Ad Te levavi animam Meam, Domine!

Ad Te levavi animam meam; Deus meus, in Te confido, non erubescam: neque irrideant me inimici mei: etenim universi, qui Te exspectant, non confundentur. Assim começa a Liturgia de hoje, primeiro domigo do Advento. Para a Igreja, um novo ano se inicia; o ano litúrgico começa antes do ano secular.

É comum que algumas pessoas façam propósitos de ano-novo: estabelecer metas para o ano que se inicia, listar marcos a serem alcançados e pontos a serem melhorados. Naturalmente, todos nós, cristãos, temos todos os dias muitas coisas a serem feitas, muitas virtudes a serem exercitadas e muitos vícios a serem expurgados. Não há justificativa para que esperemos o final do ano para revermos a nossa vida e esforçarmo-nos por melhorá-la: este é um trabalho de cada dia. Deus, no entanto, é misericordioso conosco, e a Igreja reconhece a importância que tem o passar do tempo na vida humana. O Advento (junto com a Quaresma) é um tempo de conversão. De mudar velhos hábitos. De preparar-se para o Messias que vem.

Importa aproveitar o tempo favorável: esta prédica encontra-se em todos os pregadores da Igreja. Se temos necessidade diária de conversão (como de fato o temos), nada justifica que não nos esforcemos por alcançá-la hoje, quando a Liturgia insiste particularmente no brado de “convertei-vos”. A Liturgia da Igreja, como sempre, vem em auxílio às nossas necessidades. Se desperdiçamos o nosso tempo, se não nos empenhamos como deveríamos na salvação da nossa própria alma, eis que Deus nos concede um tempo propício para meditarmos nestes assuntos e nos prepararmos para a vinda do Messias. Não é da Liturgia de hoje, mas a passagem é bem significativa deste tempo litúrgico que estamos vivendo: o machado já está posto à raiz das árvores, e toda aquela que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo. Esta metáfora pode ser encarada sob dois pontos de vista.

O primeiro, e mais evidente, é a santa admoestação para que nos esforcemos por dar bons frutos, pois não queremos – Deus nos livre disso! – ser cortados e lançados fora. Mas o segundo é (como dizia o sacerdote na homilia que ouvi hoje pela manhã) a necessidade de lançarmos o ferro às raízes das árvores dos nossos vícios, para cortá-las de uma vez por todas e lançá-las para distante de nós. Se nos jardins da nossa alma, por tantas vezes, cultivamos com esmero e por tanto tempo árvores daninhas, este é o momento de termos a coragem de golpeá-las com o machado. Na raiz: não simplesmente podando os galhos que, inevitavelmente, tornarão a crescer. Cortar o mal pela raiz é, insisto, uma obrigação nossa de cada dia, e não somente do tempo do Advento. Mas somos servos maus e preguiçosos, e eis que nos descuidamos e chegamos às vésperas do Aniversário do Divino Salvador com o jardim de nossa alma cheio de cardos, espinhos e abrolhos. Infelizes de nós! A misericórdia de Deus, no entanto, supera as nossas misérias. Deus vem ao nosso socorro e, neste Advento que estamos já vivendo, somos chamados a cuidar da nossa alma. Não simplesmente podar o jardim, não simplesmente passar um verniz que esconda a madeira carcomida pelos vermes: é tempo de conversão radical. Queira Deus nos dar a coragem necessária para arrancarmos completamente as más árvores que deixamos lançar raízes em nossos corações. É tempo, sim, de fazer propósitos – como até mesmo os que não são cristãos fazem no Ano-Novo! – e nos esforçarmos por cumpri-los. Propósitos ousados, como convém aos filhos de Deus. Propósitos que sabemos não sermos capazes de cumprir: propósitos que são pedidos a serem suplicados ao Altíssimo.

Porque – como diz o introito da Missa de hoje – é para Deus que elevamos a nossa alma. Se confiarmos n’Ele, não seremos envergonhados, e não zombarão de nós os nossos inimigos. Porque – esta é a promessa na qual nos podemos fiar – não serão confundidos os que esperam no Altíssimo. É n’Ele que está a nossa esperança, é com olhos fitos n’Ele que queremos, com a Sua graça, bem prepararmo-nos para a celebração do Natal do Senhor. Que Ele venha em nosso socorro e nos ajude. E que, durante este tempo santo concedido pela Igreja para que melhoremos a nossa vida, nós o saibamos aproveitar. Vinde, Senhor, não tardeis.

Quanta coisa foi perdida…

“Primeiramente mando e encomendo a minha alma a Deus Nosso Senhor que a fez e remiu por seu precioso sangue”. Assim começavam os testamentos de antigamente, em uma época em que as pessoas tinham consciência de que a alma que se vai apresentar diante de Deus é mais importante do que os bens que ficam nesta terra. Alguém pode dizer que isso era a formalidade da época, e que os todos os testamentos tinham, por padrão, cláusulas similares a esta; bom, que seja. Se de fato for assim, não muda o fato objetivo de que esta prática, de certo modo, obrigava o doente a pensar na sua salvação eterna, quando precisasse escrever o seu testamento. A mera formalidade não é a melhor coisa do mundo, mas é melhor do que nada.

Hoje em dia, as coisas mudaram. No Reino Unido, uma igreja (Metodista) foi fechada e, em seu lugar, foi aberta uma loja de conveniência. Triste é a conclusão à qual chega um entrevistado que mora perto: “Eu suponho que isso representa as prioridades das pessoas nos dias de hoje – a conveniência de poder comprar o seu pão alguns quilômetros mais perto é mais importante que a oração e da religião”.

