Mostraram-me que a CNBB havia divulgado orientações sobre as eleições. Para ser mais preciso, “[u]ma nota intitulada “Votar Bem” com dez orientações sobre a participação dos fiéis nas próximas eleições foi divulgada nesta quinta-feira, 1, pelos 50 bispos do Regional Sul 1 da CNBB (estado de São Paulo), que participaram da 73ª Assembleia dos Bispos do Regional”.
Fui ver a nota. Nada surpreendentemente, ela apresenta em sua virtual totalidade um tom esquerdizante e naturalista, apenas com alguns surtos (mínimos) de catolicidade – mas mesmo assim tíbios o bastante para serem, na melhor das hipóteses, inócuos. São, na verdade, desorientações. Mais confundem do que ajudam.
O exemplo mais claro disso que estou falando pode ser visto da seguinte maneira: é óbvio que a Igreja não tem (e nem pode ter) candidato político. Mas a Igreja pode e dever dizer quem NÃO é um candidato aceitável. Ora, nas citadas orientações, qual a única ocasião em que é dada uma orientação negativa? É justamente quando, no ponto 6, diz-se que “[c]andidatos com um histórico de corrupção ou má gestão dos recursos públicos não devem receber nosso apoio nas eleições”.
Ou seja, segundo a Regional Sul 1 da CNBB, a única coisa que é inaceitável na política brasileira a ponto de merecer uma “desrecomendação” pública e expressa é… a má gestão dos recursos públicos! E o aborto? Quem apóia aborto pode receber o apoio dos católicos nas eleições? Na nota, isso não está dito com a ênfase necessária. Orienta-se apenas que se “veja” (sim, o verbo é esse mesmo!) “se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com a justiça e a solidariedade social, a segurança pública, a superação da violência, a justiça no campo, a dignidade da pessoa, os direitos humanos, a cultura da paz e o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até à morte natural”. Só no final de uma longa e enfadonha lista é feita menção ao aborto, e mesmo assim sem nem mesmo usar a palavra exata.
E o Gayzismo? Pode-se dar o voto a gayzistas? De novo, a nota não diz quase nada. Fala-se, muito genericamente, no “respeito à família”. “Ajude a promover, com seu voto, a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural”. De novo, como na questão do aborto, não há a recomendação negativa que existe para a “má gestão dos recursos públicos”. Parece que, para a CNBB, a primeira e mais importante coisa que deve ser olhada é se o candidato possui “ficha limpa”. O resto, é plena discordância legítima. Votar em quem tem “histórico de (…) má gestão dos recursos públicos” é o único crime que não pode ser cometido, o único pecado cívico contra o Espírito Santo que não tem perdão. O resto, é coisa de pouca monta, é diversidade legítima. “Veja” se seu candidato é abortista, “ajude” a defender a família…
Sugiro que se catolicize este lixo naturalista emanado pela Conferência. Sim, católicos, votem apenas em quem possui a ficha limpa!
Seu candidato já foi terrorista? Ficha suja! Não vote nele! O seu candidato já desviou recursos públicos para a promoção da imoralidade na Parada da Vergonha Gay? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele. O seu candidato já batalhou pela liberação do aborto no Brasil? Ficha suja! Não vote nele. Já autorizou o uso de dinheiro público para o assassinato de crianças inocentes? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele!
Só assim os católicos poderão exercer de maneira consciente a sua cidadania. Senhores bispos, custa falar as coisas da maneira que o povo entenda?
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Como se não bastasse a desorientação pastoral que consta na tal nota, a primeira frase que se lê nela é uma grosseira heresia. Em negrito e itálico, é dito que “o poder político emana do povo”, em frontal contradição à carta de São Paulo aos Romanos, onde o Apóstolo diz que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13, 1).
Esta tese liberal e revolucionária de que o poder emana do povo já foi expressamente condenada pela Igreja. Por exemplo, pelo Papa Leão XIII, na Encíclia Libertas (o texto é longo, mas vale a pena ser lido porque é profético):
17. E, com efeito, o que são os partidários do Naturalismo e do Racionalismo em filosofia, os fautores do Liberalismo o são na ordem moral e civil, pois que introduzem nos costumes e na prática da vida os princípios postos pelos partidários do Naturalismo. — Ora, o princípio de todo o racionalismo é a supremacia da razão humana, que, recusando a obediência devida à razão divina e eterna e pretendendo não depender senão de si mesma, se arvora em princípio supremo, fonte e juiz da verdade. Tal é a pretensão dos sectários do Liberalismo, de que Nós falamos: não há, na vida prática, nenhum poder divino ao qual se tenha de obedecer, mas cada um é para si sua própria lei. Daí procede essa moral que se chama independente, e que, sob a aparência da liberdade, afastando a vontade da observância dos preceitos divinos, conduz o homem a uma licença ilimitada.
É o que, finalmente, resulta disto, principalmente nas sociedades humanas, é fácil de ver; porque uma vez fixada essa convicção no espírito de que ninguém tem autoridade sobre o homem, a conseqüência é que a causa eficiente da comunidade civil e da sociedade deve ser procurada, não num princípio exterior ou superior ao homem, mas na livre vontade de cada um, e que o poder público dimana da multidão como sendo a sua primeira fonte; além disso, tal como a razão individual é para o indivíduo a única lei que regula a vida particular, a razão coletiva deve sê-lo para a coletividade na ordem dos negócios públicos; daí o poder pertence ao número, e as maiorias criam o direito e o dever.
