Revista In Guardia – 6ª Edição

Gostaria de avisar a todos que já está disponível a 6ª edição da Revista In Guardia, com toda a qualidade característica deste apostolado intelectual que os meus leitores já conhecem – e, se não conhecem ainda, aproveitem a oportunidade para conhecer. Cliquem na imagem abaixo.

Como de costume, a revista pode tanto ser baixada quanto lida online. De acordo com o que foi informado no post de divulgação:

Com a mesma dedicação das outras cinco edições, lançamos essa sexta edição agora com participação da Editora Ecclesiae com seus TOP10 mais vendidos, entrevistas de Percival Puggina e Dom Fernando Arêas Rifan, imperdíveis, e tantos outros artigos que nossa equipe pesquisou e dedica a todos vocês.

Não deixem de ler a revista, de baixá-la e divulgá-la entre os amigos, de utilizá-la em encontros, enfim, de prestigiar este trabalho realizado com dedicação pela equipe In Guardia, com o único objetivo de oferecer aos internautas uma publicação católica que se destaque pela qualidade no meio da confusão muitas vezes reinante na internet.

“Fé – Amor – Reparação” – D. Fernando Rifan

[Oportuníssimo o artigo semanal de D. Fernando Rifan, que reproduzo na íntegra abaixo, e que vem a lume no momento propício para reparar o estrago causado por certos divulgadores de opiniões heréticas cujas idéias costumam aparecer com mais destaque principalmente nos momentos em que é mais importante voltar-se para Deus. Afundar o mal na superabundância do bem é algo sábio; e depois de ter precisado descascar ontem as bobagens do sr. José Lisboa, poder oferecer aos meus leitores um pouco de catequese positiva a respeito da festa de Corpus Christi apresenta-se como um valoroso refrigério. Bendito seja Deus no Santíssimo Sacramento do Altar.]

FÉ – AMOR – REPARAÇÃO

 Dom Fernando Arêas Rifan*

Amanhã celebraremos com toda a Igreja a solene festa do Corpo de Deus, ou Corpus Christi, solenidade em honra do Corpo de Cristo, presente na Santíssima Eucaristia.

Por que tal festa? “Augustíssimo sacramento é a Santíssima Eucaristia, na qual se contém, se oferece e se recebe o próprio Cristo Senhor e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. O Sacrifício Eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua pelos séculos o Sacrifício da cruz, é o ápice e a fonte de todo o culto e da vida cristã, por ele é significada e se realiza a unidade do povo de Deus, e se completa a construção do Corpo de Cristo. Os outros sacramentos e todas as obras de apostolado da Igreja se relacionam intimamente com a santíssima Eucaristia e a ela se ordenam” (Direito Canônico cân. 897).

O mesmo nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “A Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus membros a seu sacrifício de louvor e ação de graças oferecido uma vez por todas na cruz a seu Pai; por seu sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre o seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia é o memorial da páscoa de Cristo: isto é, da obra da salvação realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra esta tornada presente pela ação litúrgica. Enquanto sacrifício, a Eucaristia é também oferecida em reparação dos pecados dos vivos e dos defuntos, e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais” (nn.1407, 1409 e 1414).

Esse tesouro de valor incalculável, a Santíssima Eucaristia, centro e o ponto culminante da vida da Igreja Católica, foi instituído por Jesus na Última Ceia, na Quinta-feira Santa. Mas, então, a Igreja estava ocupada com as dores da Paixão de Cristo e não podia dar largas à sua alegria por tão augusto testamento. Por isso, na primeira quinta-feira livre depois do tempo pascal, ou seja, amanhã, a Igreja festeja com toda a solenidade, com Missa e procissão solenes, Jesus Cristo, vivo e ressuscitado, presente sob as espécies de pão e vinho, na Hóstia Consagrada. Esta festa tem a finalidade de expressarmos publicamente a nossa e adoração para com Jesus Eucarístico e, ao mesmo tempo, nossa reparação pelos ultrajes, sacrilégios, profanações, e, até também, pelos abusos litúrgicos que infelizmente acontecem com relação à Santíssima Eucaristia.

O Papa João Paulo II, na sua Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, já nos advertia contra os “abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento” e lastimava que se tivesse reduzido a compreensão do mistério eucarístico, despojando-o do seu aspecto de sacrifício para ressaltar só o aspecto de encontro fraterno ao redor da mesa, concluindo: “A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambigüidades e reduções”.

Nessa festa de Corpus Christi, demonstremos, pois, a importância da Eucaristia na Igreja e a nossa fé, adoração, respeito, reparação e amor por Jesus Eucarístico.

 

*Bispo da Administração Apostólica
Pessoal São João Maria Vianney

Meditando o Mistério da Eucaristia: contra os maus filósofos e falsos doutores

É verdadeiramente impressionante a quantidade de lixo herético que circula livremente pelos novos meios de comunicação, ostentando ares de catolicismo e disseminando a confusão entre os fiéis católicos. A mais nova pérola é este texto que leva por título “Corpus Christi: Momento para repensar o mistério da Eucaristia”, da autoria do sr. José Lisboa Moreira de Oliveira e (nada surpreendentemente) publicado em Adital, um dos maiores portais de porcaria pretensamente católica que existe na internet dos nossos dias.

O texto é repleto de um ethos anti-católico de uma ponta à outra, além de misturar mentiras deslavadas com interpretações toscas sobre os Evangelhos em tal profusão que consegue (por certo deliberadamente) ofuscar o que existe de mais importante na celebração de Corpus Christi que toda a Igreja vai festejar depois de amanhã. Este texto é de um desserviço tamanho que custa imaginar ter sido possível escrevê-lo de outra maneira que não por inspiração direta de Satanás. Comento-o rapidamente.

