Existe santidade no protestantismo?

Acompanhando o debate entre o pe. Joãozinho e a Montfort (a última novidade são os versos do professor Orlando), sinto vontade de dizer algumas palavras para evitar os extremismos (aos quais parece estar fadada a interminável discussão).

Não recordo agora a fonte, mas lembro-me da frase: a Igreja Católica e Apostólica é aquela “fora da qual não existe nem salvação nem santidade”. Não sei se o pe. Joãozinho entende isso de modo católico, mas eu sempre estive convencido de que o prof. Orlando o entendia, sim. No entanto, no seu último desafio lançado ao padre Joãozinho, a Montfort omitiu uma parte do dogma que eu tenho certeza de que ela conhece, pois já falou sobre isso antes.

Trata-se da possibilidade de salvação para os não-católicos pela ignorância invencível. Em resumo bem resumido, diz-se que a ignorância de uma pessoa é invencível se ela, com todos os meios dos quais dispõe, busca sinceramente a Verdade e não A consegue encontrar. Diz-se de tal pessoa que “pertence à alma da Igreja”, ou que é “católica sem o saber”, ou outras expressões similares.

O problema óbvio com isso é que, como ninguém sonda as consciências, não dá para dizer quem está em ignorância invencível e quem não está. A solução mais óbvia para o problema é logicamente fazer apostolado com todo mundo e deixar que o próprio Deus julgue, dentre os que não aderiram à Igreja em vida, quais o fizeram culposamente e quais o fizeram sem culpa própria.

Voltando, portanto, à frase sem referência que citei acima: não há santidade fora da Igreja Católica como também fora d’Ela não há salvação; contudo, caso a pessoa seja salva por ignorância invencível, nesta pessoa há sem sombra de dúvidas santidade. O protestantismo em si considerado evidentemente não salva ninguém, mas um protestante que esteja em ignorância invencível pode ser salvo. E, se ele pode ser salvo, logicamente pode também ser santo. Acho importante repetir: não sei se é isso que o pe. Joãozinho está dizendo! Mas é isso que diz a boa Doutrina Católica. É uma pena que o reverendíssimo sacerdote prefira – aliás, de novo! – citar os documentos sem os explicar.

Não há santidade própria no protestantismo, mas  há santidade “na alma da Igreja” à qual pertencem os que, sem culpa própria, ignoram a plenitude da Revelação de Cristo. E nada impede que estes sejam protestantes, posto que “quem será tão arrogante que seja capaz de assinalar os limites desta ignorância, conforme a razão e a variedade de povos, regiões, caracteres e de tantas outras e tão numerosas circunstâncias?” (Pio IX, Alocução Singulari Quadam, 1854, Denzinger, 1647 apud Montfort).

A viúva e a Virgem

Quia hodie nomen tuum ita magnificavit, ut non recedat laus tua de ore hominum, qui memores fuerint virtutis Domini in aeternum (Jd 13, 25a).

Hoje a Igreja celebra a festa da Assunção, em Corpo e Alma, da Virgem Santíssima ao Céu. As palavras em epígrafe, retiradas da epístola da missa (tridentina) de hoje, foram dirigidas a Judite muitos anos antes do nascimento de Cristo. Mas elas são, no entanto, o eco vetero-testamentário de outras palavras que – estas, sim! – nós conhecemos muito bem: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes (Lc I, 48b). Judite é – nas palavras do Papa Leão XIII – a “ilustre heroína em quem era figurada a Virgem Maria” (Encíclica Superiore Anno, 3).

Fazendo este paralelo entre a notável filha da Sinagoga e a gloriosa Mãe da Igreja, diz-nos ainda Leão XIII uma outra coisa muito interessante: Judite é aquela “que conteve a impaciência dos judeus, os quais, na sua estultícia, queriam a seu arbítrio fixar a Deus o tempo para socorrer a cidade” (id. ibid). A história é interessante: os assírios estavam em guerra contra os judeus, e Holofernes, general dos exércitos dos assírios, estava cercando Betúlia, cidade judia. Após o cerco ter se apertado, quando os judeus não tinham mais água, cogitaram se entregar e levaram as suas lamúrias a Ozias, chefe da cidade, ao que ele respondeu: “[t]ende bom ânimo, irmãos, e por estes cinco dias esperemos a misericórdia do Senhor. Talvez se aplaque a sua ira e dê glória ao seu nome. Mas se, passados estes cinco dias, não nos vier socorro, faremos o que vós dissestes” (Jd 7, 23b-25).

