A frase acima é um antigo adágio latino aplicado aos jesuítas: diz-se que eles nem se preocupam com as rubricas litúrgicas [nec rubricant] e nem cantam [nec cantant]. Não sei qual a origem do ditado, mas ele parece se aplicar muito bem ao Papa Francisco.
Que ele não era um grande liturgista foi uma das primeiras coisas que eu falei aqui no blog, logo após a sua eleição: «Acho pouco provável que voltemos aos piores pesadelos litúrgicos da época de João Paulo II, mas infelizmente penso que tampouco iremos nos embevecer com a sacralidade do ethos de Bento XVI». Hoje o Rorate Caeli pôs uma pequena nota sobre a Missa Pontifícia do último domingo: pela primeira vez, o Papa Francisco distribuiu a Comunhão sem o genuflexório que Bento XVI introduzira nas liturgias papais. No último domingo, portanto, as pessoas que receberam a Eucaristia das mãos do Romano Pontífice, fizeram-no de pé e não de joelhos. E sem a patena, o blog faz questão de frisar.
É certo que se trata de uma notícia profundamente triste, uma vez que a nossa opinião particular é a de que existe uma estreita correlação entre sacralidade litúrgica e ortodoxia; e isso de tal modo que, no meio da terrível crise de Fé que a Igreja atravessa nos dias de hoje, o exemplo é uma das formas mais eficazes e seguras de transmitir os conteúdos da Fé da Igreja. Mas não nos esqueçamos de que o Papa Francisco não está fazendo nada de inesperado ou revolucionário. Não é inesperado, porque – como dissemos antes – os detalhes litúrgicos não nos parecem fazer parte das preocupações mais próximas do Sumo Pontífice. E não é revolucionário porque a rigor é lícito receber a comunhão de joelhos ou de pé, como dizem os documentos vigentes sobre o assunto.
Do fato da comunhão de joelhos expressar mais perfeitamente a Fé Católica na Eucaristia, não segue que recebê-La de pé equivalha a cair em heresia: mesmo quando as regras para a distribuição da comunhão eram mais rígidas, sempre se permitiu que comungassem de pé as pessoas que, por questões de saúde, não podiam se ajoelhar. Ainda, do fato da comunhão de joelhos ser o modo mais perfeito de receber a Nosso Senhor Sacramentado, não segue que um sacerdote não possa distribuir a Eucaristia para comungantes de pé, se julgar prudente em determinadas circunstâncias concretas (*). Por fim, do fato do Papa Francisco ter distribuído a comunhão para comungantes de pé na missa que celebrou na paróquia de Santi Elisabetta e Zaccaria, não segue que este deva ser doravante o modo ordinário de distribuição da Eucaristia. Nem nas liturgias papais, e nem muito menos nas missas celebradas mundo afora.
[(*) É fato que a Primeira Comunhão trata-se exatamente de uma ocasião que, por sua própria natureza, justificaria – quase exigiria até – uma maior solenidade na administração do Santíssimo Sacramento, sendo portanto o mais natural distribuí-Lo com o genuflexório… mas é dever de caridade pensar que o Santo Padre não fez considerações de caráter ideológico quando distribuiu a Eucaristia para crianças de pé no último Domingo. Nada nos autoriza a julgar mal as intenções do Romano Pontífice.]
Enfim… Nec rubricat. Já o sabíamos. Até o próprio pe. Lombardi já havia aludido ao adágio. Mas e quanto ao “nec cantat”? O significado mais literal nos diz que ele simplesmente não canta, o que em linhas gerais é verdade. Mas gosto de pensar em um sentido mais metafórico para a expressão: o Papa Francisco não canta, quer dizer, ele não [se preocupa em] agrada[r]. Ele não busca aplausos, não está em Roma para fazer espetáculos recreativos, e sim para anunciar a Religião do Crucificado com todas as exigências que ela acarreta. Não faz concessões, por mínimas que seja. Não tem palavras bonitinhas para o mundo moderno, mas somente duras admoestações. Já citamos aqui alguns exemplos disso, mas eles se multiplicam a cada dia. Trago mais dois.
Na semana passada, falando sobre o dia de oração pelos católicos chineses, o Papa não fez lamentações genéricas sobre as perseguições sofridas pela Igreja na China e nem se limitou a admoestar os poderes públicos para que respeitassem os direitos humanos, a liberdade religiosa e coisas do tipo. Muito pelo contrário, pediu que os católicos do mundo inteiro rezassem por estas intenções para a China: «para implorar de Deus a graça de anunciar com humildade e com alegria Cristo morto e ressuscitado, de ser fiel à sua Igreja e ao Sucessor de Pedro, e de viver a cotidianidade no serviço a seu país e aos seus compatriotas de modo coerente com a fé que professam». Fidelidade à Igreja de Roma e testemunho público da Fé Católica a despeito do ateísmo estatal: eis o que o Vigário de Cristo acha importante pedir para a China!
Já ontem, fustigando impiedosamente a mentalidade moderna – presente e atuante mesmo entre muitos ditos católicos! – a respeito do casamento, o Papa Francisco afirmou: «Quantos casais se casam e pensam em seu coração, sem ousar dizer: ‘enquanto houver amor e, então, veremos depois'[?]»; e ainda, colocando-se ironicamente “no lugar de um pai católico de hoje”: «Não, eu não quero mais um filho [p.s.: a melhor tradução é “não, não, mais de um filho não!”, como se depreende do original italiano «No, no, più di un figlio, no!» disponível no site do Vaticano], porque não poderemos viajar de férias, não poderemos ir a tal lugar, não poderemos comprar uma casa! (…) Nós queremos seguir o Senhor, mas até certo ponto». A contundência da mensagem foi tamanha que mesmo a mídia secular (pela primeira vez de que eu me recorde) se viu obrigada a compará-lo com Bento XVI não para antagonizá-los, mas para demonstrar a harmônica continuidade entre o Papa reinante e seu predecessor: «[o Papa] Francisco retomou fielmente, mas em termos concretos que podem estar na mente das pessoas, temas que seu antecessor Bento XVI expunha em termos abstratos: casamento concebido como temporário, medo de compromisso, preguiça e recusa de abandonar seu conforto pessoal».
Nec cantat! O Papa não busca a aprovação do mundo moderno, graças a Deus. Não mede esforços por fazer a mensagem cristã conhecida, ainda que isso vá ferir susceptibilidades contemporâneas. A sua pregação não é melosa ou condescendente, muito pelo contrário: as suas palavras são duras! Como as do Cristo de quem ele é vigário [cf. Jo VI, 60]. Mas, para os que somos católicos, elas são uma doce e agradável melodia. O Papa não canta, mas as suas homilias soem ser como música para os nossos ouvidos.