O primeiro momento deste processo reflexivo deveria ser um repensar a própria solenidade de Corpus Christi. Sabemos que esta festa surgiu no auge de uma violenta crise pela qual passava a Igreja Católica. A liturgia havia se sofisticado e se distanciado do povo. Era celebrada em latim, língua não mais falada pelas comunidades. Além de serem celebradas numa língua incompreensível, as liturgias eram pomposas, luxuosas, uma verdadeira afronta aos pobres.

Primeiro que é uma mentira deslavada que a festa tenha surgido “no auge de uma violenta crise pela qual passava a Igreja Católica”. Que crise, cara-pálida? A festa foi instituída no século XIII, século das luzes, apogeu da Cristandade, quando as sucessivas vitórias da Igreja nas cruzadas contra os mouros e na Inquisição contra os cátaros já desabrochavam em flor vistosa e já permitiam uma relativa paz e tranqüilidade na Europa, que se desenvolvia garbosamente.

Ademais, a liturgia se sofisticara, sem dúvidas, mas não “se distanciara” do povo porque – nunca é demais repetir – a Liturgia não é para o povo e sim para Deus. É o povo que deve se elevar até Deus através da Sagrada Liturgia, e isso se consegue tanto melhor quanto mais solenes forem as celebrações da Igreja. Os que chamam isto de “afronta aos pobres” curiosamente nunca foram pobres na vida, e a realidade da piedade dos menos favorecidos materialmente (em todos os tempos e culturas) dá testemunho constante a respeito de quão descabido é este discurso de ódio às coisas sagradas que usa por pretexto uma pobreza que é via de regra estranha e desconhecida aos que o proferem.

Assim, por exemplo, o preço da missa dependia do modo como o padre erguia a hóstia consagrada durante a anamnesis, chamada de “consagração”, e considerada o momento mais importante da missa. Quanto mais alta a elevação, mais cara era a missa.

Como o sr. José não cita as fontes de suas afirmações gratuitas, fica impossível saber se este fato é verdade ou se é mais uma mentira estúpida (como a da “violenta crise” da Igreja no século XIII). Em todo caso, o que importa aqui é i) que a Igreja jamais determinou “preço” de Sacramento algum, condenando duramente e desde sempre a prática da simonia; ii) que os emolumentos estipulados pelas autoridades eclesiásticas por ocasião da administração dos sacramentos existem até os dias de hoje, sendo uma prática perfeitamente razoável e que não se confunde (a não ser graças à má-fé de alguns) com “preço da missa”; e iii) que não se tem registro histórico de algum tempo ou lugar – caso os haja, apresentem-nos! – onde a cobrança de taxas proporcionais à altura da elevação da Hóstia Consagrada no momento da Consagração tivesse o status de costume legítimo (e não de – no máximo! – abuso coibido).

As pessoas não mais participavam da Eucaristia e a tinham apenas como simples devoção. Iam às igrejas para adorar o Santíssimo Sacramento e não para participar da Ceia do Senhor.

Eu não sei se o autor não sabe ou finge não saber, mas a única maneira de se “participar da Ceia do Senhor” é adorando-O. Não existe esta oposição apresentada entre “adorar o Santíssimo Sacramento” e “participar da Ceia do Senhor”, muitíssimo pelo contrário: esta participação só é possível por meio daquela adoração, como veremos mais abaixo com Santo Agostinho. Comungar é adorar.

A situação ficou tão grave que a própria hierarquia determinou que se comungasse pelo menos uma vez por ano, durante o período da Páscoa.

Mais outra falsidade histórica gritante: as pessoas comungavam pouco não por “falta de piedade” ou por “ignorância” da Eucaristia, mas exatamente pela razão contrária: porque sabiam perfeitamente que a Eucaristia era o Corpo do Senhor e levavam por isso muitíssimo a sério aquela advertência de São Paulo: “quem come e bebe sem distinguir a Carne do Senhor, come e bebe a própria condenação” [cf. 1Cor 11, 29]. A (relativa) pouca freqüência à comunhão eucarística não era porque “o povo” se sentia “distante” da “hierarquia” nem nenhuma outra bobagem do tipo: o povo comungava menos porque levava a Eucaristia mais a sério. Muito mais a sério, aliás, do que A leva o sr. José de Oliveira!

Foi neste contexto que o papa Urbano IV, em 1264, fixou a solenidade de Corpus Christi: uma festa para adorar pública e pomposamente a hóstia consagrada. Portanto, a festa de Corpus Christi, como veremos a seguir, é um desvirtuamento radical do significado litúrgico do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor. Ou, se preferirmos, uma traição do pedido do Mestre: “Tomai e comei, tomai e bebei”.

Ora, vê-se que o sr. José ou não sabe usar conjunções conclusivas ou não sabe encadear raciocínios (ou as duas coisas). A afirmação de que a festa de Corpus Christi “é um desvirtuamento radical do significado litúrgico do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor” não está implicada (nem mesmo pretensamente) pelo blá-blá-blá anterior e, portanto, não cabe o uso de coordenação conclusiva.

Considero a festa de Corpus Christi, na forma como ainda é celebrada atualmente, um desvirtuamento litúrgico e uma traição do mandato de Cristo por várias razões. Antes de tudo porque Jesus não deixou dito que ele queria ser adorado pomposamente num ostensório luxuoso nas igrejas e pelas vias públicas de uma cidade

Irrelevante, porque Ele tampouco deixou dito o contrário. E Aquele “que não tinha onde reclinar a cabeça” Se permitiu, sim, algumas atitudes dos Seus discípulos que seriam facilmente consideradas como “traições” por gente do naipe do sr. José de Oliveira, como p.ex. naquela ocasião em que Ele deixou uma mulher derramar um vaso inteiro de perfume caro sobre Sua cabeça [cf. Mt 26, 7].

Colocar a Eucaristia, sacramento do simples e pobre pedaço de pão, num ostensório de ouro é, recordando São João Crisóstomo, ofender aquele que não tinha onde reclinar a cabeça.