Judite, viúva, que “tinha muito temor de Deus e não havia ninguém que dissesse dela uma palavra em desfavor” (Jd 8, 8b), indigna-se com este proceder e censura os anciãos da cidade: “[q]ue palavra é esta, com a qual concordou Ozias, de entregar a cidade aos assírios, se dentro de cinco dias vos não viesse socorro? E quem sois vós, que tentais o Senhor? (…) Vós fixastes um prazo à misericórdia do Senhor e ao vosso arbítrio lhe assinastes o dia” (Jd 8, 10b-11. 13). O resto da história é bem conhecido: a valente viúva sai da cidade sitiada, vai ao encontro do acampamento inimigo, engana os assírios e, quando tem oportunidade, corta a cabeça de Holofernes e a leva de volta a Betúlia, inflamando assim o ânimo dos judeus ao mesmo tempo em que espalha o terror sobre as tropas assírias, que fogem quando os soldados de Israel precipitam-se sobre elas.

Mas meditemos um pouco sobre a “impaciência dos judeus” e que é, em última instância, a impaciência de toda a raça humana. A tentação de que o socorro nos venha quando e como queremos espreita-nos dia e noite, e é preciso ter cuidado para não sucumbirmos diante dela – para não fazermos as coisas do nosso jeito. Árduo trabalho o de encontrar a vontade de Deus nas coisas das nossas vidas! Não fosse por Judite, como saber se não era da vontade do Altíssimo que Betúlia se entregasse? O que mais angustia na história é ver que o clamor do povo judeu diante de Ozias parece-nos mais sensatez do que estultícia. Tinham resistido. Tinham sido fiéis. No entanto, estavam à míngua. Por que não mudar as disposições iniciais, que tinham falhado tão miseravelmente…?

Resposta difícil! E eu arriscaria dizer até mais: humanamente impossível. Na verdade, precisamos – tal como os judeus daquela época – de alguém que contenha a nossa impaciência e faça, por nós, o que nós próprios não podemos fazer. Que nos dê a vitória quando tudo pareça estar perdido. Que não nos permita agir por conta própria, por mais que a situação se nos apresente sem saída. Precisamos de uma Judite. E Deus, em Sua infinita misericórdia, deu-nos Alguém que é muito maior do que Judite, Alguém junto a qual a ilustre viúva é menos que sombra. Deu-nos o Altíssimo a Sua própria Mãe.

Deu-nos a Virgem Santíssima, Aquela que esteve de pé diante da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que soube esperar os três dias nos quais o Seu Divino Filho esteve no sepulcro, sem jamais desesperar. Diante do drama da Paixão de Cristo, as guerras judaicas parecem insignificantes: o que é uma cidade sitiada cujo povo passa sede, perto do filho de Deus morto no túmulo frio? Dir-se-ia o mundo inteiro sitiado pelas hostes do inferno, e as almas sedentas da Graça de Deus sem terem onde A encontrar. Mas a Virgem Santíssima não desesperou. Acheguemo-nos a esta Mulher admirável e, aos Seus pés, despejemos as nossas inquietudes e impaciências: se uma viúva salvou o povo judeu dos assírios, temos aqui conosco uma Virgem que é maior do que Judite; não poderá Ela nos salvar? O que são os problemas de hoje diante do corpo sem vida de Deus pendente de uma Cruz? Aquela que pôde sustentar a Igreja nascente enquanto Nosso Senhor descia aos infernos, acaso não poderá sustentar a Igreja de hoje na crise que Ela atravessa?

Que seja em nosso favor Aquela que trouxe ao mundo o Salvador do mundo, que trouxe em Seu seio Aquele que nem mesmo os Céus puderam conter, que venceu sozinha todas as heresias do mundo inteiro, que o próprio Deus coroou como Rainha dos Céus e da Terra. Que seja em nosso favor Aquela que, sob o júbilo de todas as cortes celestes, foi assunta aos Céus em corpo e alma. Que seja em nosso favor a Bem-Aventurada e Gloriosa Sempre Virgem Maria, pois sem Ela pereceremos sem dúvida alguma e, com Ela, nada nos poderá abalar. Assumpta est Maria in Caelum, alleluia – o Regina in Caelum assumpta, ora pro nobis.

