Saí com alguns amigos ontem à noite. Numa mesa de bar, alguém me falava do “Rei do Camarote”. Eu não fazia idéia de quem se tratava; hoje, vi o vídeo no celular de um amigo, a reportagem original da Veja e as notícias sobre a estrondosa repercussão do assunto. Cheguei a esboçar um sorriso com algumas das piadas feitas: mais um meme para compôr a incontável história da internet brasileira no século XXI.
Memes são efêmeros; esqueçamos as piadas que só vão durar alguns dias e nos concentremos no que chama a atenção aqui: fortunas torradas noite após noite, balada após balada, em repetida monotonia. O que explica isso?
Eu consigo entender pessoas equilibradas gastarem pequenas fortunas numa festa, contanto que o acontecimento seja realmente digno de ser celebrado em grande estilo. Um casamento, por exemplo: aqui, é precisamente a importância e exclusividade do evento na vida dos envolvidos que justifica a extravagância da comemoração. Ao contrário, tratar com prodigalidade todos os dias da vida é, no fundo, negar importância a todos eles. Se tudo é extraordinário, então é tudo normal. Se todos os dias são excepcionais, então os dias são todos iguais e não existe excepcionalidade no mundo.
Existe algo de errado em quem dá uma festa suntuosa toda semana! Não interessa aqui se a pessoa tem dinheiro e, portanto, gasta porque pode gastar. O problema não tem somente a ver com a vultuosidade da quantia envolvida em cada comemoração: o fulano que toda noite precisa reunir os vizinhos para tomar uma caninha com limão ouvindo pagode num radinho de pilha padece, em essência, do mesmo mal do Rei do Camarote. O ponto é que ninguém tem tanta coisa pra comemorar assim. Em última análise, o problema reside na freqüência com a qual algumas pessoas têm a necessidade de comemorar nada.
E por que essa necessidade estranha? Só posso pensar que é por conta do niilismo que lhes toma conta da vida, do vazio no qual elas se acostumaram a viver. Falta-lhes algo e, assim, as próprias comemorações tomam o lugar das coisas a comemorar; tenta-se suprir a ausência destas por meio da multiplicação desordenada daquelas.
O que é uma noite de sábado? É uma noite ordinária, que se repete infalivelmente uma vez por semana. Comemorar o que não tem nenhum significado especial é, no fim das contas, não entender por que os homens inventaram as comemorações. Uma noite de sábado ordinária é somente uma noite de sábado ordinária. Coisa bem diferente é, por exemplo, se aquela noite de sábado específica é, digamos, a noite do meu casamento. Isso por si só faz com que ela se distinga de todas as outras noites de sábado; isso por si só lhe confere um valor. A comemoração, aqui, surge como conseqüência de um fato especial já existente: é o casamento e não a festa de casamento que torna aquela noite diferente das outras. Eu celebro, assim, porque aquela noite é diferente, e não para torná-la diferente. É enorme a distância entre essas duas coisas.
Mas uma noite de sábado comum, no geral, não passa de uma noite comum de sábado. E uma festa sem razão de ser é, na verdade, o contrário de uma comemoração. Necessariamente, toda comemoração é precedida pelo fato comemorado: só se sai às ruas gritando “é campeão!” quando o time antes ganha o campeonato. Fazer festas sem sentido, ao contrário, é simplesmente não ter o que comemorar e buscar ocupar este vazio com uma “celebração” artificial e que, no fundo, não convence, não satisfaz. Como organizar uma carreata da vitória com a seleção que acabou de ser eliminada não é capaz de satisfazer os torcedores que ainda sentem na boca o amargor da derrota.
E, justamente por não convencerem, as falsas comemorações precisam ser multiplicadas, em uma tentativa vã de fazer a quantidade excessiva suprir a má qualidade dos eventos. Contudo, o fato é que um acontecimento especial na vida de alguém pode até ensejar mil festas, mas um milhão de festas não são capazes de transformar futilidades em um acontecimento especial. No fundo, a tentativa de esconder o vazio só o torna maior e mais incômodo. Esbanjar celebrações sem sentido é a pior forma de combater a falta de sentido da vida.
