Lula e o aborto

Recebi, hoje, por email, uma notícia do Terra com a chamada “Lula critica Igreja e propõe dia contra a hipocrisia”. Nem li. Não, quando se trata do Presidente da República, do alto de sua sabedoria nossa velha conhecida, eu tinha de ler o que ele tinha dito, com as suas palavras. O discurso deu-se na abertura do Seminário “Mais Mulheres no Poder: Uma Questão da Democracia”, e a íntegra todos podem conferir no site da Presidência. A parte que nos interessa, e aqui reproduzo, é a parte em que o presidente comenta o lamentável caso de aborto aqui em Pernambuco. Pois bem, terminado o exórdio a essa obra de sabedoria suprema… aí vai:

“Recentemente, vocês viram aquele problema da menina de Pernambuco, que engravidou.  Vocês viram? [Há! Viram mesmo? O problema da menina já não mais é ter sido estuprada, mas estar grávida] É mais do que absurdo. Como é que se pode proibir a medicina de cuidar de uma menina que ficou grávida indevidamente? [Olha, eu nunca vi gravidez ser tratada como doença, mas mesmo considerando-a assim, alguém aqui quis impedir os médicos de prestar-lhe assistência? Eu só queria que a medicina tivesse cuidado também dos bebês!]Eu fui questionado porque no Carnaval, eu estava no Carnaval, o Temporão apareceu lá, ele e a equipe de Saúde, distribuindo preservativos. E eu joguei preservativos. Ora, eu não posso, como pai e como presidente da República, fingir que distribuir preservativos é ruim. [Opa! Então quer dizer que o pai agora já não pode mais negar que a distribuição de preservativos é ruim!] Quem sabe o que significa a Aids, quem sabe o que significa a doença, tem mais é que levantar a cabeça e falar: “o governo tem que tratar dessas coisas, sim”. [Opa, aqui eu fico em dúvida se o presidente errou a preposição e quis dizer “tratar essas coisas”, se referindo a AIDS, ou se em algum sentido quase perdido no meio da frase mal construída ele quis dizer que o governo tem de falar disso… Sei lá! O que eu sei é que ninguém no mundo — acho eu, talvez algum lunático seja uma exceção — acha que o governo não deve tratar a AIDS ou tratar da AIDS. O problema é o “como”]

Se perguntarem para mim: “Lula, você, homem, é contra ou a favor do aborto?” Eu falo: como cristão, eu sou contra o aborto – poderia dizer. Agora, como chefe de Estado eu tenho que tratar como uma questão de saúde pública. Não pode ser diferente.” [“Ai, Amara! Jogasse o sabonete, pegou na minha cara!” Mais liso, impossível. Lula, então, tem três pessoas. Eu sempre achei que endeuzavam o presidente, especialmente depois que construíram um parque aqui em Recife em homenagem à Lindu, sua mãe, sendo que ela sequer morou em Recife. O mérito de Lindu é ser mãe de Lula, e o parque lhe é merecido pelos méritos do seu divino excelentíssimo filho! Aqui Lula, homem, cristão e chefe de Estado tem três posições sintomáticas:

Quando perguntam ao homem Lula, o homem Lula responde como cristão, sem antes de terminar fazer a ressalva de que “poderia dizer”. Óbvio, o homem Lula não pode se comprometer com a posição cristã do cristão Lula! Então, o homem Lula diz que o cristão Lula poderia dizer que era contra o aborto. Ok. Mas o presidente Lula — como é da essência do seu gênero, os políticos, ser escorregadio — diz que tem que tratar como uma questão de saúde pública.

Recapitulando: o homem Lula, que nada fala de si mas fala pelos outros, diz que como cristão Lula poderia dizer que é contra o aborto (sabe-se lá o que isso significa “poder dizer ser contra o aborto”), mas como presidente é uma questão de saúde pública. Ora, eu, Erickson, indivíduo uno, sou contra o aborto e também acho que é uma questão de saúde pública… Uma questão de saúde dos bebês, saúde psíquica da mãe que aborta e de a saúde mental da população que parece ser emburrecida a ponto de engolir um absurdo desses!

Não pode ser diferente…

A imbecilidade lhes subiu à cabeça

“”Os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação” (Gustavo Corção)”

Opa, esta frase já andou aqui no blog. O texto de que foi tirada é uma jóia de Gustavo Corção chamado “Antigamente calavam-se…” [ e que pode ser lido aqui ]. A burrice, caríssimos, é antiga demais pra ser computada. A ignorância, antiquíssima. O moderno é se orgulharem destes traços de si. O moderno é não se esforçar por ser mais, é querer que todos os outros sejam menos — iguaizinhos a si!

Jorge cobre inteiramente a minha opinião sobre o caso do aborto dos gêmeos. Muita coisa se falou deste caso, e muita coisa há ainda por se descobrir. O que todo mundo vê é a canalhice da imprensa. O que todo mundo vê é todo mundo a dizer o que, como e quando o sr. arcebispo deveria agir. Todos opinam, porque todo imbecil tem pressa de concluir. Diante da realidade, não analisa os fatos, toma o que lhe é dito como verdade. Para um imbecil, não há fato que baste ao seu argumento.

Chamam ao arcebispo truculento… Suave é o Cytotec! Dizem que o arcebispo quer publicidade a todo custo. Será? E imprensa que mente e exagera — conhecidos são os episódios de atrito entre D. José e a tolerante imprensa pernambucana — e as entidades abortistas não? Não. Má mesmo é a Igreja. Dia desses, no supermercado, sobreouvi uma conversa atrás em que uma senhora comentava com uns amigos que a Igreja nada podia falar porque tinha matado milhares.