A Eucaristia, a Igreja e eu

O reverendíssimo Dr. Pe. João Carlos Almeida, scj, em seu blog, tem-se esforçado por tentar provar a sua tese sobre a “constituição eucarística da Igreja e de cada batizado”, utilizando-se para isso de documentos da Santa Igreja Católica. Julga o reverendo sacerdote ter encerrado a polêmica ao citar a Sacramentum Caritatis, de SS Bento XVI, onde é dito: “Assim, «tornamo-nos não apenas cristãos, mas o próprio Cristo»” (Sacramentum Caritatis, 36).

Não tenho certeza de que o pe. João Carlos compreenda realmente o que está falando. Em um post do seu blog no qual ele pergunta se [s]erá heresia afirmar que a constituição da Igreja é essencialmente Eucarística, ele afirma corretamente: “a antiguidade cristã designava com as mesmas palavras — corpus Christi — o corpo nascido da Virgem Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial de Cristo”. Perfeitamente; no entanto, dizer somente isso é amputar a Doutrina Católica e propiciar o surgimento de erros crassos na compreensão do dogma.

É impressionante: parecem aquelas piadas de “lógica” que circulam pela internet. “Eu não sou ninguém, ninguém é perfeito, logo eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito, logo eu sou Deus. Deus é amor, o amor é cego, logo Deus é cego. Mas eu sou Deus… meu Deus, eu sou cego!”. A argumentação do reverendíssimo pe. João Carlos, data maxima venia, urge dizer, é estritamente análoga: “a Eucaristia é o Corpo de Cristo, a Igreja é o Corpo de Cristo, logo a Igreja é a Eucaristia. Eu sou a Igreja, a Igreja é a Eucaristia, logo eu sou eucarístico”. As conclusões repugnam o bom senso tanto quanto aquelas às quais chegou o sujeito da piada que se descobriu cego por meio do exercício especulativo. São absurdas e é muitíssimo fácil demonstrar: se eu sou a Eucaristia e a Eucaristia é digna de adoração, logo eu sou digno de adoração. A menos que eu seja Deus – e não me consta que eu seja -, isso é idolatria. Logo, por reductio ad absurdum, resta claríssimo, sem a menor sombra de dúvidas, que nem a Igreja é – e nem muito menos eu sou – a mesma coisa que a Eucaristia.

O problema aqui é terminológico, e é o mesmíssimo da aplicação indiscriminada da palavra “presença”, confundindo a presença eucarística com a presença nos cristãos reunidos ou nas Escrituras Sagradas. As palavras não têm um único sentido. A aplicação indiscriminada de palavras que significam coisas distintas em contextos distintos, sem que isso seja deixado claro, confunde os fiéis. E, na minha opinião, todo problema de terminologia é sintoma de um problema cognitivo: o sujeito que não consegue explicar algo direito, é porque provavelmente não o compreende direito. Por isso que eu disse acima não ter certeza de que o reverendíssimo pe. João Carlos compreenda o seu discurso.

A Igreja é sem dúvidas o Corpo de Cristo, mas é o Corpo Místico de Cristo. E Santo Tomás de Aquino ensina que se chama a Igreja inteira Corpo Místico por analogia com o corpo natural do homem (Summa, IIIa, q.8, a.1, responsio). A Eucaristia, por sua vez, é real e substancialmente o Corpo de Cristo, sem o ser – como a Igreja – de maneira análoga. E isso faz toda a diferença.

Santo Tomás faz tanta questão de não confundir as duas realidades que, falando sobre a Eucaristia, distingue n’Ela uma coisa, “significada e contida no Sacramento, que é o mesmo Cristo, e outra, significada e não contida, que é o corpo místico de Cristo”, a sociedade dos santos (Summa, IIIa, q.80, a4, responsio). A primeira é res et sacramentum e, a outra, res tantum: não dá para confundir as realidades como se fossem uma só e a mesma realidade (cf. também Summa, IIIa, q.73; em especial a.6, responsio). Receber o Corpo de Cristo é, sim, unir-se (mais) ao Corpo [Místico] de Cristo, mas as palavras significam coisas distintas: a primeira é o Sacramento em si e, a segunda, o efeito do Sacramento. “Tornar-se o próprio Cristo” [i.e., ser parte constituinte do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja] não tem nada a ver com “tornar-se a Eucaristia”. Os sentidos são múltiplos, e é importante não confundi-los.

