No II Domingo da Quaresma…

[São duas coisas díspares. Uma homilia e um artigo de jornal, um sacerdote e um leigo, uma meditação da Liturgia de hoje e uma denúncia contra a Campanha da Fraternidade. Só as coloquei juntas porque, afinal, ambas falam sobre a Quaresma, embora sob aspectos distintos (e, no meu entender, perfeitamente complementares): a parte “positiva” de bem viver a Quaresma, e a parte “negativa” de se combater tudo o que dificulta o aproveitamento deste tempo favorável.]

1. Pe. Antoine Coelho, LC: “A nós, Deus ofereceu-nos um sinal incomparavelmente mais explícito de que cumpriu e continuará a cumprir as suas promessas. Chama-me muito a atenção o facto de que São João evangelista mencione, no seu relato da Paixão de Cristo, que os soldados romperam as pernas dos dois ladrões crucificados com Ele. ‘Mas ao chegarem a Jesus, como o viram já morto, não lhe romperam as pernas […] E tudo isso sucedeu para que se cumprira a Escritura: não lhe quebrará nenhum osso’. Porquê falta de romper ou não romper pernas, quando o Senhor está já morto? Não é detalhe insignificante a estas alturas? Mas é que ao Senhor, não lhe podia suceder o mesmo que aos animais cortados no sacrifício de Abraão. Com isso a Escritura mostra-nos que, em Cristo crucificado, Deus cumpriu as promessas. Cumpriu o que prometera a Abraão quando passara entre os animais sob a forma do fogo! Em Aquele que está pendurado para o perdão dos nossos pecados deve residir toda a nossa fé e esperança. N’Ele torna-se evidentemente que é o amor infinito de Deus a querer levar-nos à Terra Prometida, à Jerusalém Celeste, com a condição de que como Abraão não deixemos nada em Ur dos caldeus, fiéis ao chamado de Deus que nos fala pela Igreja”.

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2. Percival Puggina: “Toda consciência bem formada se revolta com as tragédias da pobreza material, feitas de analfabetismo, baixo nível educacional e cultural, más condições habitacionais e sanitárias, abandono dos aposentados. Feitas também por corrupção, esbanjamentos, mordomias, absurdos desníveis na remuneração do serviço público e maus governos. Não é com a superação desses embaraços que venceremos a miséria e os desníveis sociais? Pois é tudo campo da política! Miséria e desníveis sociais são temas para os poderes públicos, que se apropriam de 40% do PIB nacional! As justas preocupações com partilha e solidariedade deveriam focar, principalmente, essa brutal ruptura com o Princípio da Subsidiariedade. É grave erro da campanha não dizer que os problemas do Brasil são muito mais políticos do que econômicos. Muito mais institucionais do que empresariais. Bons governos, com boas políticas, enfrentam essas dificuldades valendo-se da competente operação do setor privado”.

A nós, Deus ofereceu-nos um sinal incomparavelmente mais explícito de que cumpriu e continuará a cumprir as suas promessas. Chama-me muito a atenção o facto de que São João evangelista mencione, no seu relato da Paixão de Cristo, que os soldados romperam as p

En passant

Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus. “No Criador, não há mudança, não há intenções anteriores ou posteriores; na Sua natureza, não há ódio nem ressentimentos, não há lugar maior ou menor no Seu amor, nem antes nem depois no Seu conhecimento. Pois, se todos crêem que a criação começou a existir como consequência da bondade e do amor do Criador, nós sabemos que esta primeira motivação não diminui nem se altera no Criador em consequência do curso desordenado da Sua criação”.

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Este é um post não oficial. “São doze páginas de propaganda política. O que acho interessante é a estratégia de se divulgar algo que ‘não é oficial’ por vias ‘oficiais’. Claro… As instituições fazem isso o tempo todo, mas foi a primeira vez que vi isso acontecer assim, tão… Tão oficialmente!”.

