Alguns filmes en passant

[Atenção! Contém spoilers!]

Efeito borboleta 3, no cinema. Não assisti o segundo (e, também, me disseram que não era tão legal assim), mas gosto da idéia “fatalista” expressa na série: em resumo, “quanto mais mexe, mais fede”. Ou melhor: só adianta agir no presente porque, no passado, o que está feito, feito está. Esta “filosofia de vida” se aproveita do filme (que, a propósito, contém cenas de sexo e de violência bem desnecessárias).

Mas o final é um pouco perturbador. No início do filme, o protagonista conversa com o velho professor sobre se não impedir que alguém seja morto é a mesma coisa que matar este alguém. O professor diz que não, mas o personagem principal acrescenta que é parecido. No entanto, ao final do filme, voltando no tempo até o incêndio de onde ele havia salvo a sua irmã, desta vez ele não apenas não a salva como, positivamente, segura a porta para “garantir” que ela não se salve sozinha. Impediu o surgimento de uma Serial Killer com oito crimes nas costas, mas a que preço? Neste ponto, a moral católica distancia-se da de Hollywood: na verdade, os fins não justificam os meios.

* * *

Inimigos Públicos, no cinema. A história prende a atenção e Johnny Depp é um ator de talento, mas a quê se propõe o filme? Meu lado Poliana pode dizer que a “moral da história” é a célebre “o crime não compensa” (pois o bandido morre no final, jovem, deixando viúva a mulher amada, sem usufruir do seu enriquecimento ilícito, etc), mas alguma coisa sempre me incomodou em se fazer dos criminosos os protagonistas simpáticos das tramas. O estilo “Robin Hood” (aliás, também presente no – este, vale muito menos a pena – Bandidas que passou segunda-feira na Globo, no Catch me if you can, etc) sempre me pareceu ser expediente esquerdista de apologia à luta de classes.

Divago? Mas filmes assim, que pintam romanticamente o criminoso e fazem o espectador quase “torcer por ele” na cadeira do cinema, prestar-se-ão realmente a ensinar que o crime não compensa? Não valeria a pena morrer jovem, como o Johnny Depp, se for para ser herói? E este “Inimigos Públicos” tem um detalhe interessante, porque o gangster se tornou conhecido (e querido) por assaltar os bancos, mas não os clientes. Preserva os indivíduos e ataca a impessoal figura do “Banco”. E assim é muito mais fácil angariar a simpatia para o lado que tem um rosto e uma voz: é a inversão da moral utilizando-se de técnicas que pressupõem [corretamente] uma visão sensata da realidade, de individualidade e coletividade.

* * *

Ele não está tão a fim de você, em DVD. Um besteirol que pinta de maneira muito feia os relacionamentos humanos, tanto que chega a ser deprimente: as piadas não conseguem equilibrar.

Uma mulher casada, um marido adúltero; o indivíduo foi “forçado a casar” e tem um caso com outra garota. A mulher descobre, e perdoa; mas pede o divórcio quando descobre… que o marido estava fumando. Trair pode, fumar, não, é imperdoável. Qualquer futilidade serve para acabar com um casamento.

Muitos casamentos que de nada valem, e o “melhor marido” do filme é… um cara que esta amancebado com a garota há sete anos porque não acredita no casamento! Mesmo, no final, ele pedindo a sua mão (porque quer fazê-la feliz), a felicidade do único casamento feliz da história independe completamente do matrimônio. A instituição falida só “funciona” para quem não acredita nela. Terrível.

A outra garota, a dos “relacionamentos virtuais”, disse em meados do filme uma frase que me fez rir por ser verdadeira: “se eu quero ficar mais atraente para o sexo oposto, eu não corto o cabelo: eu atualizo o meu perfil”. É verdade, hoje em dia é verdade. E que espécie de mundo é possível construir se os relacionamentos “reais” são tão frustrantes e, os virtuais, tão… ausentes de realidade? Triste retrato dos dias modernos, onde a gente ri para não ter que chorar…

Novo Arcebispo de Olinda e Recife

O báculo de Dom Vital
Dom Fernando Saburido ergue o báculo de Dom Vital

Ontem foi a cerimônia de posse de S.E.R. Dom Fernando Saburido, novo Arcebispo de Olinda e Recife, que teve lugar na Igreja da Madre de Deus, no Recife Antigo. Após a cerimônia, Sua Excelência celebrou, na praça do Marco Zero, a sua primeira missa.

Fui a ambas as cerimônias. Na Igreja da Madre de Deus eu teoricamente não poderia entrar, porque estava reservada para o clero, os convidados pessoais do novo Arcebispo e… a imprensa. Mas com a recente decisão do STF de acabar com a exigibilidade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, bom, eu sou imprensa… Entrei com o Gustavo Souza – que já escreveu no seu blog sobre as cerimônias de ontem, leiam – e me pus a observar.

A igreja é bonita, foi restaurada recentemente. Não chega a ser uma basílica, mas tampouco é uma capela: no entanto, ficou lotada ontem. Todo o clero recifense – o que deveria estar lá e o que, teoricamente, também não deveria, mas enfim… -, membros do clero de Sobral (antiga diocese de Dom Fernando), bispos de vários lugares do país. O colégio dos consultores da Arquidiocese esperava à porta. Chegou Dom José Cardoso, chegou Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico e, por fim, chegou Dom Fernando Saburido, e o cortejo entrou na igreja.