De novo, não é citada fonte alguma da citação que (se existe) está certamente descontextualizada, uma vez que uma besteira desta magnitude jamais seria sequer insinuada pelo Doutor Eucarístico e que é o autor da Divina Liturgia que leva seu nome.

Em segundo lugar porque o cerne da Eucaristia está não na adoração, mas na refeição, na comida, na ceia. Ou, se quisermos, o modo correto de adorar a Eucaristia é participar da ceia, é comer do pão e beber do cálice

Pode até ser que na cabeça do sr. José o cerne da Eucaristia não esteja na adoração. Na Fé legada por Cristo à Sua Igreja, no entanto, sempre foi necessário adorar a Cristo Eucarístico. Na conhecida frase de Sto. Agostinho (relembrada, p.ex., na Sacramentum Caritatis): «Nemo autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; (…) peccemus non adorando – ninguém come esta carne, sem antes a adorar; (…) pecaríamos se não a adorássemos». Ora, diante do Papa Bento XVI citando Santo Agostinho de Hipona, quem é o sr. José Lisboa Moreira de Oliveira para vir com estes despautérios? Por que as besteiras que este senhor escreve mereceriam mais crédito do que as palavras do Papa e dos Padres da Igreja?

As normas para o culto à Eucaristia fora da missa, emanadas pelo próprio Vaticano, são muito claras a este respeito. Chegam inclusive a dizer que se deve evitar neste culto tudo aquilo que possa tirar da Eucaristia a sua natureza de alimento, de comida, de refeição. Por rigor de lógica as espécies eucarísticas, quando colocadas para a veneração dos fiéis, deveriam ser postas em pratos de comida e não em ostensórios luxuosos.

Haja paciência! “A conservação da Santíssima Eucaristia e seu culto fora da missa” é precisamente o nome de um dos capítulos da Redemptionis Sacramentum, instrução “[s]obre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia”. Lá não existe uma única palavra sobre “evitar neste culto tudo aquilo que possa tirar da Eucaristia a sua natureza de alimento, de comida, de refeição” (!) que o autor do artigo inventou. O que existe em outra parte do mesmíssimo documento (n. 77) é precisamente o contrário:

[77.] A celebração da santa Missa, de nenhum modo, pode ser inserida como parte integrante de uma ceia comum, nem se unir com qualquer tipo de banquete. Não se celebre a Missa, a não ser por grave necessidade, sobre uma mesa de refeição, ou num refeitório, ou num lugar que será utilizado para uma festa, nem em qualquer sala onde hajam alimentos, nem os participantes na Missa se sentem à mesa, durante a celebração. Se, por uma grave necessidade, deva-se celebrar a Missa no mesmo lugar onde depois será a refeição, deve-se mediar um espaço suficiente de tempo entre a conclusão da Missa e o início da refeição, sem que se exibam aos fiéis, durante a celebração da Missa, alimentos ordinários.

Entendeu, sr. José? As “normas emanadas pelo Vaticano” dizem exatamente o contrário do que o senhor está dizendo, i.e., que não é permitido celebrar a Eucaristia em um contexto que lembre o de uma refeição comum! E se o autor deste lixo de texto mente assim de modo tão descarado sobre textos recentes que qualquer um pode encontrar na internet, o quanto não será que ele mente a respeito de textos antigos dos Padres da Igreja aos quais o acesso é muito mais difícil?

Assim a concepção comum presente na mente de bispos, padres e fiéis é que os termos “carne”, “corpo”, “sangue” se refiram exclusivamente ao corpo biológico de Jesus.

De novo, só se for na cabeça do sr. José, que já deve ter percebido o quanto é fácil e cômodo atacar espantalhos. À parte as besteiras proferidas no texto, toda criança recém-catequizada aprende que na Eucaristia está presente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não tem nada de “exclusivamente” o “corpo biológico de Jesus”, ao contrário do que disse o autor do artigo. A Fé dos “bispos, padres e fiéis” católicos é esta: «No santíssimo sacramento da Eucaristia estão “contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo”» (CEC §1374). Donde fica desmascarada esta [mais uma] mentira do sr. José, sobre a concepção dos católicos a respeito da Sagrada Eucaristia.

Por fim, a festa de Corpus Christi deveria ser um momento para se pensar numa solução definitiva para o problema daquelas milhares de comunidades cristãs espalhadas pelo mundo e que são privadas da celebração eucarística dominical, por falta de um ministro ordenado que a presida.

A “solução definitiva” para isto foi dada pelo próprio Jesus: «Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe» (Mt 9, 38). Não existe mágica: sem ministro ordenado não há Eucaristia. Infelizmente, ao invés de usar a festa de Corpus Christi para fomentar as orações pelas vocações, o autor do artigo quer reduzir a Santíssima Eucaristia a uma refeição comum que qualquer pessoa pode “confeccionar” por conta própria. Concepção mais protestante impossível.

Mesmo reconhecendo que em circunstância normais cabe ao bispo e seu conselho presbiteral presidir a Eucaristia, Tertuliano afirmava: “Onde não há um colégio de ministros inseridos, tu, leigo, deves celebrar a Eucaristia e batizar; tu és, então, o teu próprio sacerdote, pois, onde dois ou três estão reunidos, aí está a Igreja, mesmo que os três sejam leigos”.

A cereja do bolo vem no final! Depois de mentir, mentir e mentir de novo ao longo de todo o texto, será que merece crédito a citação final de Tertuliano (que, mais uma vez, é sacada da cartola sem referência e sem nada)? Ainda considerando que ela seja verídica com todas as aspas que o autor coloca (o que é inverossímil, mas vá lá), ainda assim não muda em uma vírgula a Fé da Igreja expressa com clareza pela totalidade dos Padres, pois de Tertuliano se pode parafrasear São Jerônimo e dizer: «De Tertuliano não direi senão que não pertenceu à Igreja». De fato, Tertuliano rompeu com a Igreja Católica e, portanto, esta frase alardeada pelo sr. José de Oliveira, se verídica for, é certamente expressão das suas próprias crenças pessoais, e não testemunho da Fé da Igreja de Cristo.