Comprar pão mais perto é mais importante do que a oração! Talvez nem seja, mas a frase não deixa de ser impactante. Talvez o triste simbolismo da caixa registradora defronte a um vitral não tenha realmente este significado para todas as pessoas que moram nos arredores da antiga Igreja; mas é um símbolo. E, como o simbolismo das clásulas de encomendação da própria alma a Deus nos testamentos de antigamente, ilustra as linhas gerais de uma cultura.

É assustador considerar quanta coisa foi perdida de lá para cá. O século XVII sabia que encomendar a alma a Deus é mais importante do que lavrar escrituras de inventário e determinar heranças patrimoniais. Já o século XXI, acha mais importante ter por perto um lugar onde se venda pão do que uma igreja onde se possa rezar.

Comentários políticos – de fora da cidade

Escrevo nas mesmas condições de ontem; mas não queria deixar de fazer algumas considerações que, aqui em retiro, e após apagarem-se as chamas da euforia (e da decepção) provocadas pelo resultado das eleições de domingo, vieram-me à mente.

Na verdade, nós vencemos. Porque vencemos as batalhas mais importantes, e aquela que perdemos foi precisamente a que tem menor relevância, porque era a única que não constitui novidade alguma no cenário político oficial.

É muito fácil explicar a vitória da sra. Rousseff nas urnas. Entre tantos outros motivos, podem-se destacar os seguintes:

1. A gigantesca (e ilegal, mas esse “detalhe” não interessa à petralhada) mobilização da máquina do Estado em favor da candidata petista, inclusive com o senhor presidente do Brasil abandonando as suas atribuições de Chefe de Estado para virar – palavras dele – “um cabo eleitoral da Dilma”, dizendo até mesmo que os que votassem na sra. Rousseff estariam votando também “um pouquinho” nele.

2. A grande farsa dos institutos de pesquisa, que passaram os últimos meses anunciando a vitória da Dilma em um país onde a população vota maciçamente como se estivesse apostando em uma corrida de cavalos e, caso vote – “aposte” – no candidato que perder a eleição, estará “perdendo o voto”.

3. A completa ausência de uma oposição que não seja composta em sua maior parte (ou, pelo menos, em sua parte reponsável pela tomada de decisões a nível estratégico) por companheiros dos criminosos que ora se encontram no poder e que, desde antes da campanha eleitoral ter início até, literalmente, a véspera do pleito, empenhou-se em assegurar a vitória da candidata do Governo.

4. O conservadorismo do povo brasileiro que, na análise do Carlos Ramalhete em lista de email, está paradoxalmente sendo empregado em favor da Revolução, uma vez que oferece natural resistência a mudanças políticas e, assim, favorece a perpetuação no poder da quadrilha que, hoje, lá já se encontra.

A vitória da sra. Rousseff, assim, apresenta-se como nenhuma novidade, nada de novo sob o sol. As novidades introduzidas foram exatamente aquelas sobre as quais já falei aqui e que, estas sim, ganhamos todas. Tiramos as questões morais do “submundo da política” para trazê-las às manchetes dos jornais. Comprovamos o enorme poder das novas mídias de comunicação. Revelamos o racha na Igreja no Brasil, forçando os lobos em pele de cordeiro (ou de pastor) a uivarem em público, arrancando-lhes assim as máscaras. Obtivemos apoio pontifical à luta que travávamos no Brasil há anos. Estas foram as nossas vitórias, estes são os nossos troféus dos quais devemos nos orgulhar, são os nossos trunfos que, doravante, poderemos e devemos utilizar.

Houve quem falasse em fazer as pazes, em depôr as armas agora que as eleições terminaram. Às vezes, eu fico impressionado com a capacidade dos meus leitores não entenderem nada. Nunca se tratou de uma querela político-partidária, o problema nunca esteve circunscrito às eleições. Trata-se da usurpação do governo brasileiro por uma cambada de criminosos que têm a intenção manifesta de transformar o Brasil (aliás, a América Latina como um todo) em uma versão aggiornata da antiga União Soviética, em um projeto que inclusive está já em estágio avançado de realização. Não começou com a eleição da sra. Rousseff e não estaria derrotado caso o sr. Serra tivesse saído vitorioso.

O combate sempre esteve além, muito além, das questiúnculas partidárias. E, portanto, é lógico que não terminou domingo passado. Há ainda muita coisa por ser feita, e é preciso fazê-las, aconteça o que acontecer.

Presidente Dilma

Escrevo do celular, longe de casa, onde os meus crismandos estão em retiro desde o sábado último. Escrevo nas escassas horas vagas das quais disponho, e por ambas estas coisas não me vou alongar demais.

Ontem foi um dia triste, um dia de luto para esta Pátria que amamos e cujo bem desejamos. Ontem houve festa no Inferno – e alguns comentários impublicáveis recebidos aqui no Deus lo Vult! são uma prova eloqüente disso. Ontem, riu-se Satanás, escarnecendo da Terra de Santa Cruz que se entregou, mais uma vez, nas mãos de governantes iníquos.

Confesso que eu cheguei a ter esperança… cheguei a acreditar. Não que o PSDB fosse fazer enfim alguma coisa; mas que conseguiríamos empurrar os desgraçados que estavam se empenhando, desde o início, em não ser eleitos. Não deu. Não dá para fazer sempre, pelos outros, as coisas que são obrigações deles. Forçamos um segundo turno. Esperar mais do que isso, talvez fosse realmente utopia demais.

Mas temos o presidente que merecemos. Claro que temos. Claro que o Brasil merece uma ditadura petista, e o motivo pelo qual lutamos contra ela foi porque esperávamos na Misericórdia Divina, que sempre nos castiga com uma intensidade menor do que de fato merecemos. Dilma Rousseff usurpou o poder desta Terra de Santa Cruz propter peccata nostra, não há dúvidas disso. Bendito seja Deus, que dá e que tira.

