Boa morte

Assistimos todos os dias à morte de muitos, celebramos os seus enterros e funerais e, no entanto, continuamos a prometer-nos longos anos de vida – Santo Agostinho [?]

Os santos estavam certos. Lembro-me de que, quando eu era pequeno, tinha muito medo de morrer; queria uma morte bem rápida e indolor, um acidente, um infarto fulminante, um tiro na cabeça, qualquer coisa que me fizesse morrer rápido o suficiente para não ter tempo de perceber que estava morrendo. Lembro-me também de que, quando tive contato pela primeira vez com os escritos dos santos, estranhei sobremaneira o tipo de morte que era louvado e até pedido como uma graça: em casa, na cama, com a família em redor, após ter bastante tempo para se preparar. E eu não conseguia entender.

Mas hoje, eu entendo um pouco melhor. A morte é um momento decisivo de nossas vidas, é o momento do “tudo ou nada”, é quando saberemos se valeu a pena todos os anos que passamos nesta terra. Um momento desejado, pois é o nosso encontro com o Senhor de nossas vidas, mas ao mesmo tempo um momento temido, devido às enormes culpas que acumulamos ao longo da nossa peregrinação terrestre. O momento em que cai o pano e, nos bastidores, saberemos se fomos dignos de aplausos ou de vaias. E, por tudo isso, o momento da morte é importante demais para que não pensemos nele.

Preparar-nos para morrer, que trabalho da mais alta importância! A frase em epígrafe (se alguém souber a referência correcta, por favor me avise) ilustra muito bem a negligência que as mais das vezes temos em executar esta grave obrigação. Não sabemos quando há de chegar a nossa morte e – agora eu entendo os escritos dos santos – não sabemos se vamos ter tempo para nos preparar. Insensatez minha, na infância, quando desejava uma morte rápida e inconsciente! Deus, dai-me sempre consciência de que hei de morrer um dia, e não sei quando será este dia terrível.

Domingo, presenciei um acidente de trânsito horrível, quase na minha frente. Um carro – dirigido por uma jovem senhorita – bateu numa moto com dois passageiros. Os dois voaram longe; ao ouvir o barulho (ainda cheguei a ver um dos motoqueiros sendo arremessado à distância), corri para ver se alguém se tinha machucado. Tinha. Um dos dois motoqueiros – não sei se o motorista ou o “carona” – havia batido violentamente num poste. Perto das três horas da tarde, entre pedir para que as pessoas se afastassem, não tocassem nos acidentados, ligassem depressa para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, vi o acidentado mais grave. Ele não sangrava: jorrava sangue aos borbotões, pela boca, pelo nariz, a cada respiração forçada, que depressa formou uma grande poça. As pessoas amontoavam-se ao redor, e eu, angustiado, vendo o sujeito nitidamente morrer, sem poder fazer absolutamente nada. O SAMU não chegou a tempo: veio uma caminhonete da polícia, pegaram o acidentado como um saco – provavelmente já morto -, colocaram-no na parte de trás e o levaram.

Coisa bem diferente é ver um morto e uma pessoa morrendo! Um morto é uma tragédia, mas è finito, andiamo; uma pessoa morrendo é uma angústia, é um desejo enorme de se fazer alguma coisa e uma tremenda frustração diante da própria impotência. E isso me fez lembrar os escritos dos santos: queira Deus nos conceder a graça de uma boa morte, de uma morte preparada! Porque morrer acidentado na rua, numa tarde de domingo, sangrando como um animal, sob os olhares de dezenas de transeuntes curiosos (é sangue mesmo, não é mertiolate…), sem um amigo que lhe apóie, sem um padre para lhe dar a absolvição, é uma coisa muito, muito triste. Que a Virgem Maria olhe com benevolência para aquele acidentado.

E que Deus nos livre de todas as tragédias, e nos conceda a graça de prepararmo-nos bem para morrer. Uma boa morte é coisa fundamental, e infelizmente não poucas vezes negligenciada.

Nossa Senhora da Boa Morte,
rogai por nós!

Uma mesa cheia de crianças

http://it.youtube.com/watch?v=cKCRHhmHvjg

Sua tataravó teve catorze filhos; sua bisavó teve quase o mesmo número; para sua avó, três foram o bastante; e sua mãe não queria nem você, você foi somente um acidente. E você, minha garota, você vai de parceiro em parceiro, e quando você comete algum engano, escapa dele por meio do aborto. Mas algumas manhãs você acorda chorando depois de ter sonhado à noite com uma grande mesa arrodeada de crianças.

Ontem, tendo saído com alguns amigos, nada melhor do que devaneios em mesas de bar. Entre uma cerveja e um cigarro; falávamos sobre a sociedade atual, sobre o feminismo, sobre o valor da mulher, da pureza, da castidade, da virgindade, sobre a libertação sexual, sobre o Cristianismo. Falávamos, enfim, sobre a vida.

