A Igreja Católica e a «reforma política»

É verdadeiramente oportuna – profética até – esta entrevista de D. Murilo Krieger, arcebispo primaz do Brasil, publicada recentemente em Zenit. Nela Sua Excelência afirma, aos quatro ventos e com todas as letras, para quem quiser ouvir, que, no que concerne à “reforma política” atualmente em análise em uma comissão da Câmara dos Deputados criada especificamente para este fim, «algumas das propostas não correspondem ao que nós bispos defendemos ou, ao menos, o que muitos bispos pensam; nem algumas propostas que julgamos importantes estão ali».

Veja-se bem, “reforma política” é uma expressão muito vaga, dentro da qual “cabe” praticamente qualquer coisa. E se é muito fácil conseguir um enorme consenso em torno de bandeiras genéricas – quem, em sã consciência, vai negar que existe algo de muito podre no sistema político do Brasil atual? -, ajuntam-se cada vez menos devotos sob os estandartes à medida que eles se vão especificando e detalhando. Isso é bastante evidente, e não tem como ser de outra forma. No entanto, pretender que o projeto detalhado sirva indistintamente a todos os que manifestaram concordância com o ideal genérico, aí já é um salto que não se pode fazer sem critério. Mais ainda: fazer acreditar que ao específico projeto de reforma política que se está delineando em uma comissão do Congresso Nacional irão acorrer entusiasmados todos os que estão insatisfeitos com os rumos do nosso governo, assim, sem mais, é mais do que erro metodológico: é falha de caráter, é falta de honestidade, contra a qual é necessário se precaver.

Que o nosso sistema político necessite de uma reforma é um lugar comum. Qual seja especificamente a reforma da qual ele precisa, aí já é assunto para dividir as opiniões e acirrar os ânimos. Afinal, o que é “reforma política”? É voto majoritário, proporcional ou distrital? É exigir fidelidade partidária ou permitir que os candidatos concorram a cargos políticos sem pertencer a partido algum? É acabar com as legendas pequenas ou facilitar o processo de criação de partidos? É fortalecer ou banir as coligações? É financiamento público ou privado de campanha? As dúvidas, em suma, são muitíssimas: e se é verdade que todo mundo quer “mudanças” no cenário político nacional, disso não segue necessariamente que todos queiram mudar cada um dos pontos passíveis de mudança, e nem muito menos que os desejem modificar para o modelo proposto pelo colegiado do Congresso.

E é aqui que a porca começa a torcer o rabo, que a Conferência dos Bispos começa a meter os pés pelas mãos e que a intervenção do Primaz do Brasil se faz necessária. Há algumas semanas, a CNBB apresentou solenemente o “Manifesto em Defesa da Democracia” «para a mobilização em torno do Projeto de Lei de Iniciativa Popular e da defesa do Projeto de Lei (PL) 6316/2013, em tramitação na Câmara dos Deputados». Nem vou olhar para o PL agora. Ater-me-ei, primeiramente, ao texto do manifesto. Nele é dito que «[u]rge, portanto, para restaurar o prestígio de tais instituições [da Democracia Representativa], que se proceda, entre outras inadiáveis mudanças, à proibição de financiamento empresarial nos certames eleitorais, causa dos principais e reincidentes escândalos que têm abalado a Nação».

Ora, em primeiro lugar, não é o “financiamento empresarial” o que expõe as instituições democráticas ao descrédito, e sim a corrupção do governo. O cerne do enojamento popular é o fato mesmo do desvio de recursos para fins escusos, e não a autoria “empresarial” de tal desvio. O mesmíssimo asco se verificaria, a propósito, se fossem agentes públicos a desviar verba pública para a compra de apoio político.

Em segundo lugar: ao não fazer nenhuma alusão – nem mesmo remota… – a quais seriam essas «outras inadiáveis mudanças» que o restabelecimento do prestígio das instituições democráticas exige, o documento assume os ares de um cheque em branco. Não se sabe ao certo o quê os seus signatários estão demandando. É o problema a que se fez referência acima.

Em terceiro lugar, por fim, e muito mais importante aqui: ainda concedendo que a «proibição de financiamento empresarial nos certames eleitorais» fosse uma medida que gozasse da aceitação pacífica da sociedade brasileira, não caberia à Conferência dos Bispos tomar partido em tema tão materialisticamente contingente. A Igreja é Católica porque congrega em Si toda a diversidade legítima de posições temporais: n’Ela cabem (ressalvados, lógico, os aspectos das correntes políticas que são incompatíveis com o ensino da Igreja, e os quais existem em menor ou maior grau ao longo do espectro político historicamente apresentado) o monarquista e o republicano, o democrata e o liberal, o parlamentarista e o presidencialista, o defensor e o opositor do financiamento privado de campanha.

Não existe, portanto, nenhuma “posição católica” a respeito de reforma política alguma a não ser aquela que consiste nos princípios da Doutrina Social da Igreja – e, destes, não decorre nenhum regime político específico, nenhuma norma sobre financiamento de campanhas políticas, nenhum tipo concreto de sistema eleitoral. A Igreja não desce a essas miudezas. Não se queira, assim, sequestrar o apoio eclesiástico para iniciativa legislativa alguma dessa jaez. Pelo contrário aliás: talvez o engodo seja um indício de que os católicos, hic et nunc, devamos nos posicionar de modo contrário, e não favorável, ao movimento que se está urdindo.

«Mulher» e «aborto» são expressões que se repelem mutuamente

Ontem, oito de março, celebrou-se o dia internacional da mulher. Qualquer mínimo passeio pelas redes sociais revela que a data comemorativa foi amplamente sequestrada pelo feminismo revolucionário; todo mundo sabe, por exemplo, que a data é amplamente utilizada para que um punhado de mal-amadas, envergonhando o sexo grandioso que possuem, venham a público na mais despudorada e cínica apologia do aborto.

A bem da verdade, aliás, talvez o mais correto não fosse dizer que o oito de março foi “sequestrado”. Em sua gênese, a comemoração é e sempre foi feminista mesmo. A diferença, talvez, é que antes da expansão desenfreada da internet os atos pró-aborto tinham a repercussão pífia que mereciam. Ninguém dava atenção. Hoje, contudo, quando a qualquer coisa se concede ares de evento histórico, as feministas – cujo barulho, por conta dos amplificadores virtuais, é percebido muitas ordens de grandeza acima do real – conseguem tornar ainda pior um dia que, a despeito das suas raízes inglórias, bem que poderia ser aproveitado. Que seria digno e justo, aliás, aproveitar.