A despeito de eu ter cortado muita coisa do texto do sr. José de Oliveira, mesmo assim esta resposta ficou longa; mas é necessário defender a Fé da Igreja de Cristo, quando [falsos] doutores e [maus] filósofos vêm entulhar a internet com lixo teológico travestido de reflexão católica séria. Estamos às vésperas da Solenidade de Corpus Christi e, nesta Quinta-Feira sublime, importa-nos adorar devotamente a Divindade de Cristo oculta sob as espécies do pão e do vinho. Com toda a pompa que Ele – o Rei dos Reis! – merece, com toda a solenidade com a qual a Igreja de Deus sempre reverenciou o Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Deus. Importa-nos oferecê-Lo tudo o que somos e tudo o que temos! A fim de que, reverenciando com dignidade o Senhor da História oculto sob um pequeno pedaço de pão, possamos ter um dia a – imerecida – glória de vê-Lo como Ele é; de sermos felizes contemplando a face d’Aquele que, hoje, veneramos no Santíssimo Sacramento do Altar.

“Um cientista santo” – Dom Fernando Rifan

[Publico artigo de D. Fernando Rifan sobre o Dr. Jerôme Lejeune. O texto é bastante útil para os que (ainda) pensam haver alguma incompatibilidade entre ciência e Fé; entre ser cientista e ser católico. Dia desses, um amigo me falava que deixara de escrever sobre Fé e Ciência por uma razão bem simples: não há muito o que escrever. As “regrais gerais” são suficientemente sucintas e claras e, uma vez que se lhas entende, só resta aplicá-las e aplicá-las de novo aos casos individuais que porventura apareçam. E isto é geralmente “trabalho mecânico” e não intelectual; agrega conhecimento apenas quantitativa, e não qualitativamente.

Outro dia um aluno me perguntou o que a Igreja dizia sobre extraterrestres. Eu disse que Ela não dizia nada e isto “nem interessava”, ao que ele aquiesceu com entusiasmo por haver entendido. A Igreja pode discorrer sobre as (possíveis) características espirituais dos extraterrestres, pode propôr hipóteses para explicar-lhes a (possível) existência ou descartar algumas outras como incompatíveis com a Revelação, ou outras coisas do tipo. Mas a Igreja não pode dizer nada sobre a questão de fato da existência ou não deles, porque o objetivo d’Ela não é perscrutar o Universo em busca de vida alienígena, e sim anunciar aos homens a salvação de Deus. Se algum dia esta missão d’Ela esbarrasse em uma nave extraterrestre, isto poderia ser interessantíssimo como obra de ficção científica ou como especulação recreativa para as horas vagas; mas isto, absolutamente, não interessa para a maior parte das pessoas no presente momento.

Da parte da Igreja, não há e nem pode haver óbice a nenhuma espécie de conhecimento verdadeiro, porque toda verdade vem de Deus e, sendo Deus o autor da Revelação, não há contradição possível entre o mundo que Ele criou e as coisas que Ele revelou a respeito de Si próprio e do mundo criado. Esta é a regra geral: sábio é o homem que a compreende! Então ele poderá fortalecer a sua Fé e a sua ciência diante das descobertas científicas concretas com as quais se deparar ao longo de sua vida. Por outro lado, estulto é o sujeito que em qualquer relampejo de técnica julga descobrir uma “prova” de que Deus não existe. Este infeliz não conseguirá jamais entender nem a religião e nem a ciência.]

UM CIENTISTA SANTO

Dom Fernando Arêas Rifan*

 

Em 2001, em Roma, tive a honra de jantar com uma distinta senhora e seu genro, cuja identidade me surpreendeu. Tratava-se da viúva do grande médico cientista, Dr. Jerôme Lejeune, falecido em 1994, e seu genro, o diretor da Fundação Jerôme Lejeune, inaugurada após sua morte, que dá continuidade à sua ação em favor dos deficientes mentais.

Jérôme Jean Louis Marie Lejeune (1926-1994) foi um médico francês, pediatra, professor de genética e cientista, a quem se deve a descoberta da anomalia cromossômica que dá origem à trissomia 21, identificando assim a origem genética da chamada Síndrome de Down.   

O professor Lejeune, considerado o pai da genética moderna, obteve, entre várias honrarias e títulos, os de doutor Honoris Causa das universidades de Düsseldorf (Alemanha), Pamplona (Espanha), Buenos Aires (Argentina) e da Pontifícia Universidade do Chile. Ele era membro da Academia de Medicina da França, da Academia Real da Suécia, da Academia Pontifícia do Vaticano, da American Academy of Arts and Sciences e da Academia de Lincei (Roma) entre outras. Participou e presidiu várias comissões internacionais da ONU e OMS. Obteve numerosos prêmios pelos seus trabalhos sobre as patologias cromossômicas, entre os quais o Prêmio Kennedy em 1962, que recebeu diretamente das mãos do presidente John F. Kennedy. Em 1964, ele foi o primeiro professor de genética na Faculdade de Medicina de Paris.

Em 1974, o Papa Paulo VI o convida a fazer parte da Pontifícia Academia das Ciências e, mais tarde, do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Em 1981, Jérôme foi eleito à Academia de Ciências Morais e Políticas da França e, em 1994, tornou-se o primeiro presidente da Pontifícia Academia para a Vida, criada naquele mesmo ano pelo Beato João Paulo II, de quem era amigo particular.