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O silêncio. “[É] pelo silêncio que o homem cria e manifesta a sua força e constrói a mansão das suas virtudes; da prudência, pelo silêncio da discrição e da medida; da temperança, pelo silêncio dos seus sentimentos inconfessados; da força, pelo silêncio da paciência; da justiça, pelo silêncio do juízo; da humildade e do apagamento. Já dentro do templo das virtudes cardeais, é ainda pelo silêncio que o homem é introduzido no santuário das virtudes teologais: da fé, pelo silêncio da razão que reconhece os seus limites e se abre a uma luz mais alta; da esperança, pelo silêncio da expectativa, que, no desprendimento dos bens terrenos, aspira aos bens eternos; da caridade, pela união com Deus na oração e na dedicação aos outros”.

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Não à civilização do grito e do barulho. “O grito é o modo mais eficaz de inibir a auto-reflexão, de impedir que a voz da consciência nos diga o que fazer o que não fazer. Gritando, submetendo-me ao barulho diuturno, vivendo em um ritmo frenético entre trabalho e lazer agitado e, quando estou em casa, com a novela ou o filme ou o jornal sempre ligados, calo a consciência. Impeço-a de me proibir, de me pautar, de me fornecer os dados necessários de uma moral objetiva para meu comportamento. Se a consciência e a moralidade tentam falar comigo, enclausuro-me no barulho para que não ouça sua voz. A suavidade da voz da consciência é nublada pela ensurdecedora algazarra moderna”.

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Rei espanhol poderá ser excomungado. “Segundo o bispo, o monarca não incorrerá em qualquer pena canônica caso assine a nova lei [do aborto]. O bispo destacou que o papel do rei espanhol é peculiar – a ele cabe assinar as leis aprovadas pelo legislativo – e que, portanto, sua situação não deve ser comparada à dos parlamentares. A conferência dos bispos advertira os parlamentares católicos que se votassem a favor do projeto abortista do governo socialista espanhol estariam se colocando fora da comunhão eclesial, o que em bom e velho português se chama excomunhão. […] No meu entendimento, [no entanto,] se o rei da Espanha assina a lei está excomungado!”.

Cinzas – por pe. Paulo Ricardo

Vi no Exsurge, Domine! – muito bom. São menos de dois minutos, mas mais profundos do que muitas homilias longas que escutamos por aí. “O homem se coloca debaixo do olhar de Deus com todo o realismo, dizendo: é verdade, Senhor, eu sou pó, e em Vós está a minha verdadeira alegria”.

Calendário de penitências quaresmais

Já estamos atrasados, porque a Quaresma já começou desde ontem. Há muito que fazer. Achei muito interessante a idéia de uma amiga, a Tamyres, de organizar um pequeno calendário com pequenos propósitos a serem cumpridos em cada um dos dias da Quaresma – cada um, pois não há tempo a perder.

Segue o que ela preparou. Logicamente, é totalmente pessoal e subjetivo, e vai aqui somente à guisa de exemplo.

17 de Fevereiro – Quarta 18 de Fevereiro – Quinta 19 de Fevereiro – Sexta 20 de Fevereiro  – Sábado 21 de Fevereiro – Domingo
Farei o Jejum conforme manda a Santa Mãe Igreja Aceitarei as dificuldades desse dia sem murmurar Farei Jejum pela Igreja e darei de comer a alguém Rezarei o terço pela conversão dos pecadores Assistirei a Santa Missa com devoção
22 de Fevereiro – Segunda 23 de Fevereiro – Terça 24 de Fevereiro – Quarta 25 de Fevereiro – Quinta 26 de Fevereiro – Sexta
Darei atenção a uma pessoa idosa ou doente da família Leitura orante da 1ª leitura do dia Isaias 55,10-11 Farei penitência pela conversão dos pecadores Irei a uma Igreja rezar diante do sacrário Farei um bom exame de consciência e procurarei a confissão. Dia de jejum
27 de Fevereiro – Sábado 28 de Fevereiro – Domingo 01 de Março – Segunda 02 de Março – Terça 03 de Março – Quarta
Rezarei o terço por aqueles que me ofenderam ou que me perseguem Farei esforço para mudar meu semblante Tentarei me aproximar daqueles que n me agradam Servirei aos de casa com alegria Farei a leitura orante do evangelho do dia
04 de Março – Quinta 05 de Março – Sexta 06 de Março- Sábado 07 de Março – Domingo 08 de Março – Segunda
Deixarei de comprar algo para mim e usarei o dinheiro para ajudar alguém Farei também jejum da língua e só falarei bem das pessoas Se não me confessei, buscarei a confissão Irei à santa Missa e ajudarei de forma material minha paróquia Rezarei o terço pela Igreja e por todos os cristãos perseguidos

Aproveito o ensejo para deixar mais exemplos de coisas – simples, corriqueiras – que podem nos ajudar a melhor nos prepararmos, durante este tempo quaresmal, para a celebração da Semana Santa.