Um amigo economista nos mostrava como o feminismo, através da pretensa defesa das mulheres, tem contribuído para tornar a vida delas um verdadeiro pesadelo. Falávamos de diversas coisas; da fertilidade das mulheres (que é muito mais sensível ao tempo do que a masculina), da óbvia diminuição populacional em países cujos cidadãos “inteligentes” e “superiores” tinham poucos filhos, das óbvias conseqüências desastrosas desta regressão populacional, da suposta luta de classes entre os homens e as mulheres… enfim, sobre diversas coisas. Daria para escrever um livro, como sugerimos, brincando, em certo momento da noite. Dentre todas essas coisas que foram faladas, contudo, gostaria de escrever um pouco aqui sobre a crueldade que o feminismo faz sobre as mulheres.

Em particular, por meio da imposição de uma espécie de “ditadura da beleza”! Oras, se a revolução sexual segue o caminho absurdo de, ao invés de valorizar a pureza femina, valorizar a promiscuidade universal, quem é que sai perdendo nesta história? As mulheres, sem dúvidas. Porque se a sexualidade é livre e se a satisfação sexual é o parâmetro que mede a felicidade, e se é necessário ter mais e mais parceiros (como a menina da canção em epígrafe), então o tempo, que tem efeitos terríveis sobre as mulheres, vai inevitavelmente transformar a felicidade da juventude em frustração na idade adulta. Se as mulheres precisam “disputar” entre si para conseguir parceiros sexuais, a disputa pode ser justa dentro da faixa etária da juventude. Sempre há, entretanto, meninas jovens, e as mulheres, conforme envelhecem, vão precisar disputar com as novas gerações que vêm surgindo – o que, sem dúvidas, não é uma disputa justa. A abundância de pretendentes, a beleza física da flor da juventude, a sensação de ser desejada… tudo é palha e vira pó com o passar dos anos. E então vem a frustração.

Como canta Tom Zé: “A Brigitte Bardot está ficando velha, / envelheceu antes dos nossos sonhos. / Coitada da Brigitte Bardot,  / que era uma moça bonita, / mas ela mesma não podia ser um sonho / para nunca envelhecer”. E como conversávamos ontem: se não for para a edificação da família que estiver ordenada a faculdade sexual, a frustração é inevitável. E, para as mulheres, é ainda mais doloroso, porque a maternidade está profundamente inscrita em cada mulher. Isto significa que precisamos resgatar alguns valores perdidos; valores como castidade, pureza, virgindade. Valores como família, como filhos.

A Ditadura da Beleza joga as mulheres numa guerra sem vitória possível. Porque o tempo é destruidor certo de toda a beleza da juventude; e as novas gerações são concorrentes de peso, contra as quais as mulheres mais velhas têm pouca ou nenhuma chance. Não adianta buscar a beleza e os atrativos do corpo; importa buscar os filhos e a construção da família, única satisfação realmente duradoura. Dizia o meu amigo economista que a mãe dele estava com setenta e não sei quantos anos, e a cada ano que passava, mais bonita ela ficava para ele. Em compensação, as “velhas solteironas” que nunca quiseram formar uma família para aproveitar a sua “liberdade sexual”, muito antes do que gostariam viram a sua liberdade ser destruída por causa dos efeitos do tempo. E, quando se percebe isso, via de regra é tarde demais; famílias só se constroem na juventude.

Contra a Ditadura da Beleza ergue-se como defensor das mulheres o Cristianismo, e em particular o Matrimônio Indissolúvel. Sim, porque a mulher sabe não ter condições de competir com outras mulheres indefinidamente; a Doutrina Católica vai dizer, todavia, que o marido dela, não importa o que aconteça, não importa quantas “concorrentes” apareçam, tem obrigação de estar com ela até que a morte os separe. A indissolubilidade matrimonial vai dizer que o marido deve se importar com a sua mulher e não com nenhuma outra. O que mais uma mulher quer? Que segurança maior que essa a mulher poderia esperar? Porque – vale salientar – o divórcio é extremamente injusto para com as mulheres. Afinal, após vinte anos de casados, quem tem mais chance de conseguir “construir uma nova família” pós-divórcio, o homem ou a mulher perto da menopausa?

É sobre a família que tudo deve estar construído. E o vídeo acima mostra como os valores se foram perdendo com o passar do tempo – como a terra que cai pelo caminho conforme é passada de geração em geração -, e urge recuperá-los. Como a mulher que só quer “curtir” a sua juventude, de parceiro em parceiro, abortando quando necessário. Mas, de vez em quando, ela acorda chorando, porque percebe haver alguma coisa dentro dela a lhe dizer que esta vida não tem futuro. Esta mulher é bem representativa das mulheres que encontramos na nossa sociedade, hoje em dia. Estão enganadas, mas podem ser recuperadas. Porque, no fundo, no fundo, esta mulher do vídeo – como toda mulher! – sonha com uma mesa cheia de crianças.

p.s.: a virtual totalidade das idéias acima expostas são devidas a Valter Romeiro, o meu amigo economista citado, a quem não posso deixar de agradecer.

O nascimento dos filhos de Deus

Ontem à noite, fui a um batizado de adultos. Primeira vez que vi uma celebração completa; nas outras oportunidades que tive, sempre era o rito reduzido ao essencial, com pouco mais ou menos cerimônias acessórias. Ontem à noite, não; tudo foi feito com a maior riqueza de símbolos e ritos. E quão eloqüentes são os símbolos do Rito do Batismo!