Há um episódio da quarta temporada de Breaking Bad (aliás, série excepcional, sobre a qual talvez um dia eu escreva alguma coisa) que termina de maneira fantástica. Um dos protagonistas da série, Jesse, conseguira com o tráfico mais dinheiro do que seria capaz de gastar; mas assombrado pelos seus crimes e sem família, trabalho ou objetivo na vida, cai no mais insuportável niilismo. Para combatê-lo, resolve dar uma festa em sua casa, com toda a extravagância de que só os milionários são capazes. Primeiro os amigos, música e bebida, depois estranhos, sexo e drogas: os dias passam e essa rave permanente degenera cada vez mais, com toda sorte de criminosos para lá atraídos pelos dólares que Jesse atira para cima com o objetivo de os manter por perto, de estender um pouco mais a já insuportável festa. Por fim, até esses vão embora. Enquanto a casa se está esvaziando, Jesse ainda apela aos seus dois únicos amigos: fiquem mais um pouco, vamos beber e dançar, vamos chamar umas garotas. Ambos recusam, dizem que não agüentam mais, voltam no próximo final de semana. Todos vão embora. E então Jesse se encontra sozinho na casa vazia e destruída, cujo estado é uma perfeita metáfora do vazio e da desolação que ele tem dentro de si.
Esta cena me parece um retrato perfeito da vida dos que vivem de festa em festa. Porque quem comemora tudo, na verdade, revela que não tem nada pra comemorar. Por debaixo da suntuosidade das festas que não têm fim, é fácil vislumbrar a falta de sentido da vida, o niilismo que tudo corrói e cujo sintoma mais evidente é a insistência em se celebrar… nada. Por mais que pareça exuberante esta vida noturna, o que ela esconde é de uma miséria atroz. A sua aparente riqueza é somente para disfarçar o angustiante vazio do reino dos sultões dos camarotes.
A EXPLICAÇÃO DA NECESSIDADE PARA OS FESTEJOS SEM FIM DOS SULTÕES DE CAMAROTES E SIMILARES É PELO VAZIO QUE SE APOSSOU DELES!
Neste início turbulento do século XXI, o mundo se debate em meio a uma crise sem precedentes, como se estivesse sem rumo e se apresentam as mais miraculosas ideias por candidatos de todos os matizes; falam em reformas nos sistemas econômico, policial, judiciário, previdênciario, tributário, do Código Civil etc. – sob hipótese alguma à reforma interior do homem, jamais!
Daí, a crise que nos afeta e que vem caotizando todas as instituições não é sobretudo de cunho material, mas resultante de crise ético-moral – a causa principal em cascata de todas as desordens religiosas, políticas, sociais, econômicas, e tem como epicentro o próprio homem, que parece não mais querer governar-se pela razão, mas por seus instintos, ainda (des)instruído por ideologias niilistas, como as comunistas.
No começo deste século depois de ter idolatrado e endeusado o progresso e desprezado os valores morais cristãos, os homens atuais, a maior parte, se orgulham de dominarem a técnica, mas cada vez mais maquinados, dela dependentes, submersos no vazio e num descompasso completo interior e, para fugirem dessa realidade, afundam-se no mundo das drogas, nas recorrentes festas, nos funks alienantes, no dopping mental das seitas orientais transcendentais como a Yoga, para se abafarem os sentimentos de perda de si mesmo, querendo permanecer como se vivesse num ambiente sonhático ou num turbilhão constante etc.
Avolumam-se os conhecimentos científicos – falta-lhes o domínio de si mesmos e de suas paixões – doravante não mais submissas a uma vontade amparada pela graça divina, nem orientadas por uma inteligência iluminada pela Fé, assim tornaram-se desregradas, afastando-nos de nosso Criador a quem devemos obediência e adoração, por isso, o homem cada vez animaliza-se, a ponto de fazer tudo ao inverso e voltar aos primórdios da barbárie pagã, agora um neo pagão tecnizado – o alienado progressólatra submetido à escravidão de forças diabólicas.
É interessante( e triste) constatar que, no final das contas e festas, tudo aquilo que realmente preenche o coração das pessoas e dá sentido às suas vidas, é justamente o que civilização moderna lhe ensinou a menosprezar: Deus, a família, os verdadeiros amigos.
“Como é lógico satisfazer-se com o material, com o palpável, com as vivências felizes que se possam comprar e subministrar, e, pelo momento atual o mais simples. Posso entrar em um local de diversão, e a câmbio do dinheiro da entrada viver uma espécie de êxtase, economizando dessa forma todos os esforços do difícil caminho da auto-realização e da auto superação. Essa tentação é grandíssima. A felicidade se converte em uma mercadoria, suscetível de ser vendida e comprada. É o caminho mais cômodo, o mais rápido, a contradição interna parece eliminada, porque a questão divina já não é necessária.”
Joseph Ratzinger
Escreva sobre Breaking Bad :-)
Jorge, Breaking Bad pode de fato render um excelente post. Pode por acaso um ato intrinsecamente mau (o tráfico de drogas) ser causa real de consequências boas (o bem-estar familiar)? É lícito se valer das fraquezas e vícios alheios para beneficiar os seus? Até que ponto Walter White faz o que faz por sua família, e a partir de que ponto entra a ganância no seu pior grau? Breaking Bad rende uma aula de moral. Abraços