Jesus, o “Mano dos Manos”: inculturação e nova evangelização

É de São Paulo aquela história de fazer-se judeu para os judeus, fraco com os fracos, «tudo para todos a fim de salvar a todos» (1Cor 9, 22b). Também foi o Apóstolo quem colocou o Deus Altíssimo nos altares dos pagãos dedicados “a um Deus Desconhecido” (At 17, 23), e a própria Virgem Imaculada Mãe de Deus, sendo judia, não Se incomodou em apresentar-Se ao mundo como uma negra ou uma índia. Na mesma esteira, os missionários que catequizaram o Brasil recém-descoberto não hesitaram em ensinar aos índios que o verdadeiro Tupã era o Deus de Israel.

Isto porque fazer-se entender é uma necessidade imperativa do Cristianismo, que precisa levar a Boa-Nova do Evangelho a todos os homens de todos os povos e culturas. Tal (chamemo-lo assim) empréstimo de elementos culturais, contudo, não pode ser confundido com irenismo ou sincretismo. Os antigos pagãos tanto entenderam que Nosso Senhor não era um deus pagão que não Lhe conferiram um lugar no Pantheon de Agrippa, e os nativos mexicanos tanto entenderam que a Virgem de Guadalupe não era uma divindade de seus antepassados que se fizeram todos católicos. A verdadeira inculturação significa ordenar uma cultura em torno a Cristo Rei do Universo, e não “relativizar” a Fé para adequá-la às crenças de não-católicos e nem muito menos pressupôr que quaisquer manifestações religiosas são, de per si, outras formas (em princípio válidas) de se referir ao Deus Verdadeiro.

Neste sentido, algumas “inculturações” modernas (ou seja lá o nome que se lhes dê) são inúteis ou contraproducentes, quando não desrespeitosas e até mesmo blasfemas: poderíamos lembrar, p.ex., que na África não tem “missa afro” ou que até mesmo os usuários de drogas de São Paulo sabem ser errado chamar a Virgem Santíssima de Nossa Senhora do Crack. O objetivo da verdadeira inculturação não é “inventar” nada, e sim facilitar o encontro entre almas que não conhecem a Cristo e o Senhor que lhes está à porta e bate. É um meio, e não um fim. Deve mostrar (muitas vezes a partir dos ídolos) o Deus Verdadeiro que existe para além dos ídolos – ou, melhor ainda, do Qual os ídolos são meras caricaturas grosseiras -, e não transformar Deus num ídolo nem dizer que o ídolo é Deus. É na sua oportunidade e na sua fidelidade ao Deus Revelado que se encontra o discrímen entre a inculturação legítima e a traição ao Evangelho pura e simples.

À luz dessas considerações, qual a justificativa para estas representações de Nosso Senhor como “Hip-Hop” (2010) ou “Mano dos Manos” (2009)? Tal iconografia não raia a irreverência? Ela não se presta muito mais a provocar uma acomodação ao status quo do que a propiciar uma verdadeira conversão? Ela não supervaloriza os movimentos modernos, ao invés de apontar para o Deus que transcende a História?

Deus nos livre de algumas dessas idéias “geniais” destes que são (ou pensam ser, ou deveriam ser) expoentes da Nova Evangelização! Graças aos Céus, no entanto, em Roma os ventos sopram diferente. Para o Papa Bento XVI (in “Novos Evangelizadores para Nova Evangelização”, encontro recém-realizado no Vaticano), «o poder da Palavra não depende principalmente de nossa ação, dos nossos meios, do nosso “fazer”, mas de Deus, que esconde o seu poder sob os sinais da fraqueza, que se faz presente na brisa suave da manhã (cf. 1 Re 19, 12), que se revela no lenho da Cruz». Sim, Senhor, levantai-Vos e agi em favor do Vosso povo! Porque, ao que parece, são muitos os que estão empenhados em confundi-lo. Aparentemente, são muitos os que agem para afastar as almas de Vós.

Como é possível amar a natureza e não amar o ser humano para o qual Deus criou a natureza?

«Como eu posso defender, por exemplo, a natureza, os ovos das tartarugas, as plantas – e nós devemos fazer isso – e não defender a vida humana? Como eu posso propugnar uma ecologia natural e aceitar aquilo que destrói a vida – a miséria, a injustiça – e o que destrói a vida na sua origem – o aborto? Como é possível amar a natureza e não amar o ser humano para o qual Deus criou a natureza? Nós temos que defender a natureza na sua totalidade, na sua globailidade, em todos os aspectos nos quais ela manifesta a vontade de Deus; que é o Deus da vida, o Deus da existência, o Deus da Verdade, da Justiça e do Amor.

[…]

Irmãos e irmãs, para nós cristãos a verdadeira ecologia representa antes de tudo uma atitude de respeito ao dom que nós recebemos de Deus. A ecologia é para nós cristãos uma questão de fé, porque nós somos chamados a defender aquilo que Deus criou. É inaceitável para quem quer amar a Deus não amar o que saiu das mãos misericordiosas e amorosas de nosso Deus. (…) É preocupante o fato de que frequentemente muitos daqueles grupos sociais e políticos – que de forma admirável estão em harmonia com a maravilha da criação – que eles não dêem tanta atenção para, p.ex., a maravilha do ser humano no útero da sua mãe. Nós queremos a ecologia global, a ecologia completa, que envolva toda a obra da Criação, desde a natureza que Deus fez para que nós pudéssemos desfrutá-la até o ser humano, imagem e semelhança de Deus».

