Sexta-Feira Santa

É a Sexta-Feira. Se não quisermos contemplar os julgamentos injustos que sofreu Nosso Senhor; se não suportarmos acompanhar o Seu doloroso caminho até o Calvário; se não formos capazes de nos deter ouvindo aquele grito terrível que anunciou a consumação do Seu Sacrifício, e nem de fixarmos o nosso olhar no Cadáver pendente do madeiro da Cruz; enfim, se nos fosse possível deixar tudo isso de lado, olhar – ainda que de soslaio – para o Senhor Morto já nos seria tremendamente benéfico e já permitiria à nossa alma usufruir dos influxos benéficos da meditação piedosa da Paixão de Cristo. Porque muito do mistério do dia de hoje está condensado no Corpo sem vida de Nosso Senhor, que a Sua Mãe Santíssima recebeu dos braços da Cruz e em cuja honra saem hoje procissões de nossas igrejas, após a Celebração da Paixão do Senhor.

Ó vós que passais, olhai e vede se há dor semelhante! Na imagem do Senhor morto está contida a via crucis e o Gólgota, a injustiça e a culpa, o sofrimento de um Inocente e a dor de uma Mãe. E tudo isso está lá presente precisamente porque não há mais nada: o Amor foi assassinado, o Deus foi expulso da Sua Criação, o Mestre foi silenciado, a Vida jaz no abraço frio da Morte. Tudo está perdido. Somente olhando para Ele morto nós podemos ter uma idéia da dimensão dessa nossa perda. Somente quando Ele não está mais entre nós é que, finalmente, tomamos consciência do quanto d’Ele precisávamos. E estamos novamente diante de uma Viúva chorando a morte do Seu Filho mas, dessa vez, ninguém tem coragem de ordenar-Lhe “levanta-Te!” como Ele costumava fazer. Dessa vez parece que o luto não vai ser interrompido, mas muito pelo contrário: parece que ele não vai deixar de se expandir até abarcar o mundo inteiro.

E o cortejo fúnebre segue pelas ruas da cidade. Os que desfilam com o Senhor Morto têm o Sangue d’Ele escorrendo pelas mãos e derramando-se sobre suas cabeças. E não há sequer um Deus para o Qual eles possam pedir perdão. O Único que os podia perdoar é justamente Este cujo cadáver está sendo levado em procissão. Levam-No, sem saber para onde; choram, sem saber o que fazer.

Quinta-Feira Santa

Já começa a Páscoa do Senhor, e nós não conseguimos vigiar com Ele um pouco sequer. Já é a hora das Trevas, e ela nos pega dormindo.

Dormiriam porventura São Pedro e os demais Apóstolos se sequer desconfiassem que aquela seria a última noite em que estariam com Cristo? A última vez em que Ele os chamaria para rezar? A derradeira ida ao Horto das Oliveiras? Decerto que não. Mas as hostes do Inferno avançam nas sombras, quando não são esperadas. O fim chega “como um ladrão”, para usar uma metáfora cara ao próprio Cristo que, não obstante, os Seus discípulos mais próximos não souberam aproveitar.

É noite, e a Lua Cheia já vai alta no Céu. A Madrugada já avança e, na verdade, já é Sexta-Feira, aquela terrível Sexta-Feira da Paixão. Os acontecimentos não param; seguem em frente, ao contrário, desenrolando-se em ritmo vertiginoso. Não nos esperam dormir, não nos deixam descansar. O Mal não descansa. E cada minuto perdido é um instante que não tem volta: eis a agonia de Nosso Senhor no Getsêmani a nos servir de doloroso exemplo dessa verdade! Cristo chamou os Seus, mas eles também O abandonaram, e um anjo teve que descer dos Céus para consolar o Divino Mestre porque os Apóstolos d’Ele dormiam.

E, como eles, nós.

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Considerações preliminares sobre o Papa Francisco

As últimas 24 horas bombardearam-nos com uma enxurrada de opiniões (muitas vezes bem pouco caridosas) sobre o recém-eleito Papa Francisco. Em infelizmente não poucos casos – católicos! – a reverência devida ao Santo Padre passou longe, o que é muitíssimo de se lamentar. A Igreja atravessa uma crise gravíssima, e estou pessoalmente convencido de que isso é em grande medida um castigo de Deus. Por conta do abandono da Fé, sim, mas também por conta do orgulho luciferino alimentado por muitos dos que conservam o tesouro da Fé da Igreja.

Muitas pessoas me perguntaram o que eu achei dessa eleição, e eu sinceramente não sei o que lhes responder. Conheço bem pouco o cardeal de Buenos Aires; na verdade, embora a Argentina fique aqui do lado, eu não sabia praticamente nada sobre ele até 24 horas atrás. Só posso repetir o que já afirmei ontem e dizer que o resultado do conclave foi inesperado. Do ponto de vista meramente humano não me parece fazer nenhum sentido: a Argentina não é a nata do catolicismo no Novo Mundo, o Cardeal de Buenos Aires não é nenhuma sumidade intelectual, os Jesuítas modernos não são a ordem religiosa de escol, etc. Do ponto de vista meramente humano, aliás, é simplesmente incompreensível que após um Papa renunciar por problemas de vigor físico os cardeais tenham eleito para o sólio pontifício um arcebispo já emérito [p.s.: embora já tivesse 76 anos, Bento XVI ainda não aceitara a sua renúncia e, portanto, ele ainda era o arcebispo de Buenos Aires quando foi eleito Papa] que desde a juventude vive com um pulmão a menos. Acontece que o ponto de vista meramente humano importa muito pouco na história da Igreja Católica, e nós – que temos dois mil anos de idade – já deveríamos ter aprendido essa lição.

