E os Quarenta Dias já se escoaram e já chegamos ao Tríduo Santo, ao cerne do drama da nossa Redenção. Ressoam nos nossos ouvidos aqueles versos duros, embaraçosos, da alma surpreendida pelo retorno inesperado do seu Senhor: “mas como dar, sem tempo, tanta conta, / eu, que gastei sem conta tanto tempo…?”.
Tanto tempo…! Onde foi parar a Quaresma? Como assim já é Quinta-Feira Santa, já é a Última Ceia? O roxo da Liturgia das últimas semanas não se impregnou o suficiente em nossas almas; esse branco de hoje — que surge, assim, de repente, sem pedir licença, sem nos dar tempo de nos preparar — tem um aspecto assustador. E toda a penitência que deixamos de fazer? E as mortificações que planejamos e ficaram sem se realizar? E as orações todas que os nossos lábios não remeteram a Deus? E a nossa conversão…?
Queremos, ainda, a nossa Quaresma! Mas a Páscoa urge e não nos espera, o Cordeiro tem pressa de ser imolado.
Infelizes de nós, que atravessamos as últimas semanas sem lhes prestar a devida atenção. Os paramentos eram roxos e nós, olhando-os, não os víamos; o Gloria cessava em nossas igrejas e nossos ouvidos, acostumados ao burburinho do mundo, não percebiam aquele silêncio. Enquanto tudo na Quaresma apontava e conduzia para estes dias de hoje, nós continuávamos seguindo com as nossas vidas como se tudo fosse sempre o mesmo. Como se a espera pudesse se estender para sempre, como se a Semana Santa não nos fosse chegar enquanto não nos dignássemos a fazer a nossa Preparação.
Mas ela chega. Ainda ontem gritávamos Hosanna!, ramos na mão, e nem nos apercebíamos de que a lua, silenciosa, crescia. Hoje é a mesma Lua Cheia que iluminou o rosto ensanguentado de Cristo naquela noite de primavera no Horto — e por pouco também isso nos passava batido. Os céus de nossas cidades escondem a Lua Pascal, como as nossas ocupações ocultam a Semana Santa. O Tríduo estava às portas e quase não o notamos. A Última Ceia já foi; o Gólgota já se prepara.
Os porcos, em campo aberto, vivem com a cabeça voltada para o solo — e por isso nunca vêem o céu de onde lhes vêm o sol e a chuva. E nós, piores que eles, chafurdando em meio às distrações da vida, frequentamos as nossas igrejas, assistimos às nossas missas, sem no entanto elevar os olhos ao Calvário e sem ver o Cordeiro que o sobe, cruz sobre os ombros, para morrer em nosso lugar. Já é praticamente Sexta-Feira da Paixão e quase não o percebíamos!
Mas bendito seja Deus pelo Tríduo Santo! Porque a celebração de hoje — enfim, graças a Deus — nos perturba e nos liberta de nosso torpor. Se não pelo sacrário aberto e vazio, se não pelo lava-pés, se não pelo estrépito das matracas, se não pela procissão ao som do Tantum Ergo, se não pelo cantochão que acompanha o monótono desnudamento do altar, se não pela Missa que termina sem ter um fim, se não por nada disso, ao menos por aqueles paramentos brancos, luminosos, terríveis!, que nos dizem que a Quaresma já acabou, que o tempo favorável se encontra encerrado e que é chegada, enfim, a nossa Páscoa. Quem se converteu, se converteu; quem não se converteu, que cuide de derramar, depressa!, as suas melhores lágrimas, suplicando misericórdia. Cristo já nos foi tirado.
E eis que estamos na Capela da Reposição, com a igreja à meia-luz, de joelhos diante de Nosso Senhor Sacramentado. Ficamos um pouco; já em breve voltaremos para nossas casas, tomaremos um banho refrescante e uma boa refeição, conversaremos um pouco com nossas famílias, deitar-nos-emos em lençóis confortáveis para dormir, diz-se, o sono dos justos. Mas o único Justo está sozinho e ferido, sujo, agrilhoado, tem fome, tem sede e não vai dormir esta Noite. E de repente percebemos que se toda a nossa existência pudesse ser consumida em uma eterna vigília de Quinta-Feira Santa aos pés de Cristo encarcerado, ainda assim seria pouco, seria nada, ainda seríamos eternos devedores ingratos da Vítima Pascal que nos mereceu a Salvação.
Tudo o que podemos fazer não vale uma gota do Sangue derramado neste dias santos, no Horto, na casa de Anás, na prisão, no pretório, no Calvário. Só nos resta contemplar esses mistérios. Rogando a Deus que Se digne nos fazer de algum modo participar da Sua Paixão.
Memorável crônica!