Existem algumas coisas que eu não sei bem se valem a pena. Refiro-me à forma como foi organizada a 3ª Marcha Nacional da Cidadania pela Vida, que acontecerá em Brasília no próximo domingo.
É claro que vale a pena – aliás, é necessário – protestar contra a legislação iníqua que, já em vigor ou às portas, ameaça a vida humana indefesa nesta Terra de Santa Cruz. O que está em questão não são os eventos, posto que estes são importantes (aqui em Recife nós temos a Caminhada pela Vida feita a nível Arquidiocesano), e sim a forma como eles são organizados.
Por exemplo: Elba Ramalho foi convidada a fazer um show na Marcha de Brasília, e aceitou. Recebeu centenas de emails condenando a sua atitude e outras centenas incentivando-a; decidiu que iria manter. Em reportagem do Correio Braziliense, no entanto, a cantora disse que “você deve preservar a vida de qualquer pessoa, mas sem assumir nenhuma radicalidade quanto a isso”. E disse que está fazendo “o mesmo que aconteceu quando me [Elba] posicionei contra a transposição do São Francisco”.
Eis, portanto, a comparação descabida (o aborto com a transposição do São Francisco!) e a defesa tíbia do direito à vida (posto que deve ser feita sem “nenhuma radicalidade” – o que seria uma “radicalidade” nesta questão, segundo a visão da cantora?), proferidas à imprensa pela artista que está encabeçando o evento. Acaso isso vale a pena?
[p.s.: após uns comentários que recebi principalmente sobre este trecho imediatamente acima, acho importante reiterar que eu não sei o que a Elba Ramalho entende por “radicalidade”. Pode ser a radicalidade necessária (ser contra o aborto inclusive nos “casos-limites”, como risco de vida ou má-formação fetal), ou pode ser a radicalidade condenável (como assassinar o dr. Tiller). Não dá para dizer, só pelas declarações da cantora à imprensa, que ela seja a favor do aborto em alguns casos, e nem eu disse isso; retrato-me aqui por ter dado margem a que se pensasse assim.
O que julguei tíbias – e continuo julgando – foram as declarações concretas concedidas à imprensa, da forma como foram feitas, sem entrar absolutamente no mérito da origem da tibieza, se foi intenção da cantora, inadvertência ou manipulação da mídia. O que julgo é que tais declarações, feitas como estão, muito mais atrapalham do que ajudam a militância pró-vida, porque lhes falta, no mínimo, a clareza exigida pela gravidade da causa. Isso – reitero – sem entrar no mérito sobre a quem cabe a responsabilidade por elas.]
Digam o que disserem, sempre achei perigosa a idéia de organizar movimentos e manifestações contra o aborto que fossem “supra-religiosos”. Quem defende a vida é a Igreja Católica, ponto, fato. É possível ser contra o aborto e ser “contra o aborto, mas…”. Esta última posição é válida por ser melhor do que nada, mas não se pode correr o risco de que ela conspurque a limpidez da posição defendida pela Igreja de Cristo. Não dá para entregar o movimento pró-vida para ser dirigido por pessoas que não tenham a urgência da questão impregnada forte na alma. Não se pode correr este risco.
E mais um exemplo: Fundo do governo banca marcha antiaborto. “[A] 3ª Marcha Nacional da Cidadania Pela Vida recebeu R$ 143 mil do Fundo Nacional da Cultura, um fundo público do Ministério da Cultura para financiar projetos e ações culturais”. Obviamente a crítica é hipócrita, posto que existem incontáveis ONGs e grupos abortistas que recebem financiamentos muito mais pomposos quer do Governo, quer de fundações internacionais. Mas acaso vale a pena este conluio com o governo abortista, para que depois os cínicos de plantão venham fazer estardalhaço e inverter a realidade, acusando o movimento pró-vida de ser financiado pelo governo e, de quebra, fazer barulho contra este flagrante desrespeito à laicidade do Estado?
Unir forças, sim, sem dúvidas. Mas não com todo mundo e – principalmente – não sem critérios. Se as coisas não forem bem feitas, corre-se o permanente risco de que todos os esforços sejam dissipados e tornem-se improfícuos no emaranhado de teias de relacionamentos urdidas na ânsia de se obter tanto apoio quanto possível – mesmo que às custas da liberdade.
Elba Ramalho é tão católica quanto o Edir Macedo ser um cristão!
Essa cantora (Elba) é cria da teologia da libertação, tanto que seu ”lado espiritual” envolve tudo (um sincretismo religioso sem fim!).