No início: todo mundo para a porta da Igreja. Pro lado de fora. Os catecúmenos estão fora da Igreja, e é pelo Batismo que eles ingressam n’Ela como por uma porta. Diversas perguntas, sobre o nome dos candidatos, se eles meditaram bem sobre a decisão que estão prestes a tomar, etc. Enfim, as perguntas mais conhecidas:

– Que pedes à Igreja de Deus?
– A Fé.
– E o que te dá a Fé?
– A Vida Eterna.

As pessoas, portanto, batizam-se (como o padre frisou explicitamente depois, durante a exortação) para serem salvas. Não estão cumprindo uma agenda social, não estão diante de uma mera formalidade, não estão escolhendo com indiferença um caminho de vida que poderia ser qualquer outro, nada disso. Estão se batizando porque se querem salvar, querem a Vida Eterna, e para ter esta é necessário ter Fé e, portanto, os catecúmenos vêm pedir à Igreja de Deus – à Única Igreja de Deus – a Fé Católica e Apostólica. Sem a qual é impossível agradar a Deus.

Ainda à porta da Igreja, dirige-se o padre aos padrinhos. Pergunta-lhes se julgam ser dignos os candidatos ao Batismo. Mais um sinal de que a Igreja não é a “terra-de-ninguém” onde cada um faz o que bem quiser e está tudo por isso mesmo: são os padrinhos que apresentam os seus afilhados, são os padrinhos que dão testemunho dele: julgo que é digno. Depois, portanto, de terem os catecúmenos pedido a Fé e terem os padrinhos atestado que eles são dignos de adentrarem na Igreja, o padre os convida a entrar. Não para o batistério, ainda, mas para o interior da igreja. Onde vão ouvir algumas leituras das Escrituras Sagradas.

Após o Evangelho, uma breve exortação: pode ser resumida em “estais aqui porque quereis ser salvos”. Os catecúmenos não são chamados de “irmãos”, e sim de “amigos”, já que eles não são ainda filhos de Deus. Daqui a pouco, na pia batismal, mortos com Cristo, aí sim, receberão a filiação divina e os poderemos chamar “irmãos” – irmãos na Fé. É esta Fé que eles buscam, é a comunhão com a Igreja e com Cristo, é a filiação divina que eles desejam. Para obtê-la, precisarão morrer com Cristo, nas águas do Batismo, sobre as quais a Igreja, então, já pediu o Espírito Santo.

Diversos símbolos se sucedem. O Batismo perdoa os pecados, e então os catecúmenos, de joelhos, pedem perdão a Deus por suas faltas. São ungidos com óleo no peito e, então, são proferidos sobre eles os exorcismos – o Batismo os arranca da escravidão do pecado e os liberta do poder de Satanás. Recebém a Bíblia Sagrada e, enfim, já podem se dirigir à Pia Batismal na entrada da Igreja.

Para viverdes na liberdade dos Filhos de Deus, renunciai ao Pecado? Renuncio! Ressoam na pequena Igreja as promessas batismais. Imediatamente após, a solene profissão de Fé, com perguntas e respostas – credes em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra? Creio! Após, o Batismo propriamente dito, a parte essencial do Sacramento: qual o teu nome? Quer ser batizado? Fulano, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém. Os padrinhos, segurando-lhe os ombros. Até aqui eles o acompanham, e se comprometem a acompanhá-lo pelo resto da vida – da nova vida que acaba de ser iniciada. As velas são acesas pelos padrinhos e entregues aos recém-batizados – não mais catecúmenos! -, que já são irmãos nossos, já são filhos de Deus. Encerrou-se a celebração, e a Igreja em festa acolhe os Seus novos membros, Seus novos filhos; pois só os filhos da Igreja são os verdadeiros filhos de Deus.

Quando Saramago chorou…

Fui assistir ontem ao Ensaio sobre a Cegueira. Terminei no início da semana de reler o livro homônimo que inspirou o filme. Talvez eu não tenha sensibilidade cinematográfica alguma, mas fiquei bastante impressionado com a discrepância que existe entre uma obra e outra! Não encontrei Saramago na película; reconheci, sim, um monte de cenas cuja leitura recente ainda estava bem nítida na minha memória, passando com uma velocidade vertiginosa na sala escura, não raro incompreensíveis para quem está assistindo ao filme sem ter lido o livro e, em todos os casos, menos impressionantes – muito menos! – do que elas quando postas no papel.

Para dizer porque – na minha opinião – Saramago não está no filme, eu preciso voltar um pouco e dizer como é que Saramago está no livro. O escritor português (que tem até um blog) é ateu convicto e, no meu entender, o Ensaio é um grande tratado de irreligião, ou de anti-religião. O quadro apocalíptico apresentado pelo escritor ao longo da leitura perturbadora é um grande “experimento” que o português se permite fazer com a humanidade. Para começo de conversa, os personagens não têm nome; são esterótipos, são amostras, são cobaias. São genéricos, universais. Parece uma parábola, diz um cego no meio do romance (Saramago, José; “Ensaio sobre a Cegueira”, Companhia das Letras, 11ª reimpressão, 1999. p. 129. Doravante, as páginas citadas são desta referência) – uma parábola onde a cegueira é, na verdade, súbita iluminação.

Afinal, por que esta cegueira é branca, ao invés de negra? Por que é luz? Por que é luminosa? A idéia é repetida diversas vezes ao longo do livro (Como uma luz que se apaga, Mais como uma luz que se acende, p.22; a cegueira não era viver banalmente rodeado de trevas, mas no interior de uma glória luminosa, p. 94; tinham uma luz dentro das cabeças, tão forte que as cegara, p. 240; eles diluem-se na luz que os rodeia, é a luz que não os deixa ver, p. 260; etc), parecendo assim indicar qual o sentido da parábola: a cegueira é um instrumento utilizado para apresentar o homem tal e qual ele é (só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são, p. 128), é um bisturi manejado pelo narrador para pôr a descoberto a essência humana. Que, no livro, não tem nada de bonita (a luz e a brancura, ali, cheiravam mal, p. 96-97).

O longo circo de horrores, roubos, fome, violência, execuções sumárias, estupros e tudo o mais são, portanto, o homem posto a descoberto, trazido à luz, à luz da cegueira branca: quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos, p. 243. Se é verdade que há esperança no livro, personificada principalmente pela mulher do médico que nunca perde a visão, ela é insignificante ante a magnitude do horror: ela está sozinha, diante de um mundo de cegos, e é completamente incapaz de deter a marcha inexorável deste mundo rumo à barbárie.

Não consigo tirar da cabeça uma outra impressão de que tenho, um outro aspecto da cegueira de Saramago, que parece deixar entrever uma crítica mais áspera à religião. Há estes dois aspectos dos cegos, sem dúvida alguma: ao mesmo tempo em que a cegueira permite aos cegos verem a realidade humana tal e qual ela é, eles são de facto cegos e, por conseguinte, não vêem. A cegueira é, como já disse, uma espécie de “iluminação espiritual atéia”; mas parece-me que a metáfora se aplica também à – na opinião de Saramago – cegueira dos que têm Fé. Afinal, não é ela “luz”, “iluminação”, etc? Não são estas palavras que os religiosos aplicam à visão sobrenatural? Jogando com uma “dupla metáfora”, o escritor português parece querer dizer isso: a cegueira sob o aspecto físico é metáfora dos que têm a Luz da Fé, ao mesmo tempo em que a cegueira sob o aspecto metafórico – da “iluminação” que lhes permite ver a essência humana – é a anti-Fé, a anti-Esperança, a anti-Caridade (o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, p. 135). Os que têm Fé são cegos; se vissem realmente, se fossem iluminados, veriam que o mundo é mau, radicalmente mau, intrinsecamente mau; em suma, que Deus não merece ver, p. 302. Ao longo do livro, os cegos de Saramago ora vêem, ora não vêem – penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem, p. 310 – comportando-se como metáforas, ora da cegueira da religião, ora da iluminação anti-religiosa. O narrador evidencia ora o fato de que estão cegos, ora o fato de que vêem as coisas como elas são: ora a Fé, ora a Descrença. Por um lado, a Luz provoca cegueira e, por outro, somente a cegueira permite ver.

A Descrença, a cegueira vista sob o aspecto iluminativo, é mais clara na obra. No entanto, a Fé, a contrapartida, a iluminação vista sob o aspecto de provocar cegueira, parece-me particularmente clara nas últimas frases do livro, quando a mulher do médico olha para o céu: A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava, p. 310. A mulher levantou os olhos para o céu, para o Céu, e teve a impressão de estar cega: abaixou os olhos, olhou para a cidade, para o Mundo, e viu que ainda via. A cegueira branca confunde-se com olhar para o céu, com ter os olhos fitos no Alto, de modo que foi necessário à mulher “baixar os olhos”, afastá-los do Céu, afastar-se da Fé, para ver.

No filme, entretanto, nada disso é facilmente perceptível. Primeiro, porque as cenas passam muito depressa, não deixando que o espectador tenha fôlego para pensar sobre o que está vendo (no livro, ao contrário, são as digressões feitas pelo narrador que constituem a melhor parte da narrativa); segundo, porque a trilha sonora é extremamente irritante, com musiquinhas alegres e lúdicas até mesmo nas piores cenas, aliviando-as bastante e dando-lhes um ar de “descontração” que, em absoluto, não existe no livro – o livro é tenso. Terceiro, porque nenhuma cena do filme consegue causar o mesmo impacto que no livro. As piores, como o estupro das mulheres, os cães devorando um cadáver, a igreja com as imagens vendadas, não conseguiram transmitir para a película o horror e o desconforto que elas provocam nos longos parágrafos de Saramago. Até um aspecto que perpassa o livro inteiro – a sujeira – é minimizado no filme: algumas manchas, papéis voando, e é tudo. No livro, quase se sente o mau cheiro.

Tudo isso fez com que o filme pudesse ser interpretado às avessas do livro, como notou e comentou um amigo meu quando o assistiu. Uma das primeiras cenas vistas no cinema mostra a mulher do médico perguntando o que é agnosia – uma doença, que o oftalmologista imagina poder explicar a cegueira súbita – e se tem alguma coisa a ver com agnosticismo, com ignorância, com descrença. A agnosia existe no livro, mas a sua ligação com o agnosticismo, não; é característica exclusiva da película. E então, subitamente, eis o tratado anti-religioso convertido em forte apologia da Fé: em um mundo de agnósticos, em um mundo onde todos fossem privados da Luz da Fé, a degradação moral é inevitável, como é inevitável para os cegos transformarem-se em animais. E então surgem as imagens das grandes tragédias da humanidade, dos milhões de mortos do comunismo e do nazismo, da degradação moral de nossos dias que só se agrava quanto mais as pessoas são “cegas” por não terem Deus, porque são descrentes.

E o tiro, então, sai pela culatra, e o ensaio anti-religião transforma-se em clara evidência do abismo onde se cai quando não se tem religião. Saramago chorou ao ver o filme; na minha opinião, não chorou por ter-se comovido, nem de alegria, como disse. Ao contrário, chorou por sentir-se traído, chorou de decepção ao ver no filme exatamente o contrário do que havia escrito.

Ô, ô, seu moço, do disco voador…

Ontem foi um dia estranho. Às seis horas da noite – hora do Angelus -, quando eu já estava saindo do trabalho, uma última olhada no blog revelou-me uma coisa inusitada: o Deus lo Vult! tinha emplacado um post no TOP-10 do WordPress (estava à nona posição hoje de manhã). Ao primeiro impulso de alegria pela alta posição ocupada pelo blog, sobreveio no entanto a frustração quando vi que o post que havia “emplacado” era o que falava sobre os ETs da “Federação da Luz” de ontem.

Um comentário superficial sobre uma história manifestamente absurda e ridícula: eis o que o número de acessos dos internautas elegeu como assunto da mais alta importância! E não foi um fenômeno isolado, porque grande parte dos top-posts, ainda hoje, estão falando sobre a [cancelada] visita dos ETs da sra. Goodchild ao planeta Terra. Dos ETs, ninguém sabe, ninguém viu; tirando alguns fakes na blogosfera (alguns até agora na lista dos Best Of The Day), nada digno de menção aconteceu ontem.

Resultado da brincadeira: mais da metade dos visitantes deste BLOG, ontem, foram pessoas completamente alheias à sua proposta. É muita gente. E fico aqui pensando… o que será que isso significa? Será que há mais pessoas interessadas em ETs e notícias sensacionalistas nonsense do que em coisas (no meu entender) mais sérias como Cristo e a Igreja? Será que ETs são mais interessantes do que os temas que costumam aparecer por aqui? Será que eu deveria fechar o Deus lo Vult! e começar a escrever sobre ufologia? Será que o TOP-10 não significa absolutamente nada? Será que muitas pessoas estão com tempo sobrando para gastar com futilidades? Será que as pessoas são crédulas o suficiente para acreditar em tudo o que lêem?

O meu maior problema atual, no entanto, é o que fazer com as estatísticas bagunçadas pelo surto ufológico de ontem! Culpa dos ETs…

Gado de matadouro

O Brasil é um país violento. Em praticamente qualquer lugar, sair de casa é estar com a terrível sombra da criminalidade pairando sobre nossas cabeças, qual ave de rapina procurando a sua presa. Ninguém parece fazer nada para solucionar o problema. Contudo, repetem-nos o tempo inteiro, como se fosse um novo mandamento dos tempos modernos: não reagirás.

O discurso é impressionantemente uniforme. “Em hipótese alguma tente reagir”, diz a VEJA. “Jamais reaja”, diz o site “Tudo sobre Segurança”. “[O] cidadão comum (…) não deve reagir à voz de assalto do criminoso”, diz uma reportagem d’O Globo. “A principal dica é nunca reagir”, tem até num site português!

Contudo, há quase duas semanas, uma garota sofreu uma tentativa de estupro aqui em Recife. Não seguiu o discurso das autoridades públicas. “Ele disse que ia me estuprar e depois me matar. Como ele ia me matar de todo jeito, o meu raciocínio foi que eu poderia até morrer, mas não iria deixar ele me estuprar. Foi aí que decidi. Reagi e comecei a brigar com ele”. E está viva, e bem, graças a Deus.

Incomoda-me que ninguém procure resolver o problema, e que tentem convencer todas as pessoas a serem gado de matadouro. A impressão passada é a de que as autoridades julgam ser possível até conviver com a criminalidade, mas jamais com uma vítima fatal da sua negligência. Como se a política de “minimizar os danos” servisse tão-somente para impedir as pessoas de verem com clareza e incompetência da segurança pública nacional.

O egoísmo e a prática do bem

Desço para fumar um cigarro. A televisão está ligada. Uma entrada ao vivo de um plantão jornalístico chama-me a atenção (não, não tem nada a ver com os ETs de hoje); trata-se de um caso (até meia hora atrás, pelo menos) ainda em curso de um sujeito de Santo André que está mantendo, desde ontem, duas adolescentes reféns em sua casa. O motivo? Decepção amorosa; uma das meninas (tem quinze anos) é ex-namorada dele (que tem 22 anos).

Vinte e dois anos! Por causa do fim de um relacionamento, trocou as palavras doces dos apaixonados pelas ameaças sob a mira de um revólver. E eu cá, com meus botões, não consigo deixar de pensar que é preciso ter sido uma criança muito mimada – acostumada sempre a ter tudo – para fazer semelhante insensatez. Por causa de uma menina! O jovem Werther pode dizer o que quiser, mas não vai mudar os fatos: há uma clara hierarquia de valores na realidade, e a “paixão” não está no ponto mais alto dela.

Por causa do fim de um namoro! Alguém pode dizer que este sujeito é um “egoísta” que “só pensa em si”; não é de todo falso, mas também não é de todo verdade. Na verdade, se esse sujeito pensasse o suficiente em si, não faria uma besteira dessas. Se ele pensasse o suficiente em si, perceberia que está se prejudicando com esta atitude insana. Se ele pensasse bastante em si, deixaria de fazer a sua vida orbitar em torno desta menina, por mais que ela lhe fosse cara.

Raul Seixas, evidentemente, não é referência em matéria espiritual, mas ele de certa maneira percebeu este paradoxo do Cristianismo (embora não o tenha conseguido resolver completamente) em uma música chamada “Carpinteiro do Universo”. Há uma frase que sintetiza perfeitamente isto sobre o que estamos falando: “o meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar”. Na visão do rockeiro baiano, então, fazer o bem às outras pessoas é a atitude mais coerente para quem pensa demasiado em si mesmo, porque ajudar é bom também para quem ajuda. Platão disse a mesma coisa por outras palavras quando, pela boca de Sócrates (acho que é n’A República), disse que “se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade”. Isso tudo não deixa de ser verdade, embora só aborde um dos lados da questão; mas só este lado já seria suficiente para impedir a tragédia em Santo André.

Qual o problema, então? Acaso as pessoas são pouco egoístas, é isso? Na minha opinião, não. Primeiro, porque ajudar ao próximo não é egoísmo simpliciter (falo sobre isso mais abaixo); segundo, porque existe a – chamemo-la desta vez assim – “desordem no egoísmo”, que é (na minha opinião) o que deveria ser chamado egoísmo propriamente. Porque egoísmo – aqui está o ponto da questão não contemplado por gregos e baianos – não é somente pensar em si, mas pensar em si da maneira errada. Todo mundo está obrigado a pensar em si, e a própria Doutrina Católica o afirma, quando diz que todo mundo está obrigado a cuidar da salvação da própria alma. Mas também é verdade que ninguém pode ser egoísta. As duas afirmações, portanto, seriam contraditórias se o egoísmo fosse simplesmente uma preocupação consigo mesmo. Acontece que não há nenhuma contradição.

O homem deve atribuir a si próprio a importância que ele tem: nem mais, nem menos. Da mesma forma como a humildade não é a “virtude” por meio da qual uma pessoa bonita se olha no espelho e diz que é feia, ou um homem inteligente diz para si próprio que é burro, o egoísmo não é pensar demasiadamente em si, e sim pensar desordenadamente em si. Faz toda a diferença. O rapaz de Santo André, se ele pensasse muito em si, mas pensasse atribuindo os valores corretos às variáveis envolvidas, não ia fazer a loucura que está fazendo. O problema não é o “egoísmo” entendido como auto-preocupação, e sim como desordem na atribuição de valores à realidade.

Esta desordem pode até fazer com que alguém, num caso concreto, busque de maneira egoísta o prazer que se sente ao ajudar às demais pessoas; mas – e aqui a caridade afasta-se da (bem ou mal intencionada) mera filantropia -, se permanece o vício radical [a desordem na apreciação dos bens], cedo ou tarde todo o castelo de aparências irá ruir. Somente pensando em si próprio, e pensando corretamente, é possível seguir caminhando; pois a Cruz sem Cristo é simplesmente masoquismo, e a teoria do “egoísmo egoísta” de Raul Seixas só funcionaria plenamente em um mundo de masoquistas (que, evidentemente, não é o mundo real). Só a Doutrina Católica é capaz de mover o mundo; a Cidade de Deus é construída pelo amor a Deus até o desprezo de si, e não sobre o amor a si até o desprezo de si. Porque, via de regra, o amor a si “sozinho” leva somente ao desprezo de Deus, e não ao desprezo de si. Amar a Deus e ao próximo por amor a Deus (e o “primeiro próximo” de cada um de nós somos nós mesmos), eis a fórmula da caridade, eis o mandamento deixado por Jesus, eis a única força capaz de mudar o mundo.

P.S.: Conclusão do arrazoado: se não estiver radicada em Cristo (ou ao menos no “desejo implícito de Deus” para os casos de Ignorância Invencível), toda filantropia é egoísmo; caso esteja, é caridade, e tertium non datur. Não é verdade, portanto, que o egoísmo gere ou mesmo que possa gerar a caridade; duas realidades mais antagônicas não pode haver.

Os ETs de 14 de outubro

Descobri por acaso que os dois primeiros posts em português do “Top Posts from around WordPress.com” referem-se a um fato iminente: vai ocorrer amanhã. O post que encabeça a lista dos TOPs é do dia 18 de setembro, e intitula-se “OVNI em 14 de outubro de 2008”; não tem absolutamente nada, só um vídeo do youtube. E, neste vídeo de seis minutos, regado a “música de ETs” e a imagens de naves espaciais, está a mensagem reveladora.

Começa: a canalizadora australiana Blossom Goodchild está em contato há muitos anos com uma entidade que se autodenomina “Federação da Luz”. O meu primeiro impulso foi achar que era alguma maluquice espírita (sabe Deus o que é uma “canalizadora”), mas fui procurar o site da tal Blossom Goodchild e descobri que Blossom é uma mulher:

Blossom Goodchild é uma médium profissional de “linha direta” (direct voice) que trabalha canalisando espíritos e energias cósmicas [ou “energias espirituais e cósmicas”]. Ela tem canalizado o Espírito Nativo Indígena Americano “Nuvem Branca” há sete anos, e partilha suas mensagens de Amor Incondicional por meio de leituras pessoais e reuniões de grupo.

Pelo que dá para entender da insanidade, portanto, “canalizadora” é uma espécie de médium, e o meu feeling inicial estava correto. A mensagem diz que uma “nave espacial” da tal “Federação da Luz” vai aparecer na Terra – mais precisamente, no Hemisfério Sul – e ficar visível “de forma bastante clara” por três dias. Não há, entretanto, motivo para pânico, porque os ETs vêm “em amor”. Qual a relação entre os ETs e a mediunidade, sabe-o Deus; aquele negócio de projeto SETI parece ter ficado ultrapassado, e a moda agora é comunicação por canais mediúnicos.

Mas o que é realmente bizarro é quando, lá pelos quatro minutos de vídeo, a tal Federação diz: nós temos plantado e regado algumas sementes de verdade no seu planeta em preparação para estes dias. Sementes de Verdade! Plantadas pelos extraterrestres em nosso mundo! Eram os deuses astronautas? Será que os ETs são católicos? Segue a mensagem: o véu será removido. Desengano-me; o véu já foi rasgado há dois mil anos, de modo que não há mais nada para se remover, e qualquer promessa neste sentido é vã e enganadora. Um nonsense envolvido em terminologia religiosa, eis tudo.

Canso-me do blá-blá-blá, olho o relógio: passa das onze. Em muitos lugares do planeta, já é dia 14; vou à janela, olho pro céu. A única coisa claramente visível é a lua cheia, sem dúvidas bonita – se calhar, um espetáculo até mais bonito do que o desfile das supostas naves espaciais. Acho que a Goodchild vai precisar arranjar outro emprego. Boa noite.

Católicos e “católicos”

Esta eu reproduzo porque chega a ser engraçada; foram as respostas de um sujeito ao email no qual constava a lista dos 63 deputados abortistas que assinaram o requerimento para que o projeto de lei do aborto não fosse definitivamente arquivado. Todos os erros ortográficos, lógicos e teológicos são da responsabilidade do autor das mensagens.

A primeira pérola:

Prezado:  Sou Catolico, mas sou a favor do Divorcio e do Aborto, bem como o direito dos Padres Casarem. A Igreja Catolica, precisa estar perto do povo e de seus clamores. O Aborto é feito no Brasil de forma clandestina, e leva ao risco de vida milhares de mulheres. Com a legalização do aborto, estariamos mais próximo de Deus, poís  evitaria o risco de vida destas mulheres, e acabaria com  esse crime ediondo que é o aborto clandestino. alvaro celeste

E a segunda:

Leia frei beto e leonardo boff, os grandes teologos da igreja catolica,  estas suas posições são do passado,   o povo braseiro, ama, mais o Bispo Edir Macedo, do que  o Papa, porque? Meu amigo de fé catolica, entre para o nosso grupo da Teologia da Libertação, siga, frei Beto e tantos outros, por somente com a TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO  voçê estará ao lado de Deue? Voce já viu algum padre da teologia da libertação metido em pedofilia? Não, agora os padres conservadores estão envolvidos em escandalos, veja nos estados unidos,  os casos de abuso sexual. Viva a Teologia da Libertação o caminho certo da Igreja Catolica, o Caminho de Cristo, o maior Socialista que este mundo já teve,  comparo CRISTO A FIDEL CASTRO,  são homens enviados por Deus para Libertar, eu comungo todos os domingos, e tenho o apoio da maioria dos catolicos, inclusive o Presidente Chaves, Lula, são Cristão e estão ao lado do Povo. Portando amigo Cristo, Chaves, Brizola, Lula, Fidel Castro, estes são os nossos Deuses, estes tem valor, para mim o  Papa ,e esta ultrapassado, na idade da pedra. veja a China que progresso. O Maior Comunista do Mundo era Jesus Cristo. Portanto a minha Igreja Catolica, a do futuro, a dos jovens, a Deus, é a favor do aborto, do divorcio, do socialismo, do casamento dos padres,  e do fim da propriedade privada. Saudações Catolicas Romanas Alvaro Celeste

Sinceramente, eu não consigo entender o que passa pela cabeça de uma pessoa dessas. O que raios essa gente pensa que é “ser católico”? Uma mera expressão destituída de significado objetivo? Uma qualidade que se realiza em todas as pessoas que simplesmente afirmam que o são? Nunca, em lugar nenhum, as pessoas “passaram a ser” o que quer que fosse simplesmente por dizerem que eram!

Um idiota qualquer que dissesse ser presidente da República (à exceção do caso em que o idiota em questão fosse o próprio Lula) no máximo provocaria risos. Um sujeito que dissesse ser torcedor do Sport e fosse com uma camisa do Náutico para o meio da Torcida Jovem num Clássico dos Clássicos provavelmente ia ser linchado. Um indivíduo que se dissesse muçulmano e freqüentasse uma sinagoga tinha grandes chances de ser assassinado. Por que somente com a Igreja Católica as pessoas pensam que podem agir de qualquer maneira, fazer qualquer coisa, defender qualquer bobagem – e continuar se dizendo católicas?

A Igreja não é uma espécie de terra de ninguém onde tanto faz o que as pessoas pensem ou como elas ajam. A Igreja é – entre outras coisas – uma comunhão de Fé. Os católicos, quaisquer que sejam eles, são aquelas pessoas que professam a mesma Fé – a Fé que Deus revelou, que os Apóstolos transmitiram e a Igreja guardou ao longo dos séculos. E isso não é uma “imposição”; é, ao contrário, uma livre adesão que cada católico precisa fazer à Doutrina da Igreja. Falar alguma coisa diferente disso é esvaziar o termo “católico” do seu significado real e roubar à Igreja a prerrogativa de Se definir.

Ninguém é obrigado a ser católico (salvo a obrigação moral que todos os homens têm de buscar a Verdade e, uma vez encontrando-A, abraçá-lA, mas isto é outra história). Mas o mínimo que se exige dos que querem ser católicos é que o sejam de fato, e não somente da boca pra fora. As atitudes de pessoas como a que escreveu as duas mensagens acima são de uma profunda injustiça para com a Igreja e para com os que se esforçam para – ainda que indignamente – segui-lA o melhor possível. Ninguém pode ser forçado a abandonar uma idéia, por mais estúpida que ela seja; portanto, que cada um seja o que quiser ser, mas deixem que sejamos católicos! E que a Virgem Santíssima nos guarde a todos na fidelidade a esta Doutrina, a fim de que possamos exclamar com retidão de consciência todos os dias: esta é a nossa Fé, que da Igreja recebemos, e sinceramente professamos.

Tristes notícias

Às vezes eu fico perplexo com as coisas que encontro pela internet; o primeiro impulso é o de não acreditar nos próprios olhos. A história de Rousseau do “Bom Selvagem” é certamente contrária à Doutrina da Igreja sobre a natureza humana decaída após o Pecado Original; mas, em contrapartida, a Total Depravation é doutrina protestante também contrária ao ensino da Igreja. Não fosse por isso, bem que alguns católicos seriam levados a acreditar que a natureza humana é mesmo intrinsecamente má, principalmente se considerassem as notícias que lhes chegam pelos meios de comunicação.

A primeira das barbaridades com a qual me deparei hoje foi o lançamento de um livro, nos Estados Unidos, chamado “101 lugares para fazer sexo antes de morrer”. Como se não bastasse a publicação de uma obra com este propósito hedonista tosco, os autores fizeram questão de incluir uma blasfêmia: um dos lugares sugeridos para se fazer sexo é dentro de um confessionário.

“Em vez de carregar todo esse pecado mortal por aí com você por semanas até a confissão, por que não combinar as duas coisas (sexo e confissão) em uma rápida e protegida sessão?”, escreveram os autores Marsha Normandy e Joseph St. James.

Que motivo minimamente racional poderia levar uma pessoa a fazer uma agressão dessas, escapa-me completamente. Três meses atrás, um casal foi flagrado fazendo exatamente isso na Itália. Se o pecado em si já é absurdo, a apologia pública do pecado – quando não se obtém nenhum benefício anexo que não seja a ofensa gratuita – é particularmente demoníaca.

Mas o que me entristeceu profundamente foi ver a foto da garota que está… leiloando a sua virgindade. Ela quer um milhão de dólares, para pagar os estudos. 22 anos. O leilão “acontecerá num bordel em Nevada, o Moonlite Bunny Ranch, onde a irmã dela trabalha para pagar as dívidas da faculdade”. Segundo a reportagem, “há pessoas que a apóiam, como o dono do Moonlite Bunny Ranch”. Meu Deus, até onde podemos descer? Imaginar que uma garota é capaz de menosprezar assim o próprio corpo, expondo-se qual mercadoria à venda em um bordel…

O que há de comum entre as duas notícias? A premeditação. É este o aspecto mais doloroso de tudo isso, e é isso que faz a sugestão do livro ser pior do que a atitude do casal na Itália. Igualmente, se o sexo fora do Matrimônio é já um pecado grave, a exposição pública em um leilão de bordel adquire requintes de perversidade que provocam estupor. Olho para o rosto da garota, e Rousseau me diz que ela não é capaz de fazer isso; leio a notícia, e Calvino me diz que a natureza humana é intrinsecamente depravada. Mas olho para a Cruz de Cristo, e percebo que foi por amor a esta garota que foi vertido o Sangue de um Deus no Calvário. Senhor, tende misericórdia de nós todos.

Christe, Redemptor Mundi,
miserere nobis.
Virgo Maria, Refugium Peccatorum,
ora pro nobis.