Dom Antonio Rossi Keller,
Bispo de Frederico Westphalen

http://www.youtube.com/watch?v=_D63jw6dh1k

“Nós somos a Igreja: sejamo-lo!” – Bento XVI

Às vezes digo: São Paulo escreveu [que] “a Fé vem do ouvir” – não do ler. Tem também necessidade do ler mas vem da escuta, quer dizer, da palavra vivente, das palavras que os outros me dirigem e posso ouvir: das palavras da Igreja através de todos os tempos, da palavra atual que Ela me dirige mediante os sacerdotes, os bispos, os irmãos e as irmãs. Faz parte da Fé o “tu” do próximo e faz parte da Fé o “nós”.

Precisamente, exercitarmo-nos neste suportarmo-nos uns aos outros é algo muito importante; aprender a acolher ao outro como outro em sua diferença, e aprender que ele me deve suportar em minha diferença, para convertermo-nos em um “nós”. A fim de que um dia na paróquia possamos formar uma comunidade, chamar as pessoas a entrarem na comunidade da Palavra e estarmos juntos caminhando em direção ao Deus vivente. Faz parte disso o “nós” muito concreto, como é o seminário, como será a paróquia, mas é também preciso olhar sempre para além do “nós” concreto e limitado até o grande “nós” da Igreja de todo o lugar e de todo o tempo, para não fazermos de nós o critério absoluto.

Quando dizemos “nós somos [a] Igreja”, sim, é verdade: somos nós, e não nenhuma outra pessoa. Mas este “nós” é mais amplo do que o grupo que o está dizendo. O “nós” é a comunidade inteira dos fiéis, de hoje e de todos os lugares e de todos os tempos. E eu digo sempre: na comunidade dos fiéis, sim, ali existe (por assim dizer) o juízo da maioria de fato, mas não pode haver jamais uma maioria contra os Apóstolos e contra os Santos: isto seria uma falsa maioria. Nós somos a Igreja: sejamo-lo! Sejamo-lo precisamente em abrirmo-nos, em irmos para além de nós mesmos e em sê-lo juntamente com os outros.

[…]

Nosso mundo atual é um mundo racionalista e condicionado pelo cientificismo, embora muito freqüentemente se trate de um cientificismo apenas aparente. Mas o espírito do cientificismo, do compreender, do explicar, do poder saber, do repúdio a tudo o que não é racional, é dominante no nosso tempo. Nisto também há algo grande, ainda que com freqüência se esconda detrás de muita presunção e insensatez. A fé não é um mundo paralelo do sentimento, ao qual nos permitimos aderir; na verdade, a Fé é o que abraça o todo, o que lhe dá sentido, interpreta-o e lhe dá também as diretrizes éticas interiores, a fim de que seja compreendido e vivido com vistas a Deus e a partir de Deus. Por isso é importante estar informados, comprender, ter a mente aberta, aprender. Naturalmente, dentro de vinte anos estarão em moda correntes filosóficas totalmente distintas das de hoje: quando penso no que entre nós era a maior moda filosófica e a mais moderna e, hoje, vejo como tudo já está esquecido… Não obstante,  não é inútil aprender estas coisas, porque nelas também há elementos duradouros. E sobretudo com isto nós aprendemos a julgar, a seguir mentalmente um pensamento – e a fazê-lo de modo crítico – e aprendemos a fazer com que, no pensar, a luz de Deus nos ilumine e não se apague.

Bento XVI,
Encontro com os seminaristas
na Capilla San Carlos Borromeo del Seminario de Friburgo

Sermão do Nascimento da Mãe de Deus – pe. António Vieira

[Não poderíamos deixar de lembrar com alegria e gratidão do dia de hoje; do dia em que nasceu Aquela que haveria de ser a Mãe do Salvador. Hoje a Igreja inteira celebra a festa da natividade da Virgem Santíssima; d’Aquela Mulher que, quando o mundo jazia no pecado, resplandeceu cheia de Graça iluminando-o com uma luz que ele não via há muito tempo. Iluminando-o com uma luz que era prenúncio da Luz do Seu Divino Filho.

Os diversos títulos da Virgem Mãe de Deus sempre me deixam admirados. Em particular, gosto de quando A vejo chamada “Stella Matutina”, Estrela da Manhã. Assim como esta estrela (Vênus, se não me engano) surge brilhante quando ainda é noite, assim a Virgem Santíssima surgiu ainda nas trevas do mundo. Como um sinal d’Aquele que estava por vir.

Que Ela também surja em nossas vidas, escurecidas pelo pecado; que seja a esta Senhora, Refugium Peccatorum, que nos apeguemos com confiança quando nossas almas estiverem em trevas. Que A recebamos com filial confiança, certos de que, d’Ela, mais uma vez, havemos de receber Nosso Senhor, havemos de receber a Graça capaz de transformar as nossas vidas. Antes que a Luz resplandecesse nas Trevas esta Estrela surgiu na escuridão dos Céus; e, tão certo como a aurora segue o aparecimento da Estrela da Manhã, também a Graça há de (re)nascer nas almas que permitirem que, nelas, resplandeça gloriosa a Virgem Imaculada. Que Ela nasça em nós, para que em nós Nosso Senhor possa nascer d’Ela. Que estejamos sempre muito unidos a Ela, a fim de estarmos unidos ao Seu Divino Filho.]