E não é que a própria se revela uma seguidora desta teologia diabólica ao dizer que também foi contra a transposição do São Francisco!
Será que isso não é uma tática dos teologos da libertação? Colocar gente deles lá para depois falarem: Fizemos de tudo mais não deu, aceitemos.
Ué, a Folha nunca publica matérias com manchetes do tipo “Governo banca parada gay” ou “Governo banca seminário abortista” ou “Fundo do governo banca evento anti-cristão”, embora tais fatos aconteçam o tempo todo…
Carlos
Jorge, você está sendo exclusivista demais quando diz “Quem defende a vida é a Igreja Católica, ponto, fato.” Como fica um não-católico, às vezes sequer não-cristão, que obedece ao imperativo “não matar” e tem a honestidade intelectual de reconhecer que na concepção temos uma nova vida que precisa ser preservada? É preciso reconhecer que há não-católicos tão enfáticos na defesa da vida quanto nós. Além do mais, esse tipo de associação entre a causa pró-vida e uma religião é justamente um prato cheio pros anticatólicos que dizem “não tente impor suas crenças para quem não partilha delas”. São eles que desejam transformar a discussão em uma questão religiosa quando na verdade trata-se apenas de aceitar as verdades científicas e ter bom senso.
Ainda esqueci de comentar que você pode estar fazendo um juízo temerário sobre a Elba Ramalho. Você não sabe o que ela considera “radicalismo”, mas insinua que por causa dessa afirmação ela está relativizando a defesa da vida. Você quer saber o que pode ser “radicalismo”? Atentados contra médicos que fazem aborto. Pode até ser que ela não estivesse pensando nisso quando falou em “radicalizar”. Talvez ela seja mesmo do tipo que aceita aborto naqueles casos que a gente está cansado de saber. Mas eu não tenho certeza, e você também não. Se não tem certeza, que tal conceder o benefício da dúvida? Raios, a mulher se dispõe a fazer um show cobrando cachê mínimo, suporta pressão das abortistas, dá um testemunho pra imprensa, e ainda me vem gente tacar pedra nela porque “ela não é tão boa, tão católica, tão não-sei-o-que quanto nós”? Façam-me o favor.
Concordo com o colega Marcio: não sou católico e também sou contra o aborto. Existem inclusive ateus que são contra o aborto em quaisquer circunstâncias!
Márcio, acho que o Jorge em nenhum momento afirmou que SÓ a Igreja Católica defende a vida. O que ele quis dizer é que a Igreja Católica deveria meter a cara e afirmar com todas as letras que defende a vida, enfim, dar a cara a tapa. O que acontece em eventos como esse é que a Igreja aparentemente quer dividir o ônus de defender a vida com outros, ou seja, é como se dissesse: não somos só nós, viu?
O que falta é coragem de alguns católicos (o clero à frente) de proclamar essa sua crença. Com limpidez. Com vigor. E sem meios termos…
Aí eu já não concordo, Jorge. A atitude da Elba Ramalho demonstra, no mínimo, personalidade e firmeza de convicção. Coisa que muito católico que vai na missa todo domingo não tem. A comparação com o rio é apenas com relação à reação das pessoas: tanto em um caso quanto em outro reagirem com truculência contra ela.
Enfim, ela é uma pessoa realmente estranha – não é ela que alega ter sido abduzida? – contudo, o apoio de personalidades como ela é essencial nessa causa. Ou se ganha a opinião pública, EM PESO, ou o aborto livre no Brasil é mera questão de tempo. Pouco tempo, aliás.
Enfim, não podemos esquecer, ainda, que um dos maiores combatentes pró-vida do país é o petista e espírita Bassuma. Poucos fizeram e fazem tanto pela causa quanto ele. É algo pra lá de admirável.
Quanto ao dinheiro público, se o Estado financia a absurda Parada Gay, nada mais justo do que financiar uma causa nobre.
Ou será que por causa disso teremos que fazer apenas eventos minguados e sem amplo alcance na sociedade?
Abraços.
Caríssimos,
Vamos por partes, porque eu acho que não me expressei muito bem, e este é um ponto onde a minha visão do problema realmente se afasta um pouco da de outras pessoas com quem convivo.