Mas, o mais surpreendente de tudo isso: ele teve uma vida santa. João Paulo II, em 1997, na Jornada Mundial da Juventude em Paris, fez questão de ir rezar no seu túmulo. Seu processo de beatificação e canonização foi aberto em 28 de junho de 2007. Com Missa pela vida celebrada na Catedral de Notre-Dame de Paris, em abril passado, encerrou-se o processo diocesano da causa de beatificação e canonização do servo de Deus Jérôme Lejeune. Conhecido por tratar e acompanhar pacientes com deficiência intelectual e, sobretudo, pelo compromisso em favor da vida humana, em 1971 realizou um discurso contra o aborto no National Institute for Health e depois disto mandou uma mensagem à sua esposa dizendo: “hoje perdi meu Prêmio Nobel”. Nesse discurso, Lejeune foi forte: “Vocês estão transformando seu instituto de saúde em um instituto de morte”.

A Igreja tem santos de todos os tipos, temperamentos, profissões, classes sociais, idades, países e línguas. Assim ela nos ensina que a santidade não está excluída de ninguém. Pelo contrário, está ao alcance de todos. “Todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade” (Lumen Gentium, 39).

 

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

Os católicos e os tribunais modernos: Igreja nos EUA processa administração Obama

Várias dioceses e organizações católicas americanas estão processando em massa a administração Obama, acusando o presidente de violar a liberdade religiosa e pretender forçar cidadãos americanos a agirem de modo contrário à sua Fé. Especificamente, os processos gravitam em torno da «regulamentação que a Secretária de Saúde e Serviços Humanos Kathleen Sebelius anunciou em Agosto passado e concluiu em Janeiro[,] que solicitava a virtualmente todos os planos de saúde dos Estados Unidos a cobrirem esterilização e anticoncepcionais aprovados pela “Food and Drug Administration”, incluindo aqueles que podem provocar abortos». O site (em inglês) que reúne estas informações é o Preserve Religious Freedom, mantido pela Arquidiocese de Washington

A notícia é curiosa. Em primeiríssimo lugar, merece destaque e é digna de aplausos a iniciativa dos católicos americanos de procurarem fazer alguma coisa para frear as imoralidades que o presidente mais abortista que já pisou nos Estados Unidos da América está tentando impôr a um povo que em sua maioria considera o aborto moralmente incorreto. E, acto contínuo, isto serve para cobrir de vergonha os católicos desta Terra de Santa Cruz, onde a nossa Conferência age – tantas vezes! – de modo apático diante do governo anti-cristão ao qual estamos sujeitos – isto quando não lhe é subserviente. Ó bispos do Brasil, aprendei com os vossos irmãos de báculo e mitra da América do Norte!

Mas é também impossível não guardar um pouco de temor a respeito dessas ações judiciais. Isto porque o Estado não tem potestade para oferecer obstáculos à pregação do Evangelho da Igreja de Cristo; mas, num tribunal revolucionário, a gente não sabe ao certo o que pode acontecer. É possível que juízes iníquos decidam ilegitimamente a favor do presidente anti-cristão. O que aconteceria neste caso?

Certa feita alguém comentava sobre as paróquias e as leis municipais, e argumentava que os párocos de cidades pequenas deveriam realizar nos seus templos as reformas que fossem necessárias ao desempenho de seu ministério, sem se preocupar com burocracias de prefeituras. E citava um causo de um sacerdote que, certa feita, aporrinhado pelo prefeito da cidade a respeito de umas obras na igreja matriz, simplesmente respondeu: “a minha Igreja estava aqui antes da tua prefeitura”.

E neste caso, sim, antigüidade é posto. Pombas, nós construímos as catedrais medievais muito antes do CREA sonhar em existir! Tampouco o órgão burocrático tem credenciais para fazer frente às da Igreja Católica. É óbvio que existem regulamentações necessárias, mas estas não podem vir de cima, como um machado aleatório sufocando as necessidades humanas. Se a administração pública atual fosse transportada à Paris dos séculos XII-XIII, nós não teríamos hoje Notre Dame ou a Sainte-Chapelle.

Igualmente, no caso dos planos de saúde americanos, foi a Igreja quem inventou a saúde pública quando os EUA ainda eram terra de Apaches. O governo americano, portanto, não tem legitimidade para dizer como as organizações caritativas e os hospitais católicos devem prestar os seus serviços. E isto independe completamente de qualquer resultado de qualquer tribunal moderno, porque se trata simplesmente do dado factual: nós estávamos aqui antes. É digna de louvor, repito, a atitude dos católicos americanos. Fazem falta ações análogas aqui no Brasil. Mas não podemos perder de vista quem somos e nem tampouco abraçar com entusiasmo as teses modernas que são incompatíveis com a doutrina católica e até mesmo com a realidade elementar.

Afinal, nós e eles enxergamos o papel dos tribunais de formas irredutíveis entre si, e isto precisa ficar claro. Não é nos tribunais que está a nossa última esperança, e sim no Justo Juiz que é Senhor da História, a Cuja Providência confiamos o governo da Sua Igreja. Isto não significa que não devamos nos utilizar dos meios humanos contingentemente disponíveis; mas significa, sim, que estes devem ser sempre colocados em perspectiva.

Sobre as greves: a Igreja mudou o Seu ensinamento?

A Universidade Federal de Pernambuco acaba de entrar em greve. Sem entrar no mérito desta decisão específica, gostaria de aproveitar o ensejo para falar sobre a “greve” no seu sentido mais amplo, uma vez que o exemplo é amiúde evocado como uma “prova” de que a Igreja “mudou” o Seu ensinamento a este respeito.

Sobre as greves diz Leão XIII na Rerum Novarum:

22. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, não poucas vezes, aos operários ocasião de greves. E preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão–de nascer os conflitos entre os operários e os patrões.