No fim… o que temos? Uma derrota nas urnas, sim, mas que – embora amarga – não se pode dizer que tenha sido uma surpresa. Aliás, nem foi um revés no sentido próprio da palavra, pois não houve mudança alguma, e sim a continuidade da iniqüidade. Mas, continuemos. Contra quem necessário for, como estamos já acostumados a fazer. A resistência continua, porque é o nosso dever e não temos o direito de desanimar.

Hoje é dia de Todos os Santos. Que a Igreja Triunfante inteira interceda pelo Brasil, posto que vamos precisar. Nossa Senhora Aparecida, salvai-nos. Nossa Senhora Aparecida, livrai o Brasil do flagelo do comunismo.

Declaração de voto

Isto significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. GS, 75).
– Bento XVI

Como eu já tive a oportunidade de dizer outras vezes aqui, estas eleições estão sendo um momento histórico para o Brasil. Pela primeira vez, os temas morais inegociáveis – como o aborto – foram trazido à luz do dia e discutidos publicamente. Pela primeira vez, a máscara de bom-mocismo do Partido dos Trabalhadores foi arrancada publicamente, pondo a descoberto a face assassina e totalitária do partido que, infelizmente, hoje se encontra no governo desta Terra de Santa Cruz. Pela primeira vez, corajosos membros do clero levantaram a sua voz claramente contra o projeto imoral e anti-cristão do PT, cumprindo com o seu “grave dever” de orientar os fiéis católicos sobre as questões políticas prementes com relação às quais estes, por tanto tempo, foram mantidos em ignorância. Pela primeira vez, os maus católicos colocaram as garras de fora e mostraram que cerram fileiras com os inimigos da Igreja, ao invés de cerrá-las com Cristo.

E, pela primeira vez, Bento XVI falou. As palavras do Vigário de Cristo foram claras, e dirigidas especificamente para o Brasil. É importante defender as raízes cristãs desta Terra de Santa Cruz. É importante oferecer resistência pública – sem temer qualquer impopularidade! – às ameaças à vida humana, mormente a mais indefesa. É dever dos bispos católicos orientarem os seus fiéis neste sentido, também em questões políticas concretas, sempre que temas como a defesa do aborto estiverem contemplados entre as propostas dos candidatos e partidos. E é importante exercer o próprio voto para a promoção do bem comum.

Nós já ganhamos muita coisa nestas eleições. A oposição ao PT – a verdadeira, não estou falando dos bananas do PSDB – saiu fortalecida, e o Partido percebeu que existem pessoas dispostas a resistirem às suas iniqüidades. Os temas morais vieram à luz do dia, e a sanha abortista do PT foi posta a descoberto; a tal ponto que a sra. Rousseff precisou mentir descarada e repetidamente em público para tentar estancar a sangria das suas intenções de voto. E a Igreja no Brasil – graças a Deus! – dividiu-se, deixando manifesto que há bispos servindo a Deus e, outros, servindo a interesses partidários. E o Papa tomou claro partido em favor dos primeiros.

Já ganhamos muita coisa, repito. Mas o momento é histórico, e há ainda um outro feito histórico a ser realizado, para coroar estas eleições presidenciais. Há a necessidade de derrotar nas urnas a candidata petista. Há necessidade de consolidar a “Operação Dilma, não!”, de modo público, de forma material, da maneira como eles entendem. Para fechar com chave de ouro o momento que estamos vivendo.

Não é, absolutamente, pelo governo do PSDB. Todos sabemos que o José Serra é um candidato que não merece o voto católico – isto, não está em discussão. Mas importa ir às urnas no próximo dia 31, não porque o Serra o mereça, mas porque o momento assim o exige.

Para mostrar aos criminosos que se apossaram do Brasil que, nesta Terra de Santa Cruz, ainda há filhos seus que não fogem à luta. E isto precisa ser feito também da única maneira que eles entendem: nas urnas. Para calar a boca de toda a petralhada que, ao longo dos últimos anos (e de modo violentíssimo nos últimos meses), debochou e escarneceu dos homens de bem deste nosso Brasil. Para atender ao pedido do Papa Bento XVI, que chamou os católicos brasileiros a exercerem o seu voto visando à promoção do bem comum.

Para vencermos esta batalha da Contra-Revolução, que sem dúvidas não se resume à derrota da candidata petista mas tem, nela, um marco de inegável importância. O processo foi iniciado, e importa ganharmos terreno tanto quanto for possível e tão rápido quanto pudermos, porque temos muita coisa ainda por fazer.

Para vir em defesa de Dom Luiz Bergonzini e os bispos da CNBB Sul 1 – e de tantos outros prelados! – que tiveram a coragem de se expôr para pedir aos católicos e a todos os homens de bem que não apóiem com o seu voto a corja que hoje se encontra no Governo. Eles foram perseguidos e debochados, foram escarnecidos e inclusive acionados judicialmente, sofreram pressão da sociedade, dos católicos e dos próprios irmãos no episcopado. Importa mostrar que estamos ao lado deles também contribuindo para que se materializem, nas urnas, os frutos dos seus pedidos.

