Será a “Missa Nova” intrinsecamente má?

“[A] Igreja sempre teve o poder de, na administração dos sacramentos, salva a substância deles, determinar e mudar aquelas coisas que julgar conveniente à utilidade dos que os recebem ou à veneração dos mesmos sacramentos, segundo a variedade das coisas, tempos e lugares”.
(Concílio de Trento, sessão XXI, cap. 2 [Denz-Sho 1728] apud Rifan, Dom Fernando Arêas, “O Magistério Vivo da Igreja”)

Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro, com o Seu Sacrifício na Cruz do Calvário “perdoou[-nos] todos os pecados, cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz” (Col 2, 13-14), “isto é, reparou as nossas culpas com a plena obediência do Seu amor até à morte” (Compêndio, 122). O próprio Cristo “[e]stá presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» – quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas” (Sacrossantum Concilium, 7) e, por isso, a Igreja celebra a Eucaristia, que é “o próprio sacrifício do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, que Ele instituiu para perpetuar o sacrifício da cruz no decorrer dos séculos” (Compêndio, 271).

O Sacrifício da Nova Aliança é aquele que – segundo a profecia de Malaquias – é oferecido do nascente ao poente, em todos os lugares (cf. Ml 1, 11) e este sacrifício – ainda segundo a mesma profecia – é puro. Isto posto, e considerando ainda a indefectibilidade da Igreja, “é proposição censurada (…) dizer que a Igreja, regida pelo Espírito de Deus, possa promulgar uma disciplina perigosa ou prejudicial às almas (Cf. Papa Pio VI [1], e Papa Gregório XVI [2])” (Rifan, Dom Fernando Arêas, “O Magistério Vivo da Igreja”).

A questão da Reforma Litúrgica é complexa, delicada e dolorosa. Nas palavras do Santo Padre Bento XVI na Carta que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum:

[E]m muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável. Falo por experiência, porque também eu vivi aquele período com todas as suas expectativas e confusões. E vi como foram profundamente feridas, pelas deformações arbitrárias da Liturgia, pessoas que estavam totalmente radicadas na fé da Igreja.

Estou convencido da superioridade do Missal Tradicional sobre o Missal de Paulo VI, ao mesmo tempo em que estou igualmente convencido da necessidade de se retomar, na Igreja Universal, a disciplina litúrgica vigente até a reforma do século passado. E é com dor e tristeza que eu vejo algumas pessoas – pretensas defensoras da Tradição da Igreja – utilizarem-se dos tesouros sagrados da Liturgia Católica como arma contra a própria Igreja de Cristo, dificultando assim o acesso dos fiéis verdadeiros a estes tesouros que tão fundamentais seriam para a solução da crise que hoje atravessamos.

A (atual) Forma Extraordinária do Rito Romano não foi praticamente proscrita somente por causa dos modernistas que a odeiam, mas também por causa dos rad-trads que a transformaram em cavalo de batalha contra o Magistério da Igreja. Há na Doutrina da Igreja certas proposições teologicamente certas – como as que foram colocadas acima – e que são frontalmente atacadas por algumas críticas feitas à Reforma Litúrgica de Paulo VI. A Igreja, evidentemente, não pode ceder nestes pontos. Se alguns tradicionalistas fossem mais sensatos e não colocassem sempre juntas uma justa reivindicação (à “missa antiga”) e uma intolerável acusação (à “missa nova”), a crise dolorosa pela qual atravessamos não tardaria tanto a passar. Ao contrário, associando fortemente (e injustamente) a Missa Tridentina a posições inaceitáveis por católicos, os rad-trads acabam por obrigar a Igreja ao difícil e inglório trabalho de dissociar as duas coisas, coisa que não é fácil nem rápida, mas que não pode deixar de ser feita.

Não é admissível afirmar que a Missa celebrada pela quase totalidade da Igreja hoje em dia é herética ou inválida (isso, são poucos os que fazem), mas também não é admissível afirmar que ela seja em si nociva, protestantizante, heretizante ou qualquer coisa análoga! Pelo simples fato de que é proposição condenada afirmar que “a Igreja que é governada pelo Espírito de Deus (…) [possa] constituir uma disciplina (…) perigosa, nociva e que induza à superstição e ao materialismo” [1].

Claro está que uma “missa protestantizante” é nociva. Claro está que uma “missa heretizante” é perigosa. É evidente, então, que aqueles que afirmam ser a “Missa Nova” heretizante ou protestantizante defendem que ela é nociva e perigosa e, portanto, defendem uma posição condenada pela Igreja.

Infelizmente, há muitos que defendem isso. O sr. Orlando Fedeli chama a “Missa Nova” de “modernista e protestantizante” e ainda tem a blasfêmia de insinuar que ela seja um culto ao Diabo:

Sem duvida, Padre Carbonnel tem razão ao dizer que o deus cultuado na Missa de sempre é o Deus transcendente e que o deus da missa nova é o deus imanente no universo e no homem.
Resta saber qual é o deus verdadeiro e quem é o diabo.
[Orlando Fedeli, in “Quando um herege diz a verdade: Confissões do modernista dominicano Jean Cardonnel”]

A Permanência afirma que a “Missa Nova” é intrinsecamente má:

As evidências são copiosas. Como negar, sem má-fé, que é protestantizante o novo rito, não apenas em sua intenção, não apenas no entender dos protestantes, mas naquilo mesmo que o constitui?