Apesar de também ser mentira o que dizem, devo dizer: quem nunca matou ninguém foram as clínicas abortistas! O serviço de desinformação proposital, com o intuito patente de escarnecer a imagem de um arcebispo fiel como poucos, fazê-lo parecer a imagem mais ilustre de um inquisidor pintada por um revolucionário francês, enoja-nos, sim. Mas os imbecis alimenta.

Dizem ser um absurdo a afirmação do arcebispo de que é mais grave o aborto do que o estupro! Quanta vigarice! Se o bem da vida já não é o mais importante, o que aconteceu foi que os imbecis agora já tem o senso das proporções inteiramente deturpado. Quando se aceita matar inocentes por qualquer motivo, tudo é permitido. O senso moral, a proporção, a ordem do mundo, a lei de Deus, a lei natural… Contra tudo isso foram vacinados os imbecis, em doses suaves consumidas pelos olhos e ouvidos. A imbecilidade lhes subiu à cabeça.  Os olhos e os ouvidos, tornaram-se cegos e surdos ao bom senso, e A boca tornou-se um outro alto-falante, a reproduzir imbecilidades, num ciclo sem fim.

Küng, por obséquio, silêncio!

Meus caros, eu gostaria de começar esse post com uma sequência verborrágica de palavras que sem dúvida alguma passariam longe do decoro guardado neste blog durante todo este tempo. Procurando “papa” no motor de busca do site da Folha de São Paulo, encontrei a seguinte reportagem, a qual reproduzo por inteiro, com os devidos comentários em vermelho e entre colchetes:

Teólogo pede renúncia do papa após reabilitação de bispo que negou Holocausto [já começa a canalhice cedo, por dois pontos: primeiro, Williamson nunca negou o holocausto, simplesmente afirmou que os números são exagerados e questionou a existência de câmaras de gás. Segundo, o levantamento da excomunhão não tem nada, nada, nada a ver com a opinião política de quem quer que seja]

da Efe, em Berlim

O teólogo heterodoxo suíço Hans Küng pediu a renúncia do papa Bento 16 [o que diabos faz um teologozinho de meia-tigela pedindo a renúncia do Sumo Pontífice?] após o escândalo gerado pela reabilitação à Igreja Católica do bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto e recentemente teve sua excomunhão suspensa. [Agora, eu não sei o que a EFE escreveu, mas “suspender” excomunhão é o termo mais inadequado que eu já vi pra tratar do que fez o papa. A pergunta que não quer calar é o que significa, exatamente, suspender uma excomunhão? Ademais, novamente a imprensa foca todo o caso na — já falsa — acusação de que Williamson nega o holocausto (vide supra)!]

Para Küng, a reabilitação de Williamson é apenas um equívoco a mais na série de erros com os quais Bento 16 vem pondo novos obstáculos no diálogo que as Igrejas cristãs travam entrem si e com outras religiões. [quer dizer, a re-incomunhão do bispo Williamson — e não dos outros — é um erro constituinte de um novo obstáculo? E a re-incomunhão dos outros 3, não? Nem seguir o próprio pensamento o pobre consegue…]

“Primeiro, ele questionou se os protestantes formam uma Igreja. Depois, em seu infeliz discurso de Regensburg, chamou os muçulmanos de desumanos. E agora ofende os judeus permitindo o retorno à Igreja de um negador do Holocausto”, disse Küng em declarações ao jornal “Frankfurter Rundschau”. [Não há questionamento. A Congregação para a Doutrina da Fé tem um documento especificando que o nome que se dá às “igrejas” protestantes é “comunidade eclesial”. A má-fé se faz patente quando se atribui ao Papa a sua anuência ao conteúdo de uma citação, algo como se dissessem que eu estou a defender a renúncia do Papa ao publicar este excremento jornalístico travestido de reportagem! De novo, um delito canônico que tem a sua pena perdoada pelo Papa sequer tem nada que ver com judeu nenhum, quanto mais ofender alguém. A Santa Sé já repetiu ad infinitum a sua opinião sobre a Shoah…]

“É hora de substituí-lo”, acrescentou Küng, que foi companheiro do papa quando ambos eram professores de teologia católica na Universidade de Tübingen. [Claro! Afinal de contas, o papa é um jogador de futebol que não vem rendendo e incomodando a torcida, não a do seu time, não a do adversário, mas a dos torcedores do time de rugby da cidade de Jati, no Ceará! Ah! E o treinador é o sr. Küng!]

O Vaticano proibiu Küng de ensinar a teologia católica em 1980, depois que ele questionou o dogma da infalibilidade papal.

Desde então, teólogo heterodoxo suíço, que permaneceu dentro da Igreja Católica, mas sem poder atuar como padre, se dedica ao diálogo entre as religiões.

Já Williamson e outros três bispos seguidores do cismático ultraconservador Marcel Lefebvre foram reabilitados pelo papa há uma semana.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u496876.shtml

Quer dizer, a Folha já faz reportagens ruins sem ajuda de ninguém. Quando faz clipping de agências internacionais então.. Só sai besteira! Vejamos a entrevista do Hans Küng ao jornal La Repubblica, publicada pela comunistíssima ADITAL:

– Professor Küng, qual é a importância da revogação da excomunhão dos quatro bispos?

– Os significados fundamentais foram propostos pelo processo geral em curso. A questão da revogação da excomunhão dos quatro bispos, segundo minha opinião, sozinha, não é tão importante, mas tem um significado e deve ser vista e enquadrada no contexto geral de restauração. [So far, so good.]

– Qual o significado deste contexto geral e os últimos acontecimentos?

– No contexto geral os últimos acontecimentos são um sinal do contínuo enrijecimento do Vaticano, a contínua marcha para trás, a contínua sequência de passo após passo para trás. Penso em tomar uma posição mais clara sobre os acontecimentos neste contexto. Estou refletindo ainda como fazê-lo. [Enrijecimento só se for do prumo entre as colunas da Santíssima Virgem e da Eucaristia… Adivinha o que está no meio? O Papa! A marcha é, de certa forma, pra trás: é em direção à Unidade, cujo sinal visível é o próprio Pontífice!]