Mas o que sobretudo dificultava o entendimento de tantos e tão vários enigmas era ser um só o sentido de todos. E qual era? Era a prodigiosa Menina que hoje nasce, e o fim – e fins altíssimos – para que nasceu. Nasce (ide agora lembrando-vos, ou desenrolando as figuras) para ser Arca de Noé, em que o gênero humano afogado no dilúvio se reparasse do naufrágio universal do mundo. Nasce para ser Escada de Jacob, e não para que os descuidados de sua salvação se não aproveitassem dela, como o mesmo Jacob dormindo, mas para que vigilantes e seguros subam por Ela da terra ao Céu. Nasce como Vara de Moisés, para ser o instrumento de todas as maravilhas de Deus, e a segunda jurisdição [?], fama e alegria de Sua onipotência. Nasce para ser o verdadeiro e infalível Propiciatório, em que o Deus das vinganças, ofendido e irado, trocada a justiça em misericórdia, tenhamos sempre propício. Nasce para ser Trono do Rei dos Reis, o Salomão divino, ao qual Trono as três hierarquias das criaturas visíveis e as três das invisíveis servem de penha [?], não humildes como degraus por se confessarem sujeitas à Sua grandeza, mas soberbas como leões por acrescentarem altura à Sua Majestade. Nasce para ser Torre fortíssima de David, fornecida e armada de milhares de escudos tão próprios [?] e aparelhados sempre à nossa defesa, como seguros e impenetráveis a todos os tiros e golpes de nossos inimigos. Nasce para ser verdadeira Arca do Testamento, coroada com as duas coroas de Mãe e Virgem, dentro da qual não só se conservarão sempre inteiras as tábuas da Lei, mas esteve e está encerrado o Maná, que desceu do Céu, onde quotidianamente o podemos colher, por isso coberto e encoberto, mas não fechado. Nasce para ser Tabernáculo no deserto, e Templo em Jerusalém: Tabernáculo em que Deus havia de caminhar peregrino, e Templo em que havia de morar de assento, tão imóvel e permanente n’Ela como em Si mesmo. Nasce para ser não uma, senão as duas árvores famosas do Paraíso terrestre, a da vida e a da ciência; porque d’Ela havia de nascer o bendito fruto em que estão depositados todos os tesouros da ciência e da sabedoria de Deus, e o da vida da Graça no mesmo Paraíso perdida e por Ela restaurada. Nasce para ser em Seus passos como os daquelas duas colunas que guiaram o Povo escolhido à terra de Promissão: uma de nuvem para nos emparar e defender dos raios do Sol da Justiça, e outra de fogo para nos alumiar na noite escura desta vida até nos colocar seguros no dia eterno da glória. Nasce, enfim, para ser Vara de Jessé, de cujas raízes havia de nascer a mesma Vara Maria que hoje nasce, e a mesma flor Cristo Jesus que dela nasceu: Maria, de qua natus est Iesus.

[…]

Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus: Maria, de qua natus est Iesus.

[…]

Para entrar no Céu e para ir ao Céu basta guardar os mandamentos; mas uma coisa é poder entrar no Céu e, outra, ter e gozar no Céu um lugar e um trono muito alto e altíssimo, e este é o fim dos que na terra guardam os conselhos de Cristo. Lastimosa, e lastimosíssima coisa é que neste mundo todos queiram ser dos maiores, e só para o Céu nos contentemos com ter lá um cantinho: Si vis ad vitam ingredi…

Ora, Senhoras, para que o fim que vos espera no Céu seja não só alto, mas altíssimo (sendo certo que o grau em que lá havemos de ver e gozar a Deus se há de medir com a mesma ventagem [?] e excesso com que O servimos e amamos na terra), que exemplo vos proporei eu para imitar nesta primeira parte do mesmo fim? Estou quase certo [de] que nunca ouvistes deste lugar uma lisonja [como a] que agora vos direi. E qual é? Que para agradecerdes a Deus o terdes nascido neste mundo, imiteis a mesma Virgem Maria que hoje nasceu. E em quê? Naquele mesmo fim com que provamos ser digno das maiores demonstrações de festa, aplausos e alegria o dia do seu nascimento. O fim com que provamos esta verdade, não foi nascer Maria para dela nascer Jesus: Maria, de qua natus est Iesus? Pois este mesmo fim, e em próprios termos é a lisonja, que vos prometi dizer. Vede se pode ser maior. Vem a ser: que nenhuma filha de São Bernardo, pois é filha de tal Pai, se contente com menos [do] que com ser Mãe de Jesus. Nosso Pai São Bernardo, falando nesta matéria mais altamente que todos, disse com a eminência do seu espírito e juízo que, havendo Deus de ter Mãe, não era decente que fosse senão Virgem, e que havendo uma Virgem de ter Filho, não era também decente que fosse senão Deus. (…) Não é coisa logo alheia do estado virginal, ó Virgens consagradas a Deus, que cada uma de vós imite a Virgem das Virgens em ser Mãe de Jesus.

Pe. António Vieira,
Sermão do Nascimento da Mãe de Deus

Quem como Ela?

Um leitor do Deus lo Vult! pediu-me que comentasse uns textos absurdos divulgados por hereges protestantes [texto i, texto ii e texto iii], os quais cometiam a terrível blasfêmia de identificar a Gloriosa Mãe de Deus com um demônio vetero-testamentário. Ele próprio me adiantou que já havia uma refutação católica aqui; tendo isso em vista, passo eu próprio a tecer alguns comentários sobre o assunto. Falando mais sobre a alegação em si do que sobre os devaneios concretos dos quais os textos estão cheios.