Não me arrependo de não ter escrito esta declaração de voto antes. Lamento, sim, não ter podido fazê-la antes. Mas as circunstâncias mudaram… Próximo domingo, eu vou votar no Serra. Faço-o constrangido, inclusive contra a minha vontade particular, mais para atender a uma necessidade imperiosa do atual momento político brasileiro do que para qualquer outra coisa. Sinceramente, eu – e imagino que todos os brasileiros insatisfeitos com o PT e com a sra. Rousseff – esperávamos, do embate entre Satanás e Belzebu, que a ex-terrorista do PT saísse derrotada. Torcíamos por isso interiormente, mas sem querer tomar partido, para não termos envolvimento com a canalhice. Hoje posso dizer que, se é assim, importa votarmos positivamente naquele que, para além de qualquer discussão, apresenta-se como a única alternativa à perpetuação do PT no poder – coisa que nenhum de nós queremos. Neste momento, importam os votos individuais. Importa comparecer às urnas e oferecer algumas lágrimas ao Altíssimo pressionando duas teclas na Urna Eletrônica – eu bem sei como este sacrifício é doloroso! Mas importa fazê-lo.

O momento é tão propício que é impossível não o enxergar. Próximo domingo, dia das eleições, comemoramos o Dia de Cristo Rei no calendário tradicional. Quando Pio XI instituiu esta festa, em 1925, quis lembrar aos católicos o reinado de Cristo também nas sociedades: quis recordar, e testemunhar publicamente, que Nosso Senhor é Rei também das realidades temporais. No dia de Cristo Rei, hoje, no Brasil, somos chamados a ir às urnas não em defesa de um (inexistente, nas atuais situações) projeto político cristão, mas para atacar e destruir um projeto político que é clarissimamente anti-cristão. No dia de Cristo Rei, finquemos esta importante bandeira demarcando o avanço dos novos cruzados, dos que amam verdadeiramente a sua Pátria e não suportam mais vê-La escarnecida pela quadrilha que hoje se encontra no Governo. Façamos a nossa parte para termos uma data histórica ad perpetuam rei memoriam: façamos com que o dia de Cristo Rei em 2010 entre na história como o dia em que o PT foi expulso do governo desta Terra de Santa Cruz.

Não sei qual vai ser o resultado do pleito. Mas sei que, aconteça o que acontecer, que Deus nos ajude – vamos precisar. Do socorro d’Ele precisamos, e a Ele elevamos as nossas súplicas e preces. E a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, recomendamo-nos com tudo o que temos, com toda a nossa indigência e a nossa radical incapacidade de fazermos mais o que quer que seja. Que Ela possa ajudar o povo brasileiro de quem é Rainha e Padroeira. Nossa Senhora Aparecida, salvai o Brasil!

A voz dos blogueiros católicos

A Sandra fez a gentileza de nos brindar com esta tradução de um interessante artigo do The Washington Post. Trata-se de uma matéria que foi veiculada na mídia secular, e não na religiosa; por isso mesmo tem alguns problemas, mas também algumas coisas muito interessantes.

Pareceu-me um pouco injusto o tom de todo o artigo, ao afirmar que os blogueiros estariam dizendo que “a  igreja não é suficientemente católica”. O problema não é este; na verdade, são – nas palavras dos próprios católicos citados na matéria – “as pessoas que são católicas e que não vivem a fé”. Ora, destes males o Brasil, infelizmente, não está pior servido do que os Estados Unidos da América.

Concordo muito facilmente com a necessidade de se manter a “caridade cristã online”. Analisando apenas a realidade tupiniquim, sou forçado a conceder: muitas vezes a caridade é negligenciada. Ao mesmo tempo, contudo, tendo a ser condescendente com os que assim procedem: eles estão denunciando lobos em pele de cordeiro que, mais que a caridade, falsificam a própria Fé. Em situações assim, é difícil manter a compostura. E, ainda: tomar o partido daqueles que traem a Fé por conta da falta de caridade dos que os denunciam é hipocrisia. A Fé precisa ser guardada. E, sem Fé, é impossível falar em Caridade. Não estou justificando os erros dos que se excedem; no entanto, isto não exime os que não guardam a Fé de suas faltas. Um erro na forma nem sempre significa um erro de conteúdo.

Mas o que é realmente interessante na matéria do The Washington Post é ver que este assunto está ultrapassando as fronteiras da Igreja e atingindo a mídia secular. Ou seja: os blogueiros católicos conseguiram realmente fazer barulho. A matéria dá um poderoso testemunho da importância da internet no início deste Terceiro Milênio. Esta nova Ágora, à parte tantos males que causou à sociedade moderna, pode apresentar isto em seu favor quando for julgada pelo Juiz da História: deu voz aos que não desistiram de anunciar a Fé. Permitiu que a Doce Mensagem do Evangelho chegasse a muitos, a despeito das traições de outros tantos. Ouso dizer: formou católicos.

Forjou almas católicas inflamadas de um santo zelo pelas coisas sagradas, mais preocupadas com a glória de Deus do que com qualquer outra coisa. Almas que descobriram a vitalidade eterna da Mensagem Cristã, tão antiga e tão nova, que possui já séculos e, no entanto, é ainda – e sempre! – atual. Almas que encontraram a Cristo.

De novo: não nego que haja problemas, nem tampouco que estes não devam ser corrigidos. Mas, ao lado destes, há muitos bons frutos. Parabéns aos que se esforçam por colocar os novos meios de comunicação social a serviço de Cristo e da Igreja! Que a Virgem Santíssima, Sedes Sapientiae, os proteja sempre. E aos pés d’Ela coloco – mais uma vez – o Deus lo Vult!, suplicando-Lhe misericórdia por minhas muitas faltas e pedindo-Lhe a imerecida honra de dar a minha contribuição, por ínfima que seja, para a exaltação da Santa Madre Igreja.

Avante, novos cruzados! Coragem, que ainda há muito por ser feito. Façamos bom uso do nosso tempo. Empreguemos bem os nossos talentos. Saibamos usar as ferramentas que o Altíssimo põe ao nosso alcance. Sempre com os olhos fitos n’Ele. Sempre ad majorem Dei Gloriam.