– Quanto é preocupante e sério este processo?

– É muito preocupante. Mas quero esperar ainda alguns dias para fazer ouvir a minha voz. [Tomara que os dias se tornem semanas, e as semanas, meses, e os meses, anos, até o fim dos séculos! Sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

– Mas quanto ao caso Williamson, fiéis e a opinião pública ainda estão chocados. O que o senhor pensa?

– Williamson é somente um aspecto do contexto geral. Não o único. Por mais que o antisemitismo seja nojento, o conjunto do desenvolvimento em curso é muito mais carregado de conseqüências. [Viram? Pelo menos não perdeu o senso das proporções!] Estamos falando de pessoas que não ainda não subscreveram a declaração sobre a liberdade religiosa e o decreto sobre os judeus (documentos do Concílio Vaticano II, nota da redação) [Na verdade, ele deixou os pontos mais sensíveis de fora… So sweet! A dureza com que os rad-trads atacam a licitude da Missa segundo o Missal de Paulo VI é, sem dúvida, uma das chagas mais profundas. Com ela, se diz que a Igreja e o seu culto máximo a Deus, Nosso Senhor, é um ato ilícito e ainda protestantizado! E ainda faltou a questão do ecumenismo. Quanto aos judeus, eu nunca tinha ouvido falar dessa, ainda mais depois de ver a entrevista de D. Fellay chamando os judeus de “irmãos mais velhos” e dizendo que o anti-semitismo não tem lugar na FSSPX no Rorate Caeli…]

– Ou seja, o problema não somente a polêmica cristãos-judeus, mas as idéias de fundo da Igreja sobre o seu lugar no mundo moderno?

– Sim. A questão é o conjunto do curso que o Papa Ratzinger desencadeou na Igreja. Sem dúvida, um percurso que volta, significativamente, para trás.

– Isso também diz respeito ao Papa Wojtyla?

– Sim. Certamente, Papa Wojtyla soube evitar alguns erros, e sabia falar melhor às pessoas. E foi ele que excomungou os bispos de Lefebvre. Eis um outro exemplo de um passo para trás. Em geral, a vontade de reconciliação com os membros da Fraternidade Sacerdotal Pio X pode ser avaliada positivamente. Mas, insisto, mas não está ainda claro que estes bispos reconhecem o Concílio Vaticano II ou que respeitam o decreto sobre a liberdade religiosa. [Está claríssimo, só Küng que não vê: apesar do Cardeal Castrillón ter dito que Fellay reconhece o Vaticano II teologicamente, é ponto pacífico que eles rejeitam uma parte do Concílio! Não há coisa mais clara. Williamson e de Mallerais não nos deixam esquecer disso!]

– O Papa vive verdadeiramente no mundo moderno, ele entende os fiéis?

– O Pontífice vive no seu mundo. Ele se afastou dos homens e, além de grandes procissões e pomposas cerimônias, não enxerga mais os problemas dos fiéis. Por exemplo, a moral sexual, a cura pessoal das almas, a contracepção. A Igreja está em crise. Espero que ele reconheça isso. [A Igreja está em crise, e claro que o Papa reconhece. Mas a dimensão da crise não tem nada a ver com o que Küng está falando. A moral sexual da Igreja, longe de ser um problema, é a solução dos problemas afetivos que assolam o mundo moderno. Acusar o papa de ter perdido de vista “a cura pessoal das almas” é um absurdo sem tamanho. Qualquer um que leu principalmente os livros-entrevista com o Papa sabe que essa afirmação é completamente gratuita e imerecida!. Sobre contracepção, bem… É tema recorrente deste blog, inclusive um texto muito bom sobre o número de filhos que Jorge publicou] Serei feliz se der passos de reconciliação também na direção dos ambientes dos fiéis progressistas, Mas Bento não está vendo que está alienando a si mesmo de grande parte da Igreja católica e da cristandade. Não vê o mundo real. Somente vê o mundo vaticano. [Quer dizer, agora Nosso Senhor Jesus Cristo, em favor da opinião do sr. Küng, deve diminuir as exigências morais feitas ao homem, porque aparentemente, para Küng, só existe um lugar no mundo em que a vida santa pode ser praticada: a Basílica de São Pedro e o seu arredor. Todo o resto deve ser fadado a uma moral canhestra, cujo conteúdo deve se adaptar aos vícios locais, haja vista ser esta a interpretação da inculturação que tem o sr. Küng! Fugir da realidade, cujo criador é o próprio Deus, é querer exigir do homem menos do que ele é capaz. É massificar a sociedade inteira! O Papa não faz mais do que a sua obrigação quando cobra dos cristãos a nobreza que é própria dos filhos de Deus redimidos pelo preciosíssimo sangue de Nosso Senhor na cruz! Faça-nos um favor, sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

Edito: Dionísio Lisboa bem me lembrou que os tradicionalistas não negam a validade, mas a licitude da Missa Nova. Corrigido!


Tempo e Eternidade

Publico o texto-base de uma palestra minha. Perdão pelo caráter de esboço, todavia, talvez seja de proveito a alguém. Segue:

Tempo e Eternidade

45 minutos.


Imagine um banco que credita na sua conta 86.400 reais toda manhã.  O único problema é que não é acumulativo. Toda noite, o banco zera tudo o que você não usou durante o dia. Então, o que você faz? Saca cada centavinho. Todos nós temos um banco como este: o tempo. Toda manhã, o tempo credita 86.400 segundos. Toda noite, zera, como se perdido, tudo o que você não investiu com um bom propósito. Não se acumula. Não permite empréstimo. Todo dia, 86.400 segundos e toda noite, zera.

Com a distância, dá-se outra coisa: é um obstáculo ao qual vivemos vencendo. Dos próprios pés, ao cavalo, ao carro, ao avião… Mas o tempo permanece inconquistável. Não pode ser expandido, acumulado, comprado, hipotecado, adiantado ou adiado. É uma coisa completamente fora do nosso controle. Nunca voltará e talvez muito em breve deixará de vir.

A contagem da nossa vida dá-se de forma interessante. Comemoramos o aniversário pelo tempo que passamos, mas a realidade da morte se faz tão presente, que podemos pensar na vida como um grande relógio, em que o tempo corre e nós não sabemos quando ele vai parar.

Deus colocou no coração de cada homem um desejo de infinito. Ora, tudo que existe, existe com um propósito. Deus não poderia criar um desejo despropositado, porque, quando criou o mundo, viu que tudo era bom. O homem caído tende a perverter este desejo de infinito: é por isso que vemos declarações como “o homem se torna imortal pela história” ou, quando falece um ente querido, que ele “está vivo em nossa memória”. Isto tudo tem sementes de verdade. Mas Deus quando fez o homem, logo disse que tudo era muito bom. O homem quando criado, não morria. E o homem caído, deseja não morrer.

Exemplos de perversão do desejo de infinito são inúmeros. Querer fazer uma obra tão grandiosa – seja ela filosófica, literária, arquitetônica – que permaneça para sempre e de certa forma o torne imortal é a manifestação mais comum. É certo que o filho, de certo modo, continua o pai, mas pergunte-lhe se o pai falecido não lhe faz falta! É claro que faz! Porque a memória de uma pessoa é distinta da própria pessoa. Uma foto contém a pessoa mas não É a pessoa. Ninguém mata as saudades de um amigo distante por webcam ou por MSN.

Eclesiastes, capítulo 3

O QUE DEUS FEZ SUBSISTIRÁ SEMPRE! Ortega y Gasset, em sua Rebelião das Massas, fala de um homem-massa que surgiu no mundo na modernidade. O homem-massa não aceita ordens, porque não aceita superiores. O homem-massa não se quer melhorar, mas reduzir o mundo inteiro a sua mediocridade. Mas o cristão é um nobre e a nobreza obriga! Noblesse oblige! O cristão não se contenta com a sua mediocridade, porque olha o alto. Aspira às coisas do alto, onde está Cristo, não às coisas do mundo.

Ao homem sem Cristo, a vantagem que têm sobre os brutos não é nada. Posto que nenhuma obra humana é meritória, por si só, do céu. O céu, a salvação, Deus no-la dá gratuitamente. Deus, salvando, nos salva gratuitamente.

A Missa de Requiem de Mozart, famosíssima, tem um movimento – para mim, o mais belo –, uma parte do “Dies Irae” a que foi dado nome de “Rex tremendae”, do verso “Rex tremendae majestatis, qui salvandos salvas gratis. Salva me, fons pietatis”. Dá a diferença da majestade divina e da nossa posição em relação a Deus pelo tom usado no verso: quando se fala da majestade de Deus, o coro vem vigoroso, quando se pede perdão, uma voz suplicante.

A relação do Tempo e Eternidade é sempre a relação do pecador com o Rei de majestade tremenda. Se o temor de Deus é fonte de sabedoria, o temor do tempo é a chave da Eternidade. O cristão deve, como S. Josemaría costumava dizer, fazer o ordinário extraordinariamente. Aproveitar o tempo é uma questão de justiça. O “banco” do tempo, o Senhor, dá o tempo, que é um dom. O dom do tempo não pode ser multiplicado em absoluto, mas é multiplicado quando preenchido de maneira justa.

Para cada coisa há um momento debaixo dos céus. Convém ao homem ajustar o seu tempo ao tempo de Deus, louvando-o com o seu tempo, não só em oração – o que é, de fato, fundamental – mas fazendo todas as coisas do melhor jeito possível. Plantar, colher, matar, curar, destruir, construir, chorar, rir, gemer, bailar, atirar pedras, recolher pedras, abraçar, se separar, buscar, perder, guardar, jogar fora, rasgar, costurar, calar, falar, amar, odiar, guerrear, pacificar. O ordinário, extraordinariamente.

O pecador que vive no tempo, contemplando o Senhor, contemplando a Eternidade, deve querer mudar. Deve querer merecer a vida eterna. Mas ninguém a merece por si.

Mas “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Antes de Cristo, o Santo dos Santos era velado. Agora o próprio Deus, o Verbo Encarnado, desvela-se e se nos apresenta a nós como “caminho verdade e vida”

Vida! Que vida? A vida em plenitude. Que consiste em viver no tempo em união com Deus, de modo a estar unido com Ele, no céu. A vida em Cristo é luta constante. E necessitamos de um olhar atemorizado a Deus, à Eternidade para termos o próprio sentido da nossa vida terrena.

Se não vivemos para a Eternidade, então a vida é vazia. Isto é, se não vivemos em Cristo, com Cristo e por Cristo, nunca teremos a vida em plenitude. Deus nos amou e nos amou até o fim. Também nós devemos renovar o nosso amor a Deus em todos os momentos, glorificando-o no uso do tempo, tendo em vista a Eternidade, até o fim, porque ao cristão é dada a obrigação de ser outro Cristo.

Qual deve ser a nossa postura, então, diante da Eternidade? Dizem os biólogos que o olhar humano vê as coisas por dois corpúsculos, um detectando luz e outro, cor. Podemos dizer que o olhar cristão tem três, a detectar temor, admiração e súplica. Temor do próprio Deus, da sua imensa majestade, da danação eterna – a qual merecemos nós, se Deus usar de justiça — , admiração, pelo que vemos – a criação reflete Deus como um espelho difuso e as obras meritórias dos homens o refletem ainda mais, porque somos feitos à sua imagem, e pelo que vamos ver; se vemos agora como que por um espelho difuso, então veremos face a face e súplica, para que Deus nos julgue por Sua misericórdia e não pelo que merecemos.