Leão XIII, Libertas Praestantissimum, grifos meus
O que eu grifei, e que o Papa condena, é exatamente o que, com quase as mesmas palavras, a CNBB afirma hoje! Se fossem católicos ignorantes, poder-se-lhes-ia desculpar; mas os pastores da Igreja iniciando um documento com uma erro doutrinário crasso já condenado pelo Magistério há muito tempo, é demais. Exsurge, Domine! Quare obdormis?
Nossa, mas isso me decepciona tanto…Gente, nem os intelectuais aguentam tanta verborragia. Será que é isso que se espera de um bispo? É como se estivessemos sempre em aulas de um professor esquerdista. Para mim já não é redundante dizer “bispo católico”. Já vi que temos bispos de outros times…
E não pensem que digo isso como o paladino da verdade e da santidade. Só me dói pensar que nem mesmo os nossos pastores nos defendem dos lobos mais…
JUNTO CONTIGO EU CLAMO:
“Exsurge, Domine!”
É muito salutar para nós Católicos debater este assunto.
Creio que a Igreja tem mesmo que defender mais a Deus e deixar de temer o inimigo que é o “Poder Publico”, ou nos esquecemos que são os Católicos em sua grande maioria que dão seu voto nas urnas.
A verdade é que o voto é nosso e não deles, se orientarmos o nosso povo como convém, ladrões não serão eleitos, abortistas também não, mas quando não queremos interferir neste processo eletivo, ai sim é que patrocinamos a arrancada dos maus e a eleição dos ateus que não tem o mínimo de consciência e só pensam em roubar e fazer do povo um trampolim para o poder.
Há porém que admitir que os candidatos com ficha suja chegam a quase 40% do total e coincidentemente são os mesmos que são abortistas, Gaizistas e etc…, sobram poucos que são deste time que não possuem ficha suja.
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Jorge, posso copiar uma parte deste texto? “Seu candidato já foi terrorista? …Não vote nele!” Penso em fazer uns folhetos para distribuir.
Pessoal, olhando pelo lado positivo, essa nota foi o que melhor eles puderam fazer! Ela não diz nada além de clichês, mas também não faz propaganda descaradamente petista. O que já é alguma coisa… E, sejamos sinceros, as entrelinhas compõem um discurso contrário ao laicismo, ao aborto, a toda cartilha da Dilma. É natural esperarmos algo mais pontual dos senhores bispos… Mas estamos falando da CNBB. Imagino que com muito esforço o poder do petistinhas foi neutralizado durante a produção dessas orientações. Eu me dou por satisfeito, embora lamente o tal “o poder emana do povo”. Enfim, vai ver que publicar essa tolice foi a chantagem que fizeram para liberar uma nota tão controlada. O bom é que defenderam a família e o direito de viver. Amém por isso. Um milagre!
Os verdadeiros filhos da Igreja devem atuar como os bons filhos de Noé e tapar a nudez de seu pai, em vez de ficar alardeando sua embriaguez. Ficar atirando pedras aos bispos não ajuda em nada e está em contradição com o conselho paulino de “praticar a verdade no amor” (Ef 4,15), recordado por Bento XVI na Caritas in veritate (nº2, §2).
Por outro lado, “todo o poder emana do povo” é uma citação livre do primeiro artigo da Constituição brasileira. Sua inserção na nota da CNBB tem mais caráter patriótico do que teológico. Acusar de heresia assim certamente é ligeireza.
Segundo D. Roberto Grosseteste (1173-1253), “heresia é uma opinião escolhida pela percepção humana, criada pela razão humana, fundamentada nas Escrituras, contrária aos ensinamentos da Igreja, publicamente confessada e obstinadamente defendida”. — Claramente, não é este o caso.
Admiro vc Wagner, sinceramente! Sempre buscando o lado positivo. :-)
Tento fazer isto, mas o meu limite vai até ler uma heresia. :-)
Sei lá, meu caro Wagner, mas o fato é que em plena época de eleição lançar uma notinha desta, e que inicia por uma “grosseira heresia” é não apenas pouco, é desnecessário.
Não tenho mesmo como me dar por satisfeito com uma nota em que os senhores bispos diziam estar exercendo sua missão pastoral iniciar com coisa que eles jamais deveriam dar aval, sequer repetir. Confunde os fiéis, quando deveriam esclarecer.
Aliás, acho bom ninguém se dar por satisfeito, pois é por sempre ficarmos jogando para empatar que acabamos engolindo os maiores sapos vindo da CNBB. E heresia, cá entre nós, é um baita sapão.
[]’s
Discordo do autor quanto ao tom das críticas. O fato é que a nota da CNBB efetivamente indica quais as posições que um católico coerente deve defender. A Igreja não é partido político e não fará panfletos contra o candidato A ou B. Se ela agisse assim, acabaria se desvalorizando e virando um Partido Católico, o que não é sua missão.
Sobre a acusação de heresia, gostaria de saber se é um exagero movido pela raiva, ou se o autor a levaria às conseqüências lógicas. Seriam hereges todos os constituintes de 1988, todos os presidentes da república que juram respeitar a Constituição, todos os ministros do STF que guardam a Lei Maior? Um católico não pode se candidatar a presidente, nem exercer cargo público (pois implica em guardar os valores constitucionais)???
Ou não será o caso de entender que Leão XIII falava contra uma filosofia, da qual “todo o poder emana do povo” não passa de uma expressão? E que essa frase pode ser usada em contextos que não tenham nada de anti-cristãos?