Toda esta confusão poderia ser evitada se os ministros do Deus Altíssimo tivessem um maior cuidado com os seus discursos, preocupando-se mais em transmitir a Doutrina Católica do que em fazer rebusques de retórica que, dependendo do público ouvinte [ou leitor], podem provocar muito mais mal do que bem. Causa finita, sim, mas somente quando se compreende exatamente o quê Roma locuta. O exercício do munus docendi não é simplesmente citar trechos pinçados de documentos pontifícios sem os explicar. Pra fazer isso, aliás, ninguém precisa de doutorado em Roma.

O fim de quem abraça o estado eclesiástico

Quem digita “padre Fábio de Melo” no Google recebe como primeiro resultado um link para “Fábio de Melo – novo site”. Na descrição, lê-se: “Site oficial do compositor, escritor e cantor Padre Fábio de Melo”.

Compositor. Escritor. Cantor. Só depois, ao final, padre. Já há diversas polêmicas internet afora envolvendo o reverendíssimo sacerdote e os mais díspares críticos, de modo que as minhas palavras sobre o assunto seriam, no máximo, redundantes. Quero apenas fazer um breve comentário sobre o que enxergo ser o cerne da problemática.

Tem razão – por exemplo – a Montfort em dizer que “Padre Fábio de Melo é um herege completo”? Decerto que não. Primeiro, que um católico vere et proprie herege, nos dias de hoje principalmente, é uma coisa relativamente rara (aliás, o que vem a ser um “herege completo”? O que seria um “herege pela metade”?). Segundo, que, dentre os diversos graus de censura teológica existentes, é muito pouco provável que os textos do padre Fábio fossem classificados como “heréticos”. Terceiro, que não se chama um sacerdote do Deus Altíssimo de “herege completo” em público antes que os seus superiores o façam.

Tem razão, então, o padre Fábio de Melo em escrever e falar as barbaridades que escreve e fala? Tampouco. O problema, no meu entender, está expresso de forma lapidar no site oficial do padre: é o reverendíssimo sacerdote comportar-se como compositor, depois como cantor, depois como escritor, e só depois como padre católico.

“O fim de quem abraça o estado eclesiástico”, escrevia São Pio X, “deve ser unicamente a glória de Deus e a salvação das almas” (Catecismo de São Pio X, q. 820, grifos meus). E para as almas serem salvas é necessário que elas possuam a Fé Católica e Apostólica, sem a qual ninguém pode agradar a Deus e se salvar. Um sacerdote do Deus Altíssimo, então, que deve ter como único fim a glória de Deus e a salvação das almas, precisa empenhar-se com todo o seu ser na propagação da Fé. Precisa torná-la compreensível aos seus fiéis. Por isso, como é doloroso ver o Padre Fábio de Melo compôr, depois cantar, depois escrever, e só depois anunciar a Fé!

O resultado é que a Doutrina vem expressa de maneira sofrível, e é necessário um bocado de boa vontade para interpretar as declarações do reverendíssimo sacerdote em um sentido católico. Isso é muito triste, porque enseja reações [às vezes mais duras do que seria devido, de modo que restam improfícuas por falta de prudência] dos católicos indignados com o digníssimo desleixo sacerdotal; e isso sem falar na multidão incomensurável dos católicos que precisam da Doutrina Católica para se salvar e, no entanto, são forçados a hercúleos esforços para encontrá-La sob o manancial de futilidades e digressões complicadas que jorra em profusão dos discursos do reverendíssimo padre Fábio de Melo! Acaso todos eles são capazes de semelhante empreitada…?

Consegue o padre – entre trancos e barrancos – fugir da heresia, mas o objetivo do sacerdote não é simplesmente fugir da heresia, e sim fazer a Doutrina conhecida, para que Deus seja glorificado e as almas sejam salvas, como ensinou São Pio X! O discurso dos sacerdotes [de todos os católicos aliás, mas dos sacerdotes de uma maneira particularíssima] deve almejar ser o mais fiel possível à Doutrina Católica, e não simplesmente possuir o mínimo indispensável para não ser classificado como heteroxo. Fazer desta segunda concepção a norma da própria vida é, infelizmente, não compreender qual é realmente o fim de quem abraça o estado eclesiástico, ou os meios necessários para alcançá-lo.