Louvores à Santa Cruz

Ontem foi a festa da Exaltação da Santa Cruz. Talvez poucas festividades tenham um significado tão antagônico ao espírito do tempo em que vivemos quanto esta, na qual nós celebramos a vitória de Nosso Senhor Jesus Cristo no Sagrado Lenho da Cruz. Precisamente no momento mais doloroso. Precisamente quando Ele parecia ter sido derrotado. No auge do sofrimento. No ápice da dor.

Porque do tronco da Cruz brotou a Vida, assim como a Morte nasceu do tronco da árvore do Éden. Exaltamos a Santa Cruz porque, n’Ela, reconhecemos o instrumento da nossa redenção: reconhecemos que foi n’Ela que Nosso Senhor imolou-Se em favor de nós. No mundo da auto-suficiência no qual vivemos, pode soar humilhante este reconhecimento de que precisamos de Alguém: mas ele precisa ser feito. Nosso Senhor é-nos necessário, e foi necessário o Sacrifício da Cruz para satisfazer a Majestade Infinita de Deus ofendida pelos nossos pecados.

O Lenho da Cruz do Qual pendeu a salvação do mundo, como cantamos na Sexta-Feira da Paixão. Seria pouco dizer que nós “precisamos” de Nosso Senhor; seria mascarar a realidade. Afinal, nós aceitamos favores de outrem com uma relativa facilidade, contanto – este é o ponto – que não sejamos causa de grande estorvo. Pois bem: nós não apenas temos absoluta necessidade de Nosso Senhor, como que esta nossa necessidade causou-Lhe sofrimentos inimagináveis. A Graça, o Favor que recebemos do Onipotente tem o preço do Preciosíssimo Sangue de Deus: e quantas vezes nos esquecemos disso, tratando-A como se fosse coisa de pouca monta! Se, entre humanos, é desrespeitoso recusarmos os presentes que nos dão de boa vontade… que desrespeito terrível não é desfazer-se, diante dos próprios olhos de Deus, de um tão grandioso Presente que custou tão caro! É o que faz o pecado, desprezando a Graça e tornando a alma novamente escrava de Satanás. Que terrível malícia! Que venha em nosso socorro a Misericórdia do Altíssimo. Que Ele nos trate sempre não como merece a imensidão de nossas culpas, mas na amorosa medida de Sua benevolência.

Mas até a Misericórdia de Deus é justa. Afinal, “la justicia y la misericordia están tan unidas que la una sostiene a la otra. La justicia sin misericordia es crueldad y la misericordia sin justicia es disipación” (Catena Aurea). A misericórdia, vista sem a justiça, torna-se dissipação, depravação, dissolução.  Deus é Misericordioso porque toma sobre Si os nossos pecados e nos convida a sermos imitadores d’Ele; não existe misericórdia como um salvo-conduto para levarmos uma vida de ofensas a Deus. Não existe redenção para que possamos viver felizes os nossos pecados: isso é blasfêmia. Deus nos perdoa com um objetivo específico: que sejamos santos. Esta é a Misericórdia Divina. O resto, é lenga-lenga do mundo.

E, neste sentido, a exaltação da Santa Cruz é também um convite para que redescubramos o valor do sofrimento. Porque, por meio dele, tornamo-nos imitadores do Homem das Dores, como Ele expressamente pediu. A salvação vinda da Cruz – que exaltamos – passa pelo estreito caminho de sabermos tomar a nossa própria cruz a cada dia e seguir a Cristo: e isto também deve ser exaltado. Afastemo-nos do hedonismo do mundo moderno. Sejamos gratos a Deus, por Ele ter-nos demonstrado tão grande favor. E, confiantes, suportemos as tribulações desta vida, com os olhos fitos no Alto onde, um dia, esperamos ser recebidos – e rezamos para isso! – por Aquele que derramou o Seu Sangue por nós.

Ave, Crux, Spes Unica!

Eu, masoquista

Eu “fui ao comício”, ontem, no Marco Zero, onde o presidente Lula estava com sra. Dilma Rousseff e mais uma cambada de “companheiros”. Estava em dúvidas sobre se era moralmente aceitável “sentar-me à roda dos escarnecedores”; disse a mim mesmo que a minha ida seria por questões jornalísticas, e me tranqüilizei. Depois, fiquei pensando se o lugar não era perigosamente propício a ser alvo de uma chuva de fogo e enxofre, enviada pela Justa Ira Divina por tanto tempo já contida; mas pedi à Virgem Santíssima que sustentasse, ainda mais um pouco, o braço do Seu Divino Filho, e me tranqüilizei. Pensei, por fim, se a minha ida não iria aumentar a repercussão do evento, “engrossando” o número de participantes do comício que iria ser noticiado no dia seguinte; mas pensei que, afinal, a praça é pública – a praça é do povo – e eu poderia, perfeitamente, ao invés de “ir ao comício”, ir ao Recife Antigo tomar cerveja. Tecnicamente, seria o presidente quem estaria discursando junto ao meu barzinho. Encontrei, assim, a causa com duplo efeito que eu precisava para dirimir de vez os meus escrúpulos, e me tranqüilizei. Camisa preta – luto -, pus-me a caminho.

Cheguei perto das dez horas da noite. Algumas pessoas estavam já voltando, mas o senhor presidente ainda estava falando e, considerando o tempo que ele falou depois disso, acho que cheguei bem no início do seu discurso. A praça do Marco Zero parecia estar lotada, mas era pura armação: fizeram um “labirinto” com aquelas grades móveis por toda a praça, exigindo que as pessoas dessem voltas e mais voltas para chegar ao centro e induzindo-as, assim, a ficarem no perímetro, fora das grades. Para quem via de longe, passava realmente a impressão de que o Marco Zero estava lotado. Mas eu, que nunca tive medo de multidão, fui até o centro da praça: praticamente vazia. Havia até mesmo pessoas sentadas no chão.

