O Papa Francisco e as diaconisas da Igreja

“O Papa se disse inclinado à possibilidade de promover pequenas mudanças na lei da Igreja, desde que – fez questão de afirmar – isso seja sempre o resultado de um discernimento profundo por parte das autoridades competentes.”

http://br.radiovaticana.va/news/2016/05/12/papa_n%C3%A3o_descarta_comiss%C3%A3o_para_estudar_diaconato_feminino/1229402

Gostaria que o teologozinho recifense explicasse isso.

Com muito gosto.

Historicamente já houve diaconisas na Igreja Católica. Este estudo da Comissão Teológica Internacional coloca-as, pujantes, no Oriente, até ao século VIII! No Ocidente, já em pleno século XIII, as abadessas são ainda chamadas diaconisas. O costume antigo é incontestável. No que, contudo, ele consistia exatamente?

É o próprio Papa Francisco quem o responde. Ao ser perguntado recentemente sobre o assunto, Sua Santidade disse se lembrar de que o papel das chamadas “diaconisas”, na Igreja Primitiva, era ajudar no batismo das mulheres: por uma questão de pudor, eram as diaconisas que faziam a imersão das mulheres durante o batismo, ou a unção de corpo inteiro que fazia parte do mesmo Sacramento. E ainda: quando uma mulher dizia ser espancada pelo marido, era uma diaconisa quem se encarregava de verificar-lhe os hematomas para relatar ao bispo.

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O que eram, portanto, essas “diaconisas”? O mais provável é que se tratasse de mulheres que pertenciam a uma espécie de ordem religiosa primitiva, especificamente voltada à prática de serviços litúrgicos auxiliares, que o pudor mandava não serem feitos por homens — como o ungir o corpo das catecúmenas ou segurar-lhes (e às suas vestes) durante a imersão do Batismo. Isso tanto é verdade que as diaconisas vão desaparecendo ao mesmo tempo em que desaparecem esses ritos: no segundo milênio, o título de “diaconisa” ainda conferido às abadessas é claramente um resquício de algo que já deixou de existir — e persiste então meramente como referência honorífica e analógica.

Foi isso que o Papa falou, e a leitura da história completa é muito útil para se prevenir contra os semeadores da confusão — que usam manchetes reducionistas para espalhar o escândalo entre o povo católico fiel. O Papa não está pensando em promover “pequenas mudanças na lei da Igreja” para reinstituir diaconisas (a frase entre aspas está em um outro momento da sua fala, que nada tem a ver com a questão histórica do diaconato das mulheres!), apenas se referiu ao assunto quando foi perguntado. Registre-se, aliás, que ele respondeu com um rigor e uma precisão muito maiores dos que os que costuma empregar em suas respostas improvisadas. Sob esse ponto de vista, portanto, não há nada que retocar aqui.

Aproveitemos, no entanto, a oportunidade para aprofundar um pouco mais o assunto, e façamos a pergunta que o Papa não fez, mas parece que o mundo está fazendo: será possível ordenar diaconisas?

Que não se possa ordenar mulheres para o presbiterato é já ponto pacífico, definido infalivelmente por São João Paulo II:

Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja. (Ordinatio Sacerdotalis, 4).

Toda declaração dogmática precisa ser lida no interior dos seus limites. À primeira vista, portanto, a faculdade que a Igreja não tem, conforme S. João Paulo II, é a de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres (ordinationem sacerdotalem mulieribus conferendi), e não “qualquer” ordenação. Ou seja, a seguinte pergunta talvez se pudesse colocar: tudo bem que a Igreja não tenha a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres; mas e quanto aos diáconos, que, segundo a Lumen Gentium, recebem o sacramento «não em ordem ao sacerdócio mas ao ministério» (LG 29)? Também o serviço destes não se poderia conferir às mulheres? Tudo bem que não se lhes possa conferir ordenação sacerdotal; poder-se-ia, no entanto, conferir-lhes esta ordenação ministerial que é própria da diaconia?

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É engraçado como a questão, nestes termos, parece não ter sido anteriormente posta. A (já citada) Ordinatio Sacerdotalis versa sobre “a ordenação sacerdotal reservada somente aos homens”; a Inter Insigniores, da década de 70, igualmente apenas aborda “a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial”. Ora, é amplamente aceito que diácono não é sacerdote. Há, portanto, razão doutrinária para que não haja diaconisas?