Dois pronunciamentos papais

Queridos jovens, vós sois o futuro da Europa. Imersos nestes anos de estudo no mundo do conhecimento, sois chamados a investir os vossos melhores recursos, não apenas intelectuais, para consolidar as vossas personalidades e contribuir para o bem comum. Trabalhar pelo desenvolvimento do conhecimento é a vocação específica da universidade, e exige qualidades morais e espirituais cada vez mais elevadas, diante da vastidão e da complexidade do saber que a humanidade tem à sua disposição. A nova síntese cultural, que nesta época está a ser elaborada na Europa e no mundo globalizado, tem necessidade da contribuição de intelectuais capazes de repropor nas aulas académicas o discurso sobre Deus, ou melhor, de fazer renascer aquele desejo do homem de se pôr à procura de Deus — quaerere Deum — ao qual me referi noutras ocasiões.

[Bento XVI aos universitários do primeiro encontro europeu de estudantes universitários]

* * *

Para quem vem rezar nesta Capela, e em primeiro lugar para o Papa, Pedro e Paulo tornam-se mestres de fé. Com o seu testemunho, convidam a descer às profundezas, a meditar em silêncio o mistério da Cruz, que acompanha a Igreja até ao fim dos tempos, e a acolher a luz da fé, graças à qual a Comunidade apostólica pode estender até aos confins da terra a acção missionária e evangelizadora que Cristo ressuscitado lhe confiou. Aqui não se fazem solenes celebrações com o povo. Aqui, o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores meditam em silêncio e adoram Cristo vivo, presente de maneira especial no Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

A Eucaristia é o sacramento no qual se concentra toda a obra da Redenção: em Jesus-Eucaristia, podemos contemplar a transformação da morte em vida, da violência em amor.

[Bento XVI na reabertura da Capela Paulina]

Dominus Flevit

[Baseado na homilia ouvida na missa de hoje, 9º domingo depois de Pentecostes. Evangelho: S. Lucas 19, 41-47]

“Virão sobre ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; destruir-te-ão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada”. Estas foram as palavras – proféticas – que Nosso Senhor dirigiu a Jerusalém. Cumpriram-se à risca; a Queda de Jerusalém ocorreu no ano 70 e foi um dos mais dramáticos episódios da história antiga. Flavio Josefo narrou-a com riqueza (e crueza) de detalhes (infelizmente, só encontrei online esta edição protestante da clássica obra do famoso historiador judeu), dizendo ao final: “Assim terminou Jerusalém, no dia oito de setembro, no segundo ano do reinado de Vespasiano. […] [N]em a sua antigüidade, nem as suas riquezas, nem a fama difundida por todas as partes da terra, nem a glória que a santidade da religião lhe havia conquistado puderam impedir-lhe a ruína e a destruição”.

Nosso Senhor chorou sobre Jerusalém, porque a Cidade Santa não conheceu “o tempo em que foi visitada”. Muito mais importante que toda Jerusalém, no entanto, é uma única alma humana; será acaso exagero, então, imaginar que Nosso Senhor chora pelas almas que não O reconhecem e preferem viver como se Ele não existisse? E estas divinas lágrimas do Redentor não serão ainda mais amargas do que aquelas derramadas no Evangelho, porque o castigo das almas que rejeitam ao Senhor é tanto maior do que aquele sofrido por Jerusalém quanto as almas são mais importantes do que a Cidade Santa? Se Nosso Senhor derramou lágrimas pela queda de Jerusalém, quantas mais não terá Ele derramado pelas almas que se perdem, mais valiosas – uma única delas! – do que Jerusalém inteira?