Oras, ser “naquilo mesmo que o constitui” e ser “intrinsecamente” são sinônimos, e ser “protestantizante” é, evidentemente, uma coisa má; portanto, o que se diz aqui é que a “Missa Nova” é intrinsecamente má.

A FSSPX diz exatamente a mesma coisa:

[S]e bem que, por si mesma, [a “Missa Nova”] não seja inválida, é realmente má pelo seu equívoco. Fosse ela celebrada pelo mais virtuoso dos padres, fosse ela dita pelo próprio Santo Cura d’Ars, ainda favoreceria a perda da Fé e o pulular das heresias, e constituiria um objetivo ultraje a Deus.

Estas posições não são aceitáveis. Afirmam estes que a Igreja determinou universalmente a celebração de um culto que é intrinsecamente mau. Alardeiam estes, por conseguinte, que as “oblações puras” profetizadas por Malaquias foram corrompidas [ou que se reduziram aos guetos rad-trads, o que é negar a profecia da mesma forma, pois esta fala que o Sacrifício é celebrado em todo o tempo e em todos os lugares]. Quando os defensores de tamanha impiedade, ao mesmo tempo, utilizam a “Missa Tridentina” como estandarte de suas loucuras, é porventura de se espantar que o Vetus Ordo tenha o “rótulo odioso” que desgraçadamente tem?

Os verdadeiros inimigos da Igreja “já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja” (São Pio X, Pascendi). O Papa santo falava dos modernistas, mas hoje em dia os rad-trads associaram-se aos hereges condenados no início do século passado, atacando a Igreja sob uma máscara de zelo. Importa que eles sejam desmascarados, e importa que os tesouros da Igreja sejam resgatados e, arrancados aos inimigos da Igreja, retornem às mãos dos fiéis católicos, para a maior glória de Deus, e para a superação – o mais breve possível! – da crise atual que já foi por muito tempo alimentada pelo conluio dialético entre modernistas e rad-trads. Que a Virgem Soberana consiga-nos esta graça do Seu Filho Jesus o quanto antes, é o nosso sincero desejo e a nossa mais fervorosa oração.

* * *

Notas (retiradas de Rifan, Dom Fernando Arêas, “O Magistério Vivo da Igreja” – renumeradas para se adequar ao presente texto [os números originais são, respectivamente, 78 e 79]):

[1] cf. Papa Pio VI, Const. Auctorem fidei, condenação dos erros do Sínodo de Pistóia, jansenista: “A prescrição do Sínodo… na qual, depois de advertir previamente como em qualquer artigo se deve distinguir o que diz respeito à fé e à essência da religião do que é próprio da disciplina, acrescenta que nesta mesma disciplina deve-se distinguir o que é necessário ou útil para manter os fiéis no espírito do que é inútil ou mais oneroso do que suporta a liberdade dos filhos da Nova Aliança, e mais ainda, do que é perigoso ou nocivo, porque induz à superstição ou ao materialismo, enquanto pela generalidade das palavras compreende e submete ao exame prescrito até a disciplina constituída e aprovada pela Igreja – como se a Igreja que é governada pelo Espírito de Deus pudesse constituir uma disciplina não só inútil e mais onerosa do que o suporta a liberdade cristã, mas também perigosa, nociva e que induza à superstição e ao materialismo – é falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva aos ouvidos pios, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus pelo qual ela é governada, e pelo menos errônea” [Denz. 2678]

[2] “Seria verdadeiramente reprovável e muito alheio à veneração com que devem ser recebidas as leis da Igreja condenar por um afã caprichoso de opiniões quaisquer a disciplina por ela sancionada e que abrange a administração das coisas sagradas, a norma dos costumes e os direitos da Igreja e seus ministros, ou censura-la como oposta a determinados princípios do direito natural ou apresenta-la como defeituosa ou imperfeita, e submetida ao poder civil.” (Papa Gregório XVI, Encíclica Mirari Vos, 9 (1932).

Escândalo sobre Taizé

É impressionante como quaisquer notícias relacionadas à comunidade de Taizé conseguem sempre provocar escândalo. A comunidade não-católica é uma fonte inesgotável de irenismo e de confusão doutrinária, e muitas vezes a Igreja é questionada pela “simpatia” com a qual sempre tratou Taizé e, em particular, o Ir. Roger Schutz, seu fundador, cujo assassinato completou recentemente (no dia 16 de agosto) três anos. A mais recente zombaria à qual foi submetida a Esposa de Cristo deu-se justamente por ocasião do aniversário da morte do Ir. Roger, onde o Cardeal Kasper deu uma entrevista sobre o fundador da Comunidade de Taizé. A notícia foi veiculada por ZENIT e também publicada integralmente no site da comunidade de Taizé.

O ponto mais doloroso da questão – apontado acidamente pelo Fratres in Unum – foi a declaração do Card. Kasper de que o Ir. Roger, mesmo não sendo católico, recebia ordinariamente a Sagrada Eucaristia:

“a Igreja Católica tinha aceitado que ele [Ir. Roger] comungasse na missa […] [e ele] também recebeu a comunhão, por diversas vezes, das mãos do Papa João Paulo II, que tinha uma relação de amizade com ele desde o Concílio Vaticano II” [Kasper, in ZENIT]

Todo mundo sabe que não se escreve o que o Kasper diz. Que o cardeal alemão tenha idéias heterodoxas sobre aspectos da Fé Católica que qualquer criança aprende no catecismo, não é novidade para ninguém. Agora, a declaração de que a Igreja e o Papa tenham aceitado sem mais nem menos esta sacrílega communicatio in sacris é bastante grave. Detenhamo-nos um pouco mais na questão.