A leitura superficial pode se revelar enganosa e, a um leitor menos atento, pode parecer que a Igreja é “contrária às greves” assim, sem mais ressalvas. Ou ainda, caso as pessoas tenham o cuidado de abrir o Catecismo da Igreja Católica, podem se deparar com a seguinte passagem e julgar que, afinal, a Igreja dizia ontem uma coisa e hoje diz o contrário:

§2435 A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.

E então? A greve é “moralmente legítima” ou é uma “desordem grave”? Vale o que foi dito no século XIX ou vale o que é dito hoje? Na verdade (e aliás como sempre), valem as duas coisas. De que maneira? Muito simples: mudou-se o que se entende por “greve”.

A Igreja sob Leão XIII nunca condenou a greve entendida como o direito de se recusar a trabalhar em condições degradantes. O que a Igreja condenou foi o evento sociológico “greve” da época, que tinha pouco ou nada a ver com as greves atuais: naquela época, era “greve” quando os trabalhadores ocupavam as fábricas, quebravam as máquinas e, se calhasse, matavam o patrão ou os que lhe eram próximos. A greve era um atentado concreto (pelo menos) ao direito à propriedade e (não raro) ao direito à vida. Óbvio, portanto, que tal coisa fosse condenada. Aliás ainda o é.

Igualmente, hoje não é “qualquer greve” que é legítima: ao contrário, são legítimas as greves que «se apresenta[m] como um recurso inevitável, e mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado», como está no Catecismo. E só é legítima a greve que (ao contrário daquelas historicamente condenadas pela Igreja) não seja “acompanhada de violências”. Mudaram, portanto, as contingências históricas: permanece imutável o ensino moral da Igreja, que (por definição) não se pode mudar.

Confundir realidades distintas por conta do emprego comum de um mesmo termo para designar ambas é sempre um risco. Mas outro risco é o de achar que, com a mudança das realidades contingentes, mudam-se (ou abrandam-se) as condenações da Igreja. Julgar desta maneira é não entender o que aconteceu neste caso da greve (e em outros casos análogos, como o dos juros): as condenações da Igreja não “se abrandaram”, elas permanecem integralmente válidas. O que deixou de existir foi o objeto da condenação: antes havia uma coisa caracterizada por proletários destruindo fábricas e, hoje, existe uma outra coisa que se caracteriza por empregados se recusando a trabalhar. Ambas foram contingentemente chamadas de “greve”, mas é bastante evidente que se tratam de realidades bem distintas. Se alguém resolver quebrar máquinas hoje como se fazia no século XIX, não pode aduzir em sua defesa um alegado “direito de greve” reconhecido tanto pela Igreja quanto pelo direito brasileiro. Igualmente, se algum proletário da época da Revolução Industrial resolvesse então dizer que não ia mais trabalhar enquanto não fosse melhor remunerado, tal situação não seria de modo algum condenável pelas autoridades eclesiásticas da época.

É desse modo, portanto, que deve ser entendida a autoridade moral da Igreja Católica: separando-se as questões de princípio das questões de fato, recaindo a infalibilidade magisterial (e a sua conseqüente irreformabilidade, etc.) sobre as primeiras. Quanto às questões de fato, é preciso ter em mente que as contingências históricas podem mudar e, portanto, pode ser que as condenações de outrora deixem de valer por mera vacuidade contingente do objeto condenável (sem que contudo o objeto deixe de ser condenável). Mas mesmo quanto às questões de fato compete às autoridades da Igreja dar a orientação definitiva. Ninguém pode levianamente afirmar que certas condenações do passado não são mais válidas: na verdade, as condenações do passado são sempre e para sempre válidas. O que pode acontecer, repita-se, é que não exista mais o objeto anteriormente condenado; mas até para a emissão desse juízo de fato é mister estar em delicada consonância com o Magistério da Igreja.

“O Segredo de Fátima” – Dom Rifan

[Publico com alegria o último artigo de S.E.R. Dom Fernando Arêas Rifan sobre o aniversário das aparições de Fátima que nós comemoramos no último domingo – por uma feliz coincidência, junto com o Dia das Mães. É oportuno meditar na mensagem d’Aquela que é a Mãe por excelência; desta Mulher que, do alto da Cruz, Nosso Senhor nos legou por Mãe na ordem da Graça, e isto de tal maneira que não se pode pretender membro da Igreja (Corpo Místico de Cristo) quem não é filho espiritual d’Aquela que é Mãe da Cabeça da Igreja – Cristo Deus.

Há uma música antiga sobre Nossa Senhora que fala que “em cada mulher que a terra criou / um traço de Deus Maria deixou”, ou coisa parecida. E a profundidade destes versos às vezes não é devidamente percebida: é como se as mulheres se realizassem como mulheres apenas enquanto se aproximassem desta Mulher que é o modelo de toda feminilidade. Deus quer povoar o mundo com reflexos de Sua Divina Mãe; e as mulheres são admiráveis porque lembram, um pouco que seja, a Bem-Aventurada Mãe de Deus.]

O SEGREDO DE FÁTIMA

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

Domingo passado, com o dia das mães, celebramos o 95o aniversário da primeira de uma série de aparições de Nossa Senhora a três pobres crianças, pastores de ovelhas, em Fátima, pequena cidade de Portugal, de onde a devoção se espalhou e chegou ao Brasil. E são sempre atuais e dignas de recordação as suas palavras e seu ensinamento.

O segredo da importância e da difusão de sua mensagem está exatamente na sua abrangência de praticamente todos os problemas atuais. E aquelas três pobres crianças foram os portadores do “recado” da Mãe de Deus para o Papa, os governantes, os cristãos e não cristãos do mundo inteiro.

Ali, Nossa Senhora nos alerta contra o perigo do materialismo comunista e seu esquecimento dos bens espirituais e eternos, erro que, conforme sua predição, vai cada vez mais se espalhando na sociedade moderna, vivendo os homens como se Deus não existisse: o ateísmo prático, o secularismo.