  • Desligar a televisão
  • Desligar o MSN
  • Desligar o som do carro na volta pra casa, e aproveitar o silêncio para meditar os novíssimos
  • Cortar o refrigerante do almoço
  • Deixar de comer doces
  • Não consumir bebidas alcóolicas
  • Não ir à boate, à festa, ao cinema
  • Fazer uma hora de silêncio durante o trabalho
  • Não tomar o analgésico para a dor de cabeça
  • Visitar um hospital
  • Deixar de fazer o comentário espirituoso que iria provocar gargalhadas
  • Sorrir mais, gargalhar menos
  • Falar sobre a importância da penitência durante a Quaresma
  • Trocar a coca-cola gelada, no calor, por um copo d’água
  • Visitar parentes que não se vê há tempos
  • Rezar (pelo menos) um terço a mais
  • Calçar o sapato desconfortável
  • Dar de comer a quem tem fome
  • Lavar os pratos, a roupa, o banheiro, no lugar de alguém
  • Ler um livro piedoso
  • Em suma, reclamar menos, rezar mais

Memento homo… (pe. António Vieira)

Ora, senhores, já que somos cristãos, já que sabemos que havemos de morrer e que somos imortais, saibamos usar da morte e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como imortais. Pode haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega que empregar-me todo na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar para sempre? Cansar-me, afligir-me, matar-me pelo que forçosamente hei de deixar, e do que hei de lograr ou perder para sempre, não fazer nenhum caso! Tantas diligências para esta vida, nenhuma diligência para a outra vida? Tanto medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos, desenganai estes vivos. Dizei-nos que pensamentos e que sentimentos foram os vossos quando entrastes e saístes pelas portas da morte? A morte tem duas portas: Qui exaltas me de portis mortis. Uma porta de vidro, por onde se sai da vida, outra porta de diamante, por onde se entra à eternidade. Entre estas duas portas se acha subitamente um homem no instante da morte, sem poder tornar atrás, nem parar, nem fugir, nem dilatar, senão entrar para onde não sabe, e para sempre. Oh! que transe tão apertado! Oh! que passo tão estreito! Oh! que momento tão terrível! Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível é a morte. Disse bem mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba, senão pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai; a terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para cima, uma escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um precipício que vai parar no inferno, e isto incerto.

[…]

Oh! que momento, torno a dizer, oh! que passo, oh! que transe tão terrível! Oh que temores, oh! que aflição, oh! que angústias! Ali, senhores, não se teme a morte, teme-se a vida. Tudo o que ali dá pena, é tudo o que nesta vida deu gosto, e tudo o que buscamos por nosso gosto, muitas vezes com tantas penas. Oh! que diferentes parecerão então todas as coisas desta vida! Que verdades, que desenganos, que luzes tão claras de tudo o que neste mundo nos cega! Nenhum homem há naquele ponto que não desejara muito uma de duas: ou não ter nascido, ou tornar a nascer de novo, para fazer uma vida muito diferente. Mas já é tarde, já não há tempo: Quia tempus non erit amplius (Apc 10, 6). Cristãos e senhores meus, por misericórdia de Deus ainda estamos em tempo. É certo que todos caminhamos para aquele passo, é infalível que todos havemos de chegar, e todos nos havemos de ver naquele terrível momento, e pode ser que muito cedo. Julgue cada um de nós, se será melhor arrepender-se agora, ou deixar o arrependimento para quando não tenha lugar, nem seja arrependimento. Deus nos avisa, Deus nos dá estas vozes; não deixemos passar esta inspiração, que não sabemos se será a última. Se então havemos de desejar em vão começar outra vida, comecemo-la agora: Dixi: nunc caepi. Comecemos de hoje em diante a viver como quereremos ter vivido na hora da morte. Vive assim como quiseras ter vivido quando morras. Oh! que consolação tão grande será então a nossa, se o fizermos assim! E pelo contrário, que desconsolação tão irremediável e tão desesperada, se nos deixarmos levar da corrente, quando nos acharmos onde ela nos leva!

