Parece haver um grave problema de conteúdo nas nossas redes sociais, mesmo naquelas ditas “conservadoras”. Metade do tempo se gasta com superficialidades manifestas; a outra metade, dando demasiada atenção àquilo que em si mesmo tem pouca relevância. Por exemplo: parece que a política — e, por política, refiro-me principalmente à política partidária — ocupa um espaço desproporcional naquilo sobre o que se fala, que se curte e que se compartilha. Mesmo entre católicos. Isso, além de monotemático (e, em consequência, maçante), é também equivocado: porque uma visão política simplesmente contrária à esquerda não é, por si só, sinônimo de verdadeiro progresso civilizacional; e, principalmente!, não se lhe pode confundir com uma visão de mundo católica.
Que não se me entenda mal. Este blog já falou bastante sobre política e incluso sobre eleições; este autor está convencido de que esses assuntos precisam, sim, ser debatidos e assumidos também pelos católicos enquanto tais — porque é preciso exorcizar da vida pública o espectro agourento de um anticlericalismo malsão que pretende dizer que “a religião” (e, por extensão maldosa, os religiosos) não pode(m) ter vez nem voz na vida pública. Ora, quem é católico, é-o nas vinte e quatro horas do seu dia, onde quer que se encontre, o que quer que esteja fazendo: precisa ser assim, sob pena de não se valer a pena ser católico. O sujeito que se diz católico “na vida privada” mas que acha dever (ou mesmo poder!) tomar, na vida pública, decisões contrárias àquilo que a Doutrina Católica manda e prescreve, esse sujeito é, na melhor das hipóteses, uma besta — na pior, um hipócrita.
O Catolicismo não fala apenas sobre os católicos: ele importa também uma visão, mais ampla e mais geral, do homem em si mesmo, do homem enquanto homem. Essa antropologia, se é realmente antropologia, precisa se aplicar, é evidente, ao homem sem adjetivos, ao homem, simpliciter, qualquer que seja ele. Se alguém acha que a visão católica acerca do homem não se aplica, e.g., ao homem agnóstico, ou ao homem protestante, então esse alguém, na verdade, acha que a antropologia católica não é verdadeira. Ora, se se acha que o Catolicismo está errado neste particular, qual o sentido de se afirmar católico? Se a Doutrina Cristã está errada quanto ao homem, quem garante que ela não esteja igualmente errada quanto a Deus? É por isso que a Fé não comporta escolhas (em grego, heresias): ou Aquela de quem se recebe a Fé é fiável e, portanto, à Mensagem d’Ela se deve aquiescer, ou então é preciso a tudo pôr sob escrutínio — e, nesse caso, quem é digno de confiança não é mais a Mensageira, e sim o escrutinador da Mensagem. Ainda que ambos os caminhos possam eventualmente levar ao mesmo resultado prático, os fundamentos de um e outro são completamente diferentes — e, por isso, apenas um deles merece ser chamado de “Fé”, daquela Fé sem a qual não é possível agradar a Deus.
Enfim, este blog sempre pugnou para que o católico pudesse, sim, assumir-se como católico em tudo o que faz: nas suas relações para com Deus, mas também, e principalmente, nas suas relações para com o próximo e para com a sociedade. Impedi-lo de agir dessa maneira é, em última instância, impedi-lo simplesmente de ser católico. Afirmar que religião é assunto de foro íntimo é uma estupidez sem medidas; somente é capaz de proferir um absurdo desses quem não faz a menor idéia do que seja uma religião.
Isso é uma coisa. Uma outra coisa, completamente diferente, é se deixar ser tragado pela voragem política dos arranjos partidários de ocasião, exaurindo, nas tomadas de posição contrárias ou favoráveis a tais ou quais políticos ou partidos, a própria atuação pública. E, o que é pior, confundindo isso com vitórias ou derrotas estratégicas no campo social, perdendo completamente de vista a amplidão do cenário onde se precisa atuar de maneira verdadeiramente eficaz.
O exemplo mais recente (?), que é apenas um entre muitos e que trago aqui apenas para ilustrar o que estou dizendo, foi o vai-e-volta do habeas corpus do ex-presidente Lula no último fim de semana. Todos viram a história, que envolveu três desembargadores, um juiz de primeira instância e uma sucessão desenfreada de despachos atrás de despachos, em pleno domingo, cada um dos quais pretendendo portar a mais lídima justiça, todos demandando cumprimento imediato. Não se trata de perquirir as más intenções do desembargador plantonista e nem de dissertar sobre os mecanismos de reforma de decisões judiciais providos por um direito dogmaticamente organizado; o ponto aqui é, tão-somente, apontar para a enorme quantidade de energia e atenção gastas (por este blogueiro inclusive, para o meu embaraço) em tão pouco tempo, com um assunto tão banal.
Porque não se trata de nenhum evento histórico — muito pelo contrário, é mesmo como se fosse um evento anti-histórico. Porque, domingo, as informações se sucediam e contradiziam em um ritmo tão descomedido que (acho até que já usei a imagem alhures) mesmo as últimas notícias já saíam velhas. A situação exigia um acompanhamento constante, real-time, para que não se tivesse uma informação desatualizada. E uma informação com prazo de validade exíguo é, exatamente, o tipo de informação que não entra para a história. É a exata definição de algo desimportante.
Ora, sejamos sensatos: a informação que agora serve mas que pode estar desatualizada daqui a vinte minutos não deve ocupar senão um lugar muito modesto na hierarquia de nossos conhecimentos. E, definitivamente!, não merece consumir os nossos domingos, nossas conversas, nossos pacotes de dados do celular. Se parte considerável daquilo que para nós importa não tem senão um interesse imediato, descartável, como poderemos almejar alguma espécie de permanência? Como poderemos nos elevar acima da bruta correnteza dos fatos, se é majoritariamente por eles que nos interessamos?
Como eu disse, o pandemônio do último domingo é apenas um exemplo. Porque a impressão que eu tenho é que as nossas redes sociais estão inundadas de questões da mesma natureza: as polêmicas versam sobre futilidades efêmeras e são, elas próprias, efêmeras também. É por isso que fazem tanto sucesso a timeline do Facebook ou as stories do Instagram: são, em essência, coisas que a gente vê agora e que daqui a cinco minutos podem não estar mais lá, e ninguém se importa.
A internet é uma coisa maravilhosa. Há uns anos, poucos anos!, desempenhou inestimável papel civilizacional ao franquear a palavra àquelas vozes que estavam excluídas dos meios de comunicação oficiais; hoje, no entanto, corre grande risco de dissipar esforços ao invés de os fazer convergir. Evitar essas armadilhas é empresa difícil, mas também necessária: seria um grande retrocesso permitir que a internet, após abrir um mundo de possibilidades aos homens do início do Terceiro Milênio, terminasse reduzida ao éter das redes sociais em que consiste atualmente.
Excelente texto!