Antes de qualquer coisa, cabe apontar que a acusação é totalmente gratuita e descabida, além de ilógica. Do fato de haver um demônio pagão à época do profeta Jeremias que se auto-denominava “rainha dos céus” não segue que não exista a verdadeira Rainha dos Céus, como o fato de Satanás querer tomar o lugar do Deus Altíssimo não implica na inexistência do próprio Deus Altíssimo, ou como (parafraseando Chesterton) uma nota falsa de cinqüenta reais não significa que não exista o Banco Central do Brasil. Aliás, é exatamente o contrário.

Satanás ousou apresentar-se como se fora o Altíssimo. Contra ele, levantaram-se as legiões de anjos fiéis ao Todo-Poderoso gritando-lhe: quis ut Deus?, quem como Deus? Se fossem protestantes as hierarquias angelicais, por certo que combateriam o próprio Deus Altíssimo sob o pretexto de que era exatamente isto o que afirmava de si o primeiro Anjo Caído. Aliás, coisa bastante parecida com isso já aconteceu – não com anjos, claro. E está registrada nos Evangelhos:

“Como pode este homem falar assim? Ele blasfema.
Quem pode perdoar pecados senão Deus?”
(Mc II, 7)

E este diabólico “quem (…) senão Deus?” dos escribas é materialmente muito parecido com o justíssimo “quem como Deus?” de São Miguel. Talvez estes judeus da época de Cristo tenham sido os legítimos antecessores dos hereges protestantes do século XVI – uns e outros negando a Nosso Senhor. Os fariseus e escribas eram incapazes de distinguir o Deus Verdadeiro dos demônios! Analogamente, os hereges dos tempos modernos que negam as honras devidas à Virgem Maria não conseguem diferenciar as santíssimas obras do Deus Altíssimo das pompas diabólicas dos sequazes de Satanás.

Ora, por qual motivo houve um dia um demônio que se apresentasse como rainha dos céus? Qual seria o porquê, senão pelo fato de haver a verdadeira Rainha dos Céus [inclusive registrada explicitamente nas Escrituras Sagradas: Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelasAp 12, 1], de Cujas honras e glórias os demônios são invejosos e as anseiam por roubar? Não é bastante óbvio que a falsificação diabólica aponta precisamente para a existência da obra santíssima do Todo-Poderoso? O fato dos orgulhosos demônios quererem para si este título não demonstra de maneira cabal que ele existe e já pertence por direito a uma Mulher que o inferno não é capaz de suportar?

É justamente a grandeza do Deus Verdadeiro que faz com que um demônio apresente-se aos homens como sendo ele próprio um deus. É também incontestável que o Deus Altíssimo não é a “rainha dos céus” – este título não Lhe é atribuído em lugar algum. Ora, considerando isso, é bastante claro que o demônio auto-apresentado como rainha dos céus não poderia senão estar desejando usurpar o lugar de Alguém – e quem seria Esta senão Aquela grandiosa Mulher coroada no Apocalipse, a Verdadeira Rainha dos Céus, Regina Caeli, a Gloriosa e Imaculada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa?

Satanás quis ser como Deus e foi resistido à face por São Miguel. Se há um demônio que deseja ser como a Virgem Santíssima, devemos resistir-lhe com coragem: não perseguindo a verdadeira Rainha dos Céus, mas perguntando ousadamente: quem como Ela? Aos demônios pagãos que se apresentam falsamente como rainhas do céu ou do mar, devemos responder com as palavras das Escrituras Sagradas: Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol, temível como um exército em ordem de batalha? É certo que não pode ser demônio algum. É certo que Esta só pode ser aquela Mulher que um dia foi chamada de cheia de graça. Aquela que as Escrituras chamam de Mãe do Senhor. Aquela que todas as gerações proclamarão Bem-Aventurada.

Quando os mensageiros traem a mensagem

Eu gosto de um texto do Chesterton onde ele compara os cristãos – tanto os dos séculos passados quanto os dos tempos atuais – a mensageiros que se julgam portadores de uma mensagem importante que precisa ser entregue, não importa o quanto isto possa custar. Para analisar-lhes o comportamento, é possível abstrair da autenticidade da dita mensagem; para que eles se comportem como de fato se comportam, basta saber que eles acreditam que a mensagem é verdadeira – e esta crença é sem dúvidas passível de constatação empírica.

Pensava nisso quando lia esta curta matéria segundo a qual o Boff foi aplaudido enquanto criticava os últimos papas. Porque não há nada mais estranho à essência da mensagem cristã do que este (mau) hábito de criticar aqueles que nos precederam. Nada de mais estranho à Doutrina Católica do que a mentalidade de que é preciso adaptá-la a fim de que ela se apresente mais adequada aos tempos modernos.

Até porque a própria palavra – em latim diz-se fidei – tem a mesma raiz etimológica de uma outra palavra cujo sentido é-nos, em português, bem conhecido: fidelidade. A Fé não é “construída”, não é “descoberta”, não é “inventada”: a Fé é recebida e devemos guardar-Lhe íntegra. Volto a Chesterton: como mensageiros. Os mensageiros não existem para alterar o conteúdo da mensagem que lhes foi confiada, e sim para entregá-la. Houve um tempo, aliás, em que as mensagens eram entregues de viva voz: um bom mensageiro era aquele capaz de memorizar a mensagem que lhe fora entregue e de entregá-la tal e qual recebeu de quem a enviou. Transmiti-la era a sua missão, e não adulterá-la.