Em primeiro lugar, o que o cardeal Kasper entende por “Ecumenismo” é uma besteira sem tamanhos. Diz o cardeal:

[O Irmão Roger e]stava convicto de que só um ecumenismo alimentado pela Palavra de Deus e pela celebração da Eucaristia, pela oração e pela contemplação, seria capaz de reunir os cristãos na unidade desejada por Jesus. [Kasper, in Taizé]

O Concílio Vaticano II, todavia, diz o contrário disso:

[N]ão é lícito considerar a communicatio in sacris como um meio a ser aplicado indiscriminadamente na restauração da unidade dos cristãos. [Unitatis Redintegratio, 8]

Ou seja: Kasper diz que o único ecumenismo que “funciona” é o que se alimenta da Eucaristia. A Igreja diz que a Eucaristia não pode ser considerada como um meio para a restauração da unidade dos católicos. Os dois dizem coisas diametralmente opostas. Claro está que é a Igreja quem está certa e, o Kasper, errado.

Acrescente-se a isso o fato óbvio de que não pode receber a Comunhão Eucarística quem está fora da Comunhão com a Igreja. Isso está no Compêndio do Catecismo (n.  291) e o Papa Bento XVI o afirma com bastante clareza:

De facto, a Eucaristia não manifesta somente a nossa comunhão pessoal com Jesus Cristo, mas implica também a plena comunhão (communio) com a Igreja; este é o motivo pelo qual, com dor mas não sem esperança, pedimos aos cristãos não católicos que compreendam e respeitem a nossa convicção, que assenta na Bíblia e na Tradição: pensamos que a comunhão eucarística e a comunhão eclesial se interpenetrem tão intimamente que se torna geralmente impossível aos cristãos não católicos terem acesso a uma sem gozar da outra. [Sacramentum Caritatis, 56]

As exceções da qual fala o Papa no mesmo número da exortação apostólica (“em ordem à salvação eterna, há a possibilidade de admitir indivíduos cristãos não católicos à Eucaristia, ao sacramento da Penitência e à Unção dos Enfermos; mas isso supõe que se verifiquem determinadas e excepcionais situações, associadas a precisas condições”) são as seguintes:

293. Quando é possível administrar a sagrada Comunhão aos outros cristãos?

1398-1401

Os ministros católicos administram licitamente a sagrada comunhão aos membros das Igrejas orientais que não têm plena comunhão com a Igreja católica, sempre que estes espontaneamente a peçam e com as devidas disposições.

No que se refere aos membros doutras Comunidades eclesiais, os ministros católicos administram licitamente a sagrada comunhão aos fiéis, que, por motivos graves, a peçam espontaneamente, tenham as devidas disposições e manifestem a fé católica acerca do sacramento.
[Compêndio, 293]

Evidente está que o “ecumenismo” não pode ser considerado como “em ordem à salvação eterna” e nem tampouco como “motivos graves” (pois isto iria contrariar o texto da Unitatis Redintegratio citado). Mas, então, por que o Ir. Roger comungava (até do Papa!) sem ser católico?!

Por respeito ao Sumo Pontífice, deve-se-lhe conceder a benevolência de não levantar suposições indignas do cargo que ele ocupa. Há uma outra suposição mais caridosa que se pode fazer: e se o Ir. Roger fosse católico?

A notícia saiu há dois anos:

Ir. Roger, o fundador da Comunidade Ecumênica de Taizé, na França, manteve em segredo, por 33 anos, o fato de ter abandonado a religião protestante e ter-se convertido ao Catolicismo.

[…]

A revelar, ou pelo menos confirmar oficialmente, a conversão do religioso suíço foi o bispo emérito de Autun, na França, Dom Raymond Seguy.

[…]

Sua possível conversão ao Catolicismo teria ocorrido em 1972 e, imediatamente após sua profissão de fé, ele teria tomado a decisão de manter segredo sobre isso.

Se baseia ela numa reportagem do Le Monde que diz (não tive acesso à íntegra e também não adiantaria, já que “mon Français est très petit”):

Le cardinal Ratzinger, préfet de la Congrégation pour la doctrine de la foi, qui avait toujours refusé l’accueil des protestants à la communion catholique, faisait-il une exception ? L’énigme est résolue. L’historien Yves Chiron, dans le numéro d’août de la lettre d’information mensuelle Aletheia qu’il publie, révèle que Frère Roger, mort assassiné le 16 août 2005, était converti au catholicisme depuis 1972.
[O Cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que sempre rejeitou que os protestantes fossem admitidos à comunhão [sacramental] católica, abriria uma exceção [ao dar a comunhão para o Ir. Roger nos funerais de João Paulo II]? O enigma está resolvido. O historiador Yves Chiron, na edição de agosto do boletim mensal Aletheia que ele publica, revela que o Ir. Roger, assassinado no dia 16 de agosto de 2005, havia se convertido ao catolicismo desde 1972 – tradução bem livre]

Os rumores foram imediatamente negados pela comunidade de Taizé (“Respeitemos a memória do irmão Roger”, “O Ecumenismo é em primeiro lugar uma partilha de dons” e “Um percurso sem precedente”), mas os artigos publicados pela comunidade são, como sempre, sofríveis. Será que a versão do Le Monde não é possível?

