O ex-Cardeal Theodore McCarrick, Arcebispo emérito de Washington, foi recentemente destituído do estado clerical após o Vaticano considerá-lo culpado de “abusos sexuais de menores e adultos”. O assunto foi bastante comentado, compreensivelmente, porque coisas assim não saem na imprensa todos os dias — aliás, atingindo um membro do colégio cardinalício, parece que o caso de McCarrick é o primeiro em muitos séculos.
Não se pode dizer que o procedimento seja tão excepcional que quase nunca seja aplicado. Em anos recentes o Papa Francisco reduziu Marco Mangiacasale e Fernando Karadima ao estado laical por abusarem de menores. Também por conta de abusos sexuais o Papa Bento XVI demitiu do estado clerical 384 padres entre os anos de 2011 e 2012. Isso sem contar os casos mais conhecidos, como o do paraguaio Fernando Lugo ou do africano Emanuel Millingo, ambos bispos, que foram laicizados por Bento XVI — nestes casos, sem que houvesse acusações de abuso sexual, é bom registrar.
Algumas pessoas reclamaram da expressão “redução ao estado laical”, como se ela implicasse em demérito para com os leigos católicos. Como se a punição aplicável a um mau sacerdote — a um predador sexual! — fosse passar a viver como leigo, isto é, no mesmo estado de vida em que sempre viveu a imensa maior parte dos católicos do mundo. Como se ser leigo fosse um castigo e não uma vocação. Ora, acontece que não se trata disso.
Quando um sacerdote é reduzido ao estado laical, a pena dele não é “ser leigo”. Ele nunca vai ser leigo. O Sacramento da Ordem imprime na alma caráter indelével, que não pode ser jamais removido; não existe retorno ao status quo ante aqui. O sacerdote reduzido ainda assim é sacerdote, e é justamente nesta contradição entre a sua natureza e o seu estado de vida que reside a pena do Cân. 1336 do Código de Direito Canônico.
O sacerdote ordenado recebe por assim dizer duas coisas distintas no dia da sua ordenação: uma, o Sacramento, a conformação da alma a Cristo Sumo Sacerdote, outra, o ministério, a permissão para exercer o sacerdócio no grêmio da Santa Igreja. A primeira tem uma dimensão pessoal, ontológica, ad intra; a segunda, uma dimensão eclesial, ministerial, ad extra. Sacerdote é o que se é; sacerdócio, o que se exerce.
A demissão do estado clerical não é uma ordenação ao contrário. Mesmo com a demissão, o demitido permanece ordenado: “[a] sagrada ordenação, uma vez recebida validamente, nunca se anula” (CIC, Cân. 290). Não é, portanto, que ele deixe de ser sacerdote; o que lhe é retirado é o exercício do sacerdócio. Não é, de maneira alguma!, que ele passe a ser leigo. O que lhe ocorre é que ele, não sendo leigo, passa a precisar viver como se leigo fosse.
A situação do leigo é toda outra. O leigo vive como leigo porque é leigo; o seu estado de vida está em conformidade com a sua vocação e com a natureza de sua alma. Não há, no leigo, tensão alguma entre aquilo que se é e a forma como se vive. As duas situações — a do leigo não-ordenado e a do sacerdote ordenado que perde o estado clerical — não guardam semelhança entre si a ponto de se poder dizer que a redução ao estado laical equivale a “ser leigo” simpliciter. Não equivale de nenhuma maneira. Aquilo que para o leigo é caminho de santificação, para o sacerdote é um fardo. Tal é decorrência natural da própria diversidade entre os homens e entre os estados de vida na Igreja.
A demissão do estado clerical é uma situação extrema que merece a nossa atenção: para nossa vergonha, ela é mais frequente do que gostaríamos de acreditar. Quereríamos que os sacerdotes fossem, todos, fiéis à sua vocação, dóceis à graça sacramental, verdadeiros imitadores de Cristo; no entanto, muitas vezes esta não é a realidade com a qual nos deparamos na Igreja.