A cerimônia seguiu normalmente: os epíscopos ajoelharam-se diante do altar-mor da igreja, Dom José pronunciou as suas palavras de despedida, foi feita a leitura da bula de nomeação (em latim e depois em português), Dom Lorenzo fez o seu pronunciamento; então, o Núncio e o Arcebispo Emérito entregaram o báculo ao novo Arcebispo. O báculo de Dom Vital, honra e glória da igreja de Olinda, Servo de Deus, cujo processo de canonização tramita no Vaticano: que o jovem frei possa interceder pelo seu sucessor na Sé de Olinda. Dom Fernando foi então conduzido à cátedra pelo Núncio, enquanto a igreja inteira entoava o Veni Creator Spiritus: Domine, exaudi nos.

Eu estava quase em cima do presbitério a esta altura, ansioso por não perder nada da cerimônia; foi quando os bispos da Regional Nordeste II formaram um cortejo para saudar o novo Arcebispo. Fui bater uma foto (o lado esquerdo da igreja, onde eu estava, era reservado às autoridades civis e militares; o outro lado, o direito, aos bispos), mas terminei por ficar na frente do excelentíssimo governador do Estado, Eduardo Campos. Um dos responsáveis pela organização veio reclamar que eu estava na frente do governador; tive vontade de retrucar que eu era tão filho de Deus quanto ele (e, ainda, nunca tinha apoiado a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas, mas cala-te boca…) e estava obviamente muito mais interessado na cerimônia do que o excelentíssimo. Mas achei melhor ficar calado. “Quem é esse, o que está fazendo aqui?”, ouvi perguntarem; “sei não, manda sair”, ouvi responderem. Saí da frente do governador do Estado, mas não de próximo ao altar onde eu estava. Ainda havia coisas que eu queria acompanhar.

Como o discurso (cliquem para baixar) do reverendíssimo Monsenhor Edvaldo da Silva, até a nomeação de Dom Fernando Saburido Vigário-Geral desta arquidiocese, que falou em nome do clero arquidiocesano. Também falaram o presidente da Regional Nordeste II, o secretário da CNBB, o Arcebispo de Fortaleza, o Governador do Ceará, o Governador de Pernambuco (em cuja frente eu fiquei), etc. Neste momento, sinto um cheiro de enxofre vindo da porta da igreja. Julgando que já tinha acompanhado o que era importante acompanhar, saí da Madre de Deus para ver o que acontecia do lado de fora.

Um enorme “boneco de Olinda” – aqueles bonecos gigantes, típicos do carnaval – de Dom Hélder Câmara, e o povo gritando algumas coisas que não consegui identificar. Lembrei-me imediatamente das igrejas medievais; quando estive na Europa, um sacerdote explicou-nos que as gárgulas que ornam as paredes externas das catedrais são demônios, e o significado é que os demônios ficam fora da igreja – dentro dela, só há imagens de santos. Ontem, os demônios guincharam, mas ficaram fora da igreja da Madre de Deus. No meio da multidão ensandecida, alguns cartazes ofensivos e/ou toscos que eu já havia visto antes: “Dom Fernando, voz dos negros, pobres e oprimidos”. “Dom Fernando, o dom do amor pelos humildes. Dom José, o dom da perseguição, graças a Deus esse dia chegou…”. “Vamos reconstruir a unidade anunciando o Reino – confiamos neste anúncio. Grupo de leigos católicos Igreja Nova”. “A esperança do povo voltou”. Tenho as fotos. Mas havia também os cartazes de apoio a Dom José Cardoso Sobrinho: o povo [verdadeiramente] católico desta Arquidiocese vai ter trabalho. E dom Fernando Saburido vai ter muito trabalho. Que seja em seu favor a Virgem Soberana.

Ao final, houve ainda a missa campal, o Marco Zero repleto de gente, na festa da assunção da Virgem Santíssima e na posse do novo Arcebispo de Olinda e Recife. A primeira homilia de Dom Fernando Saburido; só comentando en passant, eu bem que gostaria de ter ouvido o que ouvi em uma outra primeira homilia de um outro Fernando, mas o mundo não é sempre como a gente gostaria que fosse. Rezemos, rezemos, rezemos sem cessar, por Olinda e Recife, por esta Sé “caríssima” ao Santo Padre – como ele disse na bula de nomeação -, a fim de que, aqui, Nosso Senhor seja sempre glorificado. Que Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Recife, olhe com particular cuidado por nós. Abaixo, algumas fotos das cerimônias.

O bêbado e a igreja

Não assisti a Santa Missa hoje às onze horas; lá chegando, fui avisado que não haveria missa porque o pároco estava doente. Na igreja, algumas pessoas entravam para rezar; pedi à Virgem Santíssima, Salus Infirmorum, que olhasse com particular cuidado pela saúde do reverendíssimo sacerdote.