É possível que sim. São palavras do Kasper na citada entrevista:

No entanto, por respeito pela caminhada na fé do irmão Roger, seria preferível não aplicarmos a seu respeito categorias que ele próprio considerava desapropriadas à sua experiência e que, aliás, a Igreja Católica nunca quis lhe impor.

E, se o antigo prior de Taizé converteu-se realmente, e poucos o sabiam, e ele preferiu manter tudo em segredo, por achar termos com “conversão” pouco adequados à empreitada ecumênica por ele conduzida, as coisas passam a fazer mais sentido. Permita Deus que seja verdade! E que a Virgem nos conduza a tempos – em futuro não muito distante, esperemos – em que deixe de ser “politicamente incorreto” falar em conversão, ou em que os politicamente incorretos não corram o risco de pôr muitas coisas boas a perder.

Assumpta est Maria in Caelum…


[André Gonçalves, pintor português – Séc. XVIII]

… gaudet exercitus Angelorum!

Signum magnum apparuit in coelo: mulier amicta sole, et luna sub pedibus ejus, et in capite ejus corona stellarum duodecim. — Cantate Domino canticum novum: quia mirabilia fecit. V.: Gloria Patri … — Signum magnum apparuit in coelo …
[Intróito da missa de hojeRECOMENDO UMA VISITA!]

Hoje a Igreja celebra a festa da Assunção da Santíssima Virgem. Da MUNIFICENTISSIMUS DEUS:

[E]sta solene proclamação e definição será de grande proveito para a humanidade inteira, porque reverte em glória da Santíssima Trindade, a qual a virgem Mãe de Deus está ligada com laços muito especiais. É de esperar também que todos os fiéis cresçam em amor para com a Mãe celeste, e que os corações de todos os que se gloriam do nome de cristãos se movam a desejar a união com o corpo místico de Jesus Cristo, e que aumentem no amor para com aquela que tem amor de Mãe para com os membros do mesmo augusto corpo. E também é lícito esperar que, ao meditarem nos exemplos gloriosos de Maria, mais e mais se persuadam todos do valor da vida humana, se for consagrada ao cumprimento integral da vontade do Pai celeste e a procurar o bem do próximo. Enquanto o materialismo e a corrupção de costumes que dele se origina ameaçam subverter a luz da virtude, e destruir vidas humanas, suscitando guerras, é de esperar ainda que este luminoso e incomparável exemplo, posto diante dos olhos de todos, mostre com plena luz qual o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição.
[MD 41]

E compartilho um ótimo texto escrito por um amigo, o Gustavo Souza, que é uma síntese da festa hoje celebrada em toda a Igreja. Apenas saliento que o dogma hoje celebrado concerne somente à Assunção da Virgem, deixando (propositalmente) aberta a questão de se Maria morreu ou não “terminado o curso da vida terrestre”, que é quaestio disputata.

* * *

Assumpta est Maria in Caelum!

“Mas era preciso que aquela alma santíssima se separasse daquele corpo sacratíssimo. Deixou-o e uniu-se à alma de seu Filho, ela que era uma luz criada uniu-se à luz que não teve princípio. E o seu corpo, depois de ter ficado algum tempo debaixo da terra, também ele foi levado ao céu. Era preciso, com efeito, que ele passasse por todos os caminhos que o Salvador tinha percorrido, que resplandecesse para os vivos e para os mortos, que santificasse a natureza em todos os aspectos e que, em seguida, recebesse o lugar que lhe convinha. Por isso, o túmulo o abrigou durante algum tempo; depois, o céu acolheu aquela terra nova, aquele corpo espiritual, mais digno do que os anjos, mais santo do que os arcanjos. E o trono foi entregue ao rei, o paraíso à árvore da vida, o mundo à luz, a árvore ao seu fruto, a Mãe ao Filho; ela era perfeitamente digna, pois que ela o tinha gerado” (São Nicolau Cabasilas – 1320-1363 – teólogo leigo grego. Homilia sobre a Dormição da Mãe de Deus).

Celebramos hoje a Assunção de Nossa Senhora. No Brasil, cujo calendário civil não prescreve como feriado esta gloriosa data, a celebração desta festa é transferida para o Domingo. Para mais amar, honrar e tornar conhecida a Santíssima Virgem, decidi escrever este pequeno resumo da Assunção.

O fato da Assunção de Nossa Senhora foi-nos transmitido pela Tradição da Igreja. Segundo uma antiga versão (disponível aqui), aos 72 anos, ocorreu a dormição de Nossa Senhora. Os apóstolos foram miraculosamente levados – todos! – a Jerusalém na noite anterior ao fato; os fiéis de Jerusalém, assim que souberam, acorreram ao lugar onde se encontrava o seu corpo para reverenciar e prestar as últimas homenagens à Mãe de Deus. Três dias depois da “morte” de Maria, conta-se que São Tomé (sim, ele mesmo, de novo!) pediu para ver o corpo. Ao removerem a pedra do túmulo, não encontraram a Virgem. Do túmulo, exalava um perfume maravilhoso, fragrância divina deixada presente, lembrança e sinal pela Rainha do Céu. Desse relato, não há uma linha sequer na Sagrada Escritura.