O ponto aqui não é a Elba Ramalho. A cantora está fazendo muito, reconheço. A mulher abortou quando era jovem (aliás, aqui em Recife) e, depois, arrependeu-se (coisa comum) e o disse publicamente (coisa rara) e, agora, está se engajando na luta contra o aborto (coisa excepcional). Ela provavelmente já está fazendo tudo (e talvez até mais) o que pode fazer, e isso se agradece, sem dúvidas. Não sei se a Elba é católica e não interessa, não é este o ponto. Sendo ou não sendo, ela fez muito mais pela Marcha de Brasília do que eu, por exemplo. Eu não sou louco a ponto de dizer a mentira de que ela não faz tanto quanto eu para defender a vida: a mulher fez muito mais do que eu.
[Aliás, sobre a radicalidade, eu cheguei a pensar se ela não estaria falando em explodir clínicas de aborto ou em coisas como o que aconteceu recentemente com o dr. Tiller. Cogitei escrever, mas achei que o texto já estava bom do jeito que estava; tudo bem, da próxima vez eu ponho não somente o questionamento, mas também as opções, para que fique explícito o que concedo e o que não concedo.]
Sobre a Igreja, obviamente é possível que haja não-católicos que são contra o aborto (e até mesmo em todos os casos, como a Igreja pede); mas acontece que eu nunca ouvi falar – embora seja possível – em um não-católico cuja concepção moral fosse compatível em sua totalidade com a da Igreja. E o ponto aqui é este (a Elba é só um exemplo – e aliás nem tão sério – de que existem pessoas bem intencionadas, dispostas a ajudar, que podem fazer muita coisa, etc, mas as quais, mesmo assim, não se pode dar carta branca): quem é que vai defender a Moral da Igreja em sua totalidade, que está toda inter-relacionada (o aborto está relacionado com a contracepção, que está relacionada com o matrimônio, que está relacionado com a castidade, etc), se os pró-vida católicos, na ânsia de obterem apoio, unem-se com qualquer um que apareça dizendo ser contra o aborto?
Claro que é possível encontrar pessoas diferentes que tenham objetivos específicos comuns, e claro que é desejável que estas pessoas unam forças, mas isto deve ser feito com critérios e, principalmente, a identidade da parte católica não pode desaparecer sob o “terreno comum” no qual foram efetuadas as coalizões. Não adianta obter apoio sacrificando a liberdade de atuação.
Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz
Bom, dessa vez acho que o Wagner pegou meio pesado mesmo. Assim como a imprensa adora distorcer as coisas que a Igreja Católica diz, eles podem ter feito o mesmo com a Elba, uma vez que os abortistas não querem que ela participe da Marcha. Eles estão tentando mostrar que “ó, ela vai participar da Marcha, mas até que ela defende o aborto em certas circunstâncias…”, só para desmoralizar e enfraquecer a participação dela no evento. Quanto à ajuda do Governo, graças a Deus ainda existem entidades governamentais a favor da vida. O dia em que o Governo inteiro for dominado pela mente abortista e homossexual, nós teremos que ir fazer nossos discursos em frente às clínicas e correndo o risco de ir pra cadeia como criminosos. E, pra falar a verdade, também achei muito dura a frase que diz que a só a Igreja Católica defende a vida, a tia do meu marido é Espírita e é uma senhora defensora da vida, luta contra o aborto com todas as forças, inclusive nos casos de “sou contra o aborto, maaaasss”. No mais, para quem não vai poder comparecer à Marcha, nos resta REZAR para que ela gere bons frutos!! Que Deus abençoe esse movimento e aqueles que dele participarão, para que o façam de boa vontade e sem “poréns”.
Jorge, concordo com o Márcio. A Igreja Católica é pró-vida por excelência, mas o princípio não é exclusivista, da mesma forma que colocar-se ao lado dos pobres não é princípio exclusivo dos TL e esquerdistas, e a caridade não é princípio exclusivamente cristão.
É possível ser pró-vida e não-católico, assim como é impossível ser católico e abortista (vide as CDD).
Aliás, a própria Igreja, quando defende a vida, utiliza premissas que extrapolam a doutrina pura, compartilhadas inclusive por quem não é religioso.
Ao restringir a militância pró-vida ao catolicismo, corremos o risco de reduzir o debate a uma discussão religiosa, quando sabemos que não é. E, assim reduzindo, reafirmamos justamente a alegação principal dos abortistas.
Mas também concordo contigo — a liderança e a imagem do movimento pró-vida não pode depender de pessoas que são pró-vida com ressalvas (como ocorre, por extensão, com qualquer movimento fiel a seus princípios).
Paz e bem.
