A existência do limbo das crianças não é dogma de Fé. No entanto, tampouco é uma doutrina descartável, ou uma hipótese medieval caduca, ou uma conclusão teológica equivocada que já não se justifica nos nossos tempos: em minha opinião, o limbo é simplesmente a resposta teológica mais coerente com a Revelação, e talvez a única a respeitar completamente a – agora, sim, dogma de Fé – necessidade do Batismo para a salvação.
A Comissão Teológica Internacional pensa diferente. Há um (já antigo, possui mais de dois anos) documento extenso dela que se propõe a defender a esperança para as crianças mortas sem o Batismo; em minha opinião, um dos piores textos produzidos por esta Comissão e um exemplo do deplorável nível teológico ao qual chegamos nos nossos dias.
O texto não é ruim por ser escrito “às pressas”, nem por ser um texto curto, nem [somente] por considerar apenas algumas poucas partes do problema: na verdade, o que faz o texto ser péssimo é precisamente o fato dele falar, falar, falar e não oferecer nenhuma resposta satisfatória, nenhum novo aprofundamento da questão que tenha um mínimo de embasamento teológico sério e, não obstante, passar a clara impressão de que o Limbo não existe mesmo e as crianças mortas sem Batismo vão direito para o Céu, gozar da eterna companhia d’Aquele que disse “deixai vir a Mim as criancinhas”.
O documento não diz isso expressamente. Ao contrário, afirma em sua introdução que seu objetivo é “motivar la esperanza de que los niños muertos sin Bautismo puedan ser salvados e introducidos en la felicidad eterna”. As palavras são bem escolhidas: “esperança” não é certeza, e “potência” [= ‘puedan ser salvados’] não é necessidade. No entanto, ao final da leitura, a conclusão à qual se chega é, sim, que há “poderosas razones para esperar que Dios salvará a estos niños”: as bem escolhidas palavras da introdução desaparecem na conclusão. É uma pena.
O que se pode falar sobre o Limbo? A Permanência tem dois textos: “O Magistério Desprezado” e “O Limbo”. É o oposto do documento da CTI: a impressão passada é a de que o Limbo existe mesmo e quem não o professa expressamente é um herege. Contra os arroubos de extremismo, é importante repetir que não é dogma de Fé; no entanto, se for para comparar somente os textos da CTI e da Permanência, é óbvio que os tupiniquins são incomparavelmente melhores. Com a clareza que tanto faz falta na teologia contemporânea:
Sobre o destino dessas crianças mortas sem Batismo existem: 1) o ensinamento claro da Sagrada Escritura: “Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não renascer da água e do Espírito Santo” (Jo 3, 5); 2) o ensinamento unânime dos Padres (Tradição) sobre a necessidade absoluta do Batismo para salvar-se. Pelágio e seus discípulos que, ao negar a transmissão do pecado original e suas conseqüências, negaram também essas verdades, foram condenados pelo Concílio de Mileto (416) e em seguida pelo Concílio de Cartago (1418), ambos aprovados pelo Papa: “Se alguém diz que as palavras do Senhor: ‘Há várias moradas na casa de meu Pai’ devem ser entendidas no sentido de que no reino dos céus há um certo lugar intermediário ou que existe um lugar qualquer onde vivem felizes as crianças mortas sem Batismo, sem o qual elas não podem entrar no reino dos céus que é a vida eterna, que seja anátema” (Denz. 102 nota 4).
Na minha opinião, só faz sentido questionar a existência do Limbo se se for capaz de oferecer uma resposta teológica adequada à necessidade absoluta do Batismo para a salvação: sentimentalismos infantis do tipo “Deus quer salvar a todos” não valem. Ainda na minha opinião, é muito mais interessante fazer questionamentos sobre a natureza do Limbo.
Por exemplo, como eu conversava há pouco com um amigo: o Limbo é eterno? Caso seja, ele fica no Céu ou no Inferno? Ou existe alguma outra realidade eterna além do Céu e do Inferno? Caso não seja eterno, o que vai acontecer com ele após o Juízo Final? Se ele é eterno e fica no Céu, é possível haver Céu sem visão beatífica? Se ele é eterno e fica no Inferno, é possível haver felicidade natural plena no Inferno?
Ou ainda: as crianças que morreram antes da Vida de Cristo, foram para onde? Para o Limbus Patrum, ou não? Quando Nosso Senhor desceu aos Infernos, levou-as para o Céu junto com os Patriarcas? Ou jogou-as no Inferno? Ou colocou-as no Limbus Infantum recém-inaugurado?
São muitas perguntas cujas respostas eu sinceramente não sei. Talvez os teólogos modernos tenham preferido furtar-se a respondê-las, e fizeram isso varrendo convenientemente o Limbo para debaixo do tapete, já que não é dogma de Fé. O que eles esquecem, no entanto, é que ninguém propôs o Limbo por estar entediado sem nada para fazer. Ao contrário, o Limbo foi proposto como uma tentativa de solução para o problema real e inquestionável da necessidade do Batismo para a salvação: se querem esquecer o limbo, que se debrucem sobre o problema que o motivou! O que não se pode aceitar é que a descrença no limbo termine por provocar – como naturalmente provoca, postas as coisas como foram – uma descrença na necessidade de se batizar. O que não se pode aceitar – e que infelizmente acontece – é que relativizem a importância do Batismo, ao desconsiderarem o Limbo das Crianças.
De fato, a graça de Deus não está circunscrita aos Sacramentos. Mas Ele também não pode Se contradizer e, se instituiu o Batismo como necessário à salvação, foi para que não descuidássemos desse meio através do qual temos acesso à vida da graça.
Vale também salientar que o Batismo pode ser de água, de sangue (caso de martírio) e de desejo, caso este em que se enquadra a figura de S. Dimas.
Sr. Rafael, como que o bom ladrão não foi batizado?, o batismo de desejo não conta?.