Precisamos rezar por estes sacerdotes! A demissão do estado clerical, nos termos do Direito Canônico, é uma “pena expiatória”. Significa que ela tem por fim purgar a culpa, expiar o delito; significa que a Igreja a impõe não para afastar o sacerdote de Deus, mas sim para reconduzi-lo ao caminho da salvação. Para que ele a aceite como justa punição pelos seus crimes e, aceitando-a, arrependendo-se, humilhando-se e sofrendo, inicie o seu processo de reabilitação diante de Deus. Não se trata de condenar, mas de remir. É obra de justiça, sim, mas também de misericórdia.
Hoje se inicia no Vaticano o Encontro sobre a proteção dos menores na Igreja. Unamo-nos em oração ao Papa Francisco, aos santos do Céu e a todos os católicos da terra aos quais cobre de dor e vergonha a imoralidade do clero. Rezemos por todos os sacerdotes, para que sejam santos, para que estejam à altura da vocação que receberam, para que tenham consciência da própria dignidade. Para que sejam hóstia pura no altar de Deus. Senhor, salvai e purificai a Vossa Igreja. Senhor, tende misericórdia de todos nós.
Parabéns pelo artigo Jorge!
Mas quero lhe fazer uma pergunta aqui: A Igreja parece, hoje mais do que nunca (felizmente!), preocupada com os horripilantes casos de abusos de crianças (menores), por parte de um clero vil e mal formado, como é o caso deste encontro no Vaticano, que você mencionou neste artigo, o Encontro sobre a proteção dos menores na Igreja.
Entretanto, embora não seja um pesquisador e conhecedor deste tema tão triste e espinhoso na vida da nossa Igreja, tenho a impressão que hoje em dia, a Igreja, embora mui justamente se preocupe com este estado de coisas, parece não estar dando a devida atenção a um outro tema diretamente relacionado a este, mas com, digamos, “atores diferentes”, que é o caso do homossexualismo, entre adultos e/ou jovens, que escandaliza a Igreja atualmente em muitos lugares, como aliás, foi o caso deste Cardeal americano, tido e havido como um “predador sexual“ de seminaristas e padres!!
Portanto, não me parece que seja o caso de abusos de menores, ou pedofilia, que podem até existir, mas pelo pouco que leio, me dá a impressão que não é este o maior problema, e sim a homossexualidade, conforme tão bem retratou o ótimo e premiado livro “Adeus Homens de Deus“, obra reconhecida como referência deste tema, muito bem escrito pelo jornalista americano Michael S. Rose.
Estão querendo corromper a Igreja, é o que sinto, sem querer ser alarmista e muito menos dono da verdade. E estão tentando fazer isso a partir de dentro dela. O próprio Papa Francisco, em entrevista de 2013, já reclamava dos lobbies que existem dentro da Igreja, como o da maçonaria e dos gays…
Parece estar cada vez mais difícil posicionar-se claramente contra a homossexualidade hoje em dia dentro da Igreja, às vezes inclusive justificando tal atitude com uma falsa misericórdia, que não serve para resgatar ninguém…
Afinal Jorge, qual é o receio, na sua opinião??
O teatro do Papa bom e da Igreja má.
https://fratresinunum.com/2019/02/25/o-teatro-do-papa-bom-e-da-igreja-ma/
Olá, Marcio,
Não tive tempo de ler o que foi tratado no encontro do Vaticano, mas me recordo de algumas vezes em que a mídia secular ventilou notícias do Papa Francisco desabonadoras ao lobby gay.
Por exemplo:
https://congressoemfoco.uol.com.br/direitos-humanos/grupo-lgbt-critica-papa-francisco-insinua-que-homossexualidade-e-doenca/
https://oglobo.globo.com/sociedade/papa-francisco-preocupado-que-moda-da-homossexualidade-invada-igreja-23275359