Pe. António Vieira,
Sermão de Quarta-Feira de Cinzas
Roma, 1670

Sermão da Sexagésima

Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? — Por culpa nossa.

[…]

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus: Qui habet sermonem meum, loquatur sermonem meum vere, disse Deus por Jeremias. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demónio. Tentou o Demónio a Cristo a que fizesse das pedras pão. Respondeu-lhe o Senhor: Non in solo pane vivit homo, sed in omni verbo, quod procedit de ore dei. Esta sentença era tirada do capítulo VIII do Deuteronómio. Vendo o Demónio que o Senhor se defendia da tentação com a Escritura, leva-o ao Templo, e alegando o lugar do salmo XC, diz-lhe desta maneira: Mille te deorsum; scriptum est enim, quia Angelis suis Deus mandavit de te, ut custodiant te in omnibus viis tuis: «Deita-te daí abaixo, porque prometido está nas Sagradas Escrituras que os anjos te tomarão nos braços, para que te não faças mal.» De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as Escrituras são palavra de Deus: pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo. As mesmas palavras que, tomadas no sentido em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que Deus as não disse, são tentação. Eis aqui a tentação com que então quis o Diabo derrubar a Cristo, e com que hoje lhe faz a mesma guerra do pináculo do templo. O pináculo do templo é o púlpito, porque é o lugar mais alto dele. O Diabo tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derrubado dela, senão a Cristo, a sua fé.

[…]

Miseráveis de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio a cumprir a profecia de S. Paulo: Erit tempus, cum sanam doctrinam non sustinebunt: Virá tempo, diz S. Paulo, «em que os homens não sofrerão a doutrina sã. Sed ad sua desideria coacervabunt sibi magistros prurientes auribus: Mas para seu apetite terão grande número de pregadores feitos a montão e sem escolha, os quais não façam mais que adular-lhes as orelhas. A veritate quidem auditum avertent, ad fabulas auten convertentur: Fecharão os ouvidos à verdade, e abri-los-ão às fábulas». Fábula tem duas significações: quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas pregações deste tempo. São fingimento, porque são sutilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade; são comédia, porque os ouvintes vêm à pregação como à comédia; e há pregadores que vêm ao púlpito como comediantes. Uma das felicidades que se contava entre as do tempo presente era acabarem-se as comédias em Portugal; mas não foi assim. Não se acabaram, mudaram-se; passaram-se do teatro ao púlpito. Não cuideis que encareço em chamar comédias a muitas pregações das que hoje se usam. Tomara ter aqui as comédias de Plauto, de Terêncio, de Séneca, e veríeis se não acháveis nelas muitos desenganos da vida e vaidade do Mundo, muitos pontos de doutrina moral, muito mais verdadeiros, e muito mais sólidos, do que hoje se ouvem nos púlpitos. Grande miséria por certo, que se achem maiores documentos para a vida nos versos de um poeta profano, e gentio, que nas pregações de um orador cristão, e muitas vezes, sobre cristão, religioso!

[…]

Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja, e em que ela se arma contra os vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto: Et fecit fructum centuplum.

– Pe. António Vieira,
Sermão da Sexagésima

O Haiti e os castigos de Deus

Discute-se se o terremoto do Haiti foi um castigo de Deus. Dividem-se os opinantes: não, Deus não castiga; sim, é por causa do vodoo praticado pelo povo. Obviamente, há outras opiniões mais sensatas; estas duas, no entanto, são simplórias demais e, na minha opinião, devem ser desconsideradas.

Quanto à primeira, é óbvio que Deus castiga. As Escrituras estão repletas de exemplos: do Dilúvio passando pela destruição de Sodoma e Gomorra, até os egípcios morrendo afogados no Mar Vermelho e outros episódios menos conhecidos. Não é possível ao católico simplesmente dizer “Deus não castiga”, porque isso é contrário ao que se sabe ter ocorrido ao longo da história da Salvação.

