“Comecei a achar o ateísmo aborrecido”

Várias pessoas já leram (e escreveram sobre) a interessantíssima entrevista que o Pondé concedeu recentemente à VEJA. Eu também quero dar os meus dois tostões sobre o assunto. Desnecessário dizer que vale a leitura na íntegra.

É bem verdade que – como disse o frei Rojão – “[u]m filósofo que conclui a existência de Deus é realmente um filósofo, não estes garotinhos mimados de classe média que leram Dawkins, que nem é cientista, nem filósofo”; e, nos tempos de indigência intelectual nos quais vivemos, isto é digno de ser mencionado e celebrado. Ainda mais quando o filósofo em questão – o Luiz Felipe Pondé – não é um cardeal católico, nem um piedoso padre católico, nem um renomado teólogo católico. Não é nem sequer um católico. Que, aliás – para horror dos livres-pensadores modernos -, foi ateu por muito tempo, até começar “a achar o ateísmo aborrecido”.

“Aborrecido”! É talvez dos mais elegantes adjetivos que eu vi serem usados recentemente para se referir – com propriedade – ao ateísmo. A miséria intelectual auto-elevada – ridicularmente – ao patamar de única posição socialmente aceitável, provocando os maçantes jantares aos quais o Pondé se refere com tanto bom humor. Como se fossem uma decrépita cerimônia ritual onde os velhos fiéis de uma religião sem fé bajulam-se mutuamente, em um mecanismo de auto-afirmação que é a antítese perfeita dos cultos religiosos onde os fiéis confortam-se uns aos outros. Nem mesmo nisso eles são originais. O diabo só faz mesmo tocar cover das canções do Céu.

E o ateísmo é aborrecido, porque auto-limitado. Porque pobre, raso, estéril. Incapaz de satisfazer aos anseios humanos mais profundos – insistindo em ficar às margens e negar a existência do oceano que se descortina diante dele. Um bufão que se julga rei, emitindo ordens disparatadas em sua estultície e rasgando as vestes, espantado, ao perceber serem bem poucos os que o levam minimamente a sério para além das mesas dos “jantares inteligentes”.

Sobre cientistas e provas de que Deus existe

Agradeço ao Alien por ter me mostrado esta matéria [p.s.: como foi apontado, a matéria é provavelmente HOAX; no entanto, os comentários gerais sobre o assunto permanecem válidos]. Segundo ela, o “físico teórico Michio Kaku [segundo a reportagem, o “cientista mais conceituado da atualidade”] diz ter criado uma teoria que pode apontar a existência de Deus”. São palavras do Dr. Kaku:

“Cheguei à conclusão que estamos em um mundo feito por regras criadas por uma inteligência, não muito diferente do seu jogo preferido de computador, claro, impensavelmente mais complexa. Analisando o comportamento da matéria em escala subatômica, a parte afetada pelo semi-raio primitivo de táquions, um minúsculo ponto do espaço, pela primeira vez na história, totalmente livre de qualquer influência do universo, matéria, força ou lei, percebi de maneira inédita o caos absoluto. Acredite, tudo que nós chamávamos de casualidade até hoje, não fará mais sentido. Para mim está claro que estamos em um plano regido por regras criadas, e não moldadas pelo acaso universal”, comentou o cientista.

Alguns comentários sobre o assunto que podem ser feitos:

1. embora eu tenha lido e relido, não consegui entender o que o cara quis dizer com “percebi de maneira inédita o caos absoluto”, e nem com “tudo o que chamávamos de casualidade até hoje não fará mais sentido”, e nem tampouco como é possível que destas duas sentenças decorra “que estamos em um plano regido por regras criadas”; procurei a referência original na Scientific American Magazine, mas não a encontrei, de modo que é provável que eu não esteja analisando a descoberta do Dr. Kaku em toda a sua abrangência e profundidade;

2. independente disto, por definição não existe “prova científica” da existência de Deus, uma vez que a ciência trabalha com o que é empírico e passível de experimentação e Deus, distinto do mundo criado, não pode jamais ser objeto de medição experimental;

3. não obstante, é em princípio perfeitamente possível que uma teoria cosmológica aponte para a necessidade de uma entidade axiomática para dar sustentação aos modelos teóricos utilizados na explicação do Universo, e é também possível que esta entidade possa se identificar com o Deus dos Filósofos – e, assim sendo, é possível que seja sobre isto que a matéria está falando;

4. a prova da existência de Deus porque “estamos em um mundo feito por regras criadas por uma inteligência” não é propriamente uma prova científica, e sim filosófica – é, na verdade, a 5ª via de Santo Tomás de Aquino.

