do que quer que seja não afasta por si só a ignorância invencível. O critério há de ser ao menos análogo ao da Singulari Quadam: «quem será tão arrogante que seja capaz de assinalar os limites desta ignorância, conforme a razão e a variedade de povos, regiões, caracteres e de tantas outras e tão numerosas circunstâncias?»
Além do quê, não há nenhuma garantia de que todos os divorciados recasados do mundo venham a ler a exortação apostólica, nem a leitura prévia dela é condição para se aproximarem da Igreja, nem nada parecido com isso.
Claro, qual significado outro que o doutrinal poderia interessar?
As coisas mais díspares. Por exemplo, o Card. Coccopalmario diz que apenas em casos raríssimos é lícito a divorciados recasados comungar, o Card. Müller se esquiva do assunto dizendo que a Familiaris Consortio permanece válida e a Conferência Episcopal Filipina diz que todo mundo deve comungar — entre outros. Tudo na mais perfeita desordem das últimas décadas.
Porque penso que a interpretação do Jorge Ferraz concilia-se com a Tradição mais que a interpretação da conferência alemã. Naturalmente, pode ser engano meu. Se você acha que é o contrário, e que a interpretação dos alemães está mais de acordo com a Tradição, fique à vontade para argumentar em favor desta tese.
A interpretação liberal — a que permite a comunhão de pecadores formais — é herética. Não preciso demonstrar que o Papa não elogiou uma interpretação herética, ele é o Papa e goza de presunção de ortodoxia.
Sim, e daí? O Credo Niceno disse que o Espírito Santo procedia do Pai sem que isso exclua a processão do Pai e do Filho. Bonifácio VIII disse que a submissão ao Romano Pontífice é necessária à salvação de toda a criatura humana e isso não fulmina o Batismo de Desejo. A Humanae Vitae disse que é intrinsecamente mau todo ato que se proponha a tornar impossível a procriação sem que isso afaste o princípio segundo o qual ao confessor é por vezes preferível deixar o penitente de boa fé no caso de ignorância subjetivamente invencível. A Libertas chama a liberdade de culto de contrária à virtude da religião e a Dignitatis Humanae a define como direito da pessoa humana. Et cetera.
Não é possível interpretar o Magistério contra o Magistério. E o fato é que a idéia de que existe um direito divino a proibir o sujeito que não peca formalmente de se aproximar dos Sacramentos não está presente nos escritos dos moralistas, dos canonistas, dos Concílios, dos Papas, na lógica nem em lugar nenhum.
De maneira alguma, a minha orientação para os fiéis católicos é precisamente que ignorem as decisões heterodoxas de onde quer que elas venham. Parece-me sinceramente muito melhor do que ficar defendendo que a Igreja caiu em heresia.
Jorge,
Perdoe-me por chover no molhado, mas é que de tão extenso esse debate já me perdi. Apenas para entender: qual é o fato ignorado de maneira invencível que justifica a recepção dos sacramentos de vivos nos casos de segunda união? A de que a primeira união é válida ou a de que a segunda união – mesmo sem a recepção do sacramento do matrimônio – é inválida?
Wagner,
Conforme entendo, qualquer coisa pode ser objeto de erro: a validade da primeira união, a invalidade da segunda, a recusa da autoridade eclesiástica de validar a situação de fato etc.
Naturalmente, quem é capaz de saber que a primeira união é válida, que a segunda é inválida e que a coabitação é ilícita não pode alegar ignorância. Uma tal pessoa só poderia comungar se a coabitação não constituísse formalmente pecado mortal por coação moral irresistível.