Recebi hoje por email esta notícia que narra as aventuras de dois pesquisadores na busca da prova científica da existência da alma. São “o médico americano Stuart Hamerroff e o físico britânico Sir Roger Penrose”; segundo a reportagem,
eles explicaram que a alma de uma pessoa está dentro das células cerebrais em um lugar chamado microtúbulo. Os microtúbulos, segundo os livros de biologia, são estruturas proteicas que fazem parte do citoesqueleto das células. Elas ajudam no transporte celular pelo corpo humano.
Bom, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a alma não “está” em nenhum lugar específico do corpo. Aliás, como explica Santo Tomás na Summa, ao invés de postular que o corpo contém a alma o mais exato é dizer que a alma contém o corpo (Summa, Ia, q.8, a.1, ad.2). E, em outro lugar (id., q.76, a.8, resp.), que se fosse para falar “onde” a alma se encontra no corpo humano, dever-se-ia dizer que ela está totalmente em todo o corpo e em cada uma de suas partes.
Localizar a alma em alguma parte específica do corpo humano (p.ex., digamos, o cérebro) só seria possível se ela (a alma) estivesse unida ao corpo somente como motor, teoria que o Aquinate demonstra ser insustentável por várias razões na mesma questão da Summa. Ao contrário, Santo Tomás – seguindo Aristóteles – afirma que a alma está unida ao corpo enquanto sua forma substancial, sendo assim o homem uma unidade substancial composta de corpo e alma. À luz desta concepção do ser humano é totalmente sem sentido pretender “encontrar” a alma em alguma parte do corpo humano. Talvez gostem desta teoria os espíritas ou os adeptos da metafísica de Descartes, mas ela não é compatível com a antropologia católica.
Segundo os pesquisadores, os microtúbulos têm energia quântica do universo. Essa energia seria a alma e ajudaria a formar a consciência de uma pessoa durante toda a sua vida. Portanto, quando a pessoa morre, essa energia quântica voltaria ao universo, de onde veio. Isso seria, portanto, a alma.
Eu torço o nariz sempre que leio “energia quântica do universo” aplicada neste sentido que beira o esoterismo. Concedo que, para os leigos, isto decorre da maneira pouco rigorosa que sói se usar para explicar a mecânica quântica fora dos círculos acadêmicos. Por exemplo, lembro-me de que eu passei muito tempo da minha adolescência achando que o Princípio da Incerteza de Heisenberg era um absurdo porque o compreendia como se o elétron fosse um Boo de Super Mario, que parava de se mover e cobria o rosto quando o personagem se virava para ele, voltando a andar somente quando aquele lhe dava as costas. Daí até eu chegar na faculdade e aprender que “observação” pressupõe o “contato físico” [= sensível] com o elétron (não sendo simplesmente “olhar” para ele) e que era desta interação entre a partícula e o instrumento de medida que surgia a perturbação de estado responsável pela incerteza postulada por Heisenberg passou-se um bocado de tempo. E tenho intimamente a convicção de que muita gente acha que a Física Quântica é uma espécie de mágica na qual, de alguma maneira, “cabem” igualmente o natural, o sobrenatural e os absurdos metafísicos.
De todo modo, não sei o teor exato das alegações dos drs. Hamerroff e Penrose, que comento somente à luz da citada matéria da INFO Online. Pode ser que eles tenham uma explicação científica rigorosa relacionando [o que chamam de] “consciência” com a “energia quântica do universo”. Sei, no entanto, que para o leitor médio esta correlação implica quase sempre em erros conceituais graves.
Não é a priori impossível que se detecte alguma perturbação sensível provocada pela alma, o que contudo não autoriza a confundir esta perturbação com a alma em si. Tratar-se-ia, mutatis mutandis, de alguém que olhasse para um eletrocardiograma e dissesse que o coração humano é um feixe de ondas elétricas detectável por aquele equipamento específico que o traduz graficamente. Ora, a atividade elétrica é provocada sim pelo coração humano, mas ela não é o próprio coração humano. Igualmente, parece-me em princípio não haver óbice a que a alma humana unida ao corpo provoque alguma espécie de movimento sensível que seja detectado sob a forma de energia quântica ou de qualquer outra natureza. Daí a igualar os efeitos às causas, contudo, vai um passo enorme que a ciência não está autorizada a dar. Sobre este assunto, vale igualmente tudo o que eu já falei aqui sobre as provas científicas da existência de Deus. Toda prova “científica” a respeito da existência da alma sempre vai ser – e por definição só pode ser – uma prova indireta.