Porque não vêm de hoje as tentativas de “cristianizar” o Oito de Março. À mensagem ontem divulgada pela CNBB – peça esquerdóide da pior qualidade que cobre de vergonha a Igreja do Brasil e atrai a ira do Todo-Poderoso sobre esta terra de Santa Cruz -, por razões que saltam aos olhos à mera leitura do documento, talvez não seja legítimo conferir o status de bem-intencionada tentativa de evangelização. Coisa distinta, contudo, já se pode dizer da ligeira saudação do Papa Francisco após o Angelus dominical: o dia de ontem, disse o Papa, «é uma ocasião para reafirmar a importância das mulheres e a necessidade da sua presença na vida».

Mas não se pense que o Pontífice argentino é pioneiro nessa seara. Fazer remissões católicas mesmo a feriados originalmente anticlericais não é novidade na história da Igreja. Veja-se, à guisa de exemplo, os dois pontífices anteriores, em dois oitos de marços do passado relativamente recente:

  • Bento XVI, em 08 de março de 2009: a efeméride «convida-nos a reflectir sobre a condição da mulher e a renovar o compromisso, para que sempre e em toda a parte, cada mulher possa viver e manifestar plenamente as suas próprias capacidades, obtendo o pleno respeito pela sua dignidade».
  • São João Paulo II, em 08 de março de 1998: «[i]nfelizmente somos herdeiros duma história cheia de condicionamentos, que tornaram difícil o caminho das mulheres, por vezes menosprezadas na sua dignidade, deturpadas nas suas prerrogativas e com frequência marginalizadas. Isto impediu-as de serem completamente elas mesmas e empobreceu a inteira humanidade de autênticas riquezas espirituais.»

É provável que tenha sido S. João Paulo II o primeiro a trazer la Giornata della Donna para o calendário eclesiástico; ao menos no site do Vaticano, a referência mais antiga à data está neste Angelus de 1987. Antes disso, aliás, e registre-se, parece que não havia nenhuma particular preocupação em execrar o 8 de março. Se o feriado é originalmente comunista, é particularmente nos dias de hoje que os seus efluxos malsãos se fazem significativamente sentir (porque hoje, como já se disse, multiplicam-se estrados para qualquer canastrão). Não é revolucionária a mera referência às mulheres, e nem existe anticlericalismo intrínseco ao fato de se parabenizar as pessoas do sexo feminino em uma data específica do ano. Este não é e nem nunca foi o ponto relevante aqui.

O que realmente interessa é o seguinte. Em referência aos grunhidos das feministas pela legalização do aborto a que se referiu acima, veja-se esta notícia hoje publicada: maioria dos internautas se posicionaram contra o aborto. É provavelmente a milésima pesquisa sobre o assunto que corre a internet; pela milésima vez, as pessoas se dizem contrárias a esta covardia suprema que é o assassinato de uma criança no ventre de sua mãe. Ou seja, em um dia abertamente devotado à propaganda da agenda pró-aborto mais escancarada, as sedizentes representantes das mulheres amargaram, de novo e mais uma vez, uma rotunda derrota: não, as pessoas não acreditam, graças a Deus!, que uma mãe pode dispôr da vida do seu filho, ainda que ele se encontre em seu ventre. As pessoas não aceitam o aborto, por mais que insistam no assunto. No meio da revolução moral em que vivemos, essa resistência não pode deixar de ser notada. Por que isso é assim?

Porque «mulher» e «aborto» são expressões que se repelem mutuamente. Porque na verdade as mulheres, como o Papa Francisco disse na mensagem de ontem, são aquelas que «trazem a vida», e esta é a imagem que resplandece com maior força sempre que alguém lhes faz alusão. Para obscurecer a íntima relação existente entre feminilidade e maternidade é necessário um grau de embrutecimento muito maior do que as pessoas estão geralmente dispostas a aceitar – e tal intuito tem falhado miserável e consistentemente, por mais que as feministas tenham consagrado todas as suas forças ao longo das últimas décadas à sua imposição. Para vencer a agenda revolucionária das inimigas das mulheres, portanto, não é necessário combater o oito de março: basta enaltecer a mulher naquilo que lhe é mais próprio. Porque, no fundo, quem diz “mulher”, diz “mãe”. E a maternidade é a mais radical rejeição ao aborto que pode haver.

Por que não deixar “as pessoas fazerem o que quiserem”?

Um leitor fez o seguinte comentário aqui no Deus lo Vult!:

eu sou a favor do livre arbítrio.. quem quiser abortar, aborta! acho que o pai e a mãe tem que decidir se querem ou não viver uma vida infeliz cuidando de uma criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso. larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

Ora, é completamente sem sentido apelar para o “livre-arbítrio” quando se está falando de eliminar uma vida humana inocente. Todo mundo é a favor do livre-arbítrio, é lógico; mas defender determinado emprego do livre-arbítrio que redunde em dano injusto a um bem de um terceiro, aí já é coisa que não faz sentido algum.

Apliquemos o mesmo “racio-símio” a outros tipos penais previstos no ordenamento brasileiro:

  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser assaltar, assalta! Acho que o assaltante tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser sequestrar, sequestra! Acho que o sequestrador tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser desviar dinheiro público, desvia! Acho que o corrupto tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser cometer qualquer crime, que cometa! Acho que o criminoso tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

O “argumento”, como se pode ver, é completamente insustentável. A gente só pode advogar o direito à liberdade quando o seu exercício estiver direcionado para coisas em si mesmas boas ou pelo menos neutras. Antes, portanto, de se dizer “a favor do livre arbítrio” para o aborto, é preciso demonstrar que o aborto, considerado em si mesmo, é moralmente bom ou, pelo menos, indiferente. Sem enfrentar essa questão em primeiríssimo lugar, “hipocrisia” é querer aplicar aos opositores a pecha de estarem querendo violar o sacrossanto livre-arbítrio de outrem. Aqui, não!

