Diante de tantos escândalos na educação do nosso Brasil, esta notícia que comento aqui – sobre uns gibis cheios de palavrões distribuídos em escolas públicas de São Paulo (link de segunda mão porque a matéria original da Folha é só para assinantes) – pode parecer banal. Mas tem algumas particularidades cínicas.
1. O Governo do Estado afirmou ter havido um equívoco e determinou o recolhimento da obra. Oras, depois da depravação institucionalizada que existe nas escolas públicas, qual é o motivo deste excesso de pudores da Secretaria da Educação?!
Se eu fosse adepto de teorias da conspiração, diria que estes gibis foram enviados propositalmente, para serem propositalmente recolhidos e passar a imagem de que o Governo está preocupado com a educação moral dos estudantes, “compensando” assim de alguma maneira – aos olhos da opinião pública – os estragos feitos pelo “kit pornografia” e congêneres.
2. Para o recolhimento, foi alegado que o gibi seria “inadequado para alunos desta idade” (média de nove anos). A reportagem diz que os quadrinhos são recheados de palavrões tão chulos que eu não ouso reproduzir aqui. Acho pertinente perguntar se existe alguma faixa etária para a qual seria “adequado” ler, em escolas públicas, obras de tão baixo nível – porque dizer que é “inadequado para alunos desta idade” é a mesma coisa que dizer que há alunos de alguma idade para os quais os livros são adequados.
Outrossim, o simples fato da Secretaria da Educação ter comprado esses livros já mostra que o Governo acredita, sim, que eles tenham alguma serventia pedagógica. Não consigo imaginar qual seja.
3. Caco Galhardo, cartunista “autor da história mais criticada do livro por professores”, disse que a sua obra “[é] uma HQ [história em quadrinhos] justamente para não ir para escola”. Justificou a escolha do livro pela Secretaria da Educação por meio da seguinte sentença lacônica: “[o] cara que escolheu não leu o livro”.
É bem sabido por qualquer um que tenha um mínimo contato com a rede pública de educação que palavrões são “bom dia” na maior parte das escolas, sendo as mais das vezes – com honrosas exceções – impossível aos professores controlarem as crianças e adolescentes. Talvez tenha sido esse o critério utilizado pela Secretaria da Educação na escolha da obra de baixo calão, porque sinceramente não consigo imaginar outro. Se for esta a “educação para todos” com a qual o Governo quer “presentear” os brasileiros, livre-nos Deus dela! A educação deveria pretender tornar as pessoas melhores. E não se compreende como a institucionalização da linguagem chula possa ajudar nesse processo.
Jorge,
Confira o que Reinaldo Azevedo escreveu sobre este episódio: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2009/05/o-livro-o-palavrao-e-o-petralhismo-ou.html
Alguns trechos:
¨Espero que a Secretaria de Educação dê um pé no traseiro de quem fez essa escolha. Das três, uma (ou duas ou as três):
– é idiota;
– tem idéias pervertidas sobre educação;
– é sabotador¨.
(Eu escolho a última alternativa pelo que vem a seguir)
“Ah, mas se fosse no governo Lula, você estaria atacando”. Depende! Se fosse parte de um programa de ação, levaria paulada. Mas o fato, que não está claro na reportagem, a não ser num textinho menor, dedicado ao “outro lado”, é que A INICIATIVA DE RECOLHER O LIVRO FOI DA SECRETARIA. Que se note: o governo não correu atrás de um fato revelado pela reportagem para tomar providência. A PROVIDÊNCIA ANTECEDEU A REPORTAGEM.
Como se vê, não se trata de uma orientação do governo. Mas o que segue é, sim, uma orientação oficial. Na própria Folha, em fevereiro de 2007:
E aí ele descreve o que o governo federal fez. Compare os 2 casos.