Lembro-me de que, há alguns anos, um sujeito numa comunidade de Orkut da qual eu participava (se a memória não me trai, era uma comunidade de ateus chamada “Onde está Deus?”, e o nome do sujeito era Aldo) provocou um certo rebuliço tentando provar a existência de Deus por meio da evolução: a idéia do sujeito era que, postulando um tempo infinito (ou uma seqüência infinita de big-bangs – big-crunches, dava no mesmo), a evolução das formas mais simples para as mais complexas iria necessariamente chegar em um Ser superior complexo o bastante para poder ser chamado de “Deus”. Esta prova pode até pretender-se “científica”, mas certamente não é uma prova da existência de Deus, uma vez que um Deus que tenha sido criado, por definição, não é o Deus do Qual nós religiosos falamos. Este deus do Aldo, criado a posteriori pela evolução do mundo, certamente não poderia ter sido ele próprio o Criador do mundo – e, portanto, permaneceria sem resposta a pergunta sobre Quem é, afinal de contas, o Responsável pela existência do mundo cuja evolução culminou neste deus aí.

Não me recordo de quem é a frase segundo a qual a pouca ciência afasta de Deus enquanto a muita ciência d’Ele aproxima. Sei, no entanto, que o significado dela está profundamente relacionado com a Quinta Via Tomista, bem como com aquela frase das Escrituras Sagradas: “desde a Criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras”. Isto não tem (e, aliás, nem pode ter) nada a ver com telescópios vislumbrando o Deus Altíssimo no Seu trono nos Céus ou com sensores capazes de captar a Graça Santificante no interior dos seres humanos. A ciência não é absoluta, e é tanto mais fiel a ela quem melhor reconhece as suas limitações. Não é nas lacunas do saber científico que Deus Se encontra, senão para além dos seus limites intrínsecos: como uma obra pede o seu autor. Certamente o Dr. Kaku não encontrou Deus nos seus semi-raios primitivos de táquions, seja lá o que isso for; no entanto, como tantos e tantos outros antes dele, o que é possível é que ele, contemplando a Criação, tenha vislumbrado a existência do Criador.

Curtas

– Adoraria saber com qual autoridade o Stephen Hawking pontifica que a vida após a morte é um “conto de fadas”. Que eu saiba, o ilustre físico britânico não morreu ainda, para nos contar o que existe “do lado de lá”. Trata-se de uma flagrante intromissão indevida do dr. Hawkings em campos que, data maxima venia, não são de sua alçada. A física teórica pode ter muitas aplicações neste mundo, mas não serve para falar absolutamente nada sobre o outro. Qualquer afirmação neste sentido é, portanto, anti-científica por definição.

* * *

– Um tal de “van Dijck”, em um acesso de irracionalidade que eu até agora não consegui entender, resolveu me explicar um (suposto) crime já tipificado… cometendo-o contra mim! Vejam:

A lei 7716, por exemplo, é um lei que JÁ proíbe que em função de raça, etnia, procedência nacional e RELIGIÃO (tá lendo com atenção crente pentelho? tá lendo direitinho chatólico beato?) pessoas sejam recusadas em escolas ou faculdades ou sejam sobretaxadas em hospedarias ou sejam impedidas de tomar posse em cargo público. Mas em tese se o administrador de  um hotel  se negar a aceitar uma pessoa como hóspede apenas por ela ser homossexual tudo bem. Se uma academia quiser se negar a aceitar um cliente apenas por ele ser homem, ela pode (inclusive já existe academia deste tipo). O que esta modificação na lei faria é incluir discriminações de gênero e de sexualidade dentro do rol as discriminações já tipificadas.