O Jornal do Commercio falou em 25.000 pessoas. Mas, ao menos quando eu cheguei, não tinha nada nem perto disso, pelos motivos acima explicados: a praça estava vazia, as ruas estavam transitáveis, só havia aglomeração de pessoas no perímetro da praça e, neste, não cabem 25.000 pessoas nem que elas estejam, em quatro níveis, uma em cima da outra. Mas, enfim. Engenhosa a tática petralha, é forçoso reconhecer.

A sra. Rousseff não falou; ou, então, eu só cheguei depois que ela já tinha falado. Por uma longa e enfadonha hora, eu só ouvi o senhor presidente. Lula fez questão de dizer era necessário votar nos deputados – nos “companheiros”… – que apoiavam o Partidão, que era preciso eleger Humberto e Armando senadores, Eduardo governador (para que Pernambuco avançasse “30 ou 40 anos em 8”) e Dilma presidente. Foi muitas vezes interrompido por aplausos. Mas houve três situações curiosas no discurso do senhor presidente.

Uma: falando sobre Humberto Costa, que foi ministro da Saúde, disse que ele havia feito muito por Pernambuco – aplausos. Que era uma pessoa séria e honesta, blá-blá-blá – aplausos. Que, no entanto, não havia feito mais (aqui, o presidente elevou a voz; estava quase aos gritos) porque os inimigos dele o haviam traído, votando contra a CPMF e tirando da saúde não-sei-quantos-milhões que já estavam destinados para não-sei-o-quê. E não houve mais aplausos. E os sonoplastas bem que poderiam introduzir, neste momento, o clássico som de grilos cricrilando. Ao que parece, nem os próprios petralhas estão dispostos a defender a CPMF do Governo.

Duas: falando sobre as mulheres. O presidente teve um surto de lucidez, e começou a falar um monte de coisas politicamente incorretas: que são as mulheres que carregam por nove meses no ventre um ser humano, que são as mulheres as responsáveis pelo lar familiar, que são as mães que ensinam os filhos a falarem, que são as mães que acordam de madrugada quando o menino está chorando, e não os pais, que são as mães que dão o peito quando o menino está com fome, e não os pais, et cetera. A clássica separação de papéis dentro do Matrimônio à qual a modernidade tem tanto ódio! E lá estava o Lula, em um ato falho, a defendê-la: afinal, se Deus falou um dia através da boca de uma mula, por que da boca do Lula não poderia sair alguma coisa que prestasse, alguma vez na vida? Mais uma vez, os sonoplastas teriam trabalho neste momento, porque o discurso – inflamado! – não arrancou aplausos da petralhada. E o presidente achou melhor mudar de assunto.

Três: rasgando-se em elogios à Dilma. Disse que ela era uma mãe, e que ele gostava tanto e confiava tanto nela que poderia dizer, com toda a honestidade, que, “se não tivesse a Marisa” [aqui eu já comecei a rir, imaginando o que diabos ele iria falar], e ele “tivesse um filho [pequeno]”, entregaria o filho para a Dilma criar (!). Pasmem, isto foi dito desse jeito! Lula, em menos de um minuto, ofendeu a primeira-dama, demonstrou total descaso pelo seu hipotético filho (como assim, “dava para a Dilma criar”? Fala que casava com ela, Lula!) e agrediu mortalmente a presidenciável feminista (porque criar filho é tudo o que gente dessa laia não quer fazer)! E eu, esforçando-me para segurar as gargalhadas, afastei-me um pouco da praça. O ambiente era hostil a ponto de ser contrário à prudência debochar do senhor presidente. Mas, que deu vontade… ah, isso deu.

Por volta das onze horas da noite, o presidente despediu-se, disse “muito obrigado” e os militantes – que carregavam cartazes e bandeiras – desapareceram em um piscar de olhos. Nem sequer esperaram para tentar bater fotos, ou cumprimentar algum dos candidatos, nem nada: veio-me à mente a maliciosa comparação com empregados de uma fábrica que ouvem o toque da sirene anunciando o final do expediente. Também não seria eu a esperar mais nada: voltei à minha cerveja. Agradecendo a Deus por ter sobrevivido ao comício. Brindando ao Papa. E pedindo ao Altíssimo misericórdia para o Brasil.

Inception

[ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!]

Haviam me dito que “A Origem” (Inception, 2010) era um bom filme. Se esta opinião está equivocada, é por excesso de parcimônia nos elogios: o filme não é apenas “bom”, é uma verdadeira obra-prima. Assisti-o agora há pouco, e o recomendo enfaticamente: uma história inovadora, uma trama muito bem urdida, excelentes atuações, cenas de violência dentro do limite, completamente livre de cenas de sexo. Este último ponto merece destaque, por ser raridade na Sétima Arte. Inception prova, definitivamente, que um filme não precisa conter cenas apelativas para ser um incontestável sucesso de bilheteria. Quero tecer alguns comentários sobre o filme, mas aos que pretendem ainda ir ao cinema recomendo que o assistam antes de lerem estas minhas linhas: conhecer previamente a história vai estragar bastante a sensação – deliciosa! – de descobri-la pouco a pouco na sala escura do cinema.

Ouvi dizer que o filme é “muito cabeça” e exige “muita atenção” – besteira. O filme é relativamente simples. Somente possui um bom roteiro que naturalmente não pode ser acompanhado com a mesma displicência com a qual se assiste The Expendables; mas o desenrolar da trama percebe-se muito mais facilmente do que, por exemplo, em “Amnésia” (que, aliás, é do mesmo diretor). As cenas que só fazem sentido no final do filme ou são detalhes (que, imagino, devem fazer valer bastante a pena uma segunda ida ao cinema…) ou estão muito bem nítidas na memória, a despeito das quase duas horas e meia do filme – que, diga-se, nem se percebe passarem.

A história: existem uns sujeitos que conseguem entrar nos sonhos das outras pessoas. Isso pode ser feito com dois objetivos: extrair informação, que é de longe o mais comum, ou incutir uma idéia na mente da vítima – fazer uma inception, uma inserção, um “implante” (que talvez fosse uma tradução melhor para o nome do filme) de um pensamento que, quando acordada, a pessoa adopte como seu e com base no qual passe a agir. Há quem diga que inceptions são impossíveis, mas Cobb (DiCaprio) diz que é possível e aceita fazer um serviço desses em troca de ter a sua ficha limpa com a polícia americana.

O serviço para o qual Cobb é contratado não tem nada de simples: trata-se de fazer um inception em Robert Fischer, um jovem herdeiro de uma (praticamente) hegemônica companhia de eletricidade, para convencê-lo a dividir o império do pai e, assim, possibilitar que a empresa concorrente – que contrata Cobb – continue existindo. Esta idéia, para ser aceita, precisa naturalmente ser apresentada como uma boa idéia (“vou chutar o pau da barraca e acabar com a minha herança” não funcionaria), precisa que o alvo aceite-a como sua, própria (trata-se, assim, muito mais de insinuar alguma coisa que depois desenvolva-se naturalmente do que enxertar algo facilmente reconhecível como exógeno), e precisa ser feita no profundo do subsconsciente: para isso, Cobb e sua equipe abusam da técnica de “sonhos dentro dos sonhos”. Funciona assim: “entrar no sonho” leva até um nível do subconsciente da vítima; mas se, dentro do sonho, põe-se o sujeito para dormir e entra-se no “sonho do sonho”, atinge-se um nível de inconsciente mais profundo e, para os objetivos de Cobb, mais interessantes. O plano original é a adentrar “três níveis” no subconsciente de Fischer e, “lá embaixo”, incutir a idéia que desabroche, “lá em cima”, na decisão de se desfazer do império que o pai construiu.

Várias coisas encantam no filme. Primeiro, a “ambientação” é muito bem feita. Há os caras – “arquitetos” – que “desenham” o cenário do sonho onde fulano vai ser colocado. Quando o alvo é posto dentro do sonho, o seu subconsciente “povoa” o cenário criado: as pessoas que estão no sonho são projeções da sua mente, etc. Em particular, caso haja no cenário um “cofre” ou coisa parecida, a mente do sujeito, instintivamente, “joga” lá dentro aquilo que quer manter como segredo (tornando fácil a extração de informações para os invasores de sonhos – cria-se o cenário com o cofre, quando o sujeito sonha o seu subconsciente põe no cofre o segredo, e então basta arrombar o cofre e obter o segredo). Nos sonhos, o tempo passa mais devagar do que fora deles, e isso funciona recursivamente: se 1 minuto na “vida real” corresponde a 20 minutos dentro do sonho, vai corresponder a 400 minutos no “sonho dentro do sonho” – e assim por diante. No sonho, repercutem as sensações do que está acontecendo com o sujeito que dorme: se ele estiver molhado, p.ex., vai estar chovendo no sonho. A quantidade de detalhes impressiona.

Mas o filme tem “camadas”, como se costuma dizer hoje em dia – ou, melhor dizendo, sonhos dentro de sonhos, tramas dentro de tramas. Há toda essa história dos invasores de sonhos. Dentro disso, há os interesses políticos da companhia que quer convencer o Fischer a desfazer-se do império do pai, serviço que Cobb topa. Dentro deste serviço, há a motivação de Cobb que é poder voltar para os Estados Unidos e se encontrar com os filhos. E, dentro disso, no mais profundo das tramas, há o drama interior do protagonista de se desvencilhar das lembranças de sua mulher morta e da culpa que ele sente por a ter levado a cometer suicídio.

[Provavelmente vai aparecer quem diga que, ainda mais profundo do que isso, há a discussão sobre até que ponto a realidade é realmente real, mas este blá-blá-blá totalmente clichê e de valor filosófico nulo é indigno do filme. Volto a este ponto no final do texto.]

Encanta também a trama. O protagonista precisa se libertar da culpa que sente com relação à morte da esposa. Quer voltar para os filhos, e encontra esta possibilidade no serviço para o qual foi contratado. Antes de convencer um jovem bem-sucedido a lançar às favas o império que o pai a duras penas construiu, o que Cobb e sua equipe terminam fazendo é reconciliar um filho com o seu pai. E o protagonista, perdido nos seus sonhos e pensamentos, recebe da jovem arquiteta a ajuda necessária para vencer o seu próprio passado e ser finalmente capaz de viver o seu futuro. Notem: todas as motivações – e as atitudes – são positivas! A única coisa mesquinha que existe no filme – o desejo de “quebrar”, desonestamente, uma empresa bem-sucedida – é também apresentada de maneira positiva (“é importante para o mundo que esta empresa não detenha o monopólio da distribuição de energia”) e – principalmente – é alcançada por um meio extremamente positivo, provocando uma reconciliação familiar. No filme, não há vilões; há os dramas pessoais de almas sofridas que, por si sós, já são responsáveis pela virtual totalidade dos males que existem no mundo.

E, por fim, também encantam as sutilezas. A forma que Cobb usa para implantar em sua esposa a idéia de que a realidade é uma ilusão é simplesmente genial. O que Fischer encontra no cofre do pai lá no terceiro nível de sonhos – o catavento da foto de quando era criança – é emocionante. O que Cobb diz para a projeção (feita por seu subconsciente) da sua mulher, ao final do filme, é um elogio feminino para o qual eu não encontro paralelos no cinema recente: “não passas de uma sombra pálida da mulher que eu amei. És o melhor que eu consegui fazer e, no entanto, não és boa o bastante”.

As pessoas – a realidade! – ultrapassam infinitamente as imagens que temos delas, por mais honestos que sejamos, por mais que nos esforcemos! Não existe bobagem de ceticismo ou de dúvida idiota – estilo Matrix – sobre se o que julgamos ser a realidade é de fato real. No extremo oposto disso, o filme é um tremendo louvor à realidade, por dura que ela seja. É isto que o filme, ao final das contas, nos ensina. Por mais que possamos ser deuses e ter um mundo só nosso no “limbo” dos sonhos profundos, a realidade vale mais – muito mais – do que isso. É sempre necessário aceitá-la. Sempre vale a pena voltar.

Tudo é mais do mesmo

Eu não sou lá o que se possa chamar de grande entusiasta da democracia – a despeito de ser forma de governo legítima, conforme ensina a Igreja Católica. Com relação à maneira específica como a “democracia” (aqui, as aspas são propositais, e servem precisamente para distinguir esta daquela legitimada pela Igreja à qual fiz referência acima) é exercida no Brasil, deixo de ser simplesmente um “não-entusiasta” para lançar-lhe mesmo duras críticas. Julgo até ser perfeitamente legítimo, aliás, discutir se aquilo que, no Brasil, costuma chamar-se “democracia”, tem as mesmas características daquele sistema que um dia o Aquinate considerou legítimo.

Mas isso é uma outra discussão, para a qual não tenho nem fôlego e nem envergadura. Limito-me a falar sobre os fatos concretos do nosso quotidiano. Ontem, eu assisti ao debate da Canção Nova com os presidenciáveis, e tive impressões muito negativas.

Não com relação ao debate – ao contrário, ele foi, na média, excelente. Tirando algumas aberrações (como a “Pastoral do Menor” colocando-se contra a redução da maioridade penal), muitas perguntas importantes foram feitas exatamente da maneira como deveriam ser feitas: “o senhor, como presidente, assinaria o PLC 122/06?”, “o senhor, no seu governo, vai colocar em prática as diretrizes do PNDH-3?”, “o senhor acredita que o valor da vida humana pode ser decidido em plebiscito?”, e diversas outras. A organização do debate está sem dúvidas de parabéns. O motivo das minhas impressões negativas reside justamente no fato de que, mesmo com toda a excelência da organização do debate, os candidatos estão – todos – muito aquém do mínimo que se pode esperar para que a licitude do apoio católico por meio do voto, a qualquer um deles, possa ser até mesmo levada em consideração e colocada em litígio. Do jeito que está, ninguém pode ser votado.

Sobre o aborto, o abortista Serra foi o único a dizer, claramente, que o respeito à vida humana não pode ser objeto de sufrágio popular. Curiosamente, foi ele próprio – ele, que disse não ser capaz de fazer um plebiscito para decidir sobre a legalização do aborto no Brasil – quem, quando Ministro da Saúde, autorizou – sem consultar ninguém! – a rede pública hospitalar a assassinar crianças caso elas tenham sido concebidas por meio de estupro… incoerências que, enfim, quedaram sem respostas, e fica então o eleitor católico na sincera dúvida entre o discurso do abortista quando em campanha ou os seus atos passados quando, efetivamente, teve poder para fazer alguma coisa.

Sobre a Lei da Mordaça Gay, tanto o Serra quanto o Plínio disseram não ter lido o projeto mas que, mesmo assim, eram-lhe, em linhas gerais, favoráveis. Sobre o PNDH-3, o Plínio teve aliás a capacidade de dizer que não via nada de errado no plano. O candidato do PSOL merece menção especial, porque ele tem feito questão de se apresentar como católico e, mesmo assim, colocar-se sistematicamente contrário a tudo aquilo do qual a Igreja é a favor, e favorável a tudo aquilo que a Igreja é contra. Chega a ser impressionante. O papel dele, como já foi notado por alguns mais astutos, é claramente o de deslocar o eixo de comparação entre os candidatos, por meio de um radicalismo tão caricato que, junto dele, a Dilma e o Serra apareçam quase que como ultramontanos.

A sra. Rousseff fez chacota dos católicos e não foi ao debate. E, por algum motivo que sinceramente escapa-me à compreensão, o católico Eymael – provavelmente a única opção aceitável para os católicos no primeiro turno – não foi convidado para o debate ou, dele, não quis participar. Quando não estão presentes nem o único candidato que poderia dar respostas tranqüilizadoras às questões apresentadas, nem a candidata favorita nas pesquisas que iria se comprometer terrivelmente a cada resposta que formulasse… qual foi o saldo, afinal de contas, do debate? Parece-me que é tudo mais do mesmo.

E isso reforça a minha desilusão para com a “democracia” brasileira: o voto é universal e tem o mesmo peso para todos, pouco importando a parcela de participação na sociedade que cada um tenha. Os debates, por melhores que sejam, terminam por gerar pouco ou nenhum fruto: e os resultados do pleito são, na verdade, decididos pela máquina publicitária da televisão que, na hipnotizadora propaganda eleitoral gratuita, pende obscenamente para o lado do partido que se encontra atualmente no governo. Resta esperar alguma coisa? É possível fugir da incômoda sensação de que tudo isso não passa de um gigantesco jogo de cartas marcadas?

Que Deus tenha misericórdia de nós, e salve o Brasil! Porque é óbvio que as eleições de outubro próximo não serão capazes de “salvar” absolutamente nada.