Quando vejo os maus católicos dos dias de hoje (e o Boff é citado somente à guisa de exemplo; como ele, há miríades de traidores dos Evangelhos), penso em como estes estão distantes da missão que lhes foi confiada por Nosso Senhor (quando menos, do encargo que lhes fora confiado no Santo Batismo). A Fé Católica vem de Deus e deve ser transmitida de um homem a outro ao longo dos séculos, sendo absolutamente necessário fazer de tudo para manter a integridade da mensagem que foi confiada aos homens e, portanto, não perder este fluxo de graça que remete aos Apóstolos e, em última instância, a Nosso Senhor – a Deus. Quando vejo falsificadores da mensagem evangélica (portando-se antes como falsários que como mensageiros), lembro-me daquela passagem bíblica onde Nosso Senhor diz que de nada serve o sal que perde o sabor. Porque não é somente o sal que tem um fim próprio (neste caso, o de salgar): também os mensageiros têm o fim precípuo de transmitirem íntegra a mensagem que lhes foi confiada. E, quando as coisas desviam-se do seu fim, para nada mais servem a não ser para serem lançadas fora. Isto serve para o sal e serve também para aqueles que deviam ser portadores da Boa Nova da Igreja de Nosso Senhor.

Curtas

– Eu ainda não havia visto este Sussidio per Confessori, que está disponível em português no site da Congregação para o Clero. São mais de setenta páginas, englobando explanações teológicas e orientações práticas. Entre estas últimas, à guisa de destaque:

Outras normas oferecem algumas pistas para ajudar os penitentes a confessarem-se com clareza, por exemplo, em relação ao número e espécie dos pecados graves, indicando os tempos mais oportunos, os meios concretos (quais possam ser, em qualquer ocasião, os intérpretes) e sobretudo a liberdade de confessar-se com os ministros aprovados e que os mesmos podem ser escolhidos.

É necessário confessar o número e a espécie dos pecados graves! Que coisa mais medieval e tão pouco ensinada nos dias de hoje! É um bom sinal. Que Deus nos livre dos maus confessores, deformadores de consciências. Que Ele nos dê santos sacerdotes.

* * *

Audiência Geral de Paulo VI em 1972, confronting the devil’s power. Pena que está em inglês e eu não posso traduzir agora. Reproduzo alguns trechos que o Carlos Ramalhete fez a gentileza de traduzir recentemente na lista “Tradição Católica”:

“E então o pecado, por seu lado, se torna a ocasião e o efeito da interferência, em nós e em nosso trabalho, de um agente hostil e escuro, o Diabo. O mal não é apenas uma carência, mas uma força ativa, um ser espiritual vivo que é perverso e perverte outros. Trata-se de uma realidade terrível, misteriosa e apavorante.

[…]

Ele solapa o equilíbrio moral do homem com seus sofismas. Ele é o sedutor esperto e maligno que sabe como abrir caminho até nós através dos sentidos, da imaginação e da libido, através da lógica utópica ou de contratos sociais desordenados no toma-lá-dá-cá de nossas atividades, para que ele consiga causar em nós desvios que são tão mais daninhos por parecerem conformar-se à nossa constituição mental ou física ou a nossas aspirações instintivas e profundas.

Este tema do Diabo e da influência que ele pode exercer sobre indivíduos e sobre comunidades, sobre sociedades inteiras e sobre acontecimentos, é um importantíssimo capítulo da doutrina cristã que deveria ser novamente estudado, ainda que seja hoje objeto de tão pouca atenção.

[…]

Isto não significa que todo pecado seja devido diretamente à ação diabólica, mas é verdade que quem não se vigia com um certo rigor moral está exposto à influência do ‘mistério da iniquidade’ citado por São Paulo, que coloca em grave risco a salvação. Nossa doutrina se torna incerta, com a escuridão obscurecida pela escuridão que rodeia o Diabo. Mas nossa curiosidade, excitada pela certeza de sua existência multiforme, tem o direito de fazer duas perguntas. Há sinais, e quais são eles, da presença da ação diabólica? E quais são os meios de defesa que temos contra perigo tão insidioso? Temos que ser cautelosos ao responder à primeira pergunta, ainda que os sinais do Maligno pareçam ser muito óbvios em algumas ocasiões. Podemos presumir que sua ação sinistra está operando onde a negação de Deus se torna radical, sutil e absurda; onde mentiras se tornam poderosas e hipócritas diante da Verdade evidente; onde o amor é sufocado pelo egoísmo cruel e frio; onde o nome de Cristo é atacado com ódio consciente e rebelde; onde o espírito do Evangelho é diluído e rejeitado, onde o desespero é afirmado como sendo a última palavra, etc.

[…]

É mais fácil formular uma resposta para a outra pergunta – que defesa, que remédio deveríamos usar contra a ação do Diabo: – ainda que continue a ser difícil colocá-los em prática. Poderíamos dizer: tudo o que nos defende do pecado nos fortalece, por isso mesmo, contra o inimigo invisível. A Graça é a defesa decisiva.

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Datafolha desvenda o mistério das multidões paulistanas. Como comentou um amigo: será que agora vão processá-la por homofobia?