Certo tradicionalismo de internet atira sobre nós previsões apocalípticas a respeito do futuro da Igreja: o cardeal Bergoglio seria um inimigo da tradição, perseguidor da Missa Tridentina, hipócrita sedento por poder, maçom, mafioso, filo-esquerdista, relativista, et cetera, et cetera. Não vou me dar ao trabalho de me debruçar sobre cada uma da miríade de acusações: vou conceder – para argumentar – que fossem todas verdadeiras. Vou conceder – para argumentar – que o Papa Francisco fosse o pior dos Papas possíveis. Em que isso implicaria? Em rigorosamente nada. Nenhum homem, por pior que seja, é capaz de fazer frente à força daquelas palavras de Cristo de que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Igreja d’Ele, e se nós sobrevivemos a alguns dos Papas do Renascimento somos capazes – com a graça de Deus – de sobreviver a qualquer tentação que o Senhor permita a Sua Igreja sofrer. Penso, aliás, que se depois de Bento XVI um péssimo Papa assomasse ao Trono de Pedro, ser-nos-ia possível tirar daí uma belíssima lição de como Deus é Senhor da História: o melhor dos Papas não fora capaz de salvar a Igreja, e o pior dos Papas não conseguiria lançá-La por terra. Se a presunção é pecado, o desespero também é. É Deus Quem salva a Sua Igreja. É Ele Quem salva inclusive os Papas, Seus vigários. É pecado confiar no homem e é pecado igualmente desesperar por conta dele. Se nós não aprendemos até agora esta lição, talvez tenhamos que aprendê-la ainda n’algum futuro sombrio, da pior maneira possível. Que o bom Deus nos livre disso.

Não obstante, eu não considero que o rasgar de vestes dos rad-trads mereça crédito. E daí que o Boff e o Küng gostaram da eleição do cardeal Bergoglio? Nós nunca demos ouvidos a esta caterva quando ela falava sobre Bento XVI; por qual razão deveríamos agora dar-lhe crédito sobre o Papa Francisco? O que inimigos declarados da Igreja falam não deveria nos incomodar! Às vezes penso que precisamos rezar e rezar muito ainda, pois é verdadeiramente incrível como qualquer murmúrio de internet consegue nos perturbar mais do que nos confortam as promessas de Cristo sobre estar conosco todos os dias, até o fim do mundo!

Murmurações à parte, contudo, é preciso deixar desde logo algumas coisas claras com relação ao Papa Francisco, para que não percamos tempo nos escandalizando e decepcionando depois. Certas características de Bento XVI nos farão falta; isto é óbvio e não poderia ser diferente. Os Papas são homens e os homens não são iguais entre si, e é até injusto fazer certas comparações. Ratzinger era um acadêmico, Prefeito do mais importante Dicastério Romano, uma das mentes mais brilhantes que já sentou na cátedra de Pedro; Bergoglio é um simples arcebispo emérito que, em questões intelectuais, não me consta que tenha jamais se levantado muito acima da média dos seus irmãos cardeais do Novo Mundo. A produção intelectual de ambos não será igual, e faríamos um bem enorme a todos nós se, desde agora, abstivéssemo-nos de fazer comparações descabidas.

Igualmente, Ratzinger tinha a promoção da Liturgia como um apostolado pessoal e era conhecido pelo seu zelo impecável em tudo o que concerne ao culto divino. Bergoglio, até onde me conste, embora celebre dignamente, não parece ter preocupações especiais com a “Reforma da Reforma” e penso que não podemos ter quanto a ele grandes expectativas nessa seara. Agora há pouco, na sua primeira Missa como Papa, Francisco colocou uma mesa na Capela Sistina para celebrar versus populum. O Mons. Marini ainda está ao lado dele, mas penso que isso também é temporário; provavelmente o Cerimoniário Pontifício será substituído. Precisamos rezar. Acho pouco provável que voltemos aos piores pesadelos litúrgicos da época de João Paulo II, mas infelizmente penso que tampouco iremos nos embevecer com a sacralidade do ethos de Bento XVI. De novo, faríamos um bem enorme às nossas almas e à nossa sanidade mental se, desde já, depuséssemos as nossas expectativas de grandiosidade nas liturgias pontifícias, pela qual – ao que parece – o Papa Francisco tem pouco interesse. Esse defeito ele tem; suportemo-lo, que não é heresia nem apostasia nem cisma e, portanto, o Papa não é menos Papa por conta da ênfase que dá ou deixa de dar ao tema da Liturgia no seu pontificado. Suportemo-lo e rezemos pelo Papa.

Não obstante, penso que é possível ser bem otimista a respeito do Papa Francisco, por algumas razões.

Primeiro, porque penso que ele vai receber mais orações do que Bento XVI, e o valor deste auxílio sobrenatural não pode ser menosprezado. Faço um mea culpa: Bento XVI era um gigante, um herói, alguém que transmitia confiança plena, e isso pode nos ter feito relapsos. O Prefeito do Santo Ofício era o Guardião da Fé Católica; a força do Panzerkardinal nos transmitia segurança e nos deixava relaxados. Francisco, ao contrário, parece muito mais frágil, e isso nos insta a rezar por ele com mais fervor e dedicação.