O Wagner não, o Jorge… Hehe, eu confundo os “blogueiros” todos… Jorge, eu entendo que a defesa da vida pela Igreja Católica é a “mais ampla” por assim dizer… Mas a gente tem hora que não pode ser tão radical, como dizia Jesus, “aquele que não está contra mim, está a meu favor”. Existe um caminho muito longo a se percorrer, o aborto, infelizmente, é a ponta de um iceberg que há algumas décadas a sociedade insiste em nutrir. Porém, a defesa da vida é sempre bem vinda, ainda que com alguns equívocos que cabem a nós esclarecer.
Puxa, agora que li sua resposta, Jorge…
Bom, tendo estudado política toda minha vida acadêmica, sou inclinado a pensar o que você disse em termos de agenda política. Na democracia, é difícil obter algum resultado se não há qualquer tipo de associação. E associar-se significa juntar-se a outros que não necessariamente pensam o mesmo. Mesmo dentro de um grupo de interesse específico, é preciso permitir alguma variação de opinião, desde que não fira o princípio que forma e mantém aquele grupo em primeiro lugar.
É totalmente natural que alguns grupos se unam em um tópico na agenda (aborto) e se separem em outro (planejamento familiar, por exemplo). O que não se pode permitir — com risco de perder a questão (issue)– são as grandes divergências, ou mesmo as pequenas que atrapalhem a coesão e os objetivos do grupo.
Em termos de coalizão política, unir-se a outros em prol de uma questão específica não significa abrir mão de princípios internos. É um grande dilema, é verdade. Mas você pode ver que essa união não é só possível como pode trazer resultados — vide, p.e., além da questão da Marcha pela Vida, o apoio à psicóloga Rosângela Justino.
Paz e bem.
Rodolfo,
Discordo. Pode ter havido um certo desconforto do Ministério da Cultura ao “descobrir” que deram dinheiro pra marcha pró-vida, mas no longo prazo o benefício é todo deles. Ano que vem vamos ver aquela horda de “católicos” defendendo que não tem problema votar na Dilma, e quando apontarmos como o governo Lula é o mais abortista que já houve nesse país, ainda é capaz de dizerem “mas o governo não financiou a marcha em 2009?” Isso se a própria Dilma não usar o fato na campanha. Acho que quanto menos rabo preso com essa quadrilha do Planalto, melhor.
Marcio, mas não podemos jogar fora o bebê junto com a água do banho…
Se o governo dispõe de verbas, que podem ser utilizadas em boa causa, qual o problema? A questão de conscientização das pessoas deve ser feita, mas não é por isso que vamos restringir os meios.
E tem mais: se houvesse gente de porte financiando o Brasil Sem Aborto eu até concordaria que seria absurdo esse dinheiro, mas não é o caso.
Quem vai financiar a causa pró-vida no país? Falo de grana, grana pesada. É IMPOSSÍVEL uma campanha de longo alcance na opinião pública sem muito dinheiro. O movimento pró-vida não possui este dinheiro, o abortista sim.
Creio, sim, que é pelo menos desconfortável esse dinheiro público. Contudo, que outro dinheiro esse pessoal possui em caixa?
Infeflizmente, penso que a situação é tão crítica que a situação era justamente essa: ou essa verba, ou uma parada fajuta. Talvez seja um caso de ‘mal menor’. Sei lá. O fato é que tenho claro que é melhor um aparada assim, mesmo com verba pública, do que absolutamente nada acontecer.
Abraços.
Por fim, acredito que os católicos ativos neste movimento são plenamente conscientes de seus deveres como batizados, por isso, não vejo muitos motivos para preocupação, pelo contrário, vejo sim motivos para estar seguros.
Esse pessoal é contra o aborto em TODOS os casos, e parece-me que isto está dito de forma mais do que transparente.
Ser contra o aborto é uma questão de lógica e não religiosa.
A Lenise Garcia, uma das organizadoras dessa marcha e conhecida de alguns desse blog, tem uma frase que me agrada muito nesse tema. A diferença entre um católico e um ateu de boa vontade na questão do aborto é principalmente de motivação para se manifestar contra.
Existem tantos argumentos para o católico não votar no PT que uma merreca de 147 mil (isso não é nada no orçamento federal) não faz nem cócegas.
Aliás, o plano de governo do PT defende abertamente a legalização do aborto. Votar no partido é aprovar seu plano de governo, e não o dinheiro que já foi gasto no passado.
Sem falar que o atual Ministro da Cultura é do PV, não do PT.
E tem mais: a luta contra o aborto não pode ser uma luta católica, assim, exclusivamente. Isso seria um clericalismo perigoso.
É uma luta da sociedade, pensando mais amplamente.