Obviamente, o castigo de Deus não é um mal absoluto, porque Deus não pode querer o mal em si. Santo Tomás de Aquino explica isso na Summa, II-IIae, q. 19, a.1 (tradução livre):

Em verdade, de Deus pode-nos sobrevir o mal da pena [castigo], que não é mal absoluto, mas sim mal relativo e bem absoluto. Efetivamente, dado que o bem estabelece ordem para um fim e o mal consiste na privação desta ordem, é mal absoluto aquilo que exclui totalmente a ordem ao fim último, que é  o mal da culpa. O mal da pena, ao contrário, é certamente um mal, enquanto nos priva de um bem particular; mas em absoluto é bem, porque está ordenado ao fim último.

Deus, portanto, castiga sim, e o castigo de Deus é sempre um bem absoluto, porque está ordenado ao fim último do homem, que é Ele próprio. Como, por exemplo, um pai que castiga o filho para o educar.

Pode-se objetar que não pertence ao pátrio poder espancar um filho até a morte, e que bem pouco aprendizado alguém pode obter de uma experiência se não sobreviver a ela. Esta visão, no entanto, é puramente materialista e não serve para impugnar a visão católica segundo a qual os castigos divinos – quaisquer que sejam eles – estão ordenados ao fim último do ser humano. Ela – a visão materialista – parte de dois pressupostos que não são aceitos pelos católicos: o primeiro, que a vida é um bem absoluto e, o segundo, que o castigo deve servir sempre e somente para os indivíduos castigados. Nós, católicos, sabemos que o fim último ao qual deve almejar o ser humano não é a preservação da própria vida física, e sim a salvação da sua alma. Ninguém pode dizer o que se passa no íntimo de uma pessoa vitimada por uma tragédia nos seus instantes derradeiros e, portanto, não se pode afirmar que o mal relativo não tenha redundado em um bem absoluto – ao contrário, é exatamente por isso que rezamos. Igualmente, o mal sofrido pela parte pode, ainda que não redunde em bem para ela, servir ao todo: como a amputação de um membro gangrenado que, embora não cause bem ao membro amputado, provoca bem ao corpo, ou como aquela história do rei que perdeu um dedo numa caçada. Portanto, uma catástrofe qualquer não pode, a priori, ser excluída como castigo divino por conta de objeções naturalistas como as que são ordinariamente apresentadas.

Quanto à segunda opinião – a de que o terremoto foi, sim, castigo de Deus por conta do vodoo praticado pelo povo -, ela também não pode ser pressuposta assim, sem mais nem menos. Vale salientar que 80% da população do Haiti é católica, e o catolicismo é inclusive a religião oficial do Estado. Obviamente, Deus pode ter castigado a infidelidade de um povo que, honrando-o com os lábios – com a Constituição… -, não Lhe presta louvor verdadeiro com a própria vida. Sim, Deus pode ter feito isso, mas Deus pode igualmente não ter feito isso – ou não pode? Há incontáveis exemplos de ímpios que parecem ser imunes a tragédias, bem como de pessoas inocentes que são vitimadas por desgraças sem que mereçam. Não dá, também, para dizer a priori que Deus resolveu castigar o Haiti por conta da feitiçaria praticada pelo povo católico. Deus não “funciona” com o determinismo de causa-efeito de uma lei física.

Então, afinal, o que dá para dizer? Na verdade, não dá para dizer rigorosamente nada, porque ninguém conhece os desígnios do Altíssimo. Que os terremotos são causados pelos movimentos das placas tectônicas é simplesmente um detalhe técnico – aliás, evidente e incontestável – que não vem ao caso nesta discussão. Os fenômenos naturais, afinal de contas, estão sujeitos ao Autor das leis da natureza.

O que dá para saber com certeza é que Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar um bem ainda maior – como diz Santo Agostinho. E, se um terremoto que deixou milhares e milhares de mortos, feridos e desabrigados é obviamente um mal, importa dar sentido ao sofrimento. Não faz diferença (e, aliás, nem é humanamente possível) saber com certeza se foi castigo divino ou fatalidade permitida pelo Onipotente. O que importa é unir as próprias dores àquelas sofridas pelo Homem das Dores. Como falou o Papa João Paulo II na Salvifici Doloris:

Todo o homem tem uma sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo.