Segundo, por conta da vida sóbria e simples (beirando o extravagante) que ele leva: após se despedir ontem da multidão reunida na Praça de São Pedro, ele dispensou o automóvel pontifício e voltou para as instalações cardinalícias na Casa Santa Marta de ônibus (!). Ainda: hoje voltou ao hotel onde estava hospedado antes do conclave para pegar as suas malas e pagar a conta. É óbvio que essa austeridade de vida é meritória, e nós esperamos que ela possa alcançar de Deus muitas graças para o Papa Francisco. Ainda, o estilo de vida que ele leva é de tal sorte que o mundo de hoje ainda é capaz de admirar, o que lhe reveste com uma aura de autoridade espiritual que predispõe as pessoas a ouvi-lo e, ao mesmo tempo, faz com que os seus detratores não tenham envergadura moral para o enfrentar.

Terceiro, por conta do nome escolhido. Francisco! É um dos maiores santos da Igreja, a despeito de ter sido seqüestrado pelo bom-mocismo moderno para se transformar aos olhos de muitos num espécie de hippie militante do Greenpeace. Como sabemos, o verdadeiro poverello d’Assisi é bem diferente desta sua versão açucarada que circula por aí, e já está mais do que na hora de resgatar-lhe a memória. Ainda, a figura de um Francisco pobre e humilde no coração de Roma lembra bastante a história do Santo de Assis, e a terrível crise da Igreja que o primeiro Francesco enfrentou guarda um notável paralelo com esta que a Barca de Pedro hoje atravessa. São Francisco de Assis é um santo tão grande que nenhum Papa teve jamais a pachorra de tomar para si o seu nome! A crise moderna é tão grave que precisava de um novo Francisco, e dentre todos os cardeais que estavam na Capela Sistina só mesmo um argentino ousaria vincular o seu papado à figura do verdadeiro Reformador da Igreja do século XIII. Se o nome que um Papa escolhe dá o tom do seu pontificado, Francisco é verdadeiramente profético. Se este Papado estiver à altura do nome que o Papa adotou para si, nós presenciaremos verdadeiros milagres. Rezemos para que isso se concretize.

Quarto, por algumas características suas que ouvi aqui e acolá. Como disse um amigo, ele é um homem de idéias claras e insubornável, que foi eleito para brigar; e um estranho nos Palazzi Apostolici (Francisco nem é europeu nem trabalhou jamais no Vaticano) com pulso firme e um projeto santo a cumprir pode ser exatamente aquilo de que a Cúria Romana necessita neste momento.

Quinto, e não menos importante, porque ele é o Papa! É ele quem tem graças de estado para governar a Igreja, é ele quem a Providência permitiu que subisse ao Trono de Pedro, é a ele, concretamente, que o Altíssimo pede a nossa submissão filial como condição para que sejamos salvos. Não compete a nenhum de nós ditar os rumos do governo da Igreja, pois a nenhum de nós Deus fez Papa, e colocarmo-nos no nosso próprio lugar é já um excelente passo no caminho da nossa salvação e, por conseguinte, um profundo favor prestado à Igreja de Cristo: graças ao mistério da comunhão dos santos, uma alma que se eleva, eleva também o mundo inteiro. O bem que fazemos à nossa alma é um bem realizado a toda a Igreja: não nos esqueçamos dessa importante verdade.

Que Deus abençoe o Papa Francisco! Que o conserve e vivifique, que o faça feliz na terra e não o entregue nas mãos dos seus inimigos. Que os católicos do mundo inteiro possamos rezar pelo nosso pastor e, em uníssono, possamos cantar: salve, Santo Padre! Vivas tanto ou mais que Pedro! Vossa Santidade é o Doce Cristo na Terra, o Bispo de Roma, o Vigário de Jesus Cristo. Aos pés de Vossa Santidade queremos depositar o nosso serviço e as nossas orações. Sob o báculo de Vossa Santidade nós temos consciência de formar a verdadeira Igreja de Cristo.

Parabéns a todas as mulheres!

Dizem que a data de hoje é uma comemoração feminista. Não quero entrar neste mérito; ainda que seja verdade, a mim parece-me que ela pode muito facilmente ser ressignificada, a fim de que exalte verdadeiros valores e celebre o que é realmente digno de ser celebrado. Não é preciso dar corda às feministas nem fazer propaganda indireta das bobagens que elas reivindicam; no dia de hoje nós temos algo de positivo para comemorar. Não uma ideologia estéril e sem sentido, mas a graça e a beleza da mulher, querida e criada por Deus para ser companheira do homem.

Há uma relativamente clássica música sobre Nossa Senhora que contém um garboso louvor às mulheres: trata-se daquela canção (tão comum na minha infância) que diz que «em cada mulher que a terra criou / um traço de Deus Maria deixou, / um sonho de mãe Maria plantou, / pro mundo encontrar a paz». Sei que não se trata de nenhuma sumidade teológica, mas deixemos isso de lado por enquanto. Aqui, pensemos somente em como o mundo seria melhor se todas as mulheres tivessem a consciência de que contêm “um traço de Deus” e “um sonho de mãe”. Se cada uma delas soubesse reconhecer o seu próprio valor.

É Dietrich Von Hildebrand quem fala que o amor entre o homem e a mulher é típico; isto é, o homem que ama enxerga em cada mulher um reflexo, um lampejo, uma lembrança da sua amada. Isso é uma tese de validade universal e tem uma interessante conseqüência prática dentro do Cristianismo: nós temos uma Mulher que é o arquétipo de toda feminilidade, temos uma Mãe que reúne em Si todas as belezas criadas, temos uma Senhora a Quem nos devotar com todas as forças e de todo o coração. Quando eu era pequeno e ouvia a música do Pe. Zezinho acima mencionada, sempre pensava que aquele “traço de Deus” deixado por Maria Santíssima nas mulheres era Ela própria. Sempre pensei no enorme privilégio que não deveria ser às mulheres compartilharem uma natureza feminina com Aquela que é a Mãe de Deus.

