“A fundação das Nações Unidas, como sabemos, coincidiu com a profunda indignação sentida pela humanidade quando foi abandonada a referência ao significado da transcendência e da razão natural, e como consequência foram gravemente violadas a liberdade e a dignidade do homem” [1]. O período histórico ao qual o Papa se refere é-nos bastante conhecido. A história não só da Segunda Guerra mundial, mas de todo o século XX, onde a dignidade humana viu-se violada não só nos campos de extermínio nazistas, nos gulags, nos paredões comunistas, na escravização dos seres humanos e o extermínio do povo pelo próprio governo, mas também pelo aviltamento constante das consciências, fruto de filosofias niilistas, que transformaram o mundo numa gigante casa de tolerância.
Aqui me abstenho de comentários históricos, embora seja verdade que o constante bombardeamento das consciências com discursos emburrecedores e o abandono da idéia de transcendente se não gera, alimenta e faz crescer fenômenos como a ditadura da beleza, a que se referiu Jorge há dois dias e a possibilidade de termos um apedeuta como o Sr. Chico Alencar não só arrotando superioridade num discurso mentiroso e canalha, mas a defender – com sofismas e cara-de-pau – o aborto, cujo pioneirismo na legalização foi a União Soviética…
Sua Santidade foi felicíssimo na colocação. De fato, a perda de significado da razão natural, tem, entre outros aspectos, um viés jurídico cuja análise e diagnóstico são de fundamental importância. O chamado “triunfo” teórico do positivismo jurídico é efeito de ambos aspectos mencionados pelo Papa, o abandono da transcendência e da razão natural.
O direito natural, esquecido pelo positivismo (e nunca derrotado) é o elemento civilizador do direito por excelência. O homem, o ser humano, é a realidade central da sociedade (fato este constantemente esquecido). O homem não pode ser objeto de caprichos, antes deve ser tratado como ser digno e exigente, como portador que é de direitos inerentes ao seu próprio ser.
A dignidade humana contém o fundamento de todo direito: desrespeitar o que o homem é e representa nunca constitui direito, mas prepotência e injustiça. A juridicidade não emana do poder, tampouco da sociedade. Emana do ser humano, razão pela qual a dignidade humana é o que divide a legitimidade e a ilegitimidade, a ação jurídica e a antijurídica.
Legalidade e juridicidade são e devem ser coisas distintas. A fusão de ambas torna possível qualquer trato com o ser humano, ainda que não condigam com o respeito a que todo homem, por ser homem, tem direito. O direito natural deve prevalecer sobre o direito positivo do mesmo modo que a dignidade humana deve sempre prevalecer sobre a prepotência dos homens; o direito não deixa lugar a prepotência.
[1] Bento XVI em Discurso na ONU em abril de 2008