Dia dos pais, almoço em família, domingo corrido; só às sete horas da noite foi que pude assistir missa aqui perto de casa. Tenho o grave defeito de esquecer com excessiva leviandade as más experiências do passado; sempre que vou à referida missa, arrependo-me amargamente. Não que a Liturgia em si seja tão mal celebrada, não que o sacerdote seja um fervoroso adepto da Teologia da Libertação nem nada disso; o problema é que, uma vez que se toma consciência da grandeza da Santa Missa, sofre-se em demasia com pequenas coisas que, em outras épocas, passariam despercebidas. Minha excessiva sensibilidade faz com que nem todos os ambientes propiciem-me a piedade necessária para a assistência frutuosa do Santo Sacrifício. É doloroso, mas é assim que sou.

Incomoda-me o excessivo número de acólitos (e acólitas…) no altar, a música do violão em ritmo dançante, a homilia demasiado longa e cansativa, a feira na qual se transforma a igreja na hora da Pax Domini; e, ao final de tudo isso, o absurdo tempo gasto entre a postcommunio e a bênção final clama aos Céus vingança!

Avisos – tudo bem. Prestação de contas do mês anterior – fora de lugar, mas vá lá. Homenagem pelo dia dos pais – aceite-se. Mas a homenagem tinha que ser um sorteio de lembrancinhas entre os pais presentes, cinco ou seis prêmios, com o padre chamando os números lá do altar e os felizardos, desleixadamente, subindo o presbitério – sob uma chuva de aplausos – para receber o seu brinde? Após todos os sorteios (uns bons dez minutos), uma senhora subiu ao ambão para recitar uma homenagem aos pais. Após, o violeiro começou a fazer a sua própria homenagem: “esses seus cabelos brancos – bonitos; esse seu olhar cansado – profundo”… Engraçado: neste exato momento, uma senhora – de cabelos brancos bonitos e olhar mais cansado do que o normal com a demora da bênção final – levantou-se e saiu da igreja…

Enquanto a música tocava, aconteceu algo espetacular: um bêbado andrajoso entrou na igreja. O cheiro de cachaça era perceptível à distância. Molhou o dedo na água benta, fez uma demorada genuflexão (era notório o esforço despendido neste movimento) e um sinal da cruz lutando contra a ausência de coordenação motora. Levantou-se, apoiando-se no chão, voltou à porta da igreja e fez mais uma genuflexão antes de sair. Algumas pessoas olhavam para ele em tom de censura; eu, ao contrário, olhava-o admirado.

Devem ter percebido, porque não chegaram junto de mim para fazer nenhum comentário depreciativo. A resposta estava na ponta da língua: o bêbado era mais santo do que a maior parte dos que lá estavam (eu próprio, reclamando interiormente pela maçante sucessão de homenagens, em primeiro lugar desta lista): no meio da bagunça mundana dos sorteios e músicas profanas, o bêbado viu que estava na casa de Deus. Enquanto algumas pessoas passavam displicentemente de um lado a outro do altar, o bêbado fazia uma genuflexão profunda (e, no caso dele, o movimento era particularmente difícil!). Enquanto as pessoas conversavam e murmuravam, ele rezava. Quando todos pareciam esquecer o lugar onde se encontravam e o evento que presenciavam, o bêbado entrou na igreja para lembrá-los diante de Quem estavam e como deveriam se portar. Deu o melhor exemplo católico da noite! E não era o Evangelho do dia, mas me veio inevitavelmente à memória: “os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus” (Mt 21, 31b)…

Colégio Nossa Senhora do Carmo

Eu estudei até os meus 14 anos no Colégio Nossa Senhora do Carmo, que fica no centro da cidade. Colégio religioso, pequeno, administrado pelas irmãs beneditinas missionárias, um pouco ofuscado pelo imponente Salesiano que ficava logo à esquina; foi lá, contudo, que passei praticamente a minha infância inteira.

Não devo minha formação religiosa a ele; apesar de ser um colégio católico, recordo-me de ter tido aula de “educação sexual”, ao mesmo tempo em que não me recordo das aulas de religião. Forçando a memória, o máximo que consigo lembrar é a minha antiga professora de religião falando sobre a Campanha da Fraternidade – que estava “belíssima” e cujo tema era “Os Excluídos” – para uma turma de sexta série nos idos de 1996.

Lembro-me também das minhas aulas de preparação para a Primeira Eucaristia, que fiz lá; não me lembro de ter aprendido heresias, graças a Deus, embora o curso preparatório não propiciasse um ardor eucarístico às crianças que iriam receber Nosso Senhor pela primeira vez. Como o que é necessário para que as crianças possam se aproximar da Sagrada Eucaristia é somente que elas saibam diferenciar o Pão Eucarístico do pão comum, fico tranqüilo, porque isso eu tenho certeza que sabia fazer aos 11 anos.

E lembrei-me ontem, na festa de Nossa Senhora do Carmo, do meu antigo colégio, e lembrei-me do hino que à época eu achava tão feio. Hoje (nem sei se ele ainda é ensinado) eu o vejo como um resquício de “catolicismo militante” – eu sei que é pleonasmo, mas infelizmente hoje em dia é preciso contrapô-lo à contradição “católico não-praticante” – transmitido aos alunos do colégio. Sob o patrocínio da Virgem do Carmelo / Trilhemos com alegria a vida estudantil; / Irradiando a Deus na Pátria e na Família, / heróicos a lutar pela glória do Brasil! É perfeitamente possível – e aliás até provável – que haja alguns erros neste hino da forma como me lembro; afinal, são mais de dez anos. Mas os versos são esses, à exceção talvez de uma ou outra palavra ou de uma posição trocada.