Para pôr fim à imprecisão e a esse antigo debate paulistano, o Datafolha calculou a quantidade máxima de pessoas que os três principais espaços a sediar eventos do tipo –avenida Paulista, praça Campo de Bagatelle e vale do Anhangabaú– têm condição de abrigar. Mesmo com estimativas bastante generosas, é possível afirmar: não cabe tudo isso de gente.

Segundo o instituto de pesquisa, 1,5 milhão de pessoas é a lotação máxima do trecho Paulista-Consolação, caminho que a Parada Gay percorre. Isso num cálculo superestimado, considerando sete pessoas por metro quadrado, sufoco semelhante ao enfrentado por passageiros que embarcam na estação Sé do metrô no horário de pico. Para que 4 milhões ocupassem esses 216 mil m², seria necessário que 18 pessoas se espremessem em cada metro quadrado, algo só possível para contorcionistas como os da escola Acrobacia e Arte, convidados para ilustrar a capa desta edição.

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Médico indica aborto, casal se recusa e menina sobrevive: dramática história!

“Todos os dias eu me perguntava se ela ainda estava viva dentro de mim”, contou Healther. Mas, contra todas as probabilidades, Charley-Marie surpreendeu os médicos e sobreviveu. Ela nasceu em janeiro do ano passado, três semanas antes do previsto. Imediatamente após o nascimento, a garota foi levada para a UTI do hospital para que fossem realizados exames no seu coração. O tumor ainda estava lá, contudo, de alguma forma, o coração da menina encontrou uma maneira de bombear o sangue.

[…]

Mais uma vez contrariando as expectativas, Charley-Marie teve, sim, sua festa de aniversário de 1 aninho, com direito à família reunida e fogos de artifício. Hoje, aos 19 meses, a menina se comporta com qualquer criança de sua idade, segundo a mãe. “Os médicos não tem ideia do que vai acontecer com o coração dela. E nós apenas esperamos pelo melhor”, afirmou.

Talvez coubesse perguntar como um médico é capaz de conviver com o fato de ter assinado uma sentença de morte para um bebê supostamente “condenado” (que, hoje, tem um ano e meio de idade). Mas o fato das pessoas conviverem com o aborto já é, de per si, um mistério grande o suficiente: o assassinato de crianças é sempre horrível, não importa quais sejam os motivos elencados. E Charley-Marie está aí, vivendo, para provar como sói os médicos estarem errados e, portanto, como é descabida qualquer pretensão de interromper a vida de outrem. Memento Marcela.

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Gaga sobre Gaga. Destaco:

O que me leva ao ponto mais chocante das extravagâncias de Lady Gaga. Parece que depois de tantos anos, não há imagem mais poderosa que o amor, o sofrimento e o compromisso total que a produzida pelo Cristianismo. Temo que muitos de seus seguidores não sabem o que é uma religiosa (de fato, as meninas estavam fascinadas pelas religiosas), mas o hábito religioso ainda proclama a castidade e o compromisso com algo e Alguém maior que si mesmo. Mantém seu poder, razão pela qual uma estrela do pop tenha tentado explorá-lo. Em vídeos onde menos (roupa) é mais e a novidade é tudo, a tradição ainda pode cativar e desestabilizar. A senhorita Germanotta pode tentar exorcizar suas raízes católicas com piadas sobre monges de plástico, mas a simplicidade que ela ridiculariza será sempre mais simbólica que suas extravagantes sátiras.

Ninguém foi capaz de superar a imagem do sofrimento por amor exemplificada pela Paixão de Cristo. A coroa de espinhos, os braços estendidos, as feridas e a humilhação alimentaram muitos mais do que uma estrela do pop buscando atenção. Nenhuma estrela pop fantasia sobre a extração asteca de corações ou a decapitação da Revolução Francesa, mas no entanto erotizam com o sofrimento de Cristo, porque admitem seus efeitos duradouros. Jesus sofreu, não por uma vã excitação física, como a senhorita Germanotta, e o que queremos conhecer é a profundidade de seu amor, um amor que está disponível para todos. E de novo, a senhorita Gemanotta não entende que a sexualidade onívora não é o mesmo que o amor universal.

O ditador e a perspectiva da morte

Alguém dizia recentemente que não existem ateus em aviões atravessando uma turbulência. Eu até concedo que, talvez, haja algum ateu fanático particularmente fundamentalista a ponto de sufocar a voz da própria consciência até mesmo em situações extremas como diante da morte; mas aposto que a maior parte dos ateus renegaria rapidamente a sua fé quando se visse na iminência de deixar o único mundo que ele se permite acreditar.

Porque a morte é um mistério que sempre provocou – e sempre há de provocar – espanto nos seres humanos. A possibilidade de deixar de existir repugna à inteligência humana. Pelo fato de ser racional, o homem sabe que é superior à matéria, mesmo à orgânica, uma vez que inteligência não escorre de pedras nem se sintetiza em laboratório. O homem almeja continuar existindo, ainda que insista em dizer a si próprio que isto são fábulas de gente ignorante. Na iminência da morte, penso que o desejo natural há de falar mais alto (pelo menos na maioria das vezes) do que a mentira artificial auto-contada nos momentos de prazer – quando o futuro (aparentemente) longínquo é fácil de ser ignorado.