E, contudo, estas lágrimas do Redentor do Mundo são incapazes de comover os corações dos homens! Em outra passagem dos Evangelhos, dirige-se Nosso Senhor a Cafarnaum, dizendo: “se Sodoma tivesse visto os milagres que foram feitos dentro dos teus muros, subsistiria até este dia” (cf. Mt 11, 23). Penso que esta passagem pode muito bem ser aplicada a nós próprios, e podemos com muita propriedade dizer: “ó, alma! Se Jerusalém tivesse recebido a graça que foi derramada sobre ti, existiria até hoje”. Se Cafarnaum foi mais ingrata do que Sodoma, nós somos muitíssimo mais ingratos do que Cafarnaum. Se foi terrível o crime de Jerusalém, nós somos muito mais criminosos do que a Cidade Santa.

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Azulejos Portugueses - Salvador

Há ainda um detalhe. Na seqüência desta passagem das lágrimas de Nosso Senhor derramadas sobre Jerusalém, o evangelista nos conta que Jesus, “[e]m seguida, entrou no templo e começou a expulsar os mercadores” (v. 45). A passagem é bem conhecida, e é sempre muito atual. Tal como o Templo da época de Jesus, a Igreja de Deus, hoje, está repleta de vendilhões; a “casa de oração” foi profanada, e fala-se muito em política e em economia, em desarmamento e em redução de maioridade penal, em ecologia e em transposição do Rio São Francisco, em inter-eclesiais e em Amazonas, em neoliberalismo e em exploração social, e muito pouco no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. É necessário ter a coragem de, à semelhança de Jesus, expulsar – com a violência necessária – estes ladrões da Igreja de Deus.

Porque Nosso Senhor chorou por Jerusalém, e não consigo deixar de imaginar que as Suas divinas lágrimas estavam ligadas à triste situação do Templo, narrada no Evangelho logo em seguida. Se a Cidade Santa não conheceu o tempo em que foi visitada, foi sem dúvidas em grande parte porque o Templo não estava bem cuidado; e se, hoje, as almas não conseguem ver que Nosso Senhor as visita, é em parte porque há vendilhões na Casa de Deus que não as deixam perceber que Cristo chama. Também por estas – e principalmente por estas – chora Nosso Senhor. Mas, mesmo após as lágrimas, ele expulsou os vendilhões do Templo. É preciso expulsá-los também hoje. Que as lágrimas do Divino Mestre possam comover o nosso coração empedernido e fazê-lo voltar-se a Deus, e que a Sua Santa Cólera possa nos inflamar o zelo pelas coisas sagradas, é o que pedimos ao Deus Altíssimo no dia de hoje. Que seja em nosso favor a Virgem Soberana.

Mais sobre a comunhão na boca

Sempre foi prática na Igreja que os fiéis recebessem a Sagrada Comunhão do sacerdote, e diretamente na boca. Por exemplo, o Concílio de Trento disse que “sempre foi costume na Igreja de Deus receberem os leigos a comunhão das mãos do sacerdote”, e que “se deve conservar este costume como proveniente da Tradição apostólica” (Trento, Seção XIII, Cap. 8). E Santo Tomás de Aquino chega a dizer que nada que não seja consagrado pode tocar na Santíssima Eucaristia, e é por isso que os vasos sagrados são consagrados, como consagradas são as mãos do Sacerdote (cf. Summa, IIIa, q. 82, a. 3).

A comunhão de joelhos e na boca tem um riquíssimo significado catequético: os leigos recebem dos Sacerdotes o Corpo de Deus, i.e., recebem-No da Igreja, e não O pegam por si próprios; recebem-No de joelhos, na adoração que é devida ao Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor. Há um bom artigo sobre isto no site do Reino da Virgem.

A história  da mudança deste costume chega a ser surreal e seria tomada por inverossímil caso não tivesse acontecido. A Memoriale Domini, a instrução da Sagrada Congregação para o Culto Divino que permite a comunhão na mão, faz uma belíssima defesa da comunhão na boca e de joelhos. Entre outras passagens, pode-se citar:

Esse método de distribuição da Santa Comunhão [de joelhos, na boca] deve ser conservado, levando-se em consideração a situação atual da Igreja em todo o mundo, não apenas porque possui por trás de si muitos séculos de tradição, mas especialmente porque expressa a reverência do fiel pela Eucaristia.

[A] prática que deve ser considerada a tradicional assegura, mais efetivamente, que a Santa Comunhão seja distribuída com o devido respeito, decoro e dignidade.

Este documento traz uma coisa curiosíssima: foi feita uma consulta “a todos os Bispos da Igreja Latina [sobre] se era oportuno introduzir esse ritual [da comunhão na mão]”. O resultado?

