Como as duas notícias saíram praticamente juntas na semana passada, a confusão entre os dois assuntos foi inevitável e é importante separá-los: uma coisa foi a demissão do Bispo de Ciudad del Este, sobre a qual falei aqui anteriormente, e uma segunda coisa é esta prisão do ex-arcebispo da Polônia, que até agora eu não abordara aqui. Além de terem vindo a lume na semana passada, o que há de comum entre os dois fatos é a divulgada causa de ambas as penas: escândalos de pedofilia, inevitavelmente. No entanto, ainda assim é importante destacar:
a) embora o caso tenha sido assim noticiado na mídia laica, o comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé não faz menção a pedofilia (nem a acobertamento de pedófilos) por ocasião do afastamento de D. Livieres;
b) já com relação a D. Jozef Wesolowski, as notas oficiais falam, sim, em abuso de menores.
O que chama a atenção neste último caso é a aplicação de uma pena do direito penal secular – uma pena privativa de liberdade, ainda que deva ser cumprida em prisão domiciliar – e não meramente administrativa, imposta por um órgão de justiça do Estado do Vaticano – o Tribunale di prima istanza dello Stato della Città del Vaticano – a um réu cujos crimes foram cometidos na República Dominicana. O conjunto da obra apresenta contornos medievais, da época em que a Igreja reclamava para Si a jurisdição sobre os clérigos católicos, onde quer que eles se encontrassem [p.s.: na verdade, «os Núncios Apostólicos são cidadãos do Estado Cidade do Vaticano e, portanto, caem sob as leis civis e penais daquele Estado e, portanto, são sujeitos igualmente à sua jurisdição penal civil», como S. E. R. Dom Fernando Guimarães teve a gentileza de comentar aqui]; neste caso recente, contudo, como o jus puniendi pontifício está sendo exercido sobre um culpado de pedofilia – esta lepra hodierna! -, não aparece ninguém para protestar contra o assunto e a Igreja, enfim, pode exercer a Sua soberania em paz. Que este fato atual possa servir ao menos para lançar algumas luzes sobre a época distante – tão condenada quanto ignorada! – em que a Igreja possuía mais liberdade para agir de acordo com as Suas convicções e exigências.
Veja-se, contudo, que coisa curiosa: se o mesmíssimo caso houvesse ocorrido há alguns séculos, certamente o prelado sodomita encontraria hoje a benevolência de uma miríade de grupos de respeito aos direitos humanos e à diversidade sexual – como o tupiniquim GGB, por exemplo, cujo Luiz Mott é especialista em honrar a memória dos pedófilos que o Santo Ofício em outros tempos condenou:
Tinha 21 anos e estava preso junto com um seu irmão, ambos acusados de um furto. Por receber freqüentes visitas de um seu cunhadinho de 12 anos, Brás, os demais presos acusaram-no junto ao Santo Ofício de Évora, após ter ouvido à noite, ruídos e gemidos indicativos que praticavam o abominável pecado de sodomia.
[…]
Audacioso, o fanchono não temia seduzir pessoas de diferentes condições sociais, inclusive serviçais: a um criado de quatorze anos, perguntou em segredo: “Miguel, quero saber: tendes três polegadas (…)? Façamos uma aposta: entrai para dentro de minha casa. Aposto uma ou duas patacas se tiver as três polegadas!”
É esta, senhoras e senhores, a lição de hoje:
i) se o Papa, digamos, impõe silêncio obsequioso a um teólogo progressista, então se trata de um absurdo e arrogante desmando medieval que não se compreende como pode ser ainda tolerado em pleno século XXI;
ii) se o Papa manda prender, no Vaticano, um núncio acusado de pedofilia, então é enfim uma atitude corajosa, nada mais do que a obrigação, de cuja brandura ou morosidade ainda é possível encontrar quem reclame;
iii) se a prisão acima houvesse ocorrido quinhentos anos atrás, tratar-se-ia então, de novo, de desmando medieval, de horror da Inquisição, de atentado aos direitos humanos fundamentais, de horrível opressão contra o sacrossanto direito à livre-determinação da própria identidade de gênero.
Em suma, os costumes dos tempos não são bons conselheiros em questões morais: o mundo às vezes louva os sodomitas, às vezes pede as suas cabeças, e às vezes faz as duas coisas ao mesmo tempo! A coerência nunca foi o ponto forte dos detratores da Igreja: para acusá-La, parece ser sempre permitido lançar mão de quaisquer expedientes, não importa o quão contraditórios entre si eles sejam.