A festa foi instituída oficialmente, junto com a proclamação do Dogma da Assunção de Nossa Senhora, em 01 de novembro de 1950, pelo Santo Padre, o Papa Pio XII.

A data foi estabelecida com base nos escritos de São Jerônimo que afirma ter a Virgem sido elevada ao Céu no dia 18 das calendas de setembro – o que equivale a 15 de Agosto.

A lógica – mais consistente e simples – que justifica a dormição de Nossa Senhora é a seguinte: São Paulo afirma na Carta aos Romanos que a morte é o salário do pecado (6, 23). Como é sabido, a Virgem Santíssima não cometeu nenhum pecado (nem venial, nem mortal). Assim sendo, seria injusto que ela recebesse a recompensa por algo que não fez. Que morresse da exata mesma forma que os pecadores. Deus então, na sua infinita Bondade e Justiça, concedeu-Lhe [à Maria] uma “morte suave”, e como Lhe envolvesse num sono leve atraiu a Si o corpo e a alma da Virgem. Santo Agostinho enumera três razões para explicar a dormição e assunção de Nossa Senhora, a saber:

1 – Como foi Nossa Senhora que “outorgou” a Cristo a carne humana (carne essa que foi poupada da corrupção e da deterioração provocada pelos vermes), o corpo de Maria, com a Ressurreição de Jesus, participa da incorruptibilidade do corpo de Cristo;

2 – Mais do que qualquer outro corpo, o de Nossa Senhora foi autêntico Tabernáculo de Cristo. Deste modo, é mais digno e adequado guardar esse tesouro no Céu que na Terra;

3 – Para dar continuidade à integridade que a Virgem sempre preservou durante toda a sua vida. O Bispo de Hipona afirma: “a pena da corrupção não deve ser conhecida por aquela que não teve sua integridade corrompida quando gerou seu filho. Será sempre incorrupta aquela que foi cumulada de tantas graças, que viveu íntegra, que gerou vida em total e perfeita integridade, que deve ficar junto daquele a quem carregou em seu útero, a quem gerou, aqueceu, nutriu”. (Veja aqui o artigo fonte deste excerto)

Em resumo, Jesus quis honrar sua Sacratíssima Mãe elevando-a sobre todas as criaturas, e revestindo-a de glória e esplendor. E nós, Seus filhos por adoção, devemos também venerá-la para, seguindo os passos de São Luiz de Montfort, manifestar esta devoção que, segundo ele, é indispensável, não opcional, fundamental à vida cristã.

Rainha assunta ao Céu,
Rogai por nós!

Gustavo Souza

Absurdo em São José dos Pinhais

respondens autem Petrus et apostoli dixerunt obœdire oportet Deo magis quam hominibus
(Pedro e os apóstolos replicaram: Importa obedecer antes a Deus do que aos homens)
[Actus Apostolorum 5, 29]

Uma reportagem do Gazeta do Povo, jornal paranaense, anuncia o inexplicável: “a Diocese de São José dos Pinhais aconselha os padres a usar vinho sem álcool ou suco de uva natural nas missas”. A razão? A absurda Lei Seca. Segundo foi noticiado,

o clero foi liberado para usar suco de uva ou vinho sem álcool durante a missa, ao invés do vinho canônico tradicional.

E isso é ridículo. O clero não pode simplesmente ser “liberado” de utilizar o vinho na celebração da Santíssima Eucaristia! Retomando as lições básicas de teologia sacramental que parecem ter sido esquecidas: todo Sacramento precisa, para “acontecer”, de matéria, forma e ministro com a intenção de fazer o que faz a Igreja. E todos os sacramentos foram instituídos por Jesus Cristo, Nosso Senhor, pois somente Ele, que é Deus Encarnado, tem poder para “ligar” um sinal sensível aqui na terra a um efeito sobrenatural. Disto, decorre que absolutamente ninguém tem potestade para alterar aquilo que foi determinado por Cristo Nosso Senhor; nem mesmo o Papa, e muito menos a Diocese de São José dos Pinhais.

A matéria do Sacramento da Eucaristia é o pão de trigo (para o Corpo de Cristo) e o vinho de uva (para o Seu Preciosíssimo Sangue). De facto, assim prescreve a Instrução Redemptionis Sacramentum:

O vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas [Cf. Lc 22, 18; Código de Direito Canônico, c. 924 §§ 1, 3; Missale Romanum, Institutio Generalis, n. 322.]. Na mesma celebração da Missa se lhe deve misturar um pouco d’água. Tenha-se diligente cuidado de que o vinho destinado à Eucaristia se conserve em perfeito estado de validade e não se avinagre. Está totalmente proibido utilizar um vinho de quem se tem dúvida quanto ao seu caráter genuíno ou à sua procedência, pois a Igreja exige certeza sobre as condições necessárias para a validade dos sacramentos. Não se deve admitir sob nenhum pretexto outras bebidas de qualquer gênero, que não constituem uma matéria válida [RS 50, grifos meus].

Não tenho certeza quanto ao vinho sem álcool (posto que a “desalcoolização” do vinho vai, certamente, deixar alguma quantidade ínfima de álcool presente, o que pode ser suficiente para a subsistência da matéria válida), mas o suco de uva não constitui matéria válida para a celebração da Santíssima Eucaristia. Ou seja: celebrar missa com suco de uva é a mesma coisa que celebrar missa com coca-cola, com suco de maracujá ou com cajuína: a Missa não é válida. Suco de maracujá não se transubstancia no Sangue de Cristo, e suco de uva também não. Este assunto é da mais alta gravidade – estamos falando da possibilidade dos fiéis católicos serem enganados com caricaturas de missas – e não pode ser menosprezado.

Vale salientar que existe um documento da Congregação para a Doutrina da Fé, assinado pelo então cardeal Ratzinger, que afirma ser o mosto matéria válida para a celebração da Eucaristia. Segundo a definição do próprio documento,

per mustum si intende il succo d’uva fresco o anche conservato sospendendone la fermentazione (tramite congelamento o altri metodi che non ne alterino la natura);
[por mosto se entende o sumo de uva fresco ou mesmo conservado, suspendendo-se-lhe a fermentação (através de congelamento ou de outro método que não lhe altere a natureza) – tradução livre minha]

E a wikipedia define mosto como sendo “o sumo de uvas frescas obtido antes que passem [pelo] processo de fermentação”. Ou seja: não se trata de “suco de uva” simpliciter, e sim de vinho (ainda) não fermentado. A natureza do mosto é a mesma do vinho; a do suco de uva, não é. Mosto é matéria válida para a celebração da Eucaristia; suco de uva, não é.

E tem mais: o citado documento da Congregatio Pro Doctrina Fidei diz que a utilização do mosto só é permitida nos casos em que o padre possui alguma doença (como alcoolismo) que lhe impeça o consumo de álcool mesmo em mínimas quantidades; não pode ser usado “a torto e a direito”. Temos, portanto, que

a) se a declaração da Pro Doctrina Fidei salvaguarda a validade da Missa celebrada com mosto, o mesmo não pode ser dito quanto à sua licitude, posto que as condições que permitem a utilização do mosto não se encontram presentes no caso atual de São José dos Pinhais; e

b) se, ao invés do mosto [que aliás não é citado uma única vez no jornal], for utilizado suco de uva normal, a missa é inválida mesmo.

O assunto é sério. E, ao lado do absurdo da tentativa de se modificar o que foi instituído por Nosso Senhor, tem uma parte da notícia que é menos grave, mas ainda muito preocupante:

Em 11 de julho, um padre não-identificado da região de Ribeirão Preto (SP) foi flagrado no teste do bafômetro. Após rezar uma missa, o padre seguia em direção a outra paróquia, para fazer mais uma celebração, mas foi parado pela Polícia Militar. Durante a cerimônia religiosa, o pároco havia ultrapassado os limites de vinho permitidos pela nova legislação – 0,1 miligrama de álcool por litro de ar expelido no bafômetro ou 2 decigramas de álcool por litro de sangue. O padre não recebeu as sanções devidas – multa, apreensão da habilitação e detenção – porque um Policial Militar o reconheceu e o liberou.

“Um padre tem direitos e deveres”, afirma Douglas Marchiori. “O soldado agiu errado nessa situação. Não se deve abrir exceções, as pessoas devem conhecer a lei e respeitá-las. Os padres não estão acima disso.”

Esta liberação é sensata, mas acontece que não está prevista na Lei e, portanto, não temos nenhuma garantia de que ela será aplicada sempre, ficando os padres à mercê do bom ou mau humor dos policiais que lhes abordarem; e isto, francamente, é um absurdo. E, para acabar de completar a desgraça, o tal “Douglas Marchiori” que afirmou ter o soldado agido errado é… diácono permanente da Diocese de São José dos Pinhais!!

Que São Pedro, o primeiro Papa, aquele que afirmou ser mais importante obedecer a Deus que aos homens, possa interceder por esta terra de Santa Cruz, para que os bispos brasileiros sejam fiéis ao seu sucessor, a fim de que, por causa de uma lei positiva absurda, uma Igreja Particular não venha a deixar de oferecer o Sacrifício Santo e Imaculado que é devido ao Deus Todo-Poderoso.

Sobre o sofrimento – São Máximo

41. Quase todos os pecados se produzem pelo prazer, ao passo que a sua destruição se dá pelo sofrimento e aflição – voluntários ou involuntários – através da penitência ou de uma prova que sobrevém disposta pela Providência. Se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos com certeza julgados. Mas, quando nós somos julgados, somos castigados pelo Senhor, para não sermos condenados com este mundo [1Cor 11, 31-32].

42. Quando te vem inesperadamente a tentação, não acuse aquele mediante o qual te vem, mas busca a causa pela qual te vem, e encontra a correção; porque tanto por meio daquele como por meio de outros terias de beber totalmente o absinto dos juízos de Deus.

43. Inclinado como és ao mal, não recuses o sofrimento, a fim de que, humilhando mediante este, possas vomitar a tua soberba.

44. Algumas tentações trazem prazer aos homens; outras, aflições; e outras, sofrimentos corporais. Segundo a causa das paixões que se encontra na alma, o médico das almas aplica o remédio mediante os seus juízos.

45. O ataque das tentações levam alguns à destruição dos pecados já cometidos; levam outros à destruição daqueles que se cometem agora; levam outros ao impedimento daqueles que se estão por cometer; exceto as tentações que advêm para a prova, como no caso de Jó.

46. Considerando a cura pelos juízos divinos, suporta o sábio com agradecimento a adversidade que lhe sucede por eles, e não lhe atribui a causa senão aos seus próprios pecados. Em contrapartida, ignorando a sapientíssima providência de Deus, pecando e sendo castigado, tem o néscio a Deus ou aos homens como causa dos seus próprios males.

[São Máximo, o Confessor,
“Segunda centúria sobre a Caridade”, in
“Centúrias sobre a caridade & outros escritos espirituais”
Landy Editora,
São Paulo, 2003]

Igreja Anglicana decide ordenar mulheres

Questiona-se Santo Tomás de Aquino, no Supplementum Tertiæ Partis da Summa, se o sexo feminino era um impedimento para a recepção do Sacramento da Ordem, e a resposta dada pelo Santo é peremptória: o sexo feminino é não só um impedimento para a licitude do Sacramento, como também para a sua validade. Entre as palavras do Doutor Angélico, merecem menção:

[I]n Extreme Unction it is necessary to have a sick man, in order to signify the need of healing. Accordingly, since it is not possible in the female sex to signify eminence of degree, for a woman is in the state of subjection, it follows that she cannot receive the sacrament of Order.
No [Sacramento da] Extrema Unção, é necessário haver um homem doente, para significar a necessidade de cura. Analogamente, como não é possível ao sexo feminino significar superioridade de grau, posto que o estado da mulher é o de sujeição, segue-se que ela não pode receber o Sacramento da Ordem (tradução livre minha).

Ou seja: no fundo, é uma questão de matéria e forma, não “internas” ao Sacramento (todo Sacramento tem matéria e forma), mas sim entre o Sacramento e “aquilo” sobre o qual o Sacramento age. Assim, o Sacramento do Batismo pode ser visto como “informante” de um ser humano não-batizado (de modo que pedras, cachorros, papagaios, cristãos (i.e., homens já batizados), etc, não podem ser [re]batizados), de tal maneira que, não havendo o ser humano não-batizado (a matéria “informada” pelo Sacramento) não há Sacramento do Batismo. O mesmo se aplica ao caso da Ordenação das Mulheres: não havendo varão batizado (a matéria que é informada pelo Sacramento da Ordem), não pode haver ordenação. Esta questão é tão séria que a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu um Decreto recente, punindo com excomunhão latae sententiae tanto quem tentasse ordenar uma mulher quanto a mulher que tentasse ser ordenada.

Todavia, a Igreja Anglicana decidiu ontem que iria ordenar “bispas”. A decisão, polêmica, é de se lamentar; porque, a despeito das ordenações anglicanas não serem válidas mesmo nem em homens, este passo afasta os filhos da religião da Inglaterra ainda mais da Verdade, e torna ainda mais penoso o caminho de volta, que todavia precisará ser feito.

Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar um bem ainda maior – a frase é, se não me engano, de Santo Agostinho. Algo de bom pode sair disso tudo: alguns sacerdotes ameaçavam romper com a Igreja Anglicana, caso fosse aprovada a ordenação feminina. Há rumores de que alguns bispos anglicanos tenham se encontrado com representantes do Vaticano, ontem. Ou seja: o disparate, de tão grande, funciona como “tratamento de choque” para despertar os hereges do torpor e fazê-los ver que Deus não Se encontra no cisma iniciado por Henrique VIII.

Permita Deus que eles retornem à Igreja Católica, Única Esposa de Cristo, Única Arca da Salvação, fora da qual os homens perecem como no Dilúvio. Que o Espírito Santo ilumine-lhes a inteligência, a fim de que vejam, com aquela clareza sobrenatural que a conversão exige, o erro e o estado lastimável em que se encontram. E que voltem à Igreja – seguindo os passos do Cardeal Newmann -, posto que Ela, como Mãe Amorosa, tem sempre os braços abertos para os Seus filhos que retornam feridos.

São Domingos recebeu da Virgem o rosário como arma poderosa para a conversão dos hereges. Rezemos também nós o terço, em especial nestes dias, pedindo que os anglicanos, descontentes com os descalabros da Igreja da Inglaterra, possam se converter depressa à Igreja de Cristo.

Delírios positivistas

Saiu na VEJA um artigo sob o título de “A Fé dos homofóbicos”, da autoria de André Petry (aqui de segunda mão, para os não assinantes).

Não vou tecer considerações sobre a interpretação exposta no artigo referente ao alcance e aos limites do projeto de Lei, pois podem ser encontrados comentários pertinentes sobre o assunto tanto da autoria do padre Lodi quanto no site do Veritatis Splendor. No mínimo, a opinião de Petry de que o temor dos cristãos é infundado vale tanto quanto a opinião dos cristãos de que eles têm sim motivos para temer injustiças; afinal, o articulista dizer que a alegação cristã é uma interpretação tão grosseira da lei que é difícil crer que seja de boa-fé é tão-somente a opinião dele, e não me consta que o Petry vá ser referência consultada quando, nos tribunais, a Lei da Mordaça Gay for posta em execução.

Vou, todavia, comentar sobre um problema sério que vejo no texto (aliás, descobri agora que o Reinaldo Azevedo já fez o mesmo comentário antes de mim): é sobre o relativismo doentio destilado no artigo. Está escrito, lá nas páginas da VEJA:

Matar é crime não porque seja imoral, mas porque a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada.

Não sei se André Petry é ateu. Mas, ainda que não o seja de fato, ele é, pelo menos, um “ateu-lógico”, posto que as posições por ele defendidas só se justificam dentro de um universo onde não haja Deus. A quarta via tomista – quarta via sumitur ex gradibus qui in rebus inveniuntur – para provar a existência de Deus refere-se, exatamente, aos graus de perfeição que existem nos entes. De maneira sucinta, argumenta o Aquinate que duas coisas só podem ser comparadas se houver um referencial de comparação; assim, um ser é mais belo do que outro porque há um referencial de Beleza, Absoluto, do qual as coisas aproximam-se mais ou menos. E este Absoluto é Deus

Retirado o Referencial, o que sobra? Ou o nada, ou a arbitrariedade. Se não houvesse nada, então nada poderia ser comparado com nada; mas esta opção é repugnante demais à inteligência humana, que compara coisas o tempo inteiro. Resta, como alternativa “aceitável”, a arbitrariedade. Deus não é mais o Belo e, portanto, bonitas são as modelos que têm o corpo dentro dos padrões ditados pela “moda”, e belos são os quadros que estejam dentro da última corrente artística. Deus não é mais o Verdadeiro e, então, verdade é aquilo em que você acredita. Deus não é mais o Justo e, então – e esta é a tese de Petry – justiça é o que “a sociedade entendeu” que era justo.

É fácil perceber que o positivismo jurídico conduz ao ateísmo pelo menos prático; afinal, qual seria a razão de se adotar como critério de Justiça a “definição da Sociedade” se houvesse a Suma Justiça à qual recorrermos? Se é preciso recorrer à arbitrariedade, é porque não há absolutos. Se o Direito é positivista, é porque ele reconhece (ao menos) implicitamente que não há Deus. E, se as pessoas vivem em uma sociedade atéia, elas fatalmente perderão de vista o Absoluto e tenderão cada vez mais para a arbitrariedade – como conseqüência, cada vez mais a sociedade, elevada ao patamar de Magistério Infalível para definir o certo e o errado, vai degenerar no caos e na barbárie, porque, sem absolutos, vale a lei do mais forte – e sempre é só uma questão de tempo até os “mais fortes” descobrirem isto.

Não é possível ser sempre imparcial; para salvaguardar os direitos mais básicos da pessoa humana, é preciso proclamar em alta voz que Deus existe. Porque, se recuarmos o estandarte de Deus, a natureza, que tem horror ao vácuo, vai preencher o espaço com alguma coisa – mas esta coisa, não sendo absoluta, será necessariamente relativa. E há valores que não podem ser relativizados.

Como a dignidade humana, por exemplo. É desnecessário lembrar que princípios como a proteção à vida não podem ser deixados para “a sociedade entender” se devem existir ou não, pois sociedades distintas podem entender distintamente o problema e, nesta história, os que sofrem são os mais fracos – como os judeus na Alemanha da Segunda Guerra ou os cristãos em Cuba até hoje, todos vítimas de um Estado que subscreveria integralmente o que é defendido por Petry. Não é justo que os homens, criados por Deus por amor e para o amor, estejam sujeitos às arbitrariedades de pessoas que n’Ele não acreditam. O positivismo de André Petry é potencialmente genocida. É necessário trazer Deus de volta às praças públicas. Urge levantar a Cruz bem alto! Antes que os escombros da modernidade – que caminha fatalmente para a auto-demolição – terminem por soterrar, em sua sanha atéia, ainda mais inocentes.

Fé que vence a Caridade

A Esperança é uma das Virtudes Teologais, junto à Fé e à Caridade, mas parece que [entre os católicos] a Fé venceu a Caridade.

(Alexandre Garcia, no “Jornal da Manhã” da Globo de ontem, quarta-feira 28 de maio. O assunto, claro, é a utilização de embriões humanos para buscar a cura de doenças)

Todavia, para a Igreja, a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus, como reza o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.

Da primeira parte da definição, vemos que o primeiro aspecto da caridade é vertical, i.e., refere-se a Deus. Portanto, não tem caridade quem não ama a Deus. E Deus é a Verdade, em Quem radica-se a Ética e, por conseguinte, não ama a Deus quem desrespeita a Ética, como os que desejam sacrificar embriões humanos indefesos em pesquisas de laboratório, por melhores que sejam as suas intenções.

E, da segunda parte da definição, vemos que a caridade verdadeira, quando se dirige ao próximo, fá-lo por amor de Deus, i.e., está assentada sobre e orientada para o amor a Deus. “Amor ao próximo” que não esteja alicerçado no amor de Deus não é caridade verdadeira; no máximo, filantropia, que, ainda que possa ter o seu valor no plano natural, todavia não raro degenera em erros gravíssimos, como no caso em que se deseja sacrificar embriões humanos indefesos para [e somente talvez] ajudar pessoas doentes.

Em termos teológicos, a Fé, obviamente, não “vence” a Caridade, mas a Caridade pressupõe a Fé, não existindo aquela sem esta. A “frase de efeito” que o jornalista procurou elaborar simplesmente não faz sentido.

Donde se vê que Alexandre Teles não entende nada de Catecismo. E, se é tão grande a ignorância do jornalista em um assunto tão “bê-a-bá” quanto os rudimentos da Doutrina Católica, por que mereceriam adesão incontestável as suas opiniões sobre assuntos tão complexos quanto a utilização de embriões humanos em pesquisas científicas?