Ora, se a lei 7.716 proíbe (art. 20) “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, como o sujeito vem dizer isso a mim e a um protestante apodando-nos de, respectivamente, “chatólico beato” e “crente pentelho”?!

Fora isto, resta explicar 1) qual o problema com uma academia de musculação só para mulheres; e 2) como todo este blá-blá-blá pode servir para fazer uma apologia (por mínima que seja) da Lei da Mordaça Gay.

* * *

– Muito bom o artigo do dr. Ives Gandra Martins publicado n’O Estado de São Paulo. Vale a leitura. Destaco:

A Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, ao examinar a proposta de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e uma mulher, declarou: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por consequência, que: “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. Entendendo que só o Poder Legislativo poderia fazer a equiparação, impossível por um Tribunal Judicial, considerou que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.

* * *

– Vale também a pena ver o artigo do John Allen Jr. que o pe. Demétrio publicou ontem em seu blog. Fala sobre o Magistério Eclesiástico e sobre a extensão da infalibilidade da Igreja, abordando os fatos dogmáticos. Excerto:

Nos anos 1980, esses pontos de vista conflitantes estavam no centro de um intercâmbio entre Ratzinger e o Pe. Charles Curran, teólogo moral norte-americano demitido em 1987 da Catholic University of America, em Washington, após uma longa investigação por parte do dicastério de Ratzinger. Em diversas correspondências com Ratzinger, Curran defendeu o direito de dissidência diante do que ele chamou de “ensinamento hierárquico não infalível e autoritativo”.

Ratzinger respondeu que essa restrita visão da autoridade magisterial da Igreja deriva da Reforma Protestante e leva à conclusão de que os católicos são obrigados a aceitar apenas alguns princípios dogmáticos fundamentais – a Trindade, por exemplo, ou a ressurreição do corpo –, enquanto todo o resto é discutível. De fato, disse Ratzinger, o Concílio Vaticano II (1962-1965) usou a frase sobre o “objeto secundário da infalibilidade” para se referir a uma ampla gama de ensinamentos sobre fé e moral que está intrinsecamente ligada à revelação divina e, portanto, é infalível.

Um exorcista e o Dom de Línguas

Vi no Wagner Moura. “O padre [José Fortea, exorcista] pede respeito ao movimento [RCC] e comenta que, sim, os carismas são armas eficazes no combate ao demônio. O próprio Pe. Fortea também reza em línguas. Imperdível”. De fato, imperdível. Segue o vídeo:

A Causa das causas e o Bule Voador

Todo efeito tem uma causa; este é um princípio metafísico tão elementar que chega às raias da auto-evidência, sendo inclusive constatado pelas ciências experimentais. Lavoisier (assassinado pela Revolução Francesa, a propósito) já chegou a postular que, na natureza, nada se perde e nem nada se cria: tudo se transforma.

Qualquer análise rudimentar dos encadeamentos de causa-e-efeito levam a um corolário também bastante óbvio: suprimindo-se a causa, suprime-se o efeito. Ora, se é o fogão aceso a causa do aquecimento da água na chaleira, apagando-se o fogão chega-se inevitavelmente à conclusão de que a água não há de ferver sozinha. Qualquer camponês analfabeto da Idade Média entende perfeitamente este mecanismo óbvio da realidade ao seu redor, e qualquer dona-de-casa, por simplória que porventura seja, sabe muito bem que se o gás do fogão acabar-se ela não conseguirá ferver a água do café.

Se todo efeito tem uma causa (e não se encontra uma única exceção a este princípio metafísico na realidade empírica ao nosso redor), segue-se inevitalmente que é mister haver uma Causa das Causas, é preciso haver Algo que tenha causado o mundo em que vivemos e que nós percebemos pelos nossos sentidos. A esta conclusão já chegaram os filósofos da Antiguidade e, com o advento do Cristianismo, a sentença tomou a sua forma lapidar que é utilizada até os dias de hoje: a esta Causa das Causas, a este Primeiro Princípio, nós chamamos de Deus.

“Ah”, pode objetar algