Impressões no EJF

Impressiona-me, sinceramente, a vitalidade do Regnum Christi e dos Legionários de Cristo. A despeito dos escândalos com o padre fundador que recentemente vieram à tona, no Encontro de Juventude e Família deste ano tenho [re]encontrado muitas pessoas que dão sinceros exemplos de amor a Cristo e à Igreja.

E, digam o que disserem, esta vitalidade é própria do Cristianismo. Quando é perseguido, é que ele cresce; nas tribulações, glorifica a Deus. No meio das adversidades, não esmorece: prodigioso fenômeno que, aqui, é tão fácil de constatar! Não se trata de defender o pe. Maciel que, aqui, trago somente à guisa de exemplo. A imagem da Legião foi grandemente prejudicada pelos fatos recentes que vieram a público – isto é um fato. Alguns abandonaram o Movimento – é outro fato. Mas que outros tantos – muitos! – permaneceram fiéis e, ainda, outros vieram engrossar as fileiras do Regnum Christi mesmo após os escândalos, isto também é fato. E não pode ser ignorado.

Falava aqui no Deus lo Vult! há pouco tempo sobre o sândalo ferido pelo golpe de Deus, a perfumar o mundo de uma maneira agradável ao Onipotente. Nos sofrimentos, glorificar a Deus; esta é uma realidade que não tem nada de trivial, nada de fácil, nada de prazeroso. Muito pelo contrário. Espera-se (e, em certo sentido, até se exige) que as pessoas agradeçam a Deus quando todas as coisas correm bem. Mas, quando alguém dedica a sua vida ao serviço do Altíssimo e, mesmo assim, tudo desmorona… perseverar é heroísmo. Manter-se fiel é santidade.

De novo: o Movimento está aqui como exemplo, e a atitude destas pessoas – muitas das quais conheço há anos – prescinde completamente de considerações sobre os erros do padre Maciel. O fato inconteste é que há muitos inocentes (não somente no Regnum Christi, mas sem dúvidas também aqui), que sofrem sem culpa: e ver precisamente estes se manterem firmes é contemplar uma característica genuinamente cristã; é testemunhar a ação da graça de Deus. Porque não é em homens nem em instituições humanas que estas pessoas – estas, as que permaneceram – pōem a sua confiança. Sem dúvidas não. E ver com clareza para além das aparências – e até mesmo contrariamente às aparências – não é uma atitude de imaturos, ou de bobos úteis enganados, ou de irresponsáveis que ignoram as coisas de Deus; muito pelo contrário. É atitude de quem tem Fé, e de quem entendeu o que significam aquelas palavras de Nosso Senhor: “se alguém quiser vir após Mim, renuncie a Si mesmo, tome a Sua cruz a cada dia e siga-Me”.

Que Deus abençoe o Movimento Regnum Christi, e os Legionários de Cristo. Que a Virgem Santíssima interceda por todos estes, a fim de que o Altíssimo saiba transformar o mal em abundância de bem. Para a Sua maior glória.

A baía de Guanabara. Os amigos distantes

Escrevo do celular, no ônibus que – assim espero – vai me levar ao Rio Centro, onde começa hoje à noite o Encontro de Juventude e Família. Os dias estão curtos, mas intensos. Divertidos.

É sempre bom rever amigos! Ontem estive com o Thiago Amorim (@tht) e com o Tarcísio, seu irmão. Entre hoje e domingo espero também reencontrar outras pessoas. O tempo, como até então, vai ser curto; mas esforcemo-nos por fazê-lo bem vivido.

Até domingo estou-me por cá, pela cidade maravilhosa cheia de encantos mil que tanto aprecio. Além de rever velhos amigos, apraz-me também voltar a lugares por onde passei alhures. Olhar o mar do Arpoador, subir o Corcovado, tirar fotos com o Drummond eternamente sentado em Copacabana… o tempo passa, mas muitas coisas não mudam. O Rio de Janeiro continua lindo. É sempre bom voltar. Aliás, em http://www.twitpic.com/photos/jorgeferraz estou tentando pôr as fotos que tiro. Vejam lá.

E, entre um sotaque diferente e outro, entre a paisagem recortada fluminense tão diferente da do meu Recife, é reconfortante encontrar coisas que resistem ao passar do tempo. Coisas das quais me lembro, apesar de não as ver com a freqüência de que gostaria. A baía de Guanabara. Os amigos distantes. Coisas para as quais podemos voltar, com a segurança de que as encontraremos como as deixamos. Coisas que desafiam a cultura do passageiro e do descartável dos nossos dias. Obrigado, Senhor.

Parabéns, pe. Nildo!

40 anos de vida, 10 anos de sacerdócio. Ontem foi o aniversário do reverendíssimo padre Nildo Leal de Sá, pároco da Paróquia de São Sebastião e São Cristóvão, na Imbiribeira. Apesar da chuva, lá estive; para agradecer ao Bom Deus pelo bom padre que Ele nos enviou. Para pedir-Lhe que ele seja sempre fiel, independente das tribulações que porventura tenha que atravessar. Que digo? Independente das tribulações que certamente terá que atravessar. E talvez eu devesse ousar ainda mais: que seja fiel devido às tribulações que precisará atravessar. Porque os sofrimentos são o distintivo dos cristãos; o mundo não entende essas coisas, nem as entende quem é do mundo.

O cristão – e de modo particularíssimo o sacerdote – não é do mundo, a despeito de estar por aqui. Aponta-nos o Céu, conduz-nos para Deus, leva-nos para o Alto! Ainda no dia anterior, no domingo, o pe. Nildo recordava, na homilia, a clássica passagem de São João Maria Vianney a caminho de Ars. O santo, viajando para a sua nova paróquia, sem saber exatamente onde ficava o vilarejo, encontrou-se com um garoto na estrada. “- Como faço para chegar a Ars?”, “-Vá por ali, seu cura” – apontara o pequeno. E o sacerdote sentenciou: “tu me mostraste o caminho de Ars; eu te mostrarei o caminho do Céu”.

O sacerdote não é deste mundo! Não se lhe exige que saiba das coisas do mundo. Espera-se dele, sim, que saiba o caminho do Céu, e que esteja disposto a ensiná-lo às almas que a Divina Providência lhe confiar. Não é necessário saber chegar a Ars para se ser santo. E, em um mundo onde tantas vezes encontramos excessivos cuidados com as coisas desta terra, reconforta-nos ver um sacerdote como o padre Nildo, dedicado às coisas do Céu.

Que seja fiel, que seja santo; é o que mais sinceramente desejo. Como eu dizia acima, por causa mesmo das tribulações que atravessará, porque Deus não é Deus de poucas coisas e, já que é para pedir, peçamos coisas grandes, as quais por nossos próprios méritos nem mesmo ousaríamos esperar – como foi rezado em uma das orações de ontem. Que se santifique não meramente vencendo os empecilhos provocados pelos sofrimentos, mas utilizando-se dos próprios sofrimentos como meio privilegiado de santificação; como matéria de sacrifício, a ser oferecida ao Pai Santo em união às dores de Nosso Senhor no Calvário. Vêm-me à mente os versos da Irmã Dutra que já pus aqui outra vez, mas que são extraordinariamente adequados à vida sacerdotal e, por isso, trago-os de novo na íntegra:

* * *

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

* * *

E é esta santidade que desejo, ó Deus, ao reverendíssimo sacerdote e caríssimo amigo: a do “sândalo (…) cortado e retalhado” para exalar um perfume agradável a Vós; a do “homem do fracasso” que não obtém nesta vida os frutos do seu trabalho; a do filho que se sente devorado pelo Vosso amor, “sem nunca Vos sentirdes satisfeito”; a do “homem consagrado lentamente… consumindo a Vossa morte”.

Parabéns, padre Nildo. Ad multos annos! Abaixo, algumas fotos da celebração.

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

“Ó, que grandioso é o sacerdócio!”

O Santo Cura d’Ars sempre manifestou a mais alta consideração pelo dom recebido. Afirmava: “Ó, que grandioso é o sacerdócio! Só se compreende bem no Céu… mas se o compreendesse sobre a terra, morrer-se-ia, não de temor, mas de amor”

– Bento XVI, 05 de agosto de 2009

Hoje a Igreja celebra a festa de São João Maria Vianney, o santo cura d’Ars, patrono dos párocos, honra do clero francês. Um homem simples, mas que soube entregar-se desmedidamente ao serviço de Deus e, por isso, o Altíssimo fez maravilhas em sua vida.

Era filho de camponeses. Queria ser padre, mas quase não o consegue por conta dos sucessivos insucessos nos estudos necessários para tal. No entanto, não desistiu: contra todos os prognósticos, foi adiante, insistente, até conseguir levar a cabo os seus estudos e ordenar-se sacerdote do Deus Altíssimo.

A sua limitação intelectual chega a ser anedótica! Não sei a veracidade da história, mas conta-se que o santo, certa feita, confrontado com um seu superior que o tentava dissuadir do sacerdócio argumentando exatamente que a inteligência refinada (que tanto faltava ao santo!) era necessária ao ofício de pastoreio das almas, respondeu singelamente: “Davi, com uma atiradeira feita da mandíbula de um burro, derrubou o gigante Golias; imagine o que Deus não poderá fazer tendo nas mãos o burro inteiro?”. De onde se vê que, ao santo, embora talvez faltasse alguma habilidade mais específica exigida para os estudos acadêmicos, não lhe faltava sabedoria ou bom humor.

“Que grandioso dom é o sacerdócio”! Talvez o santo cura d’Ars percebesse-o melhor que os outros padres, porque para ele – devido à sua história – o aspecto do dom estava muito mais evidente do que o de mérito. Mas todo sacerdócio é um dom, ainda para o aluno laureado nos estudos do seminário, porque o sacerdócio é tão grandioso que ultrapassa infinitamente quaisquer méritos que os homens pudessem ter. Não, o sacerdócio não é a recompensa dos anos de estudos no seminário como um – digamos – diploma de medicina é a recompensa pelos anos de dedicação integral na faculdade. O sacerdócio é mais, muito mais: os efeitos são desproporcionais às (supostas) causas. De um médico pode-se dizer que é o que estudou na faculdade, e o mesmo de um engenheiro, um arquiteto, um jornalista; mas a santidade de um padre santo não encontra a sua causa nos estudos do seminário, por melhor aluno que ele tenha sido, por melhor o lugar onde ele tenha estudado. Olhe-se para o santo cura d’Ars! É de Deus que vem a santidade do sacerdócio. É um dom, um dom grandioso, com o qual Deus, pela Providência, agracia alguns dos Seus filhos.

Rezemos pelos sacerdotes! Para que sejam padres conforme São João Maria Vianney. Para que reconheçam quão grandioso é o dom do sacerdócio que do Altíssimo receberam e pelo qual terão um dia que prestar contas. Para que deixem a santidade vir de Deus, do alto, e não brotar dos próprios esforços humanos. Para que sejam santos, honrando a dignidade da vocação à qual foram elevados. Para que Deus nos conceda sempre sacerdotes bons e fiéis para cuidar do Seu povo.

Zelo zelatus sum

Impressionou-me positivamente o artigo do pe. Zezinho publicado no mês passado, mas que só agora eu li. Leva por título “Por uma Igreja que pensa” (é o terceiro texto do link acima indicado – não tem link direto). Aliás, eu nunca diria que o texto saiu da pena do pe. Zezinho, se não estivesse disponível em um blog que, até onde pude perceber, não é fake. Não é do próprio pe. Zezinho, mas é “em [sua] homenagem”. Tomara que seja verdadeiro.

São verdadeiríssimas palavras! Vejam só: “Parecemos um hospital que, na falta de médicos na sala de cirurgia, permite aos secretários, porteiros e aos voluntários bem intencionados que operem o coração dos seus pacientes. Há católicos aconselhando, sem ter estudado psicologia. Há pregadores receitando, sem conhecer a teologia moral. E há indivíduos ensinando o que lhes vem na cabeça, porque, entusiasmados com sua fama e sua repercussão, acham que podem ensinar o que o Espírito Santo lhes disse naquela hora”. E tanto a analogia quanto os exemplos concretos apontam para uma mesma coisa: a falta de cuidado com os assuntos religiosos, tratando com desleixo e negligência coisas que são da mais alta importância. Estamos falando da Fé Católica, que – mutatis mutandis, óbvio, porque a chance de um porteiro “acertar” uma cirurgia cardíaca é muito menor do que a de um leigo bem intencionado acertar uma palestra – é mais importante e mais séria do que problemas cardíacos que exigem uma intervenção cirúrgica.

Trata-se de um fenômeno moderno que outras pessoas já tiveram a oportunidade de apontar: vivemos em um século onde a qualidade do conhecimento é continuamente questionada, onde existem (e exigem-se) especialistas sobre assuntos os mais diversos mas, no entanto, se o assunto for a Igreja Católica, todo mundo pode e deve emitir as opiniões mais disparatadas possíveis, sem que seja necessário para isso ter lido uma única linha de um único catecismo de crianças sequer. Trata-se a religião com uma displicência tão grande como não se usa para política, culinária ou futebol; para este último, exige-se que se conheçam ao menos as regras básicas do jogo e a escalação do time. Com relação à Igreja, a maior parte das pessoas que adora falar sobre catolicismo não é capaz de dar o nome de três dicastérios vaticanos ou de citar, em ordem, os últimos cinco papas. É impressionante: para discutir futebol exige-se mais!

E o problema começa “de dentro”, como apontou o pe. Zezinho no  texto acima citado. São pessoas sem nenhuma preparação que estão em posições-chave da Igreja! Se somos nós próprios, em nossas paróquias e arquidioceses, que tratamos as coisas sagradas como se tivessem pouca ou nenhuma importância, como poderemos exigir que os inimigos da Igreja tratem-nA como Ela merece?

Urge acabar com esta cultura de mediocridade. É fundamental que tratemos seriamente as coisas sérias, e é da mais alta importância que dediquemos o nosso melhor à Igreja, reservando para o Altíssimo a melhor parte daquilo que temos e somos. Zelo zelatus sum pro Domino Deo Exercituum – oxalá o sentido dessas palavras pudesse impregnar-se na alma de cada católico! Cuidai daquilo que é Vosso, Senhor. Olhai pela obra de Vossas mãos. Deus, in adjutorium nostrum intende; Domine, ad adjuvandum nos festina.

Pensando no Inferno

Recebi hoje, por email, um texto de Santa Faustina que eu já conhecia (inclusive o Everth publicou, há algum tempo, no Ecclesia Una). Mas foi bom relê-lo, porque estou convencido de que a falta de contemplação dos Novíssimos é um dos grandes males dos tempos modernos. É triste ver pessoas – até mesmo pessoas alegadamente de Fé – viverem na prática como se Deus não existisse, sem preocupar-se nada com a salvação eterna da própria alma, como se este fosse um assunto qualquer, de pouca monta, do qual é perfeitamente razoável descuidar-se.

A salvação eterna de nossas próprias almas, ao contrário, é o assunto mais grave da nossa existência, aquele que mais deve ser objeto de nossas preocupações. Temos uma alma eterna, destinada às glórias do Céu, mas que está sob o permanente risco de resvalar e cair nas profundezas do Inferno! Se isto não for motivo suficiente para se preocupar, então nada mais é. Lembro-me de uma minha catequista, que nos incutia o desejo da salvação ao afirmar que havia, lá no Céu, uma cadeira com o nosso nome. Ao mesmo tempo, ela completava a catequese alimentando em nós um santo e salutar temor da condenação, ao dizer que lá no Inferno tinha uma cadeira igual, com o mesmo nome. E assim aprendíamos a amar o Céu e a temer o Inferno – como convém que se faça.

Certo, deve-se amar a Deus mais por amor do que por temor – concordamos. Mas isto é para poucos, e para avançados estágios de amadurecimento espiritual. Aliás, se formos levar às últimas conseqüências a história atribuída – salvo engano – a Santa Teresa d’Ávila, não devemos temer as penas do Inferno nem tampouco interessar-nos pelos prazeres do Céu. Esta segunda parte é amiúde esquecida, e tenho a impressão de que desejam fazer “almas perfeitas” apenas com um dos lados da moeda. Como se isso fosse possível.

Refiro-me à história da santa que, andando pelo carmelo com uma tocha em uma mão e um balde d’água na outra, foi interpelada por uma irmã, à qual respondeu: “quisera eu queimar o Céu para não desejá-lo, e apagar o fogo do Inferno para não temê-lo, a fim de que pudesse amar a Deus somente por Ele mesmo”. Sublime? Sem dúvidas. Mas não nos esqueçamos que esta é Santa Teresa, e que as pessoas são diferentes, inclusive (e talvez principalmente) em maturidade espiritual. Aliás, a própria frase da santa mostra que ela pensava, sim, nos Novíssimos. Na vida espiritual nós não podemos pegar atalhos ou pular etapas. Não faz sentido “universalizar” o “amor puro” a Deus desencorajando a contemplação dos Novíssimos – estes levam a Deus. E, ouso dizer: sem uma graça particularíssima do Altíssimo, não dá para achegar-Se a Deus desprezando a meditação dos Novíssimos.

Até porque quem ama a Deus não quer perdê-Lo, naturalmente, e um dos tormentos do Inferno – volto à visão de Santa Faustina – é a perda de Deus. Aliás, este é o primeiro. Quem ama a Deus, portanto, teme necessariamente o Inferno, a separação Eterna d’Aquele que é Amado. E tanto mais amará a Deus quanto mais temer perdê-Lo. De onde se vê o mal que fazem às almas aqueles que se recusam a ensiná-las a meditar, zelosamente, na Morte, no Juízo, no Inferno e no Paraíso.

A Virgem nos Seus andores

“É bonito ver o pátio assim cheio. Querem acabar com o nosso amor a Maria, mas nunca vão conseguir não. Apesar destes protestantes empestando o mundo, o povo ama Nossa Senhora, e isso nunca vai deixar de ser assim”.

Assim escutava eu, no Pátio do Carmo, hoje à tarde, uma senhora conversando com outra. Sei que é feio ouvir as conversas alheias, mas o pátio estava muito cheio e eu não consegui evitar. Certamente, cito de memória o arrazoado daquela boa mulher, mas o “empestando” é ipsis litteris. A palavra chamou-me a atenção por ser – graças a Deus! – politicamente incorreta, e por dar testemunho eloqüente de que o povo de Deus – a despeito das loucuras modernas – permanece com a sua cabeça no lugar. O povo simples tem Fé na Virgem Mãe de Deus. O povo simples não admite, de nenhuma maneira, privar-se da intercessão desta Boa Senhora.

Em tempos de “ecumenismo” – palavra prostituída, vale salientar -, o povo encheu o pátio do Carmo para cantar os louvores da Virgem Mãe de Deus, Flos Carmeli, Nossa Senhora de tantos títulos porque um só deles não seria suficiente para louvar esta Mulher como Ela deve ser louvada. Foi a 314ª festa do Carmo celebrada aqui na Veneza Brasileira. O número impressiona, mas para a Virgem é ainda muito pouco, é quase nada. De Maria nunquam satis, como se dizia antigamente: sobre a Virgem Santíssima, nunca se falará o bastante. Ela nunca será louvada o bastante.

“Unidade, unidade” – clamam alguns. Concordamos, a unidade sem dúvidas é um valor a ser buscado, mas nunca por si mesmo. “Unidade por unidade”, não. Unidade, só na Verdade. E é verdade que a Virgem Santíssima é a Mãe de Deus, é Rainha dos Céus, é Medianeira de Todas as Graças, e deve ser louvada por todos aqueles que querem ser seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo – fora disso não pode haver unidade verdadeira. A música que fez sucesso na voz do padre Marcelo (não sei de quem é a composição) não tocou na festa de hoje, mas o argumento é tão verdadeiro que merece ser lembrado: “se um dia um Anjo declarou que Tu eras cheia de Deus, agora penso quem sou eu para não Te dizer também: cheia de Graça?”. E, isso, o bom povo simples entende perfeitamente bem. Disso, ele não vai abrir mão.

Assisti à Santa Missa, agradecendo a esta Boa Senhora por todas as graças que Ela nos tem alcançado – em particular, por Olinda e Recife. Esperei a saída da procissão: hoje, estava simplesmente impossível de acompanhar caminhando. Acompanhei-A com o olhar, em Seu andor, particularmente ostensivo este ano: uma réplica do altar-mor (o antigo, naturalmente) da Basílica do Carmo. Alguém cantava uma composição que eu particularmente acho meio estranha, mas os primeiros versos são verdadeiramente bonitos, e belamente verdadeiros. “Ave Maria / em Seus andores! / Rogai por nós, / os pecadores”.

Sim, somos todos pecadores, dependentes da Graça, dependentes – em absoluto – dos favores d’Aquela que foi constituída Tesoureira das Graças de Deus – thesauraria Gratiarum Domini, como rezamos na Coroinha. Que Ela olhe sempre por nós, “em Seus andores”, isto é, louvada publicamente pelo povo que, embora pecador, é-Lhe fiel e tem-Lhe sincero amor. Louvando-A, Deus é louvado por  meio d’Ela, com um louvor infinitamente maior do que os que nós poderíamos dar-Lhe sozinhos; e, venerando-A publicamente, alcançamos os Seus favores, colocamo-nos sob o Seu olhar e a Sua proteção, sem os quais – nunca é demais repetir – nada somos, nada podemos.

O Virgo, Flos Carmeli,
ora pro nobis!

Desçamos às Catacumbas

Ontem, eu comuniquei aqui que não haveria mais a celebração da Santa Missa em sua Forma Extraordinária na paróquia da Imbiribeira. Hoje, gostaria de tecer algumas considerações sobre o ocorrido. Exclusivamente pessoais.

Eu não saberia dizer ao certo quando foi, exatamente, que nasceu o meu apreço pela Liturgia Tradicional da Igreja; ele veio pari passu com a redescoberta, na minha juventude, do catolicismo da minha infância. Não havia então “missa tridentina” em Recife. Isso era em meados de 2002, ou 2003. O meu primeiro contacto com a Liturgia da Igreja anterior à Reforma Litúrgica foi em 2005, em outra cidade.

A Missa na Forma Extraordinária começou a ser celebrada em Recife um pouco antes da entrada em vigor do Summorum Pontificum, por indulto do Metropolita anterior, Dom José Cardoso Sobrinho. De lá para cá, o grupo de fiéis que, desta Missa, hauria as graças necessárias para bem viver a sua vida cristã foi crescendo cada vez mais. De modo que, hoje, sentimo-nos um pouco órfãos. É grande, aliás, o sentimento de injustiça sofrida – que, como católicos, queremos colocar aos pés do Calvário para, junto com os de Cristo, serem oferecidos a Deus Pai propter peccata nostra. Nada fizemos e, disso, Deus é testemunha.

Nada fizemos! Só queremos ser católicos e usufruir de um direito que nos é concedido inclusive por iniciativa papal. Não se compreende que mal pode haver nisso. Nós compreendemos que, nesta Missa pela qual temos um particularíssimo apreço, os santos foram forjados ao longo de séculos de Cristianismo. N’Ela, encontramos com particular clareza expressos os dogmas fundamentais da nossa Santa Religião. N’Ela, aprendemos a ser católicos melhores e, n’Ela, encontramos a melhor resposta para as nossas necessidades particulares, que não são outras diferentes das de uma alma que não deseja senão aproximar-se cada vez mais e melhor do Deus Onipotente.

O fim desta celebração que, por mais de três anos, atendeu semanalmente a um grupo de cerca de uma centena de fiéis, apresenta-se portanto como um grave problema pastoral. Há católicos nesta Arquidiocese de Olinda e Recife que, por motivos plenamente legítimos, sentem-se de modo particular ligados à antiga Tradição Litúrgica da Igreja – que será feito deles? Principalmente nos dias de hoje, onde fala-se tanto em “unidade na diversidade”  e em reconstruir a unidade anunciando o Reino… não haverá espaço para a diversidade – querida pelo Papa! – na celebração do Augusto Sacrifício do Altar sob as duas formas do Rito Romano?

Sim, é um desabafo. Porque a perda que sofremos é particularmente grande e dolorosa. Sentimo-nos (impossível não comparar) como se fôssemos obrigados a descer às Catacumbas, para podermos participar da celebração do Sacrifício do Corpo de Deus que, na superfície, é perseguido. Mas a nossa esperança está em Deus e, o nosso auxílio, no nome d’Aquele que fez os Céus e a Terra. A perda – assim esperamos – é temporária. Que venha o Senhor em nosso auxílio, e que nos socorra sem demora. Sem nenhuma demora.

“Eu odeio o nordeste”

Hoje, choveu – forte – em Recife. Impossível não lembrar da tragédia ocorrida há apenas duas semanas, das enchentes em algumas cidades do interior de Pernambuco e de Alagoas, cujos efeitos ainda se fazem sentir até hoje (e, aliás, sem dúvidas permanecerão por muito tempo). O Nordeste não se recuperou ainda – nem mesmo materialmente – da cheia cuja imagem está ainda bem nítida na memória.

E, também hoje, eu soube da comunidade do Orkut que estava “declara[ndo] ódio às vítimas das enchentes do Nordeste”. Completa falta de respeito e até mesmo da sensibilidade mais elementar, sem nenhuma sombra de dúvidas. Fiquei, no entanto, impressionado com as proporções que a coisa tomou.

No site do Diário de Pernambuco tem uma imagem da comunidade. A “Eu odeio nordestino” tem o incrível número de… 264 membros! Não sei se todos os que me lêem têm noção do que significa o número, em proporções do Orkut: é praticamente nada, de uma irrelevância absurda. Procurei-a agora: é esta aqui. O topic polêmico que ganhou as manchetes Brasil afora foi deletado, mas a comunidade ainda está lá. E, em um outro topic, um dos moderadores da comunidade resolveu desabafar:

Se o ministerio publico quiser eu apareço…

em pessoa… nao tenho medo de nada e nem devo nada a ninguem

eu e os demais membros dessa comunidade somos cidadaos de bem
que pagamos nossos impostos e estamos inconformados com a situaçao de nossa cidade… que piora a cada dia que passa com favelas, mendigos defecando no meio da rua, aumento dos crimes, gente sem educaçao que impoe sua cultura

nos somos oprimidos em nossa propria terra

e nao podemos falar nada que fazem todo esse escandalo

existem comunidades que odeia paulista , sulista, argentino.. e etc

porque nao podemos fazer o mesmo ?? sera que os nordestinos sao superiores ??

e nota…
que materiazinha mais estupida essa do uol… aqui tem enchente direto
e os nordestinos sempre tiram sarro da gente e nos nao podemos falar nada ??

santa ipocresia

Sinceramente? Está-se dando muita atenção a um semi-analfabeto, e fazendo muito estardalhaço em cima de bravatas de internet. É óbvio que as coisas originalmente faladas foram simplesmente cretinas, de uma completa falta de respeito, de educação e de uma série de outras coisas que são necessárias a uma vida minimamente civilizada. Mas eu acho, sempre achei e, provavelmente, sempre vou continuar achando desproporcional a parafernália de “racismo”, “polícia federal”, “crime inafiançável”, “ministério público”, “atentado à democracia” e coisas do tipo para este tipo de delito. Obviamente são completos idiotas os autores dos comentários que tanta revolta provocaram Brasil afora; mas se a primeira pessoa de bom senso a topar com o topic o tivesse simplesmente denunciado ao Orkut ao invés de conferir visibilidade nacional a uma comunidade de míseras duas centenas de membros, acho que as coisas teriam sido mais fáceis e menos traumáticas.

Agora, as ofensas de meia dúzia de gatos pingados que, em situações normais, nunca iriam ultrapassar as fronteiras da própria “panelinha” de preconceituosos de internet, foram veiculadas por todo o território nacional. Por acaso valeu a pena?

Em tempo: SOS Pernambuco ainda está valendo. Como eu disse no início do post, hoje choveu em Recife. Que Deus tenha misericórdia de nós.

Laranja madura na beira da estrada…

“Quais as cores da bandeira holandesa?” – perguntava eu antes do jogo começar. “Vermelho, azul e branco” – alguém me dizia. “E por que, então, o laranja?!” – perguntei, triunfante.

Nem misturando as cores dava o laranja! Mas alguém sabia a resposta. “Pelo mesmo motivo que a Itália, tendo a bandeira vermelha, branco e verde, é Azzurra” – disseram-me. E a resposta: “porque a cor da coroa holandesa era laranja, como a cor da coroa italiana era azul” [p.s.: ver a família de Orange, como bem lembrou aqui o João de Barros].

De todos os países que já tiveram algum dia uma monarquia, parece ser o Brasil o que menos se importa com as suas raízes históricas [p.s.: apesar de que – como lembrou o Glauco – o Brasil mantém o losango amarelo sobre o verde da Bandeira Imperial]. A Holanda mantém o laranja real. E os hereges protestantes (hoje quiçá o país onde o ateísmo lançou mais fortes raízes na Europa) eliminaram o maior país católico do mundo. Tristeza.

Fosse aqui, nos Guararapes, os hereges teriam sido mais uma vez expulsos, ad majorem Dei Gloriam. Mas o Brasil esqueceu-se de sua história, desgraçadamente. E não honrou a memória dos seus antepassados que deram o próprio sangue para que os holandeses voltassem para casa. Hoje, é a seleção brasileira que volta para casa. Sem ter chegado nem às Quatro maiores do mundo.

Brasil 1 x 2 Holanda. Não, não digo “valeu Brasil”, porque não seria sincero. Não valeu, Brasil. Lamentavelmente, não valeu.

Como (não) cantaria o sambista brasileiro: “laranja madura… na beira da estrada… não tá bichada, Zé, mas tem marimbondo no pé!” E os marimbondos – ou melhor, um só, que tem por nome Sneijder – acabaram com a festa brasileira. É triste. Mas é a vida.

Mas a vida continua. Avante! E, se o mundo não acabar antes, que venha 2014!