Sim: 597
Não: 1.233
Sim, mas com reservas: 315
Votos inválidos: 20

A partir daqui, as coisas ficam surreais: após a consulta – diz o documento -, “fica claro que a vasta maioria dos Bispos crê que a disciplina atual não deve ser modificada, e caso viesse, que a mudança seria ofensiva aos sentimentos e à cultura espiritual desses Bispos e de muitos dos fiéis”. E então “o Santo Padre decidiu não modificar a maneira existente de administrar a Santa Comunhão aos fiéis”.

No entanto, após tudo isso, numa conclusão que sinceramente vai de encontro a tudo que tinha sido dito até então, termina a Memoriale Domini: “Onde um uso contrário, o de colocar a Santa Comunhão nas mãos, prevalecer, a Santa Sé – desejando ajudá-las a cumprir sua tarefa, muitas vezes árdua, como nos dias atuais – deixa às Conferências a tarefa de avaliar cuidadosamente qualquer circunstância especial que possa existir, tomando o cuidado de evitar todo risco de falta de respeito ou de falsa opinião com relação à Sagrada Comunhão, e de evitar quaisquer outros efeitos maléficos que possam se seguir”.

E a decisão foi entregue às Conferências Episcopais. E elas conseguiram sufocar a clara voz dos bispos que se tinham levantado contra a introdução deste costume. E a comunhão na mão foi universalizada, minando a piedade eucarística das almas dos fiéis, fazendo com que se concretizassem os temores dos bispos que foram consultados no final da década de 60. E a fumaça de Satanás entrou na Igreja. E o Demônio riu-se no Inferno.

Antes que me entendam mal: faz já quarenta anos, o estrago já foi feito, os católicos mudaram muito desde então, as normas atuais da Igreja permitem que se receba a Comunhão Eucarística nas mãos e, portanto, é perfeitamente lícito ao fiel comungar na mão; ele não comete nenhuma blasfêmia ou sacrilégio se o fizer. Não é esse o ponto; não se trata de dizer às pessoas que elas não podem comungar na mão, porque podem, é a Igreja que o autoriza. É uma questão de defender e promover a forma tradicional de se receber a Eucaristia na Santa Missa. Porque, sinceramente, olhando para o passado e para os dias de hoje, não posso deixar de considerar a urgência de se resgatar o costume tradicional de se receber a comunhão eucarística.

Normas para a Vida Cristã

[Recebi por email, tradução do “San Juan Bulletin”, que me parece um jornal paroquial, embora eu não saiba de onde. Uma boa paróquia, a julgar pelo que é publciado no periódico. Tampouco conhece o bispo Richard Challoner que é o autor destas linhas; merecem ser conhecidas, por serem piedosas e resgatarem conselhos que, infelizmente, escutamos pouco nos dias de hoje.]

Normas para a Vida Cristã

Do livro “Think Well On It” do Bispo Richard Challoner

1) Põe em tua alma o desejo firme de não consentir com o pecado mortal por motivo algum.

2) Sê diligente em perceber toda a ocasião de pecado e tentação e evitar ou deixar tal situação imediatamente.

3) Resiste ao início de qualquer maldade; não deixes que teus sentidos e imaginação te levem até o mal.

4) Foge de toda vida de preguiça.

5) Não deixes de rezar dia algum, por motivo algum, as orações da manhã e da noite.

6) Faz um exame de consciência diário como parte das tuas orações pela noite.

7) Separa um tempo para orar diariamente. Diz jaculatórias curtas o dia todo, assim te manterás na presença de Deus.

8) Freqüenta os Sacramentos (Santa Missa e Confissão).

9) Tem uma grande devoção à Paixão de Cristo.

10) Sê particularmente devoto da Santíssima Virgem.

11) Reconhece a tua paixão predominante e faz tudo o que esteja em teu alcance para desenraizá-la.

12) Faz penitência; oferece diariamente reparação por teus pecados passados.

13) Mortifica-te; pratica a negação de ti mesmo.

14) Dá esmola de acordo com as tuas possibilidades (e obras espirituais de caridade).

15) Sê preciso em tuas obrigações de teu chamado e estado de vida.

16) Recorda sempre teu fim último e assim nunca pecarás. (Ecl 7: 40)