A Rússia vai espalhar os seus erros pelo mundo”, advertiu Nossa Senhora. A Rússia tinha acabado de adotar o comunismo, aplicação prática da doutrina marxista, ateia e materialista. Se o comunismo, como sistema econômico, fracassou, suas ideias continuam vivas e penetrando na sociedade atual. Aliás, os outros sistemas econômicos, se também adotam o materialismo e colocam o lucro acima da moral e da pessoa humana, adotam os erros do comunismo e acabam se encontrando na exclusão de Deus. Sobre isso, no discurso inaugural do CELAM, em 13 de maio de 2007, em Aparecida, o Papa Bento XVI alertou: “Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século… Quem exclui Deus de seu horizonte, falsifica o conceito da realidade e só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas”. Fátima é, sobretudo, a lembrança de Deus e das coisas sobrenaturais aos homens de hoje.

Aos pastorinhos e a nós, Nossa Senhora pediu a oração, sobretudo a reza do Terço do Rosário todos os dias, e a penitência, a mortificação nas coisas agradáveis e lícitas, pela conversão dos pecadores e pela nossa santificação e perseverança.

Explicou que o pecado, além de ofender muito a Deus, causa muitos males aos homens, sendo a guerra uma das consequências do pecado. Lembrança muito válida, sobretudo hoje, quando os homens perderam o senso do pecado e o antidecálogo rege a vida moderna.

Falou sobre o Inferno – cuja visão aterrorizou sadiamente os pastorinhos e os encheu de zelo pela conversão dos pecadores –, sobre o Purgatório, sobre o Céu, sobre a crise que sofreria a Igreja, com perseguições e martírios.

Enfim, Fátima é o resumo, a recapitulação e a recordação do Evangelho para os tempos modernos. O Rosário, tão recomendado por Nossa Senhora, é a “Bíblia dos pobres” (João XXIII). Assim, sua mensagem é sempre atual. É a mãe que vem lembrar aos filhos o caminho do Céu.

                                                                       *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

Revista In Guardia: 5ª Edição

Aviso, com um pouco de atraso, que já foi publicada (desde o início do mês passado) a quinta edição da Revista In Guardia. Segundo divulgação do próprio site da revista, «[n]essa edição temos a entrevista com o José Nivaldo Cordeiro que nos falou muito sobre temas variados da política nacional e ainda de alguns temas legislativos em voga. A outra entrevista ficou por conta de um belo bate-papo com Dom Antônio Keller». Para acessá-la basta clicar no link acima (ou aqui, para lê-la online diretamente).

É com alegria que eu vejo a revista crescendo e adquirindo maior qualidade a cada edição. Trata-se de um trabalho coordenado entre diversos escritores católicos dos mais variados lugares do Brasil, reunidos nesta iniciativa de oferecer uma revista de formação católica com assuntos de interesse aos internautas brasileiros. Vocês que passam por aqui não deixem de prestigiar a revista acessando-a e recomendando-a aos seus conhecidos. E quaisquer comentários que desejem fazer sobre ela, sintam-se à vontade: o nosso desejo é trabalhar para melhor servi-los.

A união entre Cristo e a Igreja

E Deus criou a mulher para ser companheira do homem, pois não era bom que este estivesse só. Embora esta complementaridade entre os sexos aponte indubitavelmente para a transcendência humana (aqui entendida como a sua capacidade de relacionar-se com um outro diferente de si mesmo) em seu sentido latu, é também indiscutível que este plano divino realiza-se com maior perfeição e particular eloqüência dentro do Sagrado Matrimônio, por meio do qual o homem e a mulher se unem diante de Deus; tornando-se assim uma só carne e iniciando uma nova família no mundo.

Um casamento, como dizia o Carlos Ramalhete outro dia, deve sempre ser comemorado. Porque se trata de uma etapa da vida que é deixada para trás, ao mesmo tempo em que se tem diante de si a grande aventura da vida, a aventura verdadeiramente importante da vida. Eu já escrevi sobre isto aqui há mais de três anos, quando voltava da festa de casamento de pessoas que me são particularmente caras. Todo casamento é um drama que cumpre ser bem representado, um drama único e irrepetível como únicas e irrepetíveis são as pessoas – cada uma das pessoas – criadas por Deus. Todo casamento é chamado a ser santo como santos devem ser os seus protagonistas, e eu diria ainda mais: os que se unem nos laços do Sagrado Matrimônio têm uma responsabilidade ainda maior do que os solteiros, pois devem acrescentar ao testemunho de si próprios o testemunho público da sua família. Em um certo sentido, o marido deve ser melhor do que era até o dia em que tomou a sua mulher por esposa, e a esposa deve ser melhor do que foi até o momento em que subiu ao altar de Deus; de certo modo, os esposos estão obrigados a serem bons esposos mais ainda do que os filhos ou irmãos devem ser bons filhos ou bons irmãos.

Porque o Matrimônio tem esta gravíssima prerrogativa de ser, como disse o Apóstolo, sinal da união entre Cristo e a Igreja. Se já é naturalmente nobre a união dos esposos, nobilíssima é a missão dos que se unem sob o signo da Cruz e, banhados no Sangue do Cordeiro, ousam aproximar-se deste Sacramento que torna palpável e visível a relação entre Deus e o Seu povo, entre Cristo e Sua Igreja. É o único Sacramento que tem esta finalidade. À união entre os esposos foi concedida esta incomensurável honra de servir como metáfora para o deleite da visão beatífica, para o encontro definitivo com Deus: são as próprias Escrituras Sagradas que nos falam nas “núpcias do Cordeiro” (cf. Ap 19, 7). Eis a que estão obrigados os que se unem em Matrimônio! A amizade é nobre. O amor natural entre o homem e a mulher é sublime. O Matrimônio elevado sobrenaturalmente a Sacramento chega aos limites do Céu, aos umbrais da Jerusalém Celeste: é divino.