O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé entende que sim. Em entrevista publicada em 2002, Sua Eminência o Card. Müller disse o seguinte:

Q: É possível separar o diaconato de mulheres do sacerdócio das mulheres?

Müller: Não,  por causa da unidade do sacramento da Ordem, que foi sublinhada nas deliberações da Comissão Teológica; ela não pode ser medida com um critério diferente. Assim, seria uma discriminação real da mulher se ela fosse considerada como apta para o diaconato, mas não para o presbiterato ou episcopado.

A unidade do sacramento seria rasgada em sua raiz se o diaconato como ministério de serviço fosse contraposto ao presbiterato como ministério de governo, daí poderia se deduzir que a mulher, ao contrário do homem, tem uma maior afinidade para servir e por isso estaria apta para o diaconato, mas não para o presbiterato.

No entanto, o ministério apostólico é conjuntamente um ministério de serviço nos três graus em que ele é exercido.

Não vou me aprofundar nessa dicotomia entre serviço e governo (que, seguida, penso que poderia perfeitamente justificar o acesso das mulheres ao diaconato mas não ao presbiterato, em perfeita harmonia com a antropologia católica); em vez disso, penso que a referência à “unidade do sacramento da Ordem” é mais relevante aqui. Se existe um óbice doutrinário à ordenação de diaconisas, é na relação entre os três graus do Sacramento da Ordem que ele deve ser encontrado.

O diaconato é o primeiro grau do Sacramento da Ordem (cf. Lumen Gentium, 29, onde é dito que os diáconos são “fortalecidos com a graça sacramental”) e, embora exista como “degrau” autônomo desde o Vaticano II (que restabeleceu o diaconato permanente), consiste ainda assim em um caráter impresso vere et proprie pelo único Sacramento da Ordem que existe. O já referido estudo da Comissão Teológica Internacional conclui exatamente que a unidade deste Sacramento é um importante indicativo de que não se lhe possa conferir às mulheres nem mesmo sob o grau do diaconato; some-se a isso o fato de que as chamadas “diaconisas” na história da Igreja não guardavam paralelismo estrito com os diáconos, quer permanentes, quer transitórios, mas exerciam um serviço específico — oriundo de uma específica necessidade de ordem prática — que foi paulatinamente caindo em desuso e, hoje, não tem mais razão de ser.

Uma coisa, no entanto, é bastante curiosa aqui: se o diaconato não fosse um grau do Sacramento da Ordem, se fosse meramente uma função laical subalterna ao sacerdócio — como o acolitato e o leitorato –, então certamente não haveria nenhum problema (ao menos não de ordem doutrinária) para que fosse exercido por mulheres. Afinal, existem hoje, nas nossas missas, garotas no papel de coroinhas ou mulheres lendo as Epístolas; e isso, que se pode até chamar de altamente inconveniente, não recebe a pecha de herético nem mesmo pelos mais ferrenhos críticos das reformas pós-conciliares.

Se o diaconato não fosse um grau do Sacramento da Ordem, portanto, seria possível reinstituir o primitivo ministério das diaconisas como um serviço laical ao lado de tantos outros. Seria, aliás, até mais fácil explicar o fenômeno histórico: aquelas mulheres não foram nunca “ordenadas” e nem existe razão para se ter semelhante dúvida, porque o diaconato não importa ordenação. Resplandeceria com clareza a tradicional divisão católica entre o sacerdócio reservado aos homens e os serviços auxiliares do sacerdócio — entre os quais a diaconia — exercidos pelos cristãos leigos, quer homens, quer mulheres.

Mas o diaconato é um grau do Sacramento da Ordem… não é?

Quem disse? O Concílio de Trento não fechou a questão. Fala que a “hierarquia eclesiástica estabelecida por ordem de Deus (…) se compõe de bispos, presbíteros e ministros” (TrentoSessão XXIII (15-7-1563), 966 (Cân. 3)), mas inclui entre os ministros também o subdiácono, o acólito, o exorcista e o ostiário (id. ibid., 958 (Cap. 2)) — as chamadas ordens menores, as quais hoje ninguém considera como propriamente sacramentais. No séc. XVI S. Roberto Belarmino nos expõe o seguinte panorama:

R. Bellarmino ( 1621) descreve bem qual o status quaestionis nessa altura. Estabelece a sacramentalidade da ordem (vere ac proprie sacramentum novae legis) como princípio fundamental, admitido por todos os teólogos católicos e negado pelos heréticos (protestantes). Mais, no que respeita à sacramentalidade de cada uma das ordens, julga necessário fazer uma distinção, pois que, se há unanimidade quanto à sacramentalidade do presbiterado, ela não existe no respeitante ao conjunto das outras ordens.