Em tudo, devemos ver a grandeza de Deus, que nos deve fazer perceber quão pequeno é o tempo e quão dilatada é a eternidade, o temor da justiça divina, que nos deve fazer odiar o pecado, por nos fazer merecer o inferno e não o convívio de Deus e dos santos e suplicante, ao mesmo tempo de agradecimento e suplicante de fato.

Se são esses os componentes do olhar cristão, o olho é janela da alma. É pelo temor, pela admiração e pela súplica, que a Eternidade – e consequentemente o próprio Deus – deve entrar em nossa alma e transformá-la: uma “alma-massa” em uma alma nobre! Uma alma que se obrigue a ser melhor! A dar mais por Deus e pelas almas! A fazer tudo como se tudo dependesse de si e rezar como se tudo dependesse de Deus! A fazer o ordinário extraordinariamente, a contemplar a eternidade – triplamente – nas obras de Deus e dos homens: sabendo admirar o que nos aproxima dela e a odiar o que nos afasta.

“A esperança teologal e a  certeza de que esta curta vida culmina na felicidade eterna são para o cristão precisamente uma fonte de consolo e fortaleza”[1]. A vida do homem no mundo é uma luta constante. Mas ao enxergar o mundo pelas lentes da eternidade, quando se vive em Cristo, quão suave são as tribulações mundanas! Quão grande é o que é de Deus, quão breve o tempo e quão dilatada é a eternidade!

“Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então vivemos.” [2]

[1] Pe. Marcial Maciel, LC: “Tempo e eternidade”

[2] S. S. Bento XVI: “Spe Salvi”
Edito, acrescentando o “Rex tremendae majestatis”, regido por J. E. Gardiner:

[youtube=http://br.youtube.com/watch?v=r6lvFcUIYdk]

Cardeal Castrillón: “Fellay reconheceu o Concílio Vaticano II”

Em entrevista ao Corriere della Sera, que chegou até mim pelo Rorate Caeli [ pdf em italiano aqui ], o cardeal Castrillón afirma: “A plena comunhão chegará. Na nossa conversa, Mons. Fellay reconheceu o Concílio Vaticano II, o reconheceu teologicamente. Restando apenas algumas dificudades”.

Parece-me sem dúvida uma excelente notícia. A repercussão e comentários só os terei amanhã. É provável que Jorge comente o assunto antes de mim.

C’est fini mais pas trop

Qui non congregat cum Ecclesia, spargit.

Coloquemos a frase acima como corolário da profecia de Nosso Senhor: quem não ajunta com a Igreja, espalha. É a primeira coisa que me veio à cabeça quando terminei de ler a entrevista que Mons. Fellay deu no escopo de uma carta redigida pelo Mons. Williamson, que por sua vez comentava a decisão do Santo Padre de perdoar as excomunhões de ambos e dos outros dois bispos da Fraternidade.

O mons. Williamson — que a imprensa brasileira, canalha como sempre, deu-lhe logo o título de “bispo que nega o holocausto” — descreveu o decreto papal como um grande passo à frente para a Igreja sem que fosse uma traição da FSSPX. Reparem bem como o decreto papal, à williamsoniana, é um grande passo para a Igreja. Ele explica: o problema da Igreja, depois do Concílio Vaticano II, é a separação entre a Verdade Católica e a Autoridade Católica. A Igreja — autoridade católica — com esse decreto, estaria mais próxima  da reunião com a verdade católica. Mons. Williamson também faz questão de confrontar a tripla relação entre modernistas, tradicionalistas e papa em dois momentos. Um, anterior ao decreto de “re-comunicação” e outro posterior:

1. Papa e conciliaristas x tradicionalistas.

2. Conciliaristas x tradicionalistas, com o papa ou fora da equação ou do lado dos tradicionalistas.

O problema desse raciocínio está na oposição que o papa anteriormente ao decreto faria aos tradicionalistas. Isso não é verdade. O diagnóstico mais preciso se impera: in medio, Papa. Seja antes ou depois de qualquer decreto, o papa é o sinal visível da unidade da Igreja e não se alinha, ipso facto, com quem quer que seja, conciliarista ou tradicionalista. O dever do papa é com a Igreja de Nosso Senhor e com a salvação das almas.

Para o monsenhor, Roma precisaria ser reconstruída em muitos dias. E acusa, de fato, os — como ele chama — neo-modernistas (sem dizer quem são, é claro. Legio, quia multis sunt!) de errarem na fé. Mas, numa lógica de quem aceita caçar com gato, na falta de cachorros, o monsenhor agradece a Deus, à Virgem e ao Papa a guinada da Igreja Conciliar!

E o monsenhor responde aqueles zelosos pela super-tradição que se perguntavam, aflitos, se seria esse o momento da Fraternidade se render ao conciliarismo: “De jeito nenhum!”, garantindo apenas a participação da FSSPX em discussões, coisa que a Fraternidade já havia feito em 2000, quando levantou algumas condições. Certamente, conclui o monsenhor, as discussões não estão livres de perigo. Mas regozija-se da oportunidade de dar razão à esperança. A esperança de resgatar a Igreja do erro!

Felizmente, tal postura — embora não condenada — não é endossada pelo superior da Fraternidade, Mons. Fellay, que numa entrevista dada ao jornal suíço Le Temps, diz não ser a visão da fraternidade a impressão daquilo que falou Mons. Williamson. É verdade que, em essência, ambos guardam a mesma visão do “problema” da Igreja: sobre o “Ecumenismo” (o que eles dizem que o Vaticano II diz), a liberdade religiosa, o Novus Ordo Missae.