Pensava nisso quando via o Chávez recebendo a Extrema-Unção. O ditador comunista perseguidor da Igreja descobre não apenas que não é imortal (isto, afinal de contas, é fácil), mas que pode morrer em muito breve. Esta característica profundamente cristã da brevidade da vida, onde não somos capazes de adicionar um côvado sequer aos nossos dias sobre a terra, é um poderoso fator de aperfeiçoamento próprio. Quem toma consciência de que pode morrer hoje mesmo vai procurar ser hoje mesmo alguém melhor. Ao contrário, quem não pensa nunca na morte e passa a vida empregando esforços para se convencer de que o poeta mentiu ao dizer que a mágoa acompanha o homem ainda “quando esse homem se transforma em verme”… tem muito mais facilidade em deixar “para depois”. A propósito, os que entendem inglês não deixem de ler isto.

Claro, é perfeitamente possível que o Chávez esteja somente fazendo uma jogada de marketing hipócrita. Isto, aliás, é até bastante provável. Mas eu gosto de pensar que ele – que enfrentou recentemente um câncer, segundo a notícia – tenha talvez se dado conta de que é tempo (ou já passou há muito do tempo) de fazer conta. Porque, diante da perspectiva da morte, todas as vaidades da vida perdem o sentido; e, se não provocaram a conversão, talvez tenham provocado ao menos a tomada de consciência da necessidade da conversão. Diante da morte, talvez Chávez tenha tremido e temido. Talvez este Sacramento lhe possa fornecer as graças necessárias à redenção.

Os resquícios da civilização

Diz-se que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus porque é “capaz de conhecer e de amar a Deus, e de gozá-Lo eternamente”; assim nos ensina o Catecismo Maior de São Pio X (Parte I, q. 55). É este – e não outro – o fundamento da dignidade humana, aquilo que faz com que o homem seja detentor de direitos objetivos e lhe salvaguarda das arbitrariedades que alguns indivíduos ou grupos, detentores de força ou de poder, porventura queiram lhe infligir.

Houve um tempo – como nos ensina o Sumo Pontífice Leão XIII – em que a Filosofia do Evangelho governava as nações. E por mais que alguns anti-clericais modernos tenham alguma espécie de prazer sórdido (e ignorante) em lançar lama a esta época gloriosa da civilização humana, o fato é que os homens de então eram tratados com muito mais dignidade do que os de outras épocas da história.

“Ah, foram queimados pela Igreja, foram torturados, fizeram guerras sangrentas, foram impedidos de manifestar livremente os seus pensamentos!”, hão de dizer os livres-pensadores modernos. Mas o fato – que os inimigos da Igreja se esquecem de mencionar – é que os homens foram queimados muito mais vezes fora da Igreja do que nas fogueiras às quais a Santa Inquisição ateou fogo. O fato – relevantíssimo, mas sobre o qual não se fala uma palavra – é que os homens foram torturados mais e de maneira mais cruel por civis do que por religiosos. O fato é que nunca houve guerras tão terríveis quanto as que o mundo assistiu no século passado – em pleno século XX, quando já se encontrava indubitavelmente livre da influência da Igreja (e, diremos  até, justamente por causa disso).

“Mas… mas… mas foram impedidos da livre-expressão de suas idéias, e isto não se pode negar!”, dir-nos-ão desesperados os nossos amigos anti-clericais. E, nisto (descontadas, é óbvio, as falsificações grosseiras), nós deles não discordaremos. Graças a Deus, houve repressão à veiculação de idéias errôneas e perniciosas ao longo da história, e este mecanismo foi fundamental para que a civilização pudesse ser mantida e nós, hoje, fôssemos capazes de discutir a repressão de idéias praticada em épocas passadas.

Isto porque a liberdade é algo que não se pode atribuir às coisas de um modo absoluto. A excessiva e imoral (assim intitulada) “liberdade de expressão” vigente nos dias de hoje jamais seria permitida em outras épocas – nisto, concordamos integralmente com os inimigos da Igreja! Com o que não concordamos é que tal fato demonstre uma superioridade moral do nosso século sobre aqueles que o precederam – aliás, muito pelo contrário.

Como dizíamos acima, o ser humano é detentor de uma dignidade intrínseca que faz com que seja preciso respeitá-lo. Assim, a mera possibilidade de que alguém possa dispôr livremente da vida de outrem – matando-o ou escravizando-o, por exemplo – provoca-nos (ainda…) um sentimento de injustiça; no entanto, aquilo que os revolucionários não percebem é que este “sentimento de injustiça” está alicerçado sobre a dignidade humana, sobre o fato do homem ter sido criado por Deus à Sua imagem e semelhança e, portanto, possuir – intrinsecamente – um quê de sagrado e de inviolável. E permitir que esta verdade fundamental seja questionada ou – pior ainda – negada abertamente não é sinal de avanço, e sim de terrível retrocesso. Não é característica de pessoas civilizadas, e sim de bárbaras.

Não é verdade que nós, hoje, conhecemos o valor do ser humano porque nos livramos do obscurantismo católico medieval, é exatamente o contrário: é devido aos resquícios daquele glorioso tempo – repitamos – no qual a Filosofia do Evangelho guiava as nações que, hoje, nós (ainda) não caímos na barbárie completa e ainda não nos esquecemos (muito) que o ser humano possui uma dignidade intrínseca e que, portanto, deve ser protegido de arbitrariedades de outrem. Por qual outro motivo, afinal de contas, deveríamos falar em “direitos humanos”?