De certo modo, em toda e cada mulher está presente um reflexo da Santíssima Mãe de Deus, uma imagem d’Aquela que Deus coroou Rainha dos Céus. Ora, isto é um indiscutível valor próprio da feminilidade, é uma evidente característica – belíssima característica! – da qual as mulheres são detentoras e, por conseguinte, é razão suficiente para a comemoração de um Dia da Mulher. Assim, neste oito de março nós celebramos não os estertores de uma caquética ideologia anti-natural, mas sim as incomensuráveis graça e beleza que o Altíssimo conferiu a uma criatura – Maria Santíssima – e com as quais simultaneamente, em referência a Ela, dotou todas as mulheres do mundo.

Um feliz Dia das Mulheres para todas aquelas que, de um modo ou de outro, fazem parte da minha vida: as que me são próximas e as que não são tão próximas assim. Parabéns às que fazem parte da minha família ou do meu ambiente de trabalho, do meio acadêmico ou do bairro. Às que moram na minha cidade, às que lêem o Deus lo Vult!, às minhas conterrâneas. Às que são brasileiras como eu próprio, às latino-americanas como eu mesmo o sou; enfim, a todas as mulheres de todas as raças e todos os credos, com as quais eu – ainda que não as conheça – divido uma natureza humana e uma vocação às coisas mais altas, e nas quais refulge, ainda que elas não saibam, um reflexo da Santíssima Virgem a lhes conferir dignidade intrínseca e a lhes convidar incessantemente para tomar parte no Reino de Deus.

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Para não perder o costume, a foto acima mostra bem quais são os verdadeiros “direitos da mulher” pelo qual todos temos o dever de lutar, hoje e em todos os dias. Porque os direitos iguais devem ser iguais para todos, independente de cor, raça, credo, idade ou estágio de desenvolvimento.

Porque não usar a expressão “Papa Emérito”

Com a devida vênia, não gosto da expressão “Papa emérito” e imagino que não a devamos empregar para se referir a Bento XVI. Ao contrário, penso que “Bispo Emérito de Roma” é suficientemente descritivo e deve ser preferido àquela.

A razão é simples: “Papa Emérito” me parece uma imprecisão terminológica. O adjetivo “emérito” implica em conceder ao que o detém algumas características ou privilégios do substantivo ao qual ele se refere. Um “bispo emérito” continua sendo bispo, e aqui a expressão se justifica; um “Papa emérito” não é Papa sob nenhuma circunstância, e aqui chamá-lo assim induz ao erro.

Logo após a renúncia de Bento XVI ter sido anunciada, ZENIT publicou uma interessante reportagem do [padre?] Manuel Jesus Arroba, dizendo que um Papa Emérito não podia existir. A justificativa dada pelo professor de Direito Canônico da Lateranense é esta: «Juridicamente só existe um Papa. Um “papa emérito” não pode existir: o cargo ocupado por ele é supremo, ou seja o mais alto em responsabilidade». Poucos dias depois, o anúncio de que Bento XVI seria Papa Emérito pegou a todos de surpresa e – alguém poderia dizer – fez o professor da Lateranense morder a língua. Eu penso que não.

Porque o sentido em que se pode chamar Bento XVI de “Papa Emérito” é um sentido todo particular, sui generis, e justamente por isso eu penso que ele deveria ser evitado. Dizer “Emérito” a Sua Santidade é dizer, simplesmente, que ele fora Papa e agora já não é mais; ao contrário dos outros casos, aqui não cabe falar em nenhum privilégio próprio do ministério petrino que Bento XVI tenha mantido após renunciar. O Papado não é como o Sacramento da Ordem, que imprime caráter indelével na alma de quem o recebe: um bispo validamente ordenado nunca deixa de ser bispo, mas um Papa validamente eleito pode deixar de ser Papa caso renuncie. Os dois casos não são nem minimamente análogos e, portanto, chamar a um e a outro de “emérito” é insinuar um paralelismo totalmente descabido.

Parece que João Paulo II teria dito não haver “lugar na Igreja para um papa emérito”, e penso que ele tinha razão. Não sei quem determinou que Bento XVI fosse chamado de “Papa Emérito”; e quando a notícia saiu eu pensei simplesmente em ignorá-la. No entanto, tenho visto da semana passada pra cá muitos usos da expressão, o que – pelas razões que expus acima – pode confundir. Assim, convido a todos a usarem outra forma de se referir àquele que foi Papa e ainda está vivo: simplesmente “Bento XVI” ou mesmo “o bispo emérito de Roma, Bento XVI”. A expressão é um pouco mais longa, mas é mais rigorosa e mais precisa – e por isso vale a pena usá-la.

O trono está de novo vazio…

Chegou o dia terrível, chegou a hora ingrata. O Sólio Pontifício está vacante, a Cátedra de Pedro está desocupada, o Trono do Vigário de Cristo está vazio. Esta sedevacância é diferente das demais, pois irrompe na História com dia e hora marcados; mas nem por isso ela é menos triste, e nem por isso nós, católicos, deixamos de senti-la.

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O glorioso pontificado de Bento XVI está agora definitivamente encerrado. No meio da Quaresma de 2013, o Papa nos deixa. Diz ele que fica conosco, porque vai subir ao monte para rezar; mas o mesmo não se pode dizer dos outros pontífices que, colhidos pela Morte, foram instados a se apresentar diante de Deus e, de lá, passam a interceder pela Igreja que tiveram a honra e a responsabilidade de conduzir nesta terra? Diz Bento XVI que fica conosco, e é verdade; mas não estivemos sempre unidos a todos os Papas santos do passado por meio do Corpo Místico de Cristo, por meio daquela Comunhão sagrada à qual a morte não impõe limites e com a qual o tempo não faz fronteiras? E, mesmo assim, vestimo-nos de luto quando a Santa Sé está vacante! Também hoje, portanto, estamos enlutados, mesmo que Bento XVI ainda esteja neste mundo conosco. Também hoje nos constrange e machuca a imagem do Trono Vazio. Também hoje temos direito às lágrimas, à tristeza, a nos sentirmos órfãos.

É a primeira Sé Vacante do Deus lo Vult!, mas já é a segunda da minha relativamente curta vida. Dentro em breve, já poderei dizer que vivi sob três papas; e, ditas as coisas dessa maneira, parecem-me muitos. Seria naturalmente utópico imaginar que isso não fosse acontecer em breve: afinal, Bento XVI já vai completar 86 anos, e quando ele renunciou já era mais velho do que João Paulo II quando morreu. Mas uma coisa é o futuro antevisto e, outra, é a sua metamorfose em presente; uma flecha que nós conhecemos vem mais lenta, como Dante diz n’O Paraíso, e é verdade, mas nem por isso os ferimentos que ela provoca em nós são menos reais.

A Sé de Pedro está vazia, e agora precisamos suplicar ao Altíssimo que envie depressa um homem para ocupá-la. Que nos conceda o quanto antes um outro pastor. Que nos dê com presteza outro capitão para guiar a Nau da Igreja. Agora, mais do que nunca, precisamos rezar pelo conclave que se avizinha! Neste sentido, é extremamente louvável esta iniciativa de alguns amigos de criar um site para incentivar as orações pela escolha do próximo Papa, à qual eu remeto os meus leitores através deste link. Se a Quaresma já é em si mesma tempo especialíssimo de oração, os próximos dias nos obrigam a rezar de maneira redobrada. Os Príncipes da Igreja nos darão em breve um Rei. Que eles possam ser dóceis às inspirações do Espírito Santo, e que o próximo Papa tenha a força e a coragem necessárias para dar continuidade ao terrível combate que Bento XVI soube conduzir com tanta galhardia. Que, sob seu comando, a Igreja Militante possa se lançar com zelo e ferocidade sobre os inimigos de Deus, para a Sua maior glória e a salvação das almas. Que os Infernos tremam à vista da Esposa de Cristo resplandecente na figura de um Papa valoroso, seguido de perto pelos que somos servos e servas de Deus. Que Deus proteja a Sua Igreja. Que Ele nos conceda dias brilhantes logo à frente.

“Não vos conformeis com nada menos do que Cristo” – obrigado, Bento XVI!

Dizem que nós passamos por cinco estágios quando experimentamos uma perda. Na última segunda-feira, dia de Nossa Senhora de Lourdes, quando acordei e soube que o Papa havia renunciado, pude entender isso um pouco melhor.

Praticamente não tive tempo de passar pelo estágio da negação: a internet é implacável. O Papa renunciou: a gente encontra a notícia num comentário do blog, no instante seguinte chega à nota em português da Rádio Vaticana (cujo site – pensamos ainda! – pode ter sido hackeado…), vai no Google e vê o mesmo dito no site da Santa Sé (com um vídeo inclusive), abre o email e percebe que está todo mundo falando disso. Não dá tempo de negar: sim, é verdade, é terrivelmente verdade. Não leva um mísero minuto para o confirmar em definitivo. Neste momento difícil, nem mesmo à dúvida nós temos direito.

Aqui é difícil organizar as idéias. No estágio da raiva, eu provavelmente seria injusto se escrevesse alguma coisa aqui. Afinal, há seiscentos anos que um Papa não renunciava e, obviamente, há alguma boa razão para isso: como apontou muito pertinazmente um amigo por email, o Papa é o Pai dos católicos, e um pai não renuncia jamais. Muitos Papas deixaram-se morrer Papas, e seria mesquinho imaginar que eles não passaram pelas agruras da idade avançada que, hoje, Bento XVI invoca como razão para apresentar a Grã Renúncia. Os Papas morrem Papas, e isso não é por acaso: a figura paterna neles encarnada não é objeto de escambo, de vil utilitarismo impessoal como se a Igreja fosse simplesmente uma grande máquina cujas engrenagens podem ser intercambiadas sem prejuízo do seu funcionamento.

E ainda há tanto por fazer! Não é justo interromper agora a obra de restauração da Igreja de Deus; o Altíssimo é Aquele que não deixa inacabadas as Suas obras e, portanto, não deveria ser lícito ao Seu maior servo fazer aquilo que o seu Senhor é conhecido precisamente por não fazer. Ainda há muito por ser feito, e a convocação de um conclave agora introduz um risco de ruptura no governo da Igreja do qual, no meio da guerra, nós não estamos em condições de nos dar ao luxo. João Paulo II foi Papa por vinte e sete anos, até o último esgar de dor, até a última respiração sôfrega; Bento XVI não está nem perto disso. Poderia perfeitamente ficar por mais tempo.

À fase da raiva segue-se a da barganha, que aqui se transforma meramente em auto-repreensão: eu devia ter rezado mais, ter jejuado com mais constância, ter feito maiores penitências, ter passado mais tempo de joelhos diante de Nosso Senhor Sacramentado; em suma, eu devia ter feito alguma coisa porque, se eu o tivesse feito, Deus teria me ouvido e o Papa ainda seria Papa. Bento XVI pediu-me expressamente para que eu rezasse por ele, a fim de que ele não fugisse por medo dos lobos: eu não rezei e, por minha culpa, propter peccata mea, agora ele está fugindo e nos abandonando.

Abandonando-nos! O declive da auto-repreensão à depressão é óbvio e por ele se vai em um átimo. Aqui não convém demorar-se, que é pecado contra a virtude teologal da Esperança. Apenas registro a sensação de abandono, a impressão de que tudo está perdido, o sabor amargo da derrota que já se pode entrever sob o vão da porta, a dor de ter sido tudo em vão.

Mas Deus é o dono da Sua Igreja e, portanto, não pode ter sido tudo em vão. Aqui a aceitação começa a desabrochar, aqui a dor já começa a dar lugar à serenidade. O Papa não está nos abandonando; na verdade, ele fez tudo o que poderia fazer, e ninguém tem envergadura moral para lhe interpelar e dizer-lhe que retome a cruz sobre seus ombros e continue a subida do Gólgota até o Calvário definitivo. Porque, na verdade, a Cruz sempre esteve em seus ombros, e é somente a nossa miopia sobrenatural que nos impede de perceber esta obviedade.

Lembro-me do último conclave, do primeiro conclave dos meus vinte e muitos anos. Estava na faculdade, e a televisão ligada mostrava a fumaça branca saindo da chaminé da Capela Sistina. Esperei um pouco para ver o anúncio do novo Pontífice, e logo após ouvi pela primeira vez o “Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Ratzinger” que me fez vibrar tão profundamente já então e pelos próximos oito anos. Lembro-me com clareza das palavras do Pontífice recém-eleito: un semplice e umile lavoratore nella vigna del Signore. Lembro-me, inclusive, do que pensei à época: claro que era falsa modéstia, claro que ele estava proferindo meramente um discurso protocolar, claro que ele estava só repetindo o que as pessoas esperavam que um Papa dissesse.

Os anos se encarregaram de mostrar que eu estava enganado, terrivelmente enganado, e hoje não me é permitido ter nenhuma dúvida de que o velho Joseph Ratzinger sempre se considerou, verdadeiramente, um simples e humilde trabalhador da vinha do Senhor, que ele parece não ter a menor consciência da própria genialidade absolutamente insubstituível. A verdade é que o professor de teologia não queria outra coisa que não lecionar na obscuridade incógnita de alguma sala de aula empoeirada.

E eu penso entendê-lo. Li em algum lugar esta excelente metáfora: Ratzinger só queria dar aulas, mas Deus quis que o mundo inteiro fosse a sua sala de aula. Penso que talvez ao velho professor alemão incomode a sua autoridade pontifícia, como penso que deve incomodar a qualquer professor outra obrigatoriedade de ouvi-lo que não a da própria verdade que ele deseja ensinar. Mas ele engoliu o seu incômodo e ensinou-nos; por oito anos nos ensinou a amar a Cristo! Isto é um sacrifício quotidiano que não se pode olvidar.

Li muitas coisas ao longo da semana, e talvez um dos textos que mais me tocou foi este aqui. Há uma sua tradução para o português no Facebook, da qual me utilizo para a seguinte citação:

Mas agora sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará como, com um simples gesto de humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares aclamando aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer, como viveu mesmo sendo Papa: humildemente.

E percebo que é verdade. Alguém classificou Bento XVI como o Papa do básico da Fé Cristã, e a análise não é injusta. Estive com o Papa na última JMJ. Do discurso que ele não pronunciou em Cuatro Vientos por causa da chuva, recolho esta simples sentença que, pra mim, resume muito o pontificado do Papa teólogo:

Queridos jovens, não vos conformeis com nada menos do que a Verdade e o Amor, não vos conformeis com nada menos do que Cristo.

Simples e básico, mas nem por isso menos verdadeiro. Nem por isso menos importante. De repente, percebo que as pessoas não precisam ser extraordinárias para serem insubstituíveis, e o que vai fazer mais falta ao mundo será o jeito sereno e didático de Bento XVI falar as verdades mais básicas, das quais o mundo moderno anda ensandecidamente esquecido. De repente, percebo que a renúncia do Papa não tem nada de inusitada, muito pelo contrário até: está perfeitamente de acordo com o estilo do professor da Baviera, cuja genialidade noto decorrer precisamente da pouca conta em que ele tem a si próprio.

Sim, o velho alemão não subiu ao sólio pontifício para ser nosso Rei: apenas sentou-se na cátedra de Pedro para nos dar uma lição de amor a Deus. E levanta-se dela agora que a aula está terminada exatamente porque sabe que a lição é mais importante do que o professor, e não pode correr o risco de que os seus alunos se esqueçam disso. Na verdade, esta renúncia final é parte integrante do seu ensinamento, sem a qual ele não estaria completo. Por mais que Bento XVI seja grande, Aquele de quem o Papa é vigário é muito maior do que ele. Afinal, maldito é o homem que confia no homem, mesmo que este homem seja Joseph Ratzinger. À luz de tudo isso, é claro que o Sumo Pontífice não está fugindo de sua missão, antes a está consumando com uma fidelidade perturbadora. O Papa não deita a cruz ao chão para que outro a carregue, muito pelo contrário: acrescenta-lhe o peso da incompreensão e do ostracismo. Impossível negar o valor sobrenatural deste último sacrifício.

O referido modelo de Kübler-Ross termina no estágio da aceitação, mas a Fé Cristã nos impele a transcender este caminho natural. Ouso ir além e proclamar um outro estágio, talvez incompreensível para os homens modernos, mas que o Cristianismo chega a exigir: o estágio da gratidão. Impossível não volver os olhos para o velho Papa dessa maneira.

Obrigado, Santo Padre, por nos ter aceitado como seus alunos. Obrigado por ter consumido os últimos anos na luta quotidiana contra a sua natureza introspectiva, a fim de ser para nós o que Deus o chamava a ser. Obrigado por nos ter falado de Deus mais do que merecíamos escutar, e com a simplicidade insistente que mesmo a nossa cegueira era capaz de entrever. Obrigado por ter tantas vezes escondido a própria excelência, a fim de que a Fé resplandecesse com mais vigor. Obrigado, ainda, por nos deixar, a fim de que revigoremos a nossa Esperança; obrigado por passar a férula papal, a fim de que seja conhecido Quem, afinal, é o verdadeiro Guia da Igreja de Cristo. Obrigado, enfim, por toda uma vida dedicada a Deus e à Sua Santa Igreja, em agradecimento pela qual a tristeza que hoje nos provoca a sua renúncia é talvez o testemunho mais sincero que podemos prestar.

Obrigado, Bento XVI. O incomensurável bem realizado por Vossa Santidade ao longo dos últimos oito anos já reverbera na Eternidade, à cuja Luz eu rogo à Virgem Santíssima que não o cesse de conduzir jamais.

Tragédia em Santa Maria, no Domingo da Septuagésima

Hoje de manhã eu estava na igreja, em silêncio, aguardando a entrada do sacerdote e o início do Santo Sacrifício da Missa. De repente, o toque da sineta anuncia a pequena procissão de entrada; acto contínuo, as vozes do pequeno coral enchem o templo. Conheço aquele canto; já não o ouvia, creio, desde a Quaresma do ano passado. Reconheci-o hoje e me enchi de compunção.

Attende Domine, et miserere, quia peccavimus Tibi. Ainda não é Quaresma; mas já a Sagrada Liturgia se reveste de roxo, e já os cânticos penitenciais tomam conta dos nossos Domingos. «Ouvi[-nos], Senhor, e tende misericórdia, porque pecamos contra Ti»; esta súplica, tão desgastada pelos séculos, ainda consegue nos comover. E a nós resta a esperança de que o coração do Altíssimo também se deixe tocar por estes versos que já Lhe foram incontáveis vezes dirigidos. Há um capítulo específico da História da Salvação para cada alma que passou por este mundo; e o que existe de extraordinário nisso é que Deus, justamente por ser Deus, consegue escutar estes nossos pedidos já tão gastos como se eles fossem as primeiras palavras amorosas balbuciadas pelos Seus filhos muito amados. Bastando, para isso, que nós nos acheguemos a Ele com um coração inocente, com aquele coração de criança sem o qual o Evangelho garantiu que não poderíamos entrar no Reino de Deus.

Já é Septuagesima, já começa a morte da Liturgia que chegará a seu cume na Semana Santa. Ainda nem é Carnaval e a Igreja já nos acena com a Quaresma; ainda nem nos despedimos do Tempo Comum e já somos privados do Gloria in Excelsis Deo dominical! Esta é a beleza da orgânica harmonia da vida litúrgica católica: cada tempo é precedido pelos seus sinais, e cada acontecimento importante ensaia seus passos mil vezes antes de subir ao palco da vida.

Voltei para casa e, ao chegar na internet, descobri que o mundo real nem sempre é tão benevolente quanto a Liturgia da Igreja; no mundo real, as tragédias por vezes chegam de supetão, qual relâmpago em céu claro, de surpresa, sem avisar e sem dar tempo para que nos preparemos. No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, centenas de pessoas morreram em um incêndio ocorrido na madrugada deste domingo numa boate. No momento em que escrevo estas linhas, o número de mortos já chega a 233; outras centenas estão hospitalizadas, em estados mais ou menos graves.

O número de mortos me espantou: no Brasil, acidentes aéreos não provocam tantas vítimas assim! E a tragédia assume contornos ainda mais dolorosos quando pensamos que, provavelmente, são jovens que perfazem a maior parte destas vítimas. Jovens com uma vida inteira pela frente, ceifada de modo estúpido pelas chamas que iluminaram lugubremente Santa Maria nesta madrugada. Se cada alma tem a sua história de salvação particular, certas páginas dolorosas, lidas de fora, deixam-nos perplexos. Não as entendemos; e por vezes o máximo que podemos fazer é cair de joelhos e suplicar a Deus misericórdia.

O texto do Fabrício Carpinejar sobre a tragédia foi muito comovente; mas momentos assim já naturalmente provocam comoção. As palavras chegam a ser supérfluas, por vezes até ofensivas. A situação toda já é de uma brutalidade atroz; custa-me acreditar que, no meio do incêndio, havia seguranças da boate «impedindo as pessoas de saírem para que pagassem o cartão de consumação». Isto chega a ser surreal; mas os corpos amontoados, esperando identificação, são angustiantemente reais. No Rio de Janeiro, um bloco de carnaval católico foi transformado em procissão de homenagem às vítimas da tragédia. Por toda a internet multiplicaram-se mensagens de luto pelos mortos e de apoio aos familiares que perderam seus entes queridos. Ao menos é reconfortante saber que o ser humano ainda é capaz de se solidarizar com a dor dos seus próximos, mesmo quando estes próximos estão a centenas ou milhares de quilômetros de distância. Na dor, nós ao menos descobrimos o quanto ainda somos humanos.

Quem quiser ajudar de modo mais concreto pode conferir o guia que o Zero Hora preparou. E todos, independente de onde estejam ou da situação na qual se encontrem, podem ajudar elevando uma prece a Deus pedindo o descanso eterno para os falecidos e o conforto para os que ficam. Miserere, Domine! Que a Virgem Santíssima, cujo nome foi dado à cidade onde aconteceu a tragédia, possa olhar com maternal solicitude para todas as vítimas deste incêndio. Que Ela console os que choram a perda dos seus filhos, irmãos e amigos; e que possa receber nas Moradas Celestes os que pereceram entre as chamas do acidente terrível.

Ele é o dono e o sentido da festa – Feliz Natal!

É o Natal do Senhor, e Cristo é nascido para nós. No mais alto dos Céus os anjos entoam o cântico de Glória, e na terra os homens de boa vontade podem enfim gozar de paz. Foi-nos dado um Menino para a nossa salvação!

É Natal! Que as portas do Céu neste dia abertas de par em par possam derramar copiosas graças sobre nós. Que, após a peregrinação do Advento, possamos chegar jubilosos a Belém para adorar o Deus-Menino nos braços virginais de Sua Santíssima Mãe. Que o fulgor desta Luz que resplandece nas Trevas possa afastar as trevas dos nossos próprios corações, e que a vista de um Deus envolto em faixas por amor a nós possa comover-nos e nos converter.

Porque Ele é o dono e o sentido da festa. Se o Natal é a festa das famílias, é porque o Verbo nasceu no seio da Família de Nazaré. Se é uma festa alegre, é pelo fato desta alegria ser um eco daquele gloria in excelsis Deo que os os coros angelicais entoaram há dois mil anos. Se é uma festa de paz, é por conta da promessa aos pastores de que o Nascimento do Menino era causa de paz na terra aos homens de boa vontade. Se é uma festa de troca de presentes, é porque é uma festa de Aniversário. Se é uma festa de generosidade para com os mais pobres, é por conta da Estrebaria de Belém que foi a única a oferecer alguns cuidados à indigência de uma Mulher grávida com Seu Esposo. Se é uma festa de mudança de vida, é por causa do Verbo que Se fez carne um dia e, desde então, o mundo nunca mais foi o mesmo. Tudo no dia de hoje exige o Menino de Belém e aponta para Ele. Não nos esqueçamos desta verdade.

papai-noel

Cristo nasceu! Aleluia!

Um Santo e Feliz Natal a todos os leitores do Deus lo Vult!.

No meio das trevas do Pecado, uma Virgem resplandecia Cheia de Graça!

Hoje se celebra a Imaculada Conceição d’Aquela Mulher extraordinária que sozinha venceu todas as heresias do mundo inteiro; d’Aquela que o próprio Verbo de Deus quis ter por Mãe e, instando-nos a sermos imitadores d’Ele, estabeleceu que também a nós – e já nesta terra! – seriam concedidas as graças de tão excelsa maternidade espiritual. Se Cristo é Filho da Virgem e nós somos chamados a um convívio familiar com Ele, então somos nós todos filhos d’Ela também. Se Cristo é Filho da Virgem e nós somos irmãos de Cristo, segue-se com lógica inelutável que somos também filhos desta Sua Divina Mãe.

Hoje é a Festa da Imaculada Conceição da Virgem Santíssima, e o reverendíssimo sacerdote na homilia que eu ouvia esta manhã lembrava-nos que Deus tem uma visão positiva do homem. Deus, que tudo o que criou viu que era bom, não abandonou a Sua obra após a tragédia do Pecado Original. Já no Proto-Evangelho do Gênesis ele anuncia um Salvador que virá por meio da descendência da Mulher; em um certo sentido, a Virgem Imaculada, coroada de Graça e de Beleza, é o arquétipo de ser humano nos desígnios do Onipotente. Ela é Toda Bela e desde sempre livre da mancha do Pecado Original, Ela é a Filha Dileta de Deus Pai, a Mãe Amável de Deus Filho, a Esposa Fiel do Espírito Santo e o Templo Imaculado da Trindade Santa; nós todos, que nesta Mulher estamos tão bem representados diante do Altíssimo, alegremo-nos n’Ela, com Ela e por Ela!

O dia de hoje está profundamente associado a um dos títulos com os quais a Santíssima Virgem é louvada na Ladainha Lauretana: a Santíssima Virgem é a Estrela da Manhã, Stella Matutina. Aquela que surge no Céu da noite como um prenúncio da Alvorada, antes do nascer do sol mas como a avisar que o sol está por nascer. Assim a Santíssima Virgem, resplandecendo Imaculada no horizonte da história da humanidade antes mesmo do Cordeiro de Deus vir ao mundo para livrá-lo do Pecado. Como a anuciar-Lhe, exigindo-Lhe até, pois é do Seu Sacrifício na Cruz do Calvário que brotam todas as graças do mundo, sem excetuar nem mesmo estas com as quais a Virgem Santíssima aparece adornada no dia de hoje. E é justamente na Stella Matutina que eu penso toda vez que rememoro a Saudação Angélica, testemunho escriturístico e eloqüente da grande Festa hoje celebrada: Ave, gratia plena! No meio das trevas do Pecado, uma Virgem resplandecia Cheia de Graça. No meio do mundo que jazia sob o Maligno, uma Mulher erguia a fronte Imaculada. Na plenitude dos tempos em que a Criação esperava o Seu Salvador, a Sua Mãe Puríssima lá estava para trazê-Lo ao mundo: foi por Seu Fiat que o Verbo se fez  carne, foi pela Sua resposta generosa a Deus que o Cristo veio ao mundo, foi pelo seu Sim que nos chegou a Salvação, Jesus.

Deus Vos salve, Virgem Soberana, a Quem todos os cristãos somos infinitos devedores! Deus Vos salve, Bem-Aventurada e Imaculada Mãe de Deus, Maria Santíssima por Quem se salva todo espírito fiel! Lembrai-Vos de falar a Vosso Divino Filho coisas boas a nosso favor. E aqui, na terra, concedei-nos sempre a graça de viver e morrer cantando os Vossos louvores.