No entanto, o último trecho da entrevista do Mons. Fellay é que nos dá a razão da nossa esperança. Quando a repórter pergunta o que acontecerá se a negociação terminar:

“- [Fellay:] Estou confiante. Se a Igreja diz algo hoje que contradiz o que ensinava ontem, e somos forçados a aceitar esta mudança, então [a Igreja] tem de explicar a razão. Eu acredito na infalibilidade da Igreja, e acho que vamos alcançar uma solução verdadeira”.

A diferença, embora acidental, nos discursos é flagrante. Primeiro, Mons. Fellay fala da contradição da Igreja em termos condicionais. Se a Igreja diz algo hoje que contradiz o que ensinava ontem. E se não diz? O espírito do debate também é o mais excelso e altaneiro: alcançar uma solução verdadeira, porque a Verdade é o que deve prevalecer no debate. Não vir a Roma corrigi-la, mas para alcançar a Verdade. Se Mons. Fellay condiciona a Verdade  da solução — como bom católico que é — à infabilidade da Igreja e diz que a “autoridade católica”, para usar a expressão de Williamson contradiz o que a Igreja dizia, então houve uma ruptura no Magistério. Pela ruptura, é que se dá o descompasso entre “verdade” e “autoridade”. Se não há — como sabemos — ruptura alguma, se o Magistério autêntico é, subsiste e continuará a ser o Magistério da Igreja, ininterrupto ao longo de 265 pontificados, então a Fraternidade poderá unir-se às fileiras do Exército do Senhor Jesus sem reservas, sob o manto da Santíssima Virgem e o cajado do Santo Padre Bento XVI — Deus o quer! Deus lo vult!

Fulton Sheen – Nossa Senhora da Maternidade

NOSSA SENHORA DA MATERNIDADE

Há neste público alguma mãe cujo filho se tenha distinguido nos campos de batalha ou na sua profissão? Se há, nós lhe pedimos faça saber aos outros que o respeito havido para com ela não diminui, de mogo algum, a honra ou a dignidade devidas ao seu filho.

Por que há de então haver quem pense que todo o ato de reverência praticado para com a Mãe de Jesus diminui o poder dele e a sua divindade? Eu conheço a falsidade… do ignorante que afirma que os católicos adoram Maria ou fazem dela uma deusa; mas tal afirmação é uma mentira e, uma vez que neste público ninguém quererá tornar-se culpado de tamanha estupidez, não farei mais do que ignorar semelhante acusação.

Continuar lendo Fulton Sheen – Nossa Senhora da Maternidade

Fulton Sheen – Nossa Senhora da Esperança

Publico a seguir, e aos poucos, um livro escrito pelo Servo de Deus Fulton J. Sheen, bispo americano muito famoso, cujo programa de televisão — aliás ganhou o monsenhor inclusive um Emmy, vejam só! — “Life is worth living” e “The Fulton Sheen Program” são reprisado ainda hoje pela EWTN. Não estou certo da data de publicação do original. Há julgar pelo conteúdo do primeiro capítulo, suspeito fortemente que seja ao ano de 1950. Todavia, a publicação brasileira, da qual copio, tem a sua 3ª edição datada de 1953. O modo como o monsenhor entrelaçava os fatos correntes da vida (e também os mais extraordinários!) e as devoções cristãs — muitíssimo especialmente a devoção à Maria Santíssima — é o que eu mais gosto neste livro. Espero que aproveitem. Hoje, publico o primeiro capítulo, o restante se administrará capítulo por capítulo, numa frequencia, espero, constante e rápida. O prefácio publico-o sei lá quando! Nos próximos posts do mesmo livro, tratarei de usar uma tag “mais” a fim de que aqueles que não o queiram ler, tenham mais conforto navegando pelo blog.

NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA

O nosso mundo moderno é caracterizado por sinais profundos.

Nós estamos impregnados de ânsias e de medo.

Em tempos passados temia-se Deus: mas era um temor bem diferente do que hoje nos agita; a preocupação de outrora era não O ofenderem, porque O amavam. Depois, as guerras mundiais infundiram no homem o terror dos seus semelhantes.

Hoje sentimo-nos aviltados e receosos diante do elemento mais pequeno do universo: o átomo!

O mal do indivíduo tornou-se o mal de toda a humanidade, a partir do dia em que foi lançada a primeira bomba atômica. A morte passou a ser, desde então, o pesadelo da sociedade e da civilização, e a religião tornou-se, até mesmo em virtude de razões políticas, o fulcro da vida humana.

Na antiguidade, os babilônios, os gregos e os romanos bateram-se em nome das próprias divindades. Mais tarde o Islamismo oprimiu o mundo cristão, reduzindo os 750 bispos de África do sétimo século aos 5 do século décimo primeiro. Mas o Islamismo não combateu Deus, lutou contra aqueles que acreditavam no Deus revelado em Jesus. A diferença das teorias consistia apenas na escolha dos meios para chegar até Deus, considerado por todos como o fim da vida.

Hoje tudo mudou.

Já não há guerras de religião. Há a luta desenfreada contra toda a força, contra toda a ideia religiosa.

O comunismo não nega Deus com a mesma apatia dum estudante de liceu; ele quer destruir Deus; não se limita a negar a sua existência, mas perverte o seu conceito. Quer substituir Deus pelo homem ditador e senhor do mundo.

Hoje somos forçados a escolher entre Deus e os seus inimigos, entre Democracia e Fé em Deus, e ateísmo e ditadura.

A preservação da civilização e da cultura está hoje intimamente ligada à defesa da religião. Se os inimigos de Deus devessem prevalecer, seria necessário refazer tudo.

Mas há uma terceira característica do mundo moderno: a tendência para se perder na natureza.

O homem, para ser feliz, deve manter dois íntimos contatos: um vertical, com Deus; o outro horizontal com o seu próximo.

Hoje o homem interrompeu as relações com Deus através da indiferença e da apatia religiosa, e destruiu as relações sociais, com a guerra.