Avante! A luz do saber nos ilumine; / arautos da Verdade / procuremos ser! / Com a Virgem do Carmelo, nossa padroeira, / nos combates pelo bem / havemos de vencer! – era o estribilho. Lembro-me de não fazer então a mínima idéia do que seria um “arauto da Verdade”, mas eu ligava a expressão, até inconscientemente, aos “combates pelo bem” que haveríamos de vencer. Lembro-me de não ter muito claro o alcance do significado de irradiar “a Deus na Pátria e na Família”; mas nestes tempos de laicismo feroz que vivemos, tais versos soam-me hoje quase proféticos. Lembro-me também de mais dois versos aos quais eu bem gostaria que os anjos dissessem “amém”, cuja estrofe completa infelizmente eu não consigo lembrar: e nesta terra a Fé jamais se apagará, / Fé que foi legada ao país de Santa Cruz.

Belos versos, sem dúvidas. Bem que poderiam formar uma oração, que seria bem adequada aos dias de hoje; é uma pena eu não ter sido um aluno mais diligente, e não ter aprendido direito o hino do colégio. É à proteção da Virgem do Carmo, no entanto, que recorro; que Ela, tendo-me acompanhado desde a mais  tenra infância sem que eu tivesse consciência disso, possa estar comigo todos os dias da minha vida, e lembre-se – a despeito dos meus muitos pecados – de rogar por mim ao Seu Divino Filho.

* * *

Enquanto eu me lembrava disso, ontem, festa de Nossa Senhora do Carmo e comemoração do centenário da proclamação da Virgem do Carmelo como padroeira de Recife, Dom José Cardoso era ovacionado pelo povo católico. “Nesse momento era difícil identificar qualquer impopularidade do líder religioso, considerado uma figura polêmica por seus posicionamentos”. Claro; porque a “polêmica” só existe para quem não é católico, e quem não é católico não vai à festa pública em honra da Virgem Mãe de Deus.

Osservatore e Harry Potter

Eu tinha visto a chamada no blog do Gustavo ontem, mas não prestei a devida atenção à notícia; saiu também no Ecclesia Una. Parece que, na véspera do lançamento do sexto filme da saga de Harry Potter – Harry Potter e o enigma do Príncipe -, L’Osservatore Romano publicou um comentário sobre o filme.

Achei estranho. Tanto no Exsurge, Domine! quanto no Ecclesia Una eu tive a forte impressão de que o artigo publicado pelo jornal oficioso da Santa Sé era crítico ao novo blockbuster. No entanto, encontrei hoje uma notícia dizendo terem sido “necessários seis filmes para que Harry Potter tivesse a ‘bênção’ do papa”, e que – segundo o Vaticano – Harry Potter 6 é o melhor da série.

Às fontes: La magia non è più un gioco sorprendente é o título da reportagem do Osservatore Romano. Necessário avisar que, daqui em diante, este texto contém spoilers – não quero ser responsável por mais uma tragédia bizarra como a que li ainda há pouco, quando um sujeito se matou após saber antes da hora o que aconteceria com o “bruxinho” no longa metragem.

A impressão que passa é que a TV Canal 13 só leu o que queria do artigo do jornal do Vaticano. O elogio de “melhor da série” não pode ser citado sem, ao mesmo tempo e por uma questão de justiça, citar igualmente que Harry Potter é [i]nsomma una saga diseducativa e persino anticristiana. Pretendo escrever algumas linhas mais detalhadas sobre o bruxo inglês em breve; mas, por enquanto, há umas linhas publicadas em italiano com as quais eu, absolutamente, não posso concordar.

Sem dúvidas que [s]i può dire che, cresciuti i personaggi – adolescenti alle soglie dell’età adulta – è cresciuto anche il tono della narrazione; mas isso não faz, de nenhuma maneira, com que sembra ben chiara la linea di demarcazione tra chi opera il bene e chi compie il male. A menos que haja uma total discrepância entre a película e o livro no qual ela se inspira, isso simplesmente não é verdade. Não assisti o filme, mas li o livro (todos, na ordem, à exceção do último); e o crescimento do tom da narrativa é no sentido de Harry Potter e seus amigos fazerem cada vez mais coisas erradas e moralmente inaceitáveis. Fica cada vez mais nebulosa a fronteira de demarcação entre o bem e o mal, porque a “turma do bem” da trama – o protagonista e seus amigos – faz cada vez mais “coisas do mal”.

N’O Príncipe Mestiço, Hermione “azara” o sujeito que fazia teste para ser goleiro da Grifinória, fazendo com que ele perca o lugar para Rony, amigo dela; Harry passa o livro inteiro “colando” nas aulas de poções, usando as anotações de um livro velho que encontrou para – nas palavras de Hermione – conseguir uma reputação de preparador de poções que ele não merecia; aprende Arte das Trevas com o mesmo livro, e usa-a tranqüilamente (na primeira vez, foi acidental; mas, na caverna com os Inferi e tentando impedir Snape de fugir de Hogwarts, é deliberado); induz um professor a se embriagar, para arrancar dele uma informação que ele não queria dar; et cetera. Aliás, ver Harry Potter usando ou tentando usar Maldições Imperdoáveis (já no quinto livro ele usa a Maldição Cruciatus contra uma Comensal da Morte e, neste sexto, ele tenta usá-la contra Snape) é contemplar o tipo de moral pagã que emana das histórias de J. K. Rowling: os fins parecem – eloqüentemente – justificar os meios.

As coisas precisam ser colocadas em seu devido lugar. Se há coisas boas que podem ser retiradas dos livros da série (em particular, a interpretação do Osservatore sobre a imortalidade de Voldemort e una impossibile eterna felicità sulla terra é originalíssima), é necessário avisar aos navegantes das coisas más que deles podem advir. E, claro, também não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que os livros têm o contrário daquilo que têm. Se há uma distinção muito clara entre Harry Potter e Voldemort, é a óbvia de que o primeiro é o “mocinho” e, o segundo, o “vilão”. Mas, no pano de fundo deste patente contraste, existe muita coisa que não é nada simples, e não existe nenhuma linea chiara que distinga, dentre as atitudes do jovem protagonista, quais são aceitáveis e quais não o são. Isso precisa ficar bem claro para quem vai ler o livro, assistir os filmes, ou – principalmente – permiti-los como diversão para seus filhos.

Comentários sobre a Ecclesiae Unitatem

Já era esperado há bastante tempo que o Papa unisse a Comissão Ecclesia Dei à Congregação Para a Doutrina da Fé; desde pelo menos o decreto que levantava as excomunhões dos bispos da FSSPX sagrados por D. Marcel Lefèbvre. Na verdade, era o caminho mais imediato a ser seguido; após o motu proprio Summorum Pontificum e a remissão das excomunhões, os dois fins precípuos da Comissão (regulamentar a celebração da Santa Missa segundo o missal anterior à Reforma Litúrgica e facilitar o regresso à Igreja de todos os católicos que estavam “ligados de diversos modos à Fraternidade fundada por Mons Lefebvre, que desejem permanecer unidos ao Sucessor de Pedro na Igreja Católica” – Ecclesia Dei, 5) já haviam “passado à alçada” da Igreja Universal, de modo que a integração da Ecclesia Dei a um dos dicastérios da Cúria era natural.

O Ecclesiae Unitatem foi assinado no dia 02 de julho de 2009, curiosamente no mesmo dia em que havia sido assinada a Ecclesia Dei: esta é de 02 de julho de 1988. No aniversário de vinte e um anos da Comissão, ela recebe o presente de estar agora subordinada ao Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – atualmente, o cardeal William Levada. É bastante trabalho; rezemos para que o eminentíssimo purpurado o consiga conduzir com a diligência que é necessária.

Qual o conteúdo do motu proprio? É interessante: primeiro, uma reafirmação da primazia do Papa, “que é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, seja dos bispos, seja dos fiéis” (EU 1), para a manutenção da unidade da Igreja. Depois, uma retrospectiva: “o Arcebispo Marcel Lefebvre (…) conferiu ilicitamente a ordenação episcopal a quatro sacerdotes” e “o Papa João Paulo II, de venerada memória, instituiu, em 2 de julho de 1988, a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei” (EU 2), “[eu] quis ampliar e atualizar, com o Motu Proprio Summorum Pontificum, as indicações gerais já contidas no Motu Proprio Ecclesia Dei” (EU 3), “[eu] quis remitir a excomunhão dos quatro bispos ordenados ilicitamente por Mons. Lefebvre”, mas “as questões de doutrina, obviamente, permanecem, e até que sejam esclarecidas, a Fraternidade não tem um estatuto canônico na Igreja e seus ministros não podem exercitar de modo legítimo qualquer ministério” (EU 4).

Perceba-se: D. Lefevbre conferiu ilicitamente a sagração, o Papa levantou a excomunhão dos bispos ordenados ilicitamente por D. Lefevbvre, e os sacerdotes da FSSPX não podem exercitar de modo legítimo qualquer ministério. A insistência do Santo Padre neste assunto chega a parecer desnecessária. Será resposta às teorias rad-trads sobre a anulação das excomunhões? Será para sossegar o ânimo dos modernistas que vêem um “retrocesso” na proximidade entre a FSSPX e a Santa Sé? Não sei, mas a ênfase dada à ilicitude quer das ordenações de 1988, quer dos demais sacramentos ministrados pela Fraternidade desde então (incluindo as ordenações recentes, após o levantamento das excomunhões), é de uma clareza que chega a ser incomum.

Depois, existe a definição da estrutura da Ecclesia Dei, que é bastante simples e o Santo Padre resume em três pontos:

a) O Presidente da Comissão é o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

b) A Comissão tem um próprio quadro orgânico composto de Secretário e oficiais.

c) Será competência do Presidente, assistido pelo Secretário, apresentar os principais casos e questões de caráter doutrinário ao estudo e discernimento das instâncias ordinárias da Congregação para a Doutrina da Fé, e também apresentar os resultados às disposições superiores do Sumo Pontífice.

Bastante simples, sem dúvidas. Todo o preâmbulo do motu proprio, antes de chegar a esta reformulação que é, afinal, o cerne do documento, poderia ter sido escrito de maneira mais sucinta. Mas o Santo Padre fez questão de reservar mais de 2/3 do documento para repetir a história que já conhecemos e reafirmar a ilicitude das ordenações de 1988. Parece que ele faz questão de dizer que o problema é grave, e é fundamental que todos o entendamos perfeitamente, porque não podemos nos dar ao luxo de gastar energia com caricaturas neste momento crítico que atravessa a Igreja.

Termina o Papa Bento XVI com um pedido: Estendo a todos um apelo urgente para rezar ao Senhor sem cessar, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, “ut unum sint”. Sim, rezemos, aos pés da Virgem Santíssima, pro unitate Ecclesiae. Que Ela alcance de Seu Divino Filho esta graça portentosa e tão necessária aos dias que hoje atravessa a Barca de Pedro.

Sucessão em Recife – a [cretina] repercussão

Diário de Pernambuco:

Dom Fernando fala ao Diario já como subsituto de Dom José.

Padres repercutem a volta de Dom Saburido para a Arquidiocese de Olinda e Recife.

Leia a carta de Dom Saburido a Dom José Cardoso [documentação].

Dom José divulga nota sobre anúncio de Dom Fernando Saburido [documentação].

Jornal do Commercio:

Nomeado o novo arcebispo da arquidiocese de Olinda e Recife.

Saburido vai suceder um homem forjado na disciplina e obediência.

Minha frase pra Dom José é já vai tarde, diz ex-pároco de Água Fria.

Brasil afora:

Papa destitui bispo de PE que puniu vítima de estupro.

Meus comentários

Era relativamente esperado. Vários nomes foram cogitados ao longo deste ano; falou-se em Dom Orani, em Dom Fernando Guimarães, em Dom Stringhini, em Dom Saburido. O bispo nomeado, natural do Cabo de Santo Agostinho e que já foi auxiliar da Arquidiocese, era realmente a possibilidade mais concreta.

O que posso falar sobre Dom Saburido? Não muita coisa, infelizmente. Não me recordo do tempo em que ele esteve auxiliando Dom José Cardoso. Também não sei como ele estava governando a Igreja em Sobral. Só posso manifestar os meus desejos e as minhas orações; fazendo minhas as palavras de Dom José Cardoso [na nota acima linkada], que Dom Fernando Saburido possa continuar “a anunciar o evangel[h]o de Jesus Cristo, com fidelidade e perseverança, colaborando com os irmãos no episcopado e em plena comunhão com o Vigário de Cristo na Terra”. E, no brinde a Sua Excelência feito à hora do almoço com um amigo, que ele tenha uma vida longa e santa. Mais santa do que longa, como convém a um bispo católico.

Sobre a sabotagem da mídia, era também mais do que esperado. É óbvio que não dá para dar crédito a tudo, porque a mídia odeia Dom José Cardoso e não perde a oportunidade de denegrir-lhe a imagem e semear a cizânia no seio da Igreja. Não há dúvida alguma de que, naquilo que a grande mídia puder fazer para afastar a imagem de Dom José Cardoso da de seu sucessor, ela vai se empenhar. Importa oferecer resistência; se houver alguma ruptura no governo desta Arquidiocese, ela não será provocada pelo Quarto Poder.

Quanto a nós, estamos com um misto de alívio e de apreensão. Não tínhamos – e bem o sabíamos – muitas opções, como comentei aqui há alguns meses. Precisamos de orações, para que Recife não mude do vinho para o vinagre, para que o trabalho de uma vida de Dom José Cardoso Sobrinho possa encontrar um sucessor à altura. Que a Virgem Santíssima, Auxilium Christianorum, olhe por S. E. R. Dom Fernando Saburido. Que o Deus Altíssimo tenha misericórdia dos fiés desta Igreja Particular que – a duras penas! – esforçamo-nos por ser fiéis a Ele.

Nascimento de São João Batista

Celebrando o nascimento de S. João Baptista, a Igreja festeja a aurora da Redenção; seis meses antes do Natal, o nascimento do Precursor anuncia o mistério da Incarnação e participa da sua grandeza. Na Idade Média era considerado como que uma espécie de Natal do verão, com três missas como o Natal; a liturgia realça a afinidade das duas festas: basta ler a secreta e a póscomunhão, bem como a antífona do Magnificat das 2as vésperas.

«Profeta do Altíssimo», S. João Baptista é figurado por Isaías e Jeremias. Como eles e melhor do que eles, foi santificado desde o ventre de sua mãe, em virtude da missão que o esperava (intróito, epístola, gradual). O Evangelho recorda os prodígios que assinalaram o seu nascimento: este devia ser causa de grande alegria para muitos: ainda hoje o é, e a Igreja convida todos os anos os fiéis a pedir a Deus, com a graça das alegrias sobrenaturais, a de sermos sempre guiados pelo caminho da eterna salvação (colecta).

O nome de S. João Baptista vem no cânon da missa, à cabeça da segunda lista.

[Missal Romano Quotidiano Latim-Português, por Dom Gaspar Lefebvre e os monges beneditinos de S. André, Bruges-Bélgica. p. 1126]

DE VENTRE matris meae vocavit me Dominus nómine meo: et posuit os meum ut gladium acutum: sub tegumento manus suae protexit me, et posuit me quasi sagittam electam. Ps. Bonum est confiteri Domino: et psallere nomini tuo, Altissime. V. Gloria Patri.

[Introitus da missa de hoje]

São João Batista foi santificado no ventre de sua mãe Santa Isabel – quando a saudação da Virgem Santíssima chegou-lhe aos ouvidos. Este é o primeiro milagre da Virgem Maria registrado nos Evangelhos: garantir que São João pudesse mais tarde merecer de Nosso Senhor aquele grandioso elogio, segundo o qual “entre os nascidos de mulher não há maior que João” (Lc 7, 28a).

Ora, não foi também Nosso Senhor nascido de mulher? Como pode, então, ser verdade que não há maior do que João entre os nascidos de mulher? A segunda parte do versículo ajuda a esclarecer: “Entretanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7, 28b). Nosso Senhor pertence ao Reino de Deus desde toda a Eternidade e, por conseguinte, é maior do que ele. E assim explica Santo Ambrósio:

Preparó el camino al Señor no sólo cuando iba a nacer según la carne, naciendo antes que El y siendo su precursor, sino también precediéndolo en su gloriosa pasión. Por lo que sigue: “Que preparará tu camino delante de ti”. Pero si Jesucristo es profeta, ¿cómo puede decirse que San Juan es el mayor de los profetas? Fue el más grande entre los nacidos de mujer no virgen. Fue mayor que todos éstos, con quienes pudo igualarse en el modo de nacer. Por lo que sigue: “Por tanto, yo os digo, que entre los nacidos de mujeres, no hay mayor profeta, que Juan el Bautista”.

[in Catena Aurea]

E explica também Isidoro abad (não sei se é Santo Isidoro de Sevilha, ou algum outro que eu não conheça): “También puede decirse que San Juan es el mayor entre los nacidos de mujer, porque ya profetizó desde el vientre de su madre y, cuando todavía estaba en tinieblas, no desconoció la luz que ya había venido”. E isso mais uma vez remete à cena da Visitação que contemplamos todos os dias no Santo Rosário: “Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (Lc 1, 44). São João Batista é o maior dos profetas porque profetizou no ventre de Santa Isabel, reconheceu a voz da Mãe de Deus, reconheceu a Luz que havia refulgido nas Trevas quando todo o mundo ainda era Trevas. Quando ainda nem podia falar, já dava testemunho de Nosso Senhor.

E quanto à Virgem Santíssima? Seria por acaso Ela menor do que São João Batista? Decerto que não. Primeiro, porque também Ela pertence ao Reino dos Céus desde a Sua Imaculada Conceição [e, por eleição do Altíssimo, desde toda a Eternidade]; Maria Santíssima foi santificada no ventre da mãe, ainda antes de São João Batista. E, segundo, porque o efeito não pode ser maior do que a sua causa. E quem fez São João Batista profetizar no ventre da sua mãe e reconhecer a Luz que viera ao mundo – quem fez com que São João Batista fosse o maior dentre os nascidos de mulher – foi justamente Maria Santíssima, cuja voz chegou aos ouvidos de Santa Isabel e realizou o primeiro milagre do Novo Testamento: “a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1, 41).

É este milagre que faz com que possamos celebrar a festa de hoje; único santo da Igreja (como já disse aqui) cuja festa é celebrada no dia do seu nascimento e não no da sua morte. Todos os santos nasceram pecadores e tornaram-se santos ao longo de suas vidas; São João Batista teve o singular privilégio – graças à Visitação de Maria Santíssima – de já nascer Filho de Deus. Que ele possa interceder por nós; e que nós possamos escutar a sua voz, a fim de endireitarmos as nossas veredas e bem nos prepararmos para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sancte Ioannes Baptista,
Ora pro nobis!

São João, Luiz Gonzaga, Catolicismo

fogueira-sao-joao

A fogueira tá queimando
em homenagem a São João…
O forró já começou,
vamo gente, arrasta-pé neste salão.

Que se danem os ecologistas chatos: eu defendo as fogueiras de São João. Aliás, eu gosto da festa de São João como um todo, que possui raízes muito fortes aqui no Nordeste. Gosto das tradições juninas, que são tradições católicas em grande parte. As três maiores festas que ocorrem no mês de junho, são todas em homenagem a santos católicos: Santo Antônio, São João e São Pedro.

Já escrevi aqui no ano passado sobre as tradições juninas, e os motivos pelos quais eu acho que elas devem ser defendidas e propagadas. Sobre as fogueiras, por exemplo, toda criança aprende (ou, pelo menos, aprendia…), com ligeiras variantes, que a fogueira foi acesa por Santa Isabel para avisar à Virgem Maria (ou para avisar aos vizinhos) que nascera São João Batista, num tempo em que não havia telefone. Não sei o quanto de verdade tem nesta história, mas o fato inconteste é que as fogueiras – ainda hoje! – queimam em homenagem a São João, como canta a música. Às vezes, eu penso nas velas acesas aos santos, e penso que algumas festas são tão grandes que exigem mais do que velas: então, são acesas fogueiras, grandes velas que lembram a luz da Fé Católica a iluminar a escuridão da noite do mundo sem Deus. As ruas se transformam em grandes velários, onde cada casa faz questão de depositar a sua homenagem a São João Batista, onde cada família acende a sua fogueira.

Claro, existe a parte deplorável da festa, e hoje em dia mais do que antigamente, porque o forró moderno está infinitamente além, em matéria de imoralidade, das tradicionais canções de Luiz Gonzaga que ainda tocam e das quais eu gosto. Não que o forró pé-de-serra seja a coisa mais casta e pura do mundo, mas não há comparação entre ele e as músicas que tocam hoje em dia, manchando as festas juninas.

Não sei se é verdade que Luiz Gonzaga era maçom, mas sei que há a sua composição católica. É óbvio que não são tratados teológicos nem catecismos musicados, mas é uma espécie de música secular que… não existe nos dias de hoje! Como na música Rainha do Mundo, onde o pernambucano canta Senhora Rainha do Mundo / Rogai por nós desta terra varonil / Agora e na hora de lutar pelo Brasil. Ou na Ave Maria Sertaneja, onde se diz Quando batem as seis horas / de joelhos sobre o chão / O sertanejo reza / a sua oração / Ave Maria / Mãe de Deus Jesus / Nos dê força e coragem / Pra carregar a nossa cruz. Ou na simpática Padre Sertanejo, onde o sanfoneiro canta Quando o jipe lá em cima aportou / no arraiá do meu sertão / a moçada lá em baixo gritou / Chegou o padre, vai ter procissão. / Seu vigário chegou muito alegre, / veio de Brejo da Madre’ Deus. / Deus lhe pague, seu vigário, / estão alegres os filhos seus. Ouvi-lo cantar ao Papa João XXIII e à Eucaristia é chorar de tristeza, porque a composição é infinitamente mais católica do que a média das homilias que ouvimos hoje em dia:

Cantador desse Nordeste
Afinei o meu bordão
Eu agora vou fazer
Uma bonita louvação
Ao velhinho lá de Roma
Ao bondoso Papa João

[…]

Que ama Nosso Senhor
E se alimenta do pão
Que mata a fome de todos
Até dos sem precisão
E não se assa no forno
E nem conhece balcão

Água, luz e alimento
De todos sem exceção
Mata a sede da pobreza
Atravessa a escuridão
Alenta toda a tristeza
Acaba com a escravidão

Este tipo de música simplesmente não encontra lugar nas festas juninas dos dias de hoje. No entanto, ainda ardem fogueiras. E elas ainda queimam – por mais que isso esteja esquecido – em homenagem a São João. Que São João Batista, santificado ainda no ventre materno e, por isso, único santo cuja festa se celebra no dia do seu nascimento ao invés de no da morte, possa olhar para a homenagem que lhe faz o povo brasileiro e interceder por nós.

Ofensas à honra

Gostaria de opiniões sobre uns assuntos que vinha discutindo com uns amigos à hora do almoço.

Os crimes contra a honra estão tipificados no Capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal, e consistem basicamente nos crimes de injúria, calúnia e difamação. Eu creio entender mais ou menos a diferença entre os três tipos (mas, óbvio, aceito correções): a calúnia ocorre quando o fato injustamente imputado é crime; a difamação, quando ele não é crime, mas é ofensivo; e, a injúria, quando se atribui uma qualidade ofensiva e não um fato. Assim, coisas como “humilhação”, “constrangimento público” e congêneres não estão tipificadas; é isto mesmo?

O teor da nossa conversa, basicamente, pode ser resumido no seguinte: se é razoável postular que a Justiça pode ser invocada e intervir para restabelecer a desordem introduzida por ofensa, digamos, “moral” que provoque constrangimento público injusto a alguém. Acho que não consigo me expressar com a precisão exigida, e por isso prefiro dar exemplos: alguém debochar de fulano porque fulano tem algum defeito físico [é careca, narigudo, manco, etc], alguém zombar de uma menina porque ela é feia [“Oi, tem telefone? Tenho… Então vende e faz uma plástica!”], alguém fazer piada sobre a roupa, o penteado, a barba ou quaisquer adereços de sicrano… enfim, qualquer coisa que possa provocar constrangimento, humilhação, vexame para um indivíduo.

Do ponto de vista Moral, parece-me claro que ninguém pode agredir uma outra pessoa, salvo no caso de se ter um bem proporcionado em vista. Do ponto de vista do Direito Natural, eu tenho dúvidas sobre se é razoável postular que a Justiça deva intervir em xingamentos e discussões, salvo o caso de prejuízo objetivo e certo à pessoa (p.ex., se fulano é acusado injustamente de um crime). Do ponto de vista da Justiça Brasileira, eu não faço idéia de como as coisas funcionem.

Eu, particularmente, acho (sem pensar muito no assunto) que melindres subjetivos não deveriam ser passíveis de processos judiciais – mas confesso ser difícil estabelecer o limite entre a ofensa objetiva e o “sentimento” do ofendido -, e que da própria honra deve, via de regra, cuidar cada um – embora reconheça também que às vezes isso é difícil e quiçá impossível. Não me parece fácil achar uma solução genérica para o problema. O que vocês pensam sobre o assunto?