[SD, 19]

Que os sofrimentos humanos – em particular estes de memória tão recente – não sejam inúteis, é o que pedimos à Virgem Santíssima, Mater Dolorosa, Nossa Senhora das Dores, Aquela que tão perfeitamente soube unir os próprios sofrimentos aos de Seu Divino Filho.

Vídeos Legendados – Fulton Sheen

Divulgando: o Gilberto Edson fez a gentileza de legendar e pôr no youtube um vídeo de interesse para nós, católicos. Trata-se de um sermão proferido pelo Servo de Deus Fulton Sheen, arcebispo americano, sobre generosidade. As três partes podem se vistas abaixo; nossos agradecimentos ao Gilberto Edson pelo trabalho realizado.

Cadê a declaração, Pe. Elias Wolff?

O amadoríssimo site protestante cristaos.com está reclamando que a CNBB ainda não emitiu a nota sobre os “sites católicos amadores” que havia prometido. Eu próprio comentei sobre o assunto aqui no mês passado, e tive o meu texto inclusive honrado com algumas considerações do referido site.

Vou até deixar os meus comentários para uma outra ocasião. Agora, faço coro à queixa do site cristaos.com. Quero ver a CNBB cumprir o que prometeu e publicar uma nota sobre os sites católicos. Mas faço questão de que o revmo. pe. Elias Wolff avalie também as seguintes declarações, que tomo como minhas, e também condene ou apóie expressamente o Deus lo Vult! na prometida (e não cumprida) nota da CNBB.

A única Igreja de Cristo é a Igreja Católica, de tal modo que não se podem salvar “aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar” (Lumen Gentium, 14). Verdadeiro cristão é “aquele que é batizado, crê e professa a doutrina cristã e obedece aos legítimos pastores da Igreja” (Catecismo de S. Pio X, q. 3), sendo estes “o Pontífice Romano, isto é, o Papa, que é o 1º Pastor universal, e os bispos” (id. ibid., q. 151); de tal modo que “é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice” (Unam Sanctam). Outrossim, os erros de Martinho Lutero, assumidos pelos protestantes, são “heréticos, escandalosos, falsos, ofensivos aos ouvidos piedosos ou sedutores das mentes simples, e contra a verdade católica”, devendo ser todos “condenados, reprovados e rejeitados” (Leão X, Exsurge Domine).

Esta também é uma “matéria intolerante”? Em caso positivo, solicito ao site cristaos.com que inclua o Deus lo Vult! na sua queixa à CNBB. E volto a pedir ao revmo. pe. Wolff que responda à solicitação feita pelo referido site protestante. Afinal, é necessário cumprir as promessas feitas.

Sobre o Batismo – Papa Bento XVI

Por este Sacramento, o homem se torna realmente filho, filho de Deus. A partir de então, o propósito da sua existência passa a ser atingir, de modo livre e consciente, aquele que é, desde o início, o destino do homem. “Torna-te aquilo que és” – é o princípio básico de educação da pessoa humana redimida pela graça.

[…]

Do batismo também é derivado um modelo de sociedade: o de irmãos. A Fraternidade não pode ser estabelecida por uma ideologia, nem muito menos por decreto de qualquer poder constituído. Nós nos reconhecemos irmãos pela consciência humilde, mas profunda, de sermos filhos de um único Pai Celestial. Como cristãos, graças ao Espírito Santo que recebemos no Batismo, temos a graça de viver como filhos de Deus e como irmãos, para assim sermos o “fermento” de uma nova humanidade, solidária e rica de paz e de esperança. Para isto, nos ajuda ter consciência de que, além de termos um Pai no céu, temos também uma mãe, a Igreja, para a qual a Virgem Maria será um modelo para sempre. A ela confiamos as crianças recém-nascidas e suas famílias, e pedimos para todos a alegria de renascer a cada dia “do alto”, do amor de Deus, que faz de nós seus filhos e irmãos.

Bento XVI, Angelus, 10 de janeiro de 2010