E como não se pode viver sem felicidade, procurou compensar os contatos perdidos com uma terceira dimensão de profundidade com que espera anular-se na natureza.

Aquele que dantes se ufanava de ser feito à imagem e semelhança de Deus, começou a vangloriar-se de ser o criador de si próprio e de ter feito finalmente Deus à sua imagem e semelhança.

Deste falso humanismo começou a descida do humano para o animal.

O homem admitiu descender do animal, apressando-se a prová-lo imediatamente com uma bestialíssima guerra.

Mais recentemente ainda, o homem fez de si um todo único com a natureza, afirmando não ser mais que uma complexa composição química.

Recentemente denominou-se “O homem atômico”. E assim a Teologia converteu-se em Psicologia, a Psicologia em Biologia, e esta em Física.

Podemos agora compreender o que disse Cournot, ao afirmar que no século XX Deus deixaria os homens em poder das leis mecânicas de que Ele mesmo é autor.

Deixai que eu me explique.

A bomba atômica atua sobre a humanidade como o álcool em excesso sobre um ser humano. Se um homem abusa do álcool e bebe demais, este revolta-se e fala nestes termos ao alcoolizado: “Deus criou-me, e pretendia que fosse utilizado racionalmente para curar e dar alegria, mas tu abusaste de mim. E por isso me revoltarei contra ti. A partir de agora sofrerás dores de cabeça, tonturas, mal de estômago; perderás o uso da razão e passarás a ser meu escravo, embora eu não tenha sido feito para isso”.

O mesmo se dá com o átomo; ele diz ao homem: “Deus criou-me e pôs no universo a energia atômica. É assim que o sol ilumina o mundo. A grande força que o Omnipotente concentrou no meu coração foi criada para servir para fins pacíficos, para iluminar vossas cidades, para impulsionar os vossos motores, para tornar mais leve o fardo dos homens. E afinal vós roubastes o fogo do céu, como o Prometeu da fábula, e o utilizaste pela primeira vez para destruirdes cidades inteiras. A eletricidade não foi utilizada originariamente para matar um homem, mas a energia atômica serviu-vos para aniquilar milhares deles.

Por esta razão, revoltar-me-ei contra vós, farei que temais aquilo que devíeis amar, e milhões de corações entre vós hão de tremer aterrorizados diante dos inimigos que vos farão o que vós lhe fizestes: transformarei a humanidade num Frankenstein que se defenderá nos abrigos anti-aéreos contra os monstros que vós criastes”.

Não foi Deus que abandonou o mundo, mas o mundo que abandonou Deus, unindo a sua sorte à de uma natureza divorciada de Deus.

O significado da bomba atômica é este: o homem tornou-se escravo da natureza e da física que Deus criara para o servirem.

Isto sugere uma pergunta: “Haverá ainda uma esperança?”

Sem dúvida, há uma esperança e grande!

A última esperança é Deus, mas nós estamos tão longe dele, que não conseguimos transpor dum salto o abismo que nos separa.

Temos de começar pelo mundo tal qual está, e o nosso mundo está completamente absorvido pela natureza, cujo símbolo é a bomba atômica. O sentido da Divindade parece assim distante.

Mas não haverá em toda a natureza algo de puro e de intato com que nós possamos trilhar o caminho da reabilitação?

Há, sim: é aquela que Wodsworth definia como “a única glória da natureza corrupta”.

Essa esperança é a Mulher.

Não é uma deusa, não é de natureza divina, não tem direito a ser adorada, mas somente venerada e saiu da matéria física e cósmica tão santa e tão boa, que, quando Deus desceu à terra, foi a ela que escolheu para sua Mãe e Senhora do mundo.

É particularmente curioso notar como a Teologia dos Russos, antes de o coração desse povo ser gelado pelas teorias dos inimigos de Deus, ensinava que Jesus foi enviado para iluminar o mundo, quando os homens repeliram o Pai Celeste. Depois prosseguia dizendo que quando o mundo tiver repelido Nosso Senhor, como agora faz, sairá da escura noite do pecado a sua Mãe a iluminar a escuridão e a guiar o mundo no caminho da paz.

A bela revelação da Bem-aventurada Nossa Senhora em Fátima, em Portugal, entre os meses de abril a outubro de 1917, foi uma demonstração da tese russa: quando o mundo tiver esquecido o Salvador, Ele mandar-nos-á a sua própria Mãe para nos salvar.

De fato, a maior revelação verificou-se no mesmo mês em que deflagrou a Revolução Bolchevista.

O que nessa ocasião se disse, deixamo-lo para outra transmissão.

Agora quero falar da Dança do Sol, ocorrida em 13 de outubro de 1917.

Os que amam a Mãe de Deus, Senhor Nosso não necessitam de ulteriores demonstrações.

Uma vez que aqueles que desgraçadamente não conhecem nem a um nem à outra hão de preferir o testemunho dos que repelem tanto Deus como a Mãe do mesmo Deus, ofereço-lhes a descrição do fenômeno feita pelo então ateu articulista do jornal português “O Século”.

Ele foi um dos 60.000 espectadores que presenciaram o acontecimento. E descreve-o como “um espetáculo único e incrível… Vê-se a imensa multidão voltada para o sol que se apresenta liberto de nuvens em pleno meio-dia. O grande astro-rei lembra um disco de prata e podemos fitá-lo diretamente sem o menor incômodo ou perturbação… As pessoas, de cabeça descoberta e cheias de terror, abrem os olhos na intenção de perscrutarem o azul do céu. O sol tremeu e executou alguns movimentos bruscos sem precedentes e à margem de toda e qualquer lei cósmica. Segundo a expressão típica das pessoas do povo, ‘o sol dançava’. Girava em torno de si mesmo como uma peça de fogo de artifício e esteve quase a ponto de queimar a terra com os seus raios… Pertence às pessoas competentes pronunciarem-se sobre a dança macabra do sol que atualmente tem feito brotar, em Fátima, hosanas do peito dos fiéis, e tem até impressionado os livres-pensadores e todos aqueles que não sentem o mínimo interesse pelos problemas religiosos”.