[A mesma situação, aliás, poderia ser também resolvida simplesmente dizendo: ok, que cada um tenha o livre-arbítrio de fazer o que quiser, contanto que arque com as conseqüências de suas atitudes. Assim, o assaltante continua com o livre-arbítrio de assaltar, correndo com isso o risco de ser preso; o assassino, continua com o livre-arbítrio de assassinar, contando com o risco de ser morto em legítima defesa por sua vítima ou por um terceiro que por acaso o surpreenda no ato da realização do homicídio; e, o abortista, continua com o livre-arbítrio de abortar, ficando por conta disso sujeito às conseqüências penais que decorrem da sua conduta.

Se não o dizemos, contudo, é porque nos parece que esta visão conota uma espécie de “jogo de soma zero”, como se dispôr-se a sofrer a sanção penal de um crime fosse algo análogo a pagar o preço devido por um bem: como se transformasse o crime, assim, em uma transação normal e socialmente aceitável.

Acreditamos, ao contrário, que sofrer as consequências jurídicas de um crime não é, de nenhuma maneira, o “preço justo” que transforma o cometimento do crime em um negócio jurídico normal. As condutas criminosas devem ser evitadas, ponto; e não  é correto dizer que elas possam ser cometidas mediante o pagamento de x reais de multa ou y anos de reclusão. Parece-nos, assim, que meramente defender o livre-arbítrio para o mal, desde que com suas consequências, é um erro de perspectiva. Há que se distinguir a liberdade em abstrato do exercício concreto dessa liberdade: condenar algumas modalidades deste não equivale, sob lógica nenhuma, a negar aquela.]

Sobre a «criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso»… o que dizer diante de tamanha barbaridade? É evidente que tal conclusão é fruto unicamente da mentalidade doentia do autor do comentário; é patente que ele não tem o menor suporte fático, nenhum dado empírico a lhe autorizar. Porque o que nos contam as pessoas que tiveram filhos deficientes – mormente anencéfalos – é coisa completamente distinta. Busquem-se, a título de informação, as histórias de Marcela de Jesus ou Vitória de Cristo que já foram contadas neste mesmo blog.

Mas, mesmo assim, olhar unicamente para o sentimento dos pais é um erro de proporções. Em uma escala valorativa minimamente decente, o direito à vida da criança – mesmo deficiente! – ganha do direito a “bons sentimentos” dos pais. E, se não se pode exigir de ninguém que enfrente como homem as adversidades que a vida lhe trouxer, pode-se ao menos (e, aliás, deve-se!) impedi-lo de violar gravemente os direitos de outrem em reação àquelas adversidades. Eximir-se de fazê-lo é decair na mais horrenda barbárie, onde o que vale é a lei do mais forte e onde o estado de ânimo de alguém o autoriza a tudo para fazer valer a própria vontade, independente de quem seja pisoteado neste processo.

É lógico que ter um filho com uma deficiência grave é algo devastador. No entanto, matar o próprio filho por ele ser gravemente deficiente é de uma desumanidade atroz. É possível, sem dúvidas, levantar uma infinidade de argumentos para justificar, in casu, a atitude desesperada do pai que opta pelo assassínio intrauterino do seu filho doente. O que não dá é para pleitear o direito universal e inalienável ao extermínio pré-natal das crianças deficientes.

O aborto e a reforma do Código Penal: votação adiada para 2015

Conforme nota divulgada no início da tarde pelo Brasil Sem Aborto, a votação do novo Código Penal – PLS 236/2012 – ficou para o próximo ano. Alguns rápidos comentários:

– O referido projeto encontra-se no momento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Em sua versão mais recente (que pode ser encontrada, apensa ao relatório, aqui), o projeto é incomparavelmente melhor do que a proposta original – ao menos no que concerne ao aborto, que foi a parte a que dediquei maior atenção -, o que não pode deixar de ser comemorado como uma vitória. Nossos sinceros e agradecidos parabéns a todos os que se envolveram com o tema e, às custas de muito trabalho e grande dedicação, arrancaram ao Congresso brasileiro uma proposta minimamente sintonizada com a população brasileira, a cuja esmagadora maioria repugna o crime horrendo do aborto.

– Nada é certo ainda e, portanto, a celebração a que se referiu acima não nos pode fazer baixar a guarda: o projeto não foi apreciado! Isso significa que, à parte o relatório em grande medida positivo (no que concerne ao aborto, insista-se, uma vez que ainda não tive a oportunidade de o ler inteiro), nada foi procedimentalmente conquistado: a nova composição da CCJ (que será formada em 2015) não está obrigada a seguir o documento do Senador Vital do Rêgo.

– Por conseguinte, a nossa situação atual não é cômoda: tudo ainda pode mudar. Não podemos esmorecer neste importante combate e, tão-logo as atividades da CCJ sejam retomadas, precisamos estar atentos aos futuros desdobramentos deste importante drama do qual depende a vida de incontáveis brasileiros ainda não nascidos. A guerra ainda está longe de terminar.

– Não obstante, reproduzimos o trecho do relatório que aborda o tema, a fim de registrar os avanços que nele ficaram consignados:

No art. 127, preferimos manter a fórmula já consagrada no CP vigente, que estabelece a exclusão de punibilidade e não a exclusão do crime. Com relação ao inciso I, mantivemos a redação do aborto necessário, previsto no inciso I do art. 128 do Código Penal vigente. Aliás, foi nesse sentido o texto aprovado pela Comissão Especial, sendo que, na consolidação, o texto não foi atualizado.

Ainda no art. 127, que passa a ter o nomen juris de “Disposições gerais aplicáveis ao aborto”, inserimos parágrafo para punir a conduta de difundir ou fazer propaganda indevida de procedimento, substância ou objeto destinado a provocar aborto. Isso porque está sendo revogada a Lei de Contravenções Penais, que pune conduta similar no seu art. 20. Inserimos o termo “indevidamente” para admitir a divulgação de avanços da medicina relacionados ao tema, visto que há hipóteses de aborto que não configuram crime, sendo certo que a gestante, em circunstâncias que tais, merece o atendimento médico com a melhor técnica existente, autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.

– Talvez fosse preferível que a votação tivesse ocorrido hoje e o projeto saísse da CCJ com a redação que atualmente possui. É possível; no entanto, não é producente chorar pelo leite derramado. Em contrário, registre-se, existe ainda um dispositivo absolutamente bárbaro no atual projeto do Código, que legaliza a eugenia no Brasil em pleno século XXI, quando achávamos que este horror já não passava de uma vergonhosa página dos pesadelos do século passado. Trata-se do inciso III do Art. 127, que diz que não se pune o aborto praticado por médico «se comprovada a anencefalia ou se o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos».

– Nós acreditamos que os seres humanos – todos os seres humanos – têm o direito de viver, independente de suas limitações. Acreditamos que os mais fracos devem ser os mais protegidos pelos cidadãos e pelo Estado, e não os primeiros a serem descartados – e, pior, com a anuência dos Poderes Públicos. A legalização da eugenia pré-natal, exigida por uma minoria de sedizentes intelectuais que a saúdam como um progresso benéfico para o país, não pode encontrar guarida em uma nação que se pretenda civilizada.

– Ao contrário, seria preferível, isso sim, que o aborto eugênico fosse tipificado como um qualificador do crime de aborto: «Provocar aborto em razão de doença ou deficiência física do nascituro: Pena – prisão, de (e.g.) dois a seis anos». Exterminar um ser humano indefeso é uma covardia; exterminar um ser humano indefeso porque ele é deficiente, aí é de uma perversidade atroz, que precisa ser coibida com mais vigor.

– Continuamos, por fim, no nosso combate. A fim de que a vida seja verdadeiramente protegida em todas as suas fases, desde a sua concepção até a morte natural, e a fim de que esta exigência moral incontornável encontre eco também na nossa legislação positiva: que não retrocedamos! A vida é um bem muito importante para ficar sujeito ao arbítrio dos particulares, como querem alguns. Não é uma questão onde se possa alegar indiferença. A ninguém pode ser facultado exterminar um ser humano inocente. À compreensão desta verdade está estreitamente relacionado o nível de evolução de uma sociedade.

As feridas que precisam ser curadas

Não obstante o excelente trabalho que a Canção Nova vem fazendo (já há alguns anos!) com a tradução dos discursos, homilias, audiências gerais e tudo o que envolve o Santo Padre, há uma pequena crítica que precisa ser feita. No último dia 18 de outubro, no encerramento do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco pronunciou uma extraordinária homilia. Quase que imediatamente, com a celeridade que lhe é própria, a Canção Nova publicou a versão em português do texto que, por ter sido a primeira, foi provavelmente a única a que muitos católicos tiveram acesso. No entanto, a tradução apresentada pela comunidade estava truncada em um ponto – justamente um dos mais bonitos do texto! -, o qual não foi (acabei de consultar) ainda corrigido até o presente momento. As mensagens que enviei através do site ficaram sem resposta.

Foi um erro muito simples, certamente de deleção involuntária de um par de linhas, que no entanto tornou o trecho da mensagem pontifícia obscuro e lhe tirou parte considerável da sua força. A versão que está no site da Canção Nova – assim desde a semana subsequente ao pronunciamento papal – é a seguinte:

cancaonova-francisco

E a versão correta e oficial, que atualmente já consta no site da Santa Sé, é a seguinte (destaquei, em azul, o texto que foi inadvertidamente cortado na tradução pioneira da Canção Nova):

Momentos de consolação, graça e conforto, ouvindo os testemunhos das famílias que participaram no Sínodo e compartilharam connosco a beleza e a alegria da sua vida matrimonial. Um caminho onde o mais forte se sentiu no dever de ajudar o menos forte, onde o mais perito se prestou para servir os demais, inclusive através de confrontos. Mas, tratando-se de um caminho de homens, juntamente com as consolações houve também momentos de desolação, de tensão e de tentações, das quais poderíamos mencionar algumas possibilidades:

— uma: a tentação do endurecimento hostil, ou seja, o desejo de se fechar dentro daquilo que está escrito (a letra) sem se deixar surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); dentro da lei, dentro da certeza daquilo que já conhecemos, e não do que ainda devemos aprender e alcançar. Desde a época de Jesus, é a tentação dos zelantes, dos escrupulosos, dos cautelosos e dos chamados — hoje — «tradicionalistas», e também dos intelectualistas.

— A tentação da bonacheirice destrutiva, que em nome de uma misericórdia enganadora liga as feridas sem antes as curar e medicar; que trata os sintomas e não as causas nem as raízes. É a tentação dos «bonacheiristas», dos temerosos e também dos chamados «progressistas e liberalistas».

— A tentação de transformar a pedra em pão para interromper um jejum prolongado, pesado e doloroso (cf. Lc 4, 1-4) e também de transformar o pão em pedra e lançá-la contra os pecadores, os frágeis e os doentes (cf. Jo 8, 7), ou seja, de o transformar em «fardos insuportáveis» (Lc 10, 27).

— A tentação de descer da cruz, para contentar as massas, e não permanecer nela, para cumprir a vontade do Pai; de ceder ao espírito mundano, em vez de o purificar e de o sujeitar ao Espírito de Deus.

— A tentação de descuidar o «depositum fidei», considerando-se não guardiões mas proprietários e senhores ou, por outro lado, a tentação de descuidar a realidade, recorrendo a uma terminologia minuciosa e uma linguagem burilada, para falar de muitas coisas sem nada dizer! Acho que a isto se chamava «bizantinismos»…

As razões, enfim, pelas quais estou dedicando tanto espaço a esmiuçar essa banalidade são duas:

i) eu considero bastante sério o trabalho de tradução da Canção Nova, já o recomendei aqui no Deus lo Vult! e em outros foros, acompanho-o com freqüência e a muito (senão à maior parte) das notícias corriqueiras envolvendo o Sumo Pontífice eu tenho acesso mediante o citado portal; por isso, uma má tradução nele apresentado tem o desagradável efeito de esconder, dos seus leitores habituais, a mensagem correta (eu próprio só percebi essa falha por puro acaso, quando alguém, no Facebook, chamou-me a atenção para a versão em outro idioma que estava diferente), o que tenho certeza de não ser o objetivo da comunidade; e

ii) a passagem é verdadeiramente magnífica para responder à questão – com tanto açodamento debatida nos últimos meses! – da comunhão dos divorciados recasados, e o faz com imagens fortes extremamente eloquentes: o que seria uma tal autorização senão tratar os sintomas «e não as causas nem as raízes»? O que seria semelhante mudança de disciplina senão capitular diante da tentação demoníaca e, por não suportar o calor do deserto, dar ouvido a Satanás e buscar transformar, por conta própria e à revelia da vontade de Deus, as pedras em comida?

Esta é a resposta que a mídia laica não faz a menor questão de divulgar – perceberam o quanto ela ficou pianinha depois do fim do Sínodo? -, esta é a mensagem que nós, por outro lado, temos a obrigação de difundir. Satanás ronda à nossa volta, ávido por nos fazer chamar o mal de bem, o justo de injusto, as pedras de pães…! É importante lhe darmos um rotundo e sonoro “não!”. É importante divulgarmos a Doutrina da Igreja, quando ninguém mais parece interessado em lhe dar a conhecer.

A mídia quer que a Igreja troque a doutrina de Cristo pelas demandas imorais modernas; qual Satanás, insta-A a transformar as pedras em pão para Lhe matar a fome – para acabar com o sofrimento dos que tiveram o seu matrimônio destruído… – e a cobrir as feridas purulentas ainda, escondendo-as, apenas para as tirar de vista, por não lhes conseguir suportar a fealdade. Ora, tal a Igreja não pode jamais aceitar, e é da mais alta importância que todos o saibam com clareza. Para que escutem Aquela somente que possui palavras de Vida Eterna. Para que – trocando a voz da Igreja pela do mundo – não morram de gangrena ao abafar as próprias feridas abertas, não quebrem os dentes ao morder as pedras que têm junto a si.

As esquerdas e a bandeira dos pobres

No momento em que as más notícias a respeito da desastrosa administração do PT vêm finalmente à tona – a mais recente é esta informando que o número de miseráveis, olha só, a despeito de toda a maquiagem petista, voltou a crescer no país -, cumpre dizer duas ou três coisas sobre o assunto.

Antes de mais nada, sobre o significado do pleito, é óbvio que ele não significa (à exceção de nos depravados devaneios do sr. Mantega) que o governo atual conta com apoio popular. De maneira alguma; e é necessário insistir nesse assunto. Não o significa

  1. porque a diferença entre os votos (51,64% x 48,36%) foi mínima, como já falei aqui;
  2. porque o povo brasileiro optou antes pela “não-concessão” de um mandato a Aécio Neves que pela chancela do da sra. Rousseff; e
  3. porque a vergonhosa ocultação, durante o período eleitoral, do estado calamitoso no qual se encontra o Brasil (como, por exemplo, o já citado crescimento da miséria, o aumento dos juros nos dias seguintes à eleição e o recorde no rombo das contas públicas, entre outros), com a liberação torrencial das informações somente após o pleito, caracteriza evidente caso de estelionato eleitoral.

O regime petista não conta com o beneplácito da população brasileira – importa não deixar que, à força de repetição, o contrário disso venha a prevalecer no discurso público. Porque o Partido dos Trabalhadores já emitiu uma resolução absurda (leiam na íntegra) no último três de novembro (i.e. anteontem), baseando-se em uns tais «milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff», para apresentar suas propostas políticas escabrosas. Não vou nem me deter sobre a cantilena a respeito de «democracia direta» e «mídia democrática»; quero apenas chamar a atenção para um período que está lá na terceira página do documento:

É urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia.

Devo entender que isso foi um ato falho e, por hegemonia, o partido quis simplesmente dizer que se deve construir consenso social a respeito de temas importantes? Ou preciso interpretar ad litteram (como os próprios petistas fazem quando lhes é conveniente; por exemplo, quando o «vamos enfrentar essa minoria [de homossexuais]» nos lábios do Levy Fidelix se entende não como inscrita num processo democrático de discussão pública a respeito dos privilégios atualmente concedidos aos pederastas e às safistas (ler aqui a sensacional «Eremildo vai ao casamento de Suzane»), mas sim como se fosse uma conclamação a que os heterossexuais espancassem homossexuais nas ruas) e concluir que o PT quer se estabelecer como Partido Único na sociedade brasileira, fora do qual não existe governo e nem política?

O atual governo, por fim, e isso é talvez o mais importante, não conta tampouco com o monopólio do combate à pobreza. O Papa Francisco, muito recentemente, afirmou que a bandeira dos pobres foi roubada pelos comunistas aos cristãos; e isso significa não que o Papa seja comunista, como alguns absurdamente interpretaram, mas sim que o cuidado dos pequeninos, antes de ser privilégio das esquerdas modernas, é uma nota evangélica de vinte séculos. É um apanágio do Cristianismo! E o combate à revolução pretendida pela sra. Rousseff (não leram lá na resolução que «para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural» – grifos meus?) precisa passar pela reconquista do que é nosso. Por mais absurdo que pareça, tem [muita] gente que sinceramente associa um eventual governo PSDBista com um retrocesso a tempos obscuros de miséria e escravidão. E não nos enganemos: foi com o diferencial dessas pessoas que o PT emplacou o aviltante tetracampeonato que hoje amargamos.

Importa limpar a sujeira que o PT passou os últimos anos espalhando; e isso precisa ser feito com cuidado. Porque é fundamental que, ao atacarmos o PT, não ataquemos desavisadamente os valores positivos que as pessoas honestas projetam nele. Ser contra o Partido dos Trabalhadores não é o mesmo que ser contra aqueles que o PT diz proteger, nem contra aqueles que se sentem representados pelo partido! É com base nessas falsas identidades que o atual governo vem se perpetuando; e, no meu entender, este é o ponto onde é preciso melhor trabalhar para que os nossos interlocutores sejam melhor receptivos a nós.

Domingo, façamos história!

Preciso confessar que, aparentemente, minhas previsões políticas são uma verdadeira negação. Quatro anos passados, às vésperas das eleições, eu escrevi aqui que a diferença entre os então candidatos era «tão assustadoramente pequena que cada voto individual faz[ia], sim, diferença». Poucos dias depois, Dilma ganhava com uma vantagem de doze pontos percentuaisdoze milhões de votos. Há algumas poucas semanas, eu escrevi aqui que «Aécio não é o mal menor porque Aécio não está concorrendo». Hoje, a quatro dias do pleito, o candidato PSDBista aparece (no pior cenário!) em empate técnico com a sra. Rousseff…

Tenho vontade de dizer que o PT levou mais uma, mas não quero dar a essas linhas o tom desesperançoso que tal avaliação carrega. Apenas faço um comentário, uma avaliação moral e uma declaração.

O comentário: o Partido dos Trabalhadores está no poder há 12 anos. Doze anos é muito tempo; reis medievais houve – eu dizia mais cedo no Facebook – aos quais não foi concedido um reinado tão longo. Os efeitos psicológicos disso são bem fáceis de serem inferidos e verificados na prática. Em primeiro lugar, muitas pessoas simplesmente têm o PT como um arcabouço ontológico, um ponto de constância metafísico: FHC é um nome feio, Lula é uma lembrança bucólica da infância (ou, pior, um personagem dos livros de história) e o mundo político está começando agora, nas eleições de 2014. São pessoas que não possuem consciência de terem jamais vivido fora do modo petista de governar e, portanto, para elas é como se a mera concepção de um outro mundo (leia-se um outro partido na presidência) soasse estranha e se lhes afigurasse uma traição àquilo que elas “sempre foram”. Isto nos leva ao segundo ponto: a sensação de familiaridade com o Partido transforma-se, muito facilmente, numa espécie de xenofobia política. É esta a tônica das presentes eleições: os eleitores da Dilma votam na Dilma não por gostarem dela, mas por um verdadeiro medo de uma mudança de governo. Medo que – terceiro ponto – degenera em agressividade pura e simples, irresponsavelmente fomentada pelos altos escalões petistas: não me recordo de outra época em que os ânimos estivessem tão acirrados e em que os eleitores do candidato da oposição fossem tão fortemente percebidos (e, por conseguinte, tratados) como verdadeiros inimigos da Pátria.

[Alguém pode me dizer que também os “petralhas” recebem atualmente esse tratamento, ao que eu respondo que a diferença é que o PT é de fato inimigo da Pátria, haja vista o lamaçal de corrupção e o fundo do poço moral aos quais doze anos de desmandos petistas efetivamente nos conduziram – ao passo que, em relação a um PSDB (ou qualquer outro partido!) que há mais de década não tem sequer o exercício do poder com o qual poderia trair o Brasil, o ódio é dirigido não contra um governo de fato e verdadeiramente existente, mas sim contra uma mera figura mítica produzida pela retórica das esquerdas. Adelante.]

A longa permanência de um governo provoca um acomodamento pragmático; esta acomodação traz em seu bojo o receio das mudanças; este medo, por sua vez, degenera em simples discurso (e exercício) de ódio contra o diferente, consolidando assim o governo no poder por ainda mais tempo: eis o presente estado de coisas em que nos encontramos. E a oportunidade de ouro que temos agora é a de quebrar este círculo vicioso.

A avaliação moral: é evidente que Aécio Neves não é nenhum D. Sebastião e é igualmente óbvio que, do ponto de vista católico, um sem-número de críticas pode ser feito ao presidenciável. Está-se, contudo, diante de uma escolha entre a manutenção de um Governo que é no presente totalmente hostil à Igreja Católica e outro com o qual Ela provavelmente terá no futuro sérias divergências: a diferença de grau é ululante e não penso que pode ser seriamente negada por ninguém. Não há absolutamente nada moralmente reprovável que o Aécio prometa ou sinalize fazer que o PT não tenha já feito ou tentado mil vezes pior.

O Aécio pode não ser o mais entusiasta militante contra o aborto e ter idéias francamente insustentáveis com relação aos grupos LGBT, mas (e isso é fundamental) não concede a esses temas o status de coluna vertebral que o PT lhes devota. Não há o menor indício de que um possível governo tucano vá gravitar em torno desses temas, ou pelo menos não com a militância escancarada com a qual o PT os trata, e portanto não existe o menor óbice moral ao voto no neto de Tancredo Neves como se fosse “a mesma coisa” que votar na sra. Rousseff. Não é, e isso precisa ficar bem claro. Se para o expurgo do PT até mesmo o voto na Marina era aceitável, quanto mais o no Aécio! Não se trata, insista-se, de um “cheque em branco”, de um sinal de concordância para com todos os pontos do seu programa de governo ou de uma aceitação prévia de tudo quanto o presidenciável deseje pôr em prática no país. Ao votar no Aécio para impedir a vitória da Dilma, ninguém se torna moralmente co-responsável pelas atitudes anti-católicas que o ex-senador eventualmente venha a tomar. O voto é para tirar o PT da presidência: apenas isso, e ninguém precisa ficar com escrúpulos de consciência concedendo a este instrumento da cidadania um peso maior do que o que ele de fato possui.

A declaração: evidentemente, por tudo o que foi exposto, no próximo domingo eu vou votar em Aécio Neves. Entendo que não existe outra opção, dada a confluência destes fatores: i) o mal duradouro e certo que tem se mostrado o PT, ii) a evidente diferença de grau (no que concerne à Moral Católica) entre as duas candidaturas e iii) a razoável possibilidade de vitória. Se o PT não fosse um mal objetivo, se inexistisse diferença entre os dois candidatos ou se não houvesse possibilidade real de mudança, então seria talvez possível agir de outra maneira: nas atuais conjunturas, contudo, não.

Vale a pena! Os esquerdistas estão quais baratas tontas, ocultando sob os gritos da militância pública o verdadeiro pânico que interiormente estão sentindo de perder estas eleições. Do efeito simbólico de interromper a dinastia petista assim, praticamente a meio mandato, não nos é lícito desdenhar. Não podemos desperdiçar a chance – absolutamente real – de que a “primeira mulher presidenta” seja também o primeiro presidente a perder uma reeleição na história deste país – para usar a retórica tão ao gosto dos poderosos de hoje. E é preciso deixar claro que a quadrilha que tomou Brasília de assalto não nos representa; é preciso dizer com clareza que não estamos satisfeitos com o atual estado de coisas; é preciso afirmar, em público e com a voz tonitruante das urnas, que não aceitamos o confinamento neste curral ideológico onde, ameaçando-nos com o discurso do medo e do ódio, os atuais governantes do Brasil pretendem nos manter indefinidamente.

Faltam quatro dias: um Brasil diferente é possível. Coragem, perseverança e foco. Preparemo-nos nestes últimos momentos! Domingo, digamos um rotundo “não” a isso que aí está. Domingo, tenhamos a coragem de rejeitar aquilo que até então nos tem feito mal. Domingo, deixemos (de novo e mais propriamente) a esperança vencer o medo. Domingo, façamos história.

Sim à Vida! 2014 – Pernambuco contra o aborto!

A oitava edição do Sim à Vida! ocorreu na manhã deste domingo, 19 de outubro, na Av. Boa Viagem. Mais uma vez, toda a Província Eclesiástica de Pernambuco foi às ruas para exigir, das autoridades públicas, o respeito à vida humana em todas as fases da sua existência, desde a concepção até a morte natural. Mais uma vez, milhares de fiéis católicos, de todas as idades, percorreram alegremente os já tradicionais quilômetros da orla recifense que, todos os anos, tornam-se palco deste ato de Fé e de cidadania. Mais uma vez, dissemos – e dissemos bem alto – que em nenhuma hipótese aceitamos o crime horrendo do aborto.

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Sete trios elétricos tomaram a avenida. Do alto de um deles, por volta das nove horas da manhã, D. Fernando Saburido, Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife, proferiu o discurso de abertura do evento; após, uma oração, uma bênção episcopal e estávamos prontos para seguir ao longo da avenida. Sob o sol, sob a sede, sob o calor e o cansaço do dia; seguíamos.

No alto dos trios, músicas católicas; no chão, no asfalto, jovens e adultos, crianças e velhos, famílias e pessoas solteiras, sacerdotes e religiosos. Duas coisas, principalmente, chamaram a atenção este ano.

Primeiro, distribuímos o panfleto da Regional Sul 1 da CNBB sobre as eleições 2014. O momento que vivemos é delicado: a uma semana das eleições presidenciais, importa que todos os católicos tenham consciência do projeto de país que a Dilma e o PT têm para o Brasil. Importa reconhecer que, a despeito de quaisquer afinidades ou desavenças ideológicas que se tenham com qualquer um dos dois partidos que se enfrentam nas urnas no próximo domingo, o PT é, de longe, o partido mais abortista que já passou pela nossa presidência.

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Segundo, distribuímos também algumas réplicas, em tamanho natural, de um feto humano com doze semanas de gestação – aquelas que fizeram tanto sucesso durante a JMJ do ano passado. Tínhamos ainda algumas remanescentes, e achamos que o momento era por demais propício para a sua distribuição. É sempre impressionante ver como as pessoas recebem os bebezinhos: param, olham, sorriem, guardam e agradecem. E tudo isso é ainda fruto também da generosidade dos leitores do blog; os que àquela ocasião contribuíram com este projeto, saibam que ajudaram, também, a tornar mais bonita a caminhada pró-vida de Recife deste ano. Obrigado.

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Uma imagem, por fim, digna de atenção, eloquente e significativa: havia uma senhora fazendo protesto solitário contra a caminhada. Houve uma mulher que se deu ao trabalho de sair de casa, num domingo, portando um cartaz contra o Sim à Vida!. Só não prometo um doce para quem adivinhar o ParTido ao qual ela pertencia porque, de tão fácil, o cumprimento de tal promessa levar-me-ia à bancarrota. Sim, senhoras e senhores, uma eleitora de Dilma Rousseff incomodou-se com a caminhada! Por que será?

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Abaixo, algumas fotos do evento. Foi bonito! Que não tenhamos medo de fazer a nossa voz ressoar em público. Que a proposta possa crescer cada vez mais; que o nosso brado contagie um número cada vez maior de pessoas. A defesa da vida desde a concepção até a morte natural é uma bandeira que importa erguer corajosamente. Desfraldemo-la!

As prioridades do PT: união homoafetiva, legalização do aborto e descriminalização da maconha

É da semana passada a notícia segundo a qual o Congresso este ano eleito é «o mais conservador desde 1964», e eu a havia recebido com uma certa indiferença. Deixara para escrever sobre o assunto depois, talvez algumas linhas ligeiras, talvez apenas algum comentário rápido: mais do que a acurácia da análise do Diap (pela qual eu aliás não ponho a mão no fogo; e não cheguei a fazer, por conta própria, o levantamento dos perfis dos deputados que assumirão um mandato parlamentar em janeiro do ano que vem), agradou-me a polvorosa em que estavam todos os sedizentes arautos de um admirável mundo novo. Isso, por si só, já era muito significativo e já nos dava motivos para comemorar: o que dizer sobre esse Congresso que eu mal conheço e já considero pacas?

Não sei o que dizer sobre o Congresso, mas há uma ou duas coisas a serem ditas, sim, a respeito desta análise que o Partido dos Trabalhadores faz sobre o assunto. Citando «o diretor do Diap, Antônio Augusto Queiroz», o site do PT traz aos seus leitores a seguinte informação:

Segundo Queiroz, o novo quadro dificultará o debate sobre pautas como a união homoafetiva, a legalização do aborto e a descriminalização da maconha para fins medicinais e de consumo recreativo. Para ele, a esperança de debates futuros sobre esses temas reside na reeleição da presidenta Dilma Rousseff, no pleito do próximo dia 26, contra o adversário Aécio Neves (PSDB). “Se a Dilma for eleita, essas pautas terão mais condições de resistir, porque Aécio não tem uma postura clara em relação a elas”, avalia.

Em resumo, o que este parágrafo diz é

  1. que o “debate” a respeito de «pautas como a união homoafetiva, a legalização do aborto e a descriminalização da maconha» fica prejudicado com a nova configuração do Congresso; e
  2. que a “esperança” desses temas continuarem “resistindo” «reside na reeleição da presidenta Dilma Rousseff».

O que isto significa, em suma, é que a principal preocupação do PT é com o “casamento” gay, com o aborto público, gratuito e de qualidade e com a liberação das drogas. O que isto significa é que o Partido da atual Presidente da República tem algumas prioridades, em atenção às quais é de fundamental importância que as lésbicas possam se casar, fumar maconha e abortar. O que isto significa é que, de todos os problemas que o Brasil atual apresenta, os mais importantes, no entender do Partido dos Trabalhadores, dizem respeito aos gays não poderem se casar, as mulheres não poderem matar os seus próprios filhos no ventre e a população em geral não poder usar drogas.

Em resumo: votar num partido é, sim, votar em um projeto de país. E a concepção que o PT tem de um “país bom” para se viver é exatamente esta: um lugar onde não haja diferença entre a família e a dupla formada por pessoas do mesmo sexo, onde as mulheres sejam livres para assassinar os seus filhos no ventre sem que ninguém lhes importune por isso, onde qualquer cidadão possa se drogar à vontade sem que ninguém interfira na sua lombra sagrada e inviolável. Um lugar, em suma, onde o Estado garanta o aborto, a maconha e o casamento gay. E é exatamente por isso que quem não é a favor dessas coisas não pode votar no PT.

Independente das divergências que se possa legitimamente ter com respeito a quaisquer partidos políticos, essa matéria – divulgada, repita-se, na página principal do portal do PT – a respeito do “Jurassic Park ideológico” do Congresso fornece um corte para além do qual os católicos não podem ir. Se for possível dividir o mundo entre os que acham que o aborto é uma coisa ruim e os que defendem que se trate de um direito a assegurar às mulheres, de um lado está a Doutrina Católica e, do outro, a ideologia petista. Se for possível traçar uma linha separando por um lado os que querem garantir o «consumo recreativo» da maconha e, por outro, os que acham que as drogas devem ser combatidas pelas autoridades públicas, então de um lado estão os eleitores do PT e, do outro, os que ouvem o Papa Francisco. Ninguém pode servir a dois senhores: ou se há de aquiescer à agenda (i)moral petista, ou se há de seguir a Doutrina Moral da Igreja de Cristo. As duas coisas ao mesmo tempo não dá.

Sim, é um absurdo o descaso com o qual os usuários de drogas são tratados nesta Pátria, e é profundamente lamentável que mulheres percam a vida realizando abortos clandestinos em açougueiros que, se a lei servisse de alguma coisa neste país, deveriam estar atrás das grades. No entanto, a simples legalização tão propalada por alguns, longe de resolver, significa institucionalizar o problema. Significa dizer que está tudo bem com um drogado, desde que o seu vício renda impostos para os gordos cofres da Administração Pública, e que está tudo certo com as mulheres matarem os seus filhos, desde que o morticínio seja realizado em assépticas salas cirúrgicas financiadas pelo Erário. E nós achamos que, não, não está tudo bem com isso.

De acordo com o Partido dos Trabalhadores, o ideal de dignidade feminina que se deve almejar e a favor do qual é preciso lutar sem tréguas concretiza-se na figura de duas lésbicas casadas realizando, maconhadas, um aborto pelo SUS. Ora, isso é profundamente patético e degradante, e a população brasileira já deixou suficientemente claro – também com a eleição do Congresso «mais conservador desde 1964» – que não considera semelhante despautério como um valor a ser perseguido. No entanto, na contramão do interesse dos brasileiros, o PT continua propagando essa sua ideologia, e continua insistindo na «união homoafetiva», na «legalização do aborto» e na «descriminalização da maconha», e apontando a reeleição da Dilma como a última esperança de esses temas resistirem ainda! O impasse é absolutamente incontornável. E é por isso que quem acha que o Brasil merece valores diferentes destes não pode, no próximo dia 26, votar na sra. Dilma Rousseff.

A causa honoris como descriminante do aborto

Ano passado, eu disse aqui no Deus lo Vult! acreditar que o inciso II do Art. 128 do Código Penal – não se pune o aborto «se a gravidez resulta de estupro» – era uma espécie de legítima defesa da honra. Dia desses, conversando com uns amigos, levantei de novo a hipótese: semelhante conteúdo não poderia senão ser informado por uma mens legis que talvez fizesse sentido na década de 40 – responsável, por exemplo, por aquela história da atenuação da culpa do marido que matava a esposa apanhada em adultério -, mas que hoje em dia era verdadeira excrescência.

É evidente que, hoje, o lobby pró-aborto já fez o mais indecente carnaval com a tragédia das mulheres vítimas de violência sexual, mas o que quero dizer é o seguinte: a mentalidade que justificou – mais de 70 anos atrás – a inclusão no Código Penal Brasileiro de uma não-incriminação do aborto em casos de estupro tinha mais em vista, evidentemente, a desonra da mulher violada que um suposto “direito reprodutivo” seu. E ainda isso: se hoje, passadas algumas décadas, nós conseguimos olhar com certa repugnância para a tese de que é direito do marido traído tirar a vida da esposa, tenho a esperança de que, algumas décadas ainda à frente, olharemos com horror para a idéia (tão corrente neste despontar do terceiro milênio!) de que a mãe tem ius vitae necisque sobre o filho de um estuprador. E será uma conquista civilizatória.

Mas hoje, lendo algumas páginas do sempre abalizado Nelson Hungria [“Comentários ao Código Penal – Volume V”.  Forense: Rio de Janeiro, 1979. p. 272.], deparo-me com a seguinte retrospectiva histórica da lavra do insigne penalista:

Eram, porém, reconhecidos [no «tempo de Zacchia» – Paolo Zacchia, penso eu] certos motivos para o abrandamento e mesmo exclusão da pena. (…) A causa honoris, no caso da mulher violentada, era descriminante do aborto, quando ainda inanimado o feto: “si honesta puella invicta ab adolescente adultero corrupta fuisset, ante animationem foetus potest illum excutere, ut multi volunt, ne honorem suum amittat.”

Causa honoris, portanto. Veja-se, a idéia de que se poderia não punir uma mulher violentada que assassinasse o seu próprio filho não é nova; mas, exatamente por isso, as justificativas que séculos atrás se empregavam para justificar esse arrazoado são totalmente inaceitáveis nos dias que correm. Seria de se esperar que esta espécie de aborto honoris causa caísse em desuso; no entanto e ao invés, recrudesceu-se-lhe a abrangência! Por pura ideologia feminista: a mesma, aliás, que não aceita a figura da «mulher honesta» (antigo Art. 215 do CP), mas exige que seja reconhecido o sacrossanto direito ao aborto por motivo de honra.

* * *

Como bônus, encontram-se, à página 281 do livro de Hungria, estas eloqüentes linhas de García Pintos:

Se as palavras hão de ter algum sentido, um ser animal que tem características próprias de independência anatômica e fisiológica se há de chamar indivíduo; e se é da espécie humana, há de se chamar pessoa. Pessoa talvez derive da palavra com a qual se denominava a máscara que Roma usava no teatro clássico. Contudo, parece-nos mais exato, como sugestão, o que lemos em algum lugar: persona é igual a “per se una”, quer dizer, por si mesmo um, e o filho concebido é biologicamente por si mesmo um.

Sensacional.