Bellarmino declara-se claramente a favor da sacramentalidade do episcopado (ordinatio episcopalis sacramentum est vere ac proprie dictum), estando em desacordo com os antigos escolásticos que a negavam; e considera a sua afirmação uma assertio certissima, fundada na Escritura e na Tradição. Além disso, fala de um carácter episcopal distinto e superior ao carácter presbiteral.

Quanto à doutrina da sacramentalidade do diaconado, Bellarmino fê-la sua considerando-a muito provável; contudo, não a toma como uma certeza ex fide, pois não é possível deduzi-la com evidência nem da Escritura nem da Tradição nem de qualquer determinação explícita por parte da Igreja. (Comissão Teológica Internacional. “Diaconado – Evolução e perspectivas”. Cap. IV, III.)

Que o diaconato seja um Sacramento — i.e., seja realmente um grau da Ordem — não é possível, segundo S. Roberto Belarmino, deduzir “com evidência nem da Escritura nem da Tradição nem de qualquer determinação explícita por parte da Igreja”. Se hoje se afirma aberta e incontestavelmente que ele é, sim, um dos graus do Sacramento da Ordem, é majoritariamente por conta do Concílio Vaticano II, em cujos textos «(SC 86; LG 20, 28, 29, 41; OE 17; CD 15; DV 25; AG 15, 16) pressupõe-se a sacramentalidade das suas duas modalidades (permanente e transitório)» (CTI, op. cit., Cap. IV, IV.). Não deixa de ser irônico, portanto, que o maior obstáculo à ordenação de diaconisas seja precisamente… a teologia pós-conciliar.

Em resumo, assim,

  • o Papa Francisco, respondendo a uma pergunta, apresentou um escorço histórico bastante abrangente e fiel sobre a presença de “diaconisas” na Igreja Primitiva;
  • só é possível “ordenar” diaconisas: i) se o diaconato não pertencer ao Sacramento da Ordem ou ii) se se estiver falando em “ordenação” de maneira analógica e imprópria (esta é a explicação mais aceita para as “diaconisas” da Igreja primitiva);
  • se o diaconato for mesmo o primeiro grau do Sacramento da Ordem e se houver uma unidade intrínseca neste Sacramento — «[o] Catecismo de 1983, nos cânones 1008/9, integra os diáconos nos sacri ministri, os quais são habilitados pela sua consagração a apascentar o povo de Deus e a executar pro suo quisque gradu as funções de ensinar, santificar e governar in persona Christi Capitis» (CTI, op. cit., Cap. VII, III, 3) –, então a vedação da Ordinatio Sacerdotalis à ordenação feminina se aplica também ao diaconato;
  • esse aprofundamento do diaconato como grau sacramental é majoritariamente pós-conciliar; e
  • já houve uma “Comissão” que estudou detalhadamente o assunto: foi a CTI em 2002, no relatório citado, que a meu ver já atende aos anseios expressos por Sua Santidade quando abordou o tema.

É o que cabe falar sobre o assunto.

Conferência Filipina libera comunhão para adúlteros — obedecendo ao Papa?

Cleaner, cleaner… você continua o mesmo, hein? Essa sua igreja conciliar não consegue mudar essa sua índole de jeito nenhum, hein?

Observando, através dos comentários, que a sua audiência anda bem fraquinha, minguando, tentarei lhe ajudar um pouquinho com isto.

Ehh… vejo que continua, como dantes, se esquivando dos temas mais importantes da Cristandade, porque escandalosos demais para abordá-los sem comprometer as suas frágeis convicções, né? Sem rodeios, indo direto ao ponto, a questão é: o antipapa continua aprontando das suas, hein, cleaner? Diz aí?

