Comento, apenas brevemente, um parágrafo de um texto de D. Odilo Scherer publicado este fim de semana no Estadão, que merece uma leitura na íntegra. O parágrafo é o seguinte:
Não é por demais inglório manifestar-se sobre essa questão antipática, recebendo o carimbo de “conservador” e “mente fechada”? Dia mais, dia menos, o aborto será aprovado; existem pressões muito fortes sobre os legisladores e diversos interesses estão em jogo. Vale mesmo a pena? Eis o problema. A questão delicada da dignidade humana e do direito à vida é demasiado séria para ficar refém da pressão ideológica.
Eu penso já ter dito aqui que o valor das causas não está simplesmente na sua possibilidade de sucesso, mas que lhes é intrínseco. A verdade não deixa de ser verdade ainda que todo mundo dê crédito a mentira, e uma causa justa não deixa de ser justa (muito pelo contrário, aliás) se todo mundo estiver comprometido com a injustiça. Há muito de verdade no famoso bordão atribuído a Santo Atanásio: «se o mundo estiver contra a Verdade, Atanásio estará contra o mundo».
Isto não significa fechar por completo as possibilidades de diálogo (palavra tão mal entendida nos dias de hoje!); significa apenas ser capaz de manter uma sadia intransigência em certos princípios inegociáveis. Conversar com as pessoas que não pensam como nós é não somente possível como necessário: é somente dessa maneira que será possível a estas pessoas mudarem de idéia, afinal de contas. Não sei por que cargas d’água a palavra “diálogo” parece evocar na mente de alguns uma igualdade absoluta entre os interlocutores. Ora, isto absolutamente não é verdade e, se é necessário estabelecer um terreno comum entre os dialogantes como condição mesma para a existência do diálogo, isso de modo algum significa colocar em pé de igualdade as posições defendidas pelos dois lados antagônicos no debate de idéias. Santo Tomás já dizia que usava a razão contra os pagãos, o Antigo Testamento contra os judeus e as Escrituras inteiras contra os hereges; não penso que isso se distancie muito daqueles «círculos concêntricos, em que a mão de Deus nos colocou» sobre o qual Paulo VI fala na sua Encíclica sobre o Diálogo (Ecclesiam Suam, nn. 54ss).
Em uma palavra, por fim: o (justo) desejo de não ser antipático não pode levar à entrega de territórios cuja defesa não nos é lícito abandonar. Precisamos nos fazer ouvir, é certo; mas se os nossos interlocutores só nos concederem o beneplácito de sua atenção em troca de abandonarmos as nossas mais profundas convicções doutrinárias e morais, então não poderemos aceitar as suas condições porque, se o fizermos, nada mais teremos a lhes dizer. É essa a pertinente resposta que D. Scherer dá no seu artigo: há questões que são «demasiado séria[s] para ficar[em] refém da pressão ideológica». Se não nos querem ouvir, precisamos continuar falando; se a derrota é inevitável, então somos obrigados a morrer defendendo aquilo que sabemos ser certo.
Sim, lutar contra o inevitável pode parecer inglório, mas é somente aparência. A verdadeira glória está em defender o que é certo, independente das pressões que porventura soframos no caminho. Sim, defender a vida vale a pena. Por mais que o horizonte se nos descortine fechado e por mais que não pareça haver luz no fim do túnel, não temos o direito de duvidar jamais disso.
Confesso que pirei nesse trecho aqui:
Olha, não tenho nenhuma posição formada ainda sobre a questão do aborto, mas tendo a acreditar que uma política vasta de planejamento familiar, aliada a uma boa educação, pode ser muito melhor do que pagar pela execução de procedimentos de aborto.
Mas cara, como é que vocês pretendem convencer mentes e corações adotando “uma sadia intransigência” num diálogo?!?!?!
Tal postura não tem como consequência um convencimento saudável. Isso é, sim, uma forma de imposição.
Realmente, a palavra DIÁLOGO anda muito mal entendida. Parece que tá na hora de começar a por em prática o que D. Odilo está tentando ensinar…
PS: Eu tenho uma certa dificuldade de entender como alguém brada aos quatro cantos que é “pró-vida” e que “defender a vida vale a pena” e não escreve uma linha ou manifesta um mísero mal olhado às barbaridades que países belicistas como os EUA fazem quando invadem países de tradições islâmicas, tal como fizeram com o Iraque, por exemplo.
Alguém explica isso?
O pessoal já está jogando a toalha? Parece discurso de final de campanha de quem perdeu. Não imaginei que fosse tão certo e garantido que o aborto seria aprovado. Enfim, talvez eu seja o tolo.