No entanto, na contramão de tudo isto, a brilhante “solução” dada por alguns dos nossos ilustres pensadores para proteger os seres humanos da opressão dos seus semelhantes é postular uma “moral” positivista baseada não em nada objetivo, mas nas “conveniências” e nas “convenções sociais”. Assim, matar pessoas passa a ser errado (ou, melhor dizendo, “ilegal”) não porque as pessoas possuam intrinsecamente um direito inviolável à vida, mas porque “convencionou-se” que é “útil” para a sociedade como um todo que os seus cidadãos não se exterminem mutuamente. O problema, o grande e enorme problema com esta idéia estúpida é que a solução apresentada para proteger as pessoas das arbitrariedades… é ela própria uma arbitrariedade – uma vez que, eliminada a dignidade humana intrínseca, uma convenção social de que é importante para o país que os seus cidadãos não se matem em nada se distingue de uma outra convenção social de que é importante para o país que negros sejam escravizados ou que judeus sejam exterminados. Ou seja: o problema está “resolvido” apenas acidentalmente, uma vez que os princípios são imorais e continuam abertos às maiores injustiças que se poderiam cometer. Deste modo, a gloriosa marcha da vaca para o brejo segue solene e inexorável, e passa a ser somente uma questão de tempo a decadência da civilização na barbárie – cujos sinais já encontramos em profusão por aí.

Ora, as idéias de um povo determinam a maneira como aquele povo vai se comportar e, em última instância, garantem ou impossibilitam a sua sobrevivência – donde se vê a importância que elas possuem. Diante das loucuras do mundo moderno, é possível que paremos um pouco para nos perguntar: como foi possível que chegássemos a edificar uma sociedade sobre tão frágeis alicerces? A resposta é bastante óbvia: se as idéias corretas não são defendidas e as erradas não são combatidas, o pensamento degenera-se, e isto acontece de modo tão claro e óbvio como uma casa se estraga se não houver quem dela tome conta, ou como um terreno produz abrolhos e ervas daninhas se não houver quem o cultive. E, se é criminoso construir edifícios com material de baixa qualidade pondo em risco a estabilidade da estrutura… quão mais criminoso não será edificar uma sociedade inteira sobre a areia movediça e inconstante destas idéias que são o lugar comum do pensamento moderno?

A civilização moderna não existe por conta do pensamento moderno – ao contrário, ela sobrevive (ainda) dos influxos benéficos do Cristianismo, e apesar de todas as loucuras modernas que a ameaçam destruir a cada instante, solapando-lhe as bases. Aprendemos com os construtores das catedrais medievais que uma base sólida é fundamental para a sustentação do edifício, e sempre soubemos que isto era aplicável tanto aos templos católicos quanto às sociedades. No seu ódio irracional ao glorioso passado da Igreja, os anti-clericais fazem questão de – irresponsavelmente – esquecer este ensinamento tão elementar que os nossos antigos nos legaram. E, agora, os prédios ameaçam ruir, e já aparecem as rachaduras, enquanto os livres-pensadores modernos, perdidos, tentam jogar mais e mais areia em uma patética tentativa de fechar as fendas abertas.

“Igreja: Carisma e Poder”, por pe. Paulo Ricardo

Gostaria de recomendar, com alegria, este Parresía do padre Paulo Ricardo. O reverendíssimo sacerdote [continua a] fala[r] sobre a eclesiologia anti-católica do Leonardo Boff (expressa originalmente no livro “Igreja: Carisma e Poder”), a qual – infelizmente – é a mesma idéia de Igreja que muitos “católicos” têm hoje em dia.

O padre Paulo Ricardo, com maestria, mostra como esta idéia é insustentável à luz da integridade da Revelação – e mesmo das Escrituras Sagradas sozinhas, ao contrário do que tentam fazer parecer alguns “lobos em pele de cordeiro” (ou, pior ainda, “lobos com cajado de pastor”…) que encontramos por aí. E ele conclama: à união com o Papa! À união com Pedro! Porque a comunhão católica, a verdadeira, não é só comunhão “aqui e agora”: é também comunhão com a Igreja do mundo inteiro e com a Igreja de todos os tempos. Não existe uma igreja “do Brasil”, nem muito menos uma igreja “dos dias de hoje”. Se a Igreja é Católica, é porque Ela é universal – tanto no espaço quanto no tempo. Quod semper, quod ubique, quod ab omnibus.

http://www.youtube.com/watch?v=bMM2mDbA5WQ

A Igreja, de certo modo, nasceu da Tradição; e esta tem os seus Guardiões: o Magistério. A Igreja tem uma hierarquia, com o dever de garantir a transmissão da Graça: desde o Seu Divino Fundador até os dias de hoje. E, para garantir este influxo salutar da Graça, é necessário estar em comunhão com a Igreja, é necessário ser ramo unido à Oliveira. O resto vem como conseqüência.

Porque “a palavra de Deus não precisa ser defendida. (…) A palavra de Deus é um leão que só precisa ser solto; ele faz o resto do serviço. (…) Defender a Fé e a palavra de Deus é simplesmente soltá-la[s]. Se nós soltarmos a palavra de Deus, se nós despertarmos na multidão de católicos que nós temos aqui no Brasil a consciência de que a nossa Fé de dois mil anos ainda vive, é verdadeira e ainda vale… se nós despertarmos isto nos católicos, nós teremos a palavra de Deus como um leão que ruge no nosso país. (…) Não tenhamos medo de nos unir ao Papa, que está unido aos outros Papas e, conseqüentemente, a São Pedro ao longo dos séculos. Não tenhamos medo de ter, ainda hoje, a mesma Fé: a Fé de Pedro, aquela Fé que é rocha firme, na certeza de que as portas do Inferno não prevalecerão”.