Eu lhe avisei que escândalos cada vez maiores viriam, devido à atuação obscena do antipapa, não avisei? E olha que ainda nem chegamos no ápice da degradação. Estamos até um pouco distante. A coisa se tornará tão insustentável, tão indefensável, tão intolerável, que talvez até você, como grande cleaner contorcionista, não consiga sair em socorro ao antipapa.

A última dele, você sabe, não é? Trata-se de um documento abjeto, asqueroso, blasfemo sobre o tal Sínodo contra a família.

Os frutos desse texto diabólico, começaram rapidamente a aparecer. Trago aqui, talvez em primeira mão para você, para que aprecie – você, que é grande admirador do antipapa – um desses frutos bizarros, dos quais veremos, cada vez mais, espoucar frequentemente pelo mundo afora. Este, cujo link segue ao final, ocorreu (ou está ocorrendo) nas Filipinas – um dos países com maior população católica do mundo, você deve saber. Ah, detalhe: a ignomínia veio pelas mãos de ninguém menos que o presidente da Conferência Episcopal das Filipinas. Realmente, a obra do antipapa, é algo abissal. Quero dizer, é coisa lá das profundezas, sabe? E irá piorar. O homem veio, mesmo, para trazer o caos e a destruição.

Até quando você irá aguentar isso, hein, cleaner? Até quando?

Que Deus lhe ilumine para que possa sair da escuridão do engano em que se encontra.

Segue o link: https://fratresinunum.com/2016/04/15/o-presidente-da-conferencia-episcopal-das-filipinas-ordena-administrar-a-comunhao-aos-adulteros/

Muito prezado sr. Leonardo, salve Maria!

Antes de qualquer outra coisa, gostaria de dizer que muito me honra esta sua audiência. É realmente impressionante: você, ao que parece, não concorda com absolutamente nada do que eu escrevo, mas mesmo assim não deixa de me ler jamais. E ainda: não perde uma oportunidade, uma única sequer!, de demonstrar, gritar, alardear aos quatro ventos, internet afora, a sua discordância. Esta necessidade quase obsessiva de me fazer saber que discorda de mim… chega a ser tocante. Não me recordo de ter recebido tamanha devoção e entusiasmo dos meus admiradores mais confessos. Agradeço-lhe por isso.

Ontem mesmo eu ouvia um professor, em sala de aula, falar de S. Thomas More. O senhor decerto conhece a história. O rei de Inglaterra emitira alguns decretos tratando sobre a anulação do seu casamento, que não lograra obter junto ao Romano Pontífice. Toda a sua corte, naturalmente, bateu palmas entusiasmadas diante da régia atividade legiferante. Só Thomas More, amigo do rei, insistia em manter-se calado. Toda a corte britânica saía em público dando vivas à decisão tomada por Henrique VIII: apenas o chanceler, sozinho, não fazia coro ao burburinho dos aduladores do velho monarca. E o silêncio de Thomas falava mais alto aos ouvidos do rei do que toda a algaravia realizada pelos seus bajuladores.

Pois sabia que o senhor, com sua missiva eletrônica, termina por me comparar — decerto muito indevidamente — a S. Thomas Morus? Que necessidade é essa, sr. Leonardo, da minha aprovação ao que se anda falando e fazendo nas cortes virtuais? Henrique VIII não tinha já o apoio de praticamente toda a alta sociedade inglesa? A sua visão negativa e denegatória a respeito da autoridade do bispo de Roma já não era hegemônica em toda a ilha? Por que ele fazia questão, também, da explícita submissão do chanceler?

Hoje em dia, todo mundo sabe o que se anda falando a respeito do atual bispo de Roma. A impressão que dele se tem nas altas cortes virtuais é pública, notória e praticamente hegemônica. O velho Pontífice já foi julgado e condenado, e já se o trata como a um herege ou um pagão, como a um inimigo notório da Igreja e da Cristandade, um blasfemador a quem os Apóstolos e Santos mandam calar a boca. Já é assim, sr. Leonardo, que se faz! Que necessidade doentia é essa de que também eu, um pobre blogueiro, sozinho, de audiência a cada dia mais fraca e minguante, una-me ao coro dos acusadores?

Era por conta da elevada autoridade intelectual e moral de Thomas More que Henrique VIII fazia tanta questão da sua aquiescência. Mas eu, sr. Leonardo!, eu não chego à metade do início de um só chanceler britânico. Esta sua necessidade de que eu concorde com a opinião contemporânea comum é totalmente desproporcionada e não tem nenhuma razão de ser. Muito me honra, como eu disse, ser tratado como o velho monarca inglês tratou o seu chanceler — pelo que agradeço ao senhor, lisonjeado. Mas é um exagero que eu estou muito longe de merecer.

Não tenho a coragem de S. Thomas Morus, nem a sua fibra, nem a sua importância política, nem a sua envergadura intelectual ou moral. Não tenho nada disso, sr. Leonardo! Mas uma coisa, sim, eu faço questão de compartilhar com o velho mártir britânico, e esta, ao menos esta!, eu peço a Deus que me não deixe faltar: é a tenacidade de manter a posição que considero correta, mesmo contra tudo e contra todos, mesmo que o sr., meu caro Leonardo, escreva-me todos os dias tentando me dissuadir, mesmo que a totalidade da blogosfera católica deponha as armas e passe a ecoar a atual opinião cortesã a respeito do Vigário de Cristo. Os senhores já não conquistaram o mundo inteiro para si? Por que precisam tanto assim, tão desesperadamente, também da minha pobre e humilde opinião favorável?

Era a voz da consciência de Henrique VIII que o inquietava e o fazia ter aquela necessidade de a todos convencer: arrastando os outros ao seu próprio arrazoado, era a ele próprio que intencionava tranquilizar. Será esta a sua situação também…? Mas, ai de mim!, que se Thomas More, amigo do rei e um espírito notável, não conseguiu dissuadir o velho monarca da sua visão a respeito do Papa… poderei eu, pecador miserável e ilustre desconhecido, lograr melhor êxito junto ao senhor? É impossível, sr. Leonardo, não espere tanto assim de mim. Não estou a tal altura. É muita generosidade me ter em tão alta conta, mas não se engane. Grandes espíritos às vezes falam coisas assim por modéstia; mas às vezes são só espíritos medianos mesmo procurando passar uma noção mais acertada da própria estatura.

O senhor vem me transmitir, com ares de bom mensageiro, o que se anda dizendo — nas cortes virtuais… — a respeito da última Exortação Apostólica de Sua Santidade. Ora, sr. Leonardo, eu ouço o que estão dizendo, eu não sou surdo. Se não concordo com a moda contemporânea de tratar o Vigário de Cristo como se fosse um cão sarnento, isso não quer dizer que eu não ouça o clamor popular — ou melhor, o clamor aristocrático — para que se lhe joguem pedras, enxovalhe-se-lhe, dirijam-se impropérios à sua imagem e se franza o cenho ameaçadoramente à sua voz. Eu vejo tudo isso, senhor Leonardo — como não ver? Apenas não considero tal proceder correto. Apenas o acho indigno de católicos. É só.

Mas voltemos à Amoris Laetitia. Eu ainda não li o documento na íntegra — coisa que espero fazer em breve. Mas li algumas coisas, bem poucas, é verdade!, no entanto o suficientes para perceber a injustiça da acusação que o senhor traz.

Pois veja só: o senhor traz, exultante de alegria, uma notícia tristíssima segundo a qual a Conferência Episcopal Filipina ordenou que se conferisse sacrilegamente a Sagrada Comunhão a toda sorte de adúlteros.

Antes de tudo, trata-se de uma ordem claramente iníqua. Antes de qualquer outra coisa, cumpre dizer que se trata de um sacrilégio contra o qual todo católico, leigo, padre ou bispo, filipino ou brasileiro, tem o dever de resistir e protestar. Isso está fora de qualquer consideração.

Mas de onde veio semelhante diretriz?

O senhor, com a sanha de “joga pedra no Papa!” que lhe é peculiar, não hesita um segundo sequer em atribuir esta ignomínia ao recente documento pontifício — chamando-a de “fruto” e “obra” do trabalho do Papa Francisco.

Será verdade?

Mais até: será possível?

Veja o que disse o presidente da Conferência Episcopal das Filipinas:

Os bispos e padres devem receber com os braços abertos todos aqueles que permaneciam fora da Igreja por um sentimento de culpa e vergonha. Os leigos devem fazer o mesmo. Quando os nossos irmãos e irmãs, por causa de relacionamentos rompidos, famílias destruídas e vidas partidas, permanecem timidamente no umbral de nossas igrejas e nossas vidas, sem saber se eles serão recebidos ou não, nós devemos ir ao encontro deles, como o Papa nos pede que façamos, e assegurarmo-lhes de que há sempre um lugar na mesa dos pecadores, na qual o próprio Senhor se oferece como alimento para o miserável.

O senhor entendeu? O Mons. Socrates Villegas mandou que todos fossem recebidos na mesa dos pecadores. Ou seja, que fosse concedida a Comunhão Eucarística a todos os divorciados recasados — os que até agora estavam “timidamente no umbral de nossas igrejas”.

Não foi isso que ele disse?

Ora, o senhor porventura sabe o que o Papa Francisco disse na Amoris Laetitia?

Provavelmente não. Porque provavelmente o senhor não sente necessidade de ler os documentos pontifícios, bastando repetir a opinião cortesã a respeito do Romano Pontífice.

Eu, como disse, ainda estou lendo o documento. Mas por sorte a seguinte parte eu já li. Veja só o que determinou o Vigário de Cristo:

É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma. (AL 304, grifos meus)

O senhor entendeu, sr. Leonardo?

O Papa está dizendo, com todas as letras, que o discernimento prático das situações individuais não pode ser elevado à categoria de norma geral!

Ora, como o senhor chamaria uma determinação que manda acolher “todos aqueles que permaneciam fora da Igreja (…) na mesa dos pecadores”? Isso não parece, sr. Leonardo, ao senhor uma norma geral? Exatamente uma daquelas normas gerais que o Vigário de Cristo disse que não se poderiam aplicar ao caso dos divorciados recasados?

Como é possível, então, que possa ser “fruto” de um documento pontifício uma determinação que este documento explicitamente condena? Qual lógica autoriza semelhante operação dedutiva?

Não lhe parece, sr. Leonardo, que se o Papa diz que certas situações devem ser avaliadas em particular, isso significa precisamente que não se lhes pode dar nenhuma determinação genérica?

E não é só nisso que a orientação da Conferência Filipina contraria a Exortação Apostólica.

Pois veja só: o senhor não acha que essa determinação de Mons. Villegas seja escandalosa?

A mim parece que sim. De fato, ao colocar em um mesmo patamar os casais fiéis, os divorciados castos e os adúlteros públicos, o presidente da Conferência Episcopal das Filipinas me parece ter provocado um verdadeiro escândalo entre os católicos.

Pois o senhor sabia que o documento pontifício manda, também, que, no tratamento aos divorciados recasados, tudo seja feito “evitando toda a ocasião de escândalo” (AL 299)?

O senhor sabia? Não?

Não leu o documento né?

Preferiu ouvir as cortes…

Sr. Leonardo, se o documento manda evitar toda ocasião de escândalo, não se pode honestamente dizer que uma determinação escandalosa esteja sendo feita em decorrência deste documento. E, mais uma vez, se o documento dispõe que as situações dos divorciados recasados não pode ser tratada mediante normas gerais, então uma norma que mande receber generalissimamente a todos eles não se pode pretender decorrente do documento — ao contrário, ela o contraria frontalmente.

Tudo isso é claro como a luz do dia.

Mas a luz, “amável aos olhos límpidos”, é no entanto “odiosa aos olhos doentes” (Sto. Agostinho, Confissões, livro VII, 16).

Enfim… obrigado, sr. Leonardo, mais uma vez, por sua mensagem.

Agradeço pela grande consideração que me fez, ao suplicar por minha concordância. Coisa que, graças a Deus, não lhe posso dar neste momento. Como disse, prefiro defender sozinho o que acredito certo a aquiescer gregariamente à moda das cortes virtuais católicas. Obrigado pela oportunidade de o dizer.

Obrigado, também, pela chance de protestar, com veemência, quer contra a absurda decisão de uma Conferência Episcopal de conceder universalmente a Comunhão Eucarística para toda sorte de adúlteros, quer contra a tentativa de embasar esta decisão em um documento pontifício que manda fazer exatamente o oposto. Não acho que isso houvesse sido já aventado na blogosfera católica.

E obrigado, por fim, pela sempre fiel audiência. Deus lhe recompense.

Abraços,
em Cristo,

Jorge Ferraz