Dentro em breve vou pegar um avião. Amanhã, se o bom Deus assim permitir, estarei presente à cerimônia religiosa onde um amigo e uma amiga irão selar a sua união diante do Todo-Poderoso, e isto é belíssimo porque semelhante entrega ultrapassa os limites humanos e só é possível porque o amor de Deus é maior do que as misérias humanas. Sim, o amor de Deus é maior do que as nossas fraquezas, e isto se torna visível cada vez que um Matrimônio é celebrado; cada vez que, a despeito de nossas muitas faltas, Deus insiste em fazer do barro que somos um vaso de precioso conteúdo. Amanhã este milagre acontecerá mais uma vez. Amanhã Marcio e Cristina darão continuidade a esta tradição que remonta às Bodas de Caná e, ainda mais além, remonta aos próprios Primeiros Pais, ao Primeiro Homem e à Primeira Mulher que Deus criou para que fossem um do outro e, precisamente sendo um do outro, refletissem no mundo um pouco do amor que Deus tem por Seus filhos. Amanhã – isto é certo! – eu terei um vislumbre de Cristo Se unindo à Sua Igreja. E o que desejo sinceramente aos amigos que embarcam em tão grandiosa empreitada é que sejam fiéis e felizes: que esta família possa ser no mundo um reflexo tão límpido e fulgurante d’Aquela Família Sagrada de Nazaré, d’Aquela União Mística entre Cristo e Sua Igreja, que arraste mais e mais almas a Deus; e que assim eles possam um dia consumar plenamente a união que amanhã irão simbolizar.

Parabéns aos noivos! Que sejam santos. Que por meio deles o amor de Deus se difunda sobre o mundo – e se encontre nesta terra. Que o Sacramento do Matrimônio os leve a Deus.

“O trabalho dignificado” – Dom Fernando Rifan

[Mais um dos excelentes artigos semanais de D. Fernando Rifan. À véspera do Primeiro de Maio, vale a pena refletir sobre o papel do trabalho humano dentro de uma antropologia de cunho cristã: ele não tem nada a ver com uma relação do tipo “oprimido-opressor” de dicotomia tão simples quanto errônea, e nem se reduz à maldição que nos foi lançada após o pecado dos nossos primeiros pais. O trabalho é participação na obra de Deus de criação e manutenção do mundo, e é – também – sob esta ótica que ele precisa ser encarado. Não apenas como “um” meio de santificação, mas como o meio que a Providência escolheu para que a maior parte de nós se santificasse. Que São José possa interceder por nós e providenciar.]

O TRABALHO DIGNIFICADO

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

 

Dia 1º de maio celebramos a festa de São José operário, patrono dos trabalhadores. Desejoso de ajudar os trabalhadores a santificar o seu dia, já mundialmente comemorado, o Papa Pio XII instituiu a festa de São José operário, modelo do trabalhador. De origem nobre da Casa de Davi, ganhando a vida como simples carpinteiro, São José harmoniza bem a união de classes que deve existir em uma sociedade cristã, onde predominam a justiça e a caridade.

O trabalho é obra de Deus. Deus, ao criar o homem, colocou-o no jardim do Éden para nele trabalhar. O trabalho existe, portanto, antes do pecado. Depois deste, passou a ter a conotação de penitência, pois adquiriu uma nota de dificuldade e o necessário esforço para desempenhá-lo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn 3,19).

Assim, o trabalho tem o aspecto natural necessário para o nosso sustento e o aspecto adicional de penitência, pois ele contraria nossa tendência, exacerbada pelo pecado, à preguiça e ao relaxamento. O trabalho é algo muito digno e nobre, seja ele qual for, desde que seja honesto e nos encaminhe para Deus, seu autor.

O trabalho é também expressão do amor.  “A expressão quotidiana deste amor na vida da Família de Nazaré é o trabalho. O texto evangélico especifica o tipo de trabalho, mediante o qual José procurava garantir a sustentação da Família: o trabalho de carpinteiro. Esta simples palavra envolve toda a extensão da vida de José. Para Jesus este período abrange os anos da vida oculta, de que fala o Evangelista, a seguir ao episódio que sucedeu no templo: «Depois, desceu com eles para Nazaré e era-lhes submisso» (Lc 2, 51). Esta submissão, ou seja, a obediência de Jesus na casa de Nazaré é entendida também como participação no trabalho de José. Aquele que era designado como o ‘filho do carpinteiro’, tinha aprendido o ofício de seu ‘pai’ adotivo. Se a Família de Nazaré, na ordem da salvação e da santidade, é exemplo e modelo para as famílias humanas, é-o analogamente também o trabalho de Jesus ao lado de José carpinteiro. Na nossa época, a Igreja pôs em realce isto mesmo, também com a memória de São José Operário, fixada no primeiro de maio. O trabalho humano, em particular o trabalho manual, tem no Evangelho uma acentuação especial. Juntamente com a humanidade do Filho de Deus ele foi acolhido no mistério da Encarnação, como também foi redimido de maneira particular. Graças ao seu banco de trabalho, junto do qual exercitava o próprio ofício juntamente com Jesus, José aproximou o trabalho humano do mistério da Redenção” (B. João Paulo II, Ex. Apost. Redemptoris Custos).

“Trata-se, em última análise, da santificação da vida quotidiana, no que cada pessoa deve empenhar-se, segundo o próprio estado, e que pode ser proposta apontando para um modelo accessível a todos: São José é o modelo dos humildes, que o Cristianismo enaltece para grandes destinos; é a prova de que para serem bons e autênticos seguidores de Cristo não se necessitam grandes coisas, mas requerem-se somente virtudes comuns, humanas, simples e autênticas.”

                                 *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney