Subir ainda um pouco mais…!

Foi com espanto que eu vi, hoje pela manhã, estas fotos de adolescentes russos nas alturas. Não sei se é algum tipo de competição, se alguma maneira de experimentar sensações intensas (uma espécie de substituto psicológico para o efeito que, em outros tempos e lugares, seria buscado por meio de drogas ou álcool), se simplesmente um desgosto por uma vida que se percebe vazia… não sei. Também não sei quem inventou esta moda ou se alguém já se machucou fazendo isso; mas o que salta aos olhos é a imponência das imagens, que em alguns casos chega a dar vertigens.

As fotos me parecem, na verdade, extremamente adequadas à juventude, a esta fase da vida em que a possibilidade de se mudar o mundo parece tão concreta que, certas vezes, a gente acaba mudando-o mesmo. Expressão desordenada da juventude, por certo, uma vez que ninguém pode colocar a própria vida em risco sem razão proporcionada; mas deixemos estes pormenores técnicos de lado por ora. Ninguém imagine que eu esteja defendendo a irresponsabilidade; o meu ponto é precisamente que é possível explorar as características próprias da juventude sem necessariamente se tornar irresponsável.

A grandeza! A altura, o vento no rosto, o mundo pequeno sob os pés, o céu próximo a ponto de dar a impressão de que seria possível tocá-lo com as mãos caso se subisse só um pouquinho a mais! A imagem se presta a uma bonita metáfora sobre o itinerário espiritual, com os arroubos próprios da juventude que se reproduzem tão bem, no plano religioso, nos dos neo-conversos. Costuma-se dizer que a maturidade (natural) vem quando a gente troca o desejo de mudar o mundo pelo de pagar as contas no final do mês; no plano espiritual, no entanto, tal não pode acontecer. É preciso sempre voltar ao altar do Todo-Poderoso que é a verdadeira Fonte da Juventude – ad Deum qui laetificat juventutem meam, como rezamos nas orações ao pé do altar – para ali encontrar este entusiasmo com a a vida e com a vocação cristã, esta indizível sensação de que o mundo está na iminência de ser mudado e que, portanto, vale a pena esforçar-se ainda um pouco mais. Em suma, esta capacidade (tão tipicamente jovem) de não se deixar desanimar, de não esmorecer diante das dificuldades que, talvez, insistam em se levantar.

O céu! O corpo solto, o mundo lá embaixo, distante. Desimportante. O tênue equilíbrio – na vida da graça? – que precisa ser mantido com diligência, senão cairemos – no pecado? – e morreremos. Mais sentido que o Skywalking russo tem a vida espiritual cristã. Mais importante que aproximar-se do céu físico é se esforçar por chegar (ainda!) mais perto de Deus. Mais perigoso que o espaço vazio sob os jovens é o Inferno aberto a nossos pés. E mais bela – infinitamente mais bela! – do que a vista das alturas é a visão de Deus.

A primeira Missa do Brasil

E faz hoje 512 anos que foi celebrada a primeira missa no Brasil recém-descoberto. O primeiro ato público realizado nesta Terra de Santa Cruz; a esquadra de Cabral aqui aportou no dia 22 de abril e, no dia 26, o frei Henrique de Coimbra subia ao altar do Deus que é a alegria da sua juventude para oferecer à Trindade Santa o sacrifício do Corpo e do Sangue de Cristo.

A conhecida pintura – como nos diz o Salvem a Liturgia! – retrata a missa do dia primeiro de Maio, sexta-feira, a primeira em terras continentais. A missa do dia 26 – então Domingo in Albis, da Oitava de Páscoa – foi celebrada em uma pequena ilhota hoje inexistente. Feito o pequeno reparo histórico, o fato é que hoje nós celebramos as primícias da vocação do Brasil, o desabrochar da história desta terra chamada a glorificar a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na efeméride talvez valha a pena a leitura de dois textos sobre o assunto. Um do Orlando Fedeli e, outro, do Plínio Corrêa de Oliveira. Deste último, destaco esta exortação aos poderes públicos:

“Na harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre dois poderes.

“Deus jamais é tão bem servido como quando César se porta como seu filho.

“Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-lo afianço: César jamais é tão grande como quando é filho de Deus.

“Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso, e nela vossa parte é verdadeiramente magnífica.

“Trabalhai, senhores, trabalhai neste sentido.

“Tereis a cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor.

“E quando algum dia Deus vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão.

Que distância vai entre estes arroubos de entusiasmo patriótico e a triste situação do Brasil atual, que jaz sob o peso dos adversários da civilização e agoniza subjugado pelos inimigos da Cruz de Cristo – Cruz que primeiro deu nome a esta Terra! Mas há ainda esperança, se levantarmos os olhos para o Céu e, de lá, esperarmos o nosso socorro. Se nos esforçarmos por fazer valer a lembrança do dia de hoje: da primeira vez em que Cristo foi exaltado no Brasil. Se correspondermos às graças que o Todo-Poderoso tem reservadas para a nossa Pátria Amada.

Que a Virgem Santíssima, Rainha e Padroeira do Brasil, possa conduzir a nossa Pátria às grandezas às quais ela está destinada. Que Ela nos possa valer e o Brasil, liberto do lamaçal pútrido onde hoje se encontra, possa erguer-se ao sol do Deus da Justiça qual impávido e imponente colosso. Que a Virgem Aparecida salve o Brasil.

“How can I join you?” [Chesterton – O Homem que foi Quinta-Feira]

[Faz muito tempo que eu li este “O homem que foi Quinta-Feira” de Chesterton; tanto tempo que eu nem me lembrava mais da qualidade de alguns dos diálogos do livro, como estes que vêm transcritos e representados abaixo.

Talvez os inimigos da Igreja nunca tenham entendido o porquê d’Ela ser intransigente nos princípios mas tolerante na prática. Contudo, esta é racionalmente a melhor atitude que pode ser tomada: a única que consegue salvaguardar, simultaneamente, o presente e o futuro. A única que consegue, simultaneamente, mover as pessoas em busca da virtude e conservá-las vivas a despeito dos seus vícios. A transigência nos princípios fecharia os horizontes à possibilidade de melhoras, enquanto que a intransigência nos atos levaria ao extermínio dos que ainda têm algo a melhorar. A Igreja, ao contrário, é sábia a ponto de saber que é preciso crer e amar. Por isso a Igreja tem em Si este dinamismo civilizador; por isso o Cristianismo foi capaz de construir o mundo em que vivemos: por saber que é preciso, ao mesmo tempo, conservar radicalmente o mundo que existe e apresentar com intransigência um ideal de mundo.]

Nós acreditamos em uma conspiração puramente intelectual, que logo ameaçaria a própria existência da civilização: que o mundo científico e o mundo artístico estão marcando secretamente uma cruzada contra a Família e o Estado. Nós formamos uma corporação especial de policiais, policiais que também são filósofos. É nossa função investigar as origens desta conspiração.

Os ladrões respeitam a propriedade. Só que desejam que a propriedade seja deles, para que eles a possam respeitar muito mais. Mas os filósofos detestam a propriedade como propriedade; eles desejam destruir a própria idéia de propriedade privada. Os bígamos respeitam o casamento, ou eles não iriam tolerar plenamente a árdua formalidade cerimonial da bigamia. Mas os filósofos desprezam o casamento como casamento. Assassinos respeitam a vida humana; eles só querem obter uma maior perfeição de vida humana em si mesmos pelo sacrifício daqueles que lhes parecem vidas inferiores. Mas os filósofos odeiam a vida em si. Tanto a sua própria quanto a dos outros.

Há sete anos, Bento XVI era eleito Papa – #7BXVI

Em uma manhã de domingo de 2005, diante dos milhares de católicos que lotavam a Praça de São Pedro para acompanhar a missa de início do Ministério Petrino de Sua Santidade o Papa Bento XVI, o recém-eleito pontífice fez ressoar por três vezes este pedido: “Rezai por mim!”.

São Pedro negou a Cristo por três vezes; o seu sucessor, olhos fitos na experiência passada, julgou prudente fazer a tríplice súplica tão logo pôs nos dedos o anel do Pescador. Inusitado particularmente o terceiro pedido desta série: “Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos”.

E não é senão contra lobos que vem lutando heroicamente o Papa Bento XVI desde então. As orações que ele recebeu a partir de abril de 2005 vêm dando um incrível resultado; quem poderia imaginar, há sete anos, que a Igreja Católica estaria na situação em que se encontrar hoje? Fruto, claro está, da Sua história e dos homens que, do Trono de Pedro, cuidaram de pavimentar as estradas para que o atual Soberano Pontífice pudesse trilhar o caminho pelo qual conduz hoje o Povo de Deus; mas fruto também, sem dúvidas, da genialidade do pontificado deste ancião que nos impressiona e desconcerta.

É difícil fazer um balanço do pontificado de Bento XVI (porque alguma injustiça será feita, ainda que por esquecimento involuntário). No campo da Liturgia, é o Papa do Summorum Pontificum e da restauração da sacralidade das Liturgias Pontifícias; no campo do Ecumenismo, é o Papa da histórica Anglicanorum Coetibus. É o Papa que beatificou o seu predecessor e que canonizou o nosso Frei Galvão. Foi quem levantou a excomunhão dos bispos da FSSPX. No campo do diálogo entre Fé e Razão foi o autor do (também histórico) discurso de Ratisbona; e foi também ele quem tomou sobre os seus ombros o encargo de enfrentar corajosamente o problema dos abusos sexuais no clero, colocando [mais uma vez] a Igreja como vanguarda no combate a este terrível mal da sociedade contemporânea.

Nem sempre foi bem compreendido, e esta é uma das características de Bento XVI que eu considero mais marcantes. Certa vez a injustiça foi tão flagrante que ele se permitiu esta queixa aos Seus irmãos no episcopado: “Fiquei triste pelo facto de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, se sentirem no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste”. Do alto do seu trono, o Vigário de Cristo não esconde a sua humanidade e, abertamente, diante de todos os católicos que lhe estão sujeitos por direito divino, tanto se queixa quando pede por orações!

E ver o princípio sobrenatural da Unidade da Igreja de Cristo emanar de um homem que em tudo faz questão de se manter próximo dos católicos sobre os quais governa é contemplar com maior intensidade o verdadeiro significado de Pontífice, i.e., aquele que faz (ou que é) a ponte entre o mundo sobrenatural e o natural, entre Deus e os homens. Hoje é o aniversário da eleição do Cardeal Ratzinger ao Sólio Pontifício; é o sétimo anversário daquele histórico Habemus Papam que ainda nos ressoa aos ouvidos. Que o Senhor lhe conceda vida longa e [ainda mais] próspera! Et oremus pro pontifice nostro Benedicto, de novo e ainda mais uma vez, porque é evidente que o Todo-Poderoso tem escutado nossas preces e está realizando maravilhas na Sua Igreja por intermédio do vigário do Seu Filho.

Parabéns, Santo Padre!

Guardar a fé, o serviço de Bento XVI – #7BXVI

[Fonte: Gazeta do Povo. Não deixem de manifestar ao jornal – atráves do email leitor@gazetadopovo.com.br – a sua opinião sobre o assunto, elogiando a publicação, a escolha do tema, o espaço concedido a uma linha editorial que parece ter pouca cidadania na mídia moderna. Este blogueiro agradece.]

Guardar a fé, o serviço de Bento XVI

“Não anunciamos teorias nem opiniões privadas, mas a fé da Igreja da qual somos servidores”, disse na última Quinta-Feira Santa o Papa Bento XVI, que na segunda-feira completou 85 anos de idade e, hoje, comemora sete anos de pontificado. Ele respondia a um manifesto de padres europeus que solicitava, entre outras mudanças na Igreja, a ordenação de mulheres e a possibilidade de divorciados casados em segundas núpcias receberem a Eucaristia.

A idade avançada do Papa faz com que não falte nem mesmo quem insinue – com ares de exigência – que Bento XVI deveria renunciar por não estar mais em condições de governar a Igreja Católica do terceiro milênio. Mas, no último domingo, Bento XVI tornou a pedir que os católicos rezassem por ele, a fim de que ele cumpra a missão que lhe foi confiada. Parte desta missão é o combate ao relativismo, a noção de que valores e verdades são maleáveis de acordo com o tempo e o local. Esta mentalidade permeia tanto o mundo moderno como o interior da própria Igreja, como atesta o Apelo à Desobediência a que o Papa respondeu na Semana Santa.

O papel do bispo de Roma, como sempre foi entendido pelos católicos, é um papel de serviço e não de poder. E este serviço não tem a mesma conotação que costumamos encontrar nos dias de hoje, como se significasse bajulação das massas ou obediência subserviente às reivindicações da moda. Bento XVI recebeu a difícil missão de governar mais de 1 bilhão de fiéis católicos espalhados por um mundo plural onde o relativismo parece ser o último dogma que se manteve de pé após o homem moderno e evoluído relegar o fenômeno religioso ao terreno da superstição. E, na contramão das tendências modernas, decidiu dar ao seu pontificado uma tônica de redescoberta e valorização da identidade católica.

Esta posição foi manifestada tantas vezes que, até mesmo por uma questão de honestidade, não é lícito a ninguém ignorá-la. Ainda antes de ser eleito Papa, interpelado sobre o porquê de a Igreja Católica não agir com um pouco mais de transigência diante das exigências morais dos nossos dias – como o aborto, a contracepção, o casamento gay –, o então cardeal Ratzinger respondeu que a maior parte dos protestantes já aceitava estas práticas há muito tempo e nem por isso suas igrejas estavam com maior popularidade que a Igreja Católica.

Em sua viagem à Alemanha em setembro do ano passado, o Papa disse, em um encontro com seminaristas, que o número dos que pediam uma flexibilização da doutrina moral da Igreja, por grande que chegasse a ser, seria sempre uma falsa maioria. Porque a Igreja é formada também pelos católicos dos séculos passados, de tal maneira que não é possível haver uma maioria contra os apóstolos e os santos. Ninguém está obrigado a ser católico, mas os que querem sê-lo têm a obrigação de professar a fé que é, afinal de contas, precisamente aquilo que os define como católicos.

O Papa é guardião da fé, e não o seu artífice. Bento XVI pode não estar governando da maneira como gostariam alguns católicos mais progressistas, mas ninguém o pode acusar de estar sendo infiel à Igreja da qual ele se apresenta como o maior dos servos.

Jorge Ferraz é analista de sistemas e mantém o blog Deus lo Vult! (www.deuslovult.org), premiado como o melhor blog pessoal de religião do Brasil pelo júri acadêmico do Top Blog 2011.

O Silêncio do Cânon

Certa vez, não me recordo agora em que circunstâncias, eu disse para alguém que gostava mais da Missa [Tridentina] rezada do que da cantada. A afirmação pode parecer absurda, uma vez que a Missa cantada é objetivamente mais bonita do que a rezada até por definição: é mais solene, mais rica em símbolos, mais completa [nos acidentes, lógico], mais imponente; mais bonita, em suma. Eu o sei. Mas eu pensava n’alguma coisa de muito particular quando disse gostar mais da rezada: eu pensava naquele santo e sagrado silêncio que chega a ressoar nos ouvidos de quem está acostumado com as missas [mais ou menos] “bagunçadas” das nossas paróquias normais.

O silêncio! Lembro-me, inclusive, que eu pensava em um silêncio específico: no Grande Silêncio do Cânon, na Iconostase Ocidental, naquele silêncio de eloqüência maior impossível. Lembro-me ainda da frase que então empreguei: “a gente se ajoelha pecador [após o Sanctus] e se levanta [após a Doxologia Final] filho de Deus”. É um silêncio sublime e terrível que pesa sobre nós, disposição tão propícia para aquele momento terrível que outra mais adequada não consigo sequer imaginar.

O Sacerdote sobe ao Altar para oferecer à Trindade Santa o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo em expiação pelas nossas faltas. E nós, espectadores de tão inefável mistério, outra coisa não podemos fazer senão cair de joelhos e suplicar a misericórdia do Todo-Poderoso: se os próprios Anjos e Arcanjos, Querubins e Serafins tremem na presença do Altíssimo enquanto chamam três-vezes Santo ao Senhor dos Exércitos, como poderíamos nós – reles humanos! – resistir? Caiamos por terra e nada mais digamos, mudos (e imerecidos!) espectadores destes sublimes acontecimentos! Gosto de pensar que os próprios Anjos cobrem o rosto diante de Deus neste Novo Santo dos Santos, e desviam o olhar de Sua Face Terrível; nós, aqui na terra, imitamos os cobertos rostos angélicos por meio do nosso silêncio, e desviamos o nosso olhar quando, de joelhos, abaixamos a nossa fronte diante de Cristo Elevado na Cruz da Missa.

Pesa sobre nós este silêncio terrível propter peccata nostra; afastamo-nos de Deus e não somos dignos de falar diante d’Ele! A nossa atitude é a de um escravo que, surpreendido em delito por seu Senhor, abaixa a cabeça esperando o azorrague descer com violência sobre si. De repente, no entanto, eis que Alguém Se interpõe entre o Senhor e Seu escravo, entre o pecador e a Ira de Deus: eis que Jesus Cristo, Sacerdote e Vítima, vem aplacar a cólera do Onipotente, vem levar sobre os Seus ombros os açoites a nós dirigidos, vem ser fustigado em nosso lugar! Diante de uma situação assim, repito, o que fazer senão calar-se e abaixar a cabeça? E é precisamente diante desta situação que nos encontramos sempre que assistimos a Santa Missa. Que outra coisa podemos fazer?

E o silêncio do Cânon é isto: é sentir o cutelo balançando sobre nossa cabeça e esperar o – merecido! – golpe fatal, tendo contudo a confiança, lá no fundo!, de que Outro vai recebê-lo em nosso lugar. A cada missa eu me ajoelho angustiado pensando que, desta vez, pode muito bem ser que o golpe divino recaia sobre mim: seria mais do que merecido. E, a cada missa, o per omnia saecula saeculorum me faz levantar agradecido e aliviado porque, [para mim] mais uma vez, Cristo ofereceu-Se em meu lugar.

Ad multos annos, Santo Padre!

Hoje, 16 de abril de 2012, é aniversário de Sua Santidade o Papa Bento XVI. O Sumo Pontífice gloriosamente reinante completa 85 anos de vida. A ele, o nosso preito de gratidão e nossas mais efusivas felicitações pela augusta efeméride.

Lembro-me de um dia em 2005. Durante o conclave, no meio da comoção pela morte do Bem-Aventurado João Paulo II, alguns especialistas (acho que na rede Globo) apontavam como certo que o próximo Papa iria se chamar “João Paulo III”. Veio o Habemus Papam, e com ele a notícia de que o Eminentíssimo e Reverendíssimo Cardeal da Santa Igreja Romana Joseph Ratzinger, eleito vigário de Cristo, tomava sobre si o nome de Benedictus XVI.

Bento XVI! Logo depois, alguém lhe perguntou o porquê da escolha do nome. Recordo-me de que ele disse, meio brincalhão, que fora porque o último Bento tivera “um pontificado curto”. Bento XV foi Papa entre 1914 e 1922. Bento XVI já entra no seu oitavo ano de pontificado, para a maior glória de Deus, e permita a Divina Providência que ele ainda possa capitanear a grei de Deus por muitos anos.

Ad multos annos! O voto, por vezes repetido mecanicamente, reveste-se no dia de hoje de um desejo da mais pungente sinceridade; um desejo que brota ex imo cordis mei – e, penso, também do mais íntimo dos corações de todos os católicos fiéis – e que, se tal fosse possível, traduzir-se-ia infalivelmente em uma vida longa e próspera ao sucessor de Pedro. Se existe algum desejo que, por força de intensidade, é capaz de produzir eficazmente no mundo aquilo que ele significa, tal é o caso deste ad multos annos repetido com tanta freqüência no dia de hoje.

Felicidades, Santo Padre! Leio que Bento XVI já é o Papa mais longevo desde Leão XIIIque venham ainda muitos anos! Que se realizem os votos da Marcha Pontifícia; que o Santo Padre possa viver tanto ou mais que Pedro, para a maior glória de Deus e exaltação da Santa Madre Igreja, e que a Virgem Santíssima possa culminar-lhe com todas as graças necessárias para permanecer fiel à missão que a Divina Providência lhe confiou, são os meus mais sinceros votos. Auguri!

Ressuscitou!

Alegrai-Vos, Rainha do Céu, aleluia, porque Aquele que mereceste trazer em Vosso seio, aleluia, ressuscitou, como dissera, aleluia! Rogai por nós a Deus, aleluia!

Ressurgiu, verdadeiramente! Noite gloriosa que – como cantamos há pouco no Exsultet – foi a única a saber a hora exata em que Cristo irrompeu vencedor do Inferno. Culpa feliz, que mereceu um Redentor tão excelso.

E onde está, ó Morte, o teu Aguilhão? Onde a tua vitória? Cristo venceu. E a vitória d’Ele abre caminho para a nossa. Nos passos d’Ele nós estamos representados. Na Ressurreição d’Ele, a esperança da nossa.

Ressuscitou! Aleluia!

A todos uma feliz e santa Páscoa; são os votos do Deus lo Vult! aos que por aqui passarem.

Ele ressurgirá – Sábado Santo

No dia de hoje – lembrava-nos pela manhã o sacerdote – não há nada na Igreja. Nada, nem missa matinal ou vespertina, nem nenhuma celebração litúrgica (como a de ontem), nem nada. A única cerimônia do Sábado Santo é a que ocorre mais tarde, nesta noite: a gloriosa Vigília Pascal. Antes disso, a Igreja vive da santa expectativa da Ressurreição do Salvador.

Vivemos hoje desta bendita esperança! Eu já disse algures que, no dia de hoje, o Altíssimo não deixou o mundo desamparado: deixou-nos a Virgem Santíssima, Sua gloriosa Mãe. Hoje invocada sob o título de Nossa Senhora da Soledad, mas também – por que não? – como Nossa Senhora da Esperança. A Esperança certa de que o Sol da Justiça ressurgirá; a Esperança confiante de que a Morte não tem a última palavra e, afinal de contas, o Amor não foi derrotado na Cruz da Sexta-Feira. Deus vencerá: esta verdade resplandece n’Ela – que é, por Si só, evidência incontestável da vitória de Cristo – com uma clareza capaz de sobrepujar os nossos medos e incertezas.

A Virgem Santíssima é verdadeiramente, hoje mais do nunca, penhor da nossa esperança! A garantia de que Cristo voltaria ao mundo é Maria Santíssima ter ficado por aqui; se Ele A deixou, voltará certamente, nem que seja apenas por conta de Sua Divina Mãe. Voltará com certeza, e nós podemos nos convencer desta verdade se olharmos nos olhos desta Mulher que permaneceu de pé diante do Calvário, se nos segurarmos com confiança nas barras da saia desta que Cristo, do Alto da Cruz, nos deixou por Mãe.

Cristo, mais tarde, irá irromper glorioso das trevas do Túmulo. Esperemos com confiança a Sua Vitória; mas esperemo-la ao lado da Virgem Santíssima, ao lado deste resquício de Graça – ou melhor, deste Mar de Graças – que permaneceu no mundo e é capaz de santificar o mundo inteiro. É capaz de fazer o mundo valer a pena, e de nos dar a certeza de que Deus não desistiu de nós. Ele ressurgirá. E nós, esta noite, iremos esperá-Lo.

A maior das tristezas – Sexta-Feira Santa

E o Senhor está morto. A tristeza do dia de hoje transcende a esfera meramente litúrgica e integra o patrimônio cultural do Ocidente: recordo-me, p.ex., daquele decassílabo de conhecida poetisa lusitana que, para falar de tristeza, em contexto totalmente secular, escreve que “parece Sexta-Feira da Paixão”. Tal característica não se impregnou neste dia à toa: foi devido à força da repetição de símbolos católicos ao longo dos séculos. O dia de hoje exala tristeza por todos os lados: no silêncio dos sinos substituídos pelas matracas, nas igrejas nuas com as imagens cobertas e o Sacrário aberto e vazio (parecendo uma igreja protestante, como um amigo comentou magistralmente), nas vias-sacras ou nas representações da Paixão de Cristo que se realizam com particular abundância no dia de hoje.

Mas a tristeza transformada em lugar-comum pode, paradoxalmente, obscurecer o seu sentido mais profundo. É comum que nós nos sintamos tristes por uma espécie de empatia para com aqueles que sofrem. A imagem do Cristo-Sofredor é capaz de provocar tristeza mesmo que sob uma perspectiva exclusivamente natural: não é no entanto por isso que é triste o dia de hoje. A tristeza da Sexta-Feira Santa não é simplesmente um luto pela morte trágica de um inocente: coisas assim infelizmente acontecem com relativa freqüência. A tristeza de hoje é única e irrepetível, e brota (pode-se dizer assim) das entranhas da Criação. É uma tristeza cósmica provocada pela revelação das conseqüências do nosso pecado.

Hoje, antes de morrer um Inocente, desenrola-se um drama em relação ao qual nós temos um inglório protagonismo. Os gritos de “Crucifica-O” que demos na celebração da Paixão não estão lá por acaso: revelam o nosso infelicíssimo papel nos acontecimentos do dia de hoje (e, repito, quem não se colocar pessoalmente entre os algozes de Cristo não é capaz de viver bem a Semana Santa). Hoje nós crucificamos o Filho de Deus. Pensar apenas que morreu um inocente é sem dúvidas trágico, mas é muito pouco. A tristeza do dia de hoje é a que brota da assustadora consciência de que eu matei um inocente. A tristeza de hoje é a do homicida (pior: a do deicida!) que se descobre com as mãos sujas de sangue. Que se sabe pessoalmente responsável pelos dolorosos sofrimentos de Cristo, cujos gritos nós entrevimos nas páginas do Evangelho lidas mais cedo.

E estes gritos atravessaram os séculos e ressoam ainda hoje nos nossos ouvidos, lembrando-nos de que é Sexta-Feira Santa, é Sexta-Feira da Paixão e, hoje, nós crucificamos a Cristo. Quanta dor brota desta aterradora verdade, quanta tristeza emana desta assustadora tomada de consciência! Este é, contudo, o sentido do dia de hoje. O Salvador foi morto por nós, e jaz no túmulo, e estamos desamparados. Se fria é a pedra do túmulo, mas frio é o nosso coração manchado por tão terrível crime. Triste, para sempre triste, é o dia no qual estes fatos aconteceram.