E toda vez que são provocados por um pesquisador, eles respondem com a teoria das pessoas que são ressuscitadas depois de uma parada cardíaca e sempre voltam com uma história do momento da morte.
Para eles, a história nada mais é do que a experiência dessa energia quântica indo embora do corpo e se vendo obrigada a voltar – já que a pessoa conseguiu sobreviver ao acidente cardíaco.
primeiro: cuidado pra não misturar o que diz uma reportagem num blog de divulgação científica sobre o que diz uma outra reportagem num jornal de grande circulação que aproveitava citações de um documentário da discovery sobre o que dizem dois professores dentro dos assuntos em que eles são especialistas… três palavras: telefone sem fio.
aliás, é só ver as distâncias entre as argumentações apresentadas na info exame, no daily mail e nos artigos científicos desses senhores pra observar que quanto mais “peer-reviewed” é a publicação menor é a probabilidade de encontrar a palavra “soul”…
segundo: de qualquer forma o que esses senhores chamam de “alma” não tem nenhuma obrigação de abranger tudo o que teologicamente se chama de “alma” (assim como o que esses dois médicos chamam de “coração” não tem a obrigação de bater com tudo que se pode chamar de “coração” na teologia).
terceiro: uma explicação das experiências quase-morte usando a mecânica quântica é acima de tudo uma explicação materialista. pegando o texto “original” no daily post
Dr Hameroff told the Science Channel’s Through the Wormhole documentary: ‘Let’s say the heart stops beating, the blood stops flowing, the microtubules lose their quantum state.
‘The quantum information within the microtubules is not destroyed, it can’t be destroyed, it just distributes and dissipates to the universe at large.
‘If the patient is resuscitated, revived, this quantum information can go back into the microtubules and the patient says “I had a near death experience”.’
He adds: ‘If they’re not revived, and the patient dies, it’s possible that this quantum information can exist outside the body, perhaps indefinitely, as a soul.’
tem como ser mais materialista que chamar alma de “informação quântica” e EQM de “perda” e “restauração” de estado quântico?
Tem toda a razão, obrigado por enfatizar. No meu texto, quis me referir às explicações materialistas tradicionais para as EQM, como as que linkei.
Mas, de fato, transformar a alma em “informação quântica” (supondo que estes caras estejam tratando da Física Quântica do jeito que ela é, e não nos moldes esotéricos em que o termo é aplicado entre os leigos e os charlatães) é um materialismo reducionista, como eu expliquei fazendo uma analogia com o ECG.
Abraços,
Jorge
A propósito, o Tubo de Ensaio também repercutiu a matéria:
http://www.gazetadopovo.com.br/blog/tubodeensaio/?id=1315136&tit=onde-mora-a-alma
Excelente artigo! Realmente, um dos maiores mistérios do mundo, além da origem do universo e da origem da vida, é a origem da consciência, dos sentidos e dos sentimentos; que parecem ser algo totalmente estranho ao nosso mundo.
É bom ver um gênio do quilate de Roger Penrose tentando dar um embasamento científico à existência da consciência e da alma; mesmo porque, acreditar que a consciência dos sentidos e dos sentimentos pode emergir do simples arranjo de redes neurais via hardware e/ou software é muita ingenuidade; mesmo quando tal afirmação é feita por cientistas (geralmente materialistas). Isso só mostra que há algo de muito diferente e misterioso dentro do cérebro, além do mero arranjo de neurônios, que faz emergir a consciência.
Quem nunca leu, aconselho a ler o excelente livro ‘A MENTE NOVA DO REI’ do próprio Penrose que já debate este tema tão misterioso e interessante. Para ver até que ponto absurdo se pode chegar para tentar explicar a origem da consciência de forma totalmente materialista, em seu livro (se me lembro bem), ele diz que alguns cientistas acreditam que um simples programa de computador escrito numa folha de papel já possui consciência própria.
Penso que a Ciência jamais pode ignorar, a priori, a existência de Deus, da alma e do mundo espiritual; já que, se eles realmente existem, ela estará se afastando da verdade e ficará tentando inventar teorias mirabolantes para tentar explicar o mundo de forma totalmente materialista.
Não sei até que ponto também essa teoria quântica da consciência, de Penrose e Hameroff, é baseada em cálculos matemáticos e testes empíricos ou se não passa de mera especulação. Talvez, atribuir a origem da consciência à Mecânica Quântica é só uma das poucas formas de tentar explicá-la sem a dimensão espiritual (assim como, a Teoria do Multiverso para tentar fugir do Princípio Antrópico que, necessariamente, leva à evidência da existência de Deus); já que a Mecânica Quântica é tão estranha que parece até mesmo ser de origem sobrenatural.
Confesso que não sou nenhum gênio da física e da matemática; mas, de minha parte, enquanto ficar no campo da especulação e até prova em contrário, seja quântica ou não, penso que a consciência dos sentidos e dos sentimentos pertencem à outra dimensão: a espiritual. Por isso, acredito que o homem jamais conseguirá construir uma consciência de verdade: que sinta cores, sons, cheiros, dor, amor, raiva, etc.; acredito que os sentidos e os sentimentos sejam propriedades da alma e que nosso cérebro não passa de uma interface entre o mundo espiritual e o nosso mundo físico e matemático em que vivemos.
Não me parece lógico que um dia o homem conseguirá criar uma rede neural virtual por software ou mesmo física por hardware que fará com que, por um passe de mágica, faça emergir a consciência dos sentidos e dos sentimentos como faz o cérebro. Pois, no fim das contas, serão apenas instruções de computador simulando os neurônios ou sinais elétricos sendo convertidos em informações de entrada e saída e sendo processados; algo totalmente sem consciência e sem vida como é um computador ou robô.
A não ser que exista algum elemento químico presente no cérebro que, em si, tenha consciência de dor, luz, som, etc. (o que acho muito difícil); ou que, como especula o famoso físico matemático Sir Roger Penrose, a consciência surja das interações quânticas entre as células cerebrais (o que também não passa de mera especulação); ou sabe Deus lá o quê.
Mas, via software, me parece mais impossível ainda; já que, por mais complexo que seja um programa de computador, mesmo aqueles que simulam redes neurais, sabemos que programas não passam de uma série de instruções simples de leitura e armazenamento de dados, de operações aritméticas e lógicas, etc. Imaginar que o mero processamento de informações ‘mortas’ neste mundo físico pode gerar algo ‘vivo’ e ‘consciente’ no mundo dos sentidos e dos sentimentos, é especulação demais para o meu gosto.
Por isso que, para mim, o mundo dos sentidos e dos sentimentos é algo totalmente à parte deste mundo físico e matemático em que vivemos e especulo que o cérebro não passa de uma interface entre esses dois mundos.
E por isso, também, que eu não acho tanta loucura filosofar:
Nós criamos o amor ou o Amor nos criou para habitar em nós?
Deus criou o amor, é amor ou é o próprio Amor?
Como estranhameeeente afirma a Bíblia quando diz:
“Aonde está o amor, aí está Deus; porque Deus é amor…” ou
“Aquele que não ama não conheceu a Deus, pois Deus é amor…” e
“Deus não habita em templos feitos pela mão do homem, mas no coração do homem que é templo de Deus…”,
Etc.
Por isso, embora muitos afirmem que não, ainda acredito que um dia a Ciência poderá comprovar (direta ou indiretamente) a existência de Deus; embora eu já acredite que ela o faça toda vez que comprova um milagre autêntico da Igreja!
“Para quem acredita, nenhuma palavra é necessária;
para quem não acredita, nenhuma palavra é possível” (Dom Inácio de Loyola).
acredito que seria impossível explicar a existência da alma, sem crer na existência de um Deus criador do universo.