Um outro jornal, “A Ordem”, escreveu: “O sol, tão depressa está circundado de chamas purpúreas, como aureolado de amarelo e de vários tons de vermelho. Parecia girar sobre si mesmo com um rápido movimento de rotação, afastando-se aparentemente do céu, e aproximando-se da terra, sobre a qual irradiava forte calor”.

Por que se serviu Deus Onipotente da única fonte de luz e de calor indispensável à natureza para nos revelar a mensagem de Nossa Senhora em 1917, quase no fim da primeira guerra mundial, se os homens se não arrependeram? Apenas podemos fazer conjecturas. Quereria indicar que a bomba atômica havia de obscurecer o mundo como um sol cadente?

Não creio.

Penso antes que foi um sinal de esperança, a significar que Nossa Senhora nos ajudará a evitar a perversão da natureza, operada pelo homem.

A Sagrada Escritura predisse: “Aparecerá, pois, no céu um grande prodígio, uma mulher que tinha por manto o sol” (Apoc. 12,1).

Durante séculos e séculos a Igreja tem cantado Maria, escolhida como um sol, bela como o sol que faz o giro do mundo, espargindo a sua luz por toda a parte, até onde os homens não a quisessem, aquecendo o que está frio, abrindo os botões em flor, e dando força a quem é fraco.

Fátima não é uma admoestação, é uma esperança!

Ao mesmo tempo em que o homem toma o átomo e o desintegra para aniquilar o mundo, Maria agita o sol como um brinquedo dependurado no seu pulso, para convencer o mundo de que Deus conferiu um enorme poder à natureza, não para a morte, mas para a luz, para a vida, para a esperança.

O problema do mundo moderno não é a existência da graça, mas a existência da natureza e a sua necessidade da graça.

Maria é o anel de conjunção e assegura-nos que não seremos destruídos, porque a própria sede da energia atômica, o sol, é um brinquedo nas suas mãos.

Assim como Cristo faz de medianeiro entre Deus e o homem, assim Ela faz de medianeira entre o mundo e Cristo.

A semelhança dum filho obstinado que, insurgindo-se contra o pai, tivesse abandonado a casa e que se dirigisse em primeiro lugar à mãe a pedir-lhe que intercedesse por ele, assim nós devemos proceder com Maria, a única criatura pura e sem mancha que pode interceder entre nós, filhos rebeldes, e o seu Divino Filho.

Uma terceira guerra mundial não é necessária, e jamais o será, se tivermos por nós Nossa Senhora contra o átomo.

A ciência fez todo o possível por que nos sentíssemos à nossa vontade sobre a terra. E eis que agora produz qualquer coisa que pode deixar-nos a todos sem uma casa, sem um abrigo. No meio deste temor, voltemo-nos para a Senhora que se encontrou seu um teto, pois “não havia lugar na hospedaria”.

Realmente a Rússia desejaria conquistar o mundo para Satanás. Mas nós continuamos a esperar. Entre as criaturas, há uma Mulher que pode aproximar-se do mal sem ser atingida por ele.

No princípio da história da humanidade, quando o demônio tentou o homem para que substituísse o amor de Deus pelo egoísmo, Deus prometeu que o calcanhar duma Mulher esmagaria a cabeça da serpente.

Se se trata de uma cobra vermelha, ou dum martelo que bateu, ou duma foice que corta, isso pouca importância tem para a Mulher através da qual Deus conquista na hora do mal. Começai por orar melhor do que jamais o fizestes. Recitai o terço pela manhã enquanto andais a trabalhar, em casa, no tempo que tendes livre, e enquanto trabalhais no campo ou no celeiro.

Não haverá mais guerras, se rezarmos! Isto é absolutamente certo.

O povo russo não deve conquistar-se com a guerra, já bastante ele sofreu nestes últimos trinta e três anos!

É preciso esmagar o Comunismo. E isto pode conseguir-se com uma revolução interna.

A Rússia não tem uma, mas duas bombas atômicas. A segunda bomba é o sofrimento do seu povo que geme sob o jugo da escravidão. Quando esta explodir fá-lo-á com uma força infinitamente superior à do átomo!

Também nós precisamos duma revolução como a Rússia.

A nossa revolução deve vir do íntimo dos nossos corações; temos de reconstruir as nossas vidas; assim a revolução da Rússia deve partir do interior do país, repelindo o jugo de Satanás.

A Revolução Russa caminhará a par da nossa. Mas acima de tudo tenhamos esperança. Se o mundo estivesse sem esperança, julgais vós que Jesus vos teria mandado sua Mãe com a energia atômica do sol às suas ordens?

Ó Maria, nós desterramos o teu Divino Filho das nossas vidas, das nossas reuniões, da nossa educação e das nossas famílias. Vem tu com a luz do sol, como símbolo do seu poder! Esmaga as nossas guerras, a nossa obscura inquietação. Tapa a boca dos canhões em fogo de guerra. Liberta os nossos espíritos do átomo e as nossas almas do abuso da natureza. Faz-nos renascer no teu Divino Filho, a nós, pobres filhos, já velhos, da terra!

No amor de Jesus!

Servo de Deus Fulton John Sheen (1895 – 1979)

Sobre as excomunhões

Fontes seguras nos afirmaram a mim e a Jorge que a excomunhão dos bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X serão sim levantadas. Nada nos foi dito sobre a excomunhão de D. Lefebvre e D. Mayer. A mesma fonte nos disse que o papa teria inclusive indicado títulos aos bispos da FSSPX. Todavia, esperemos para ver o que decreta o decreto, que sem dúvida já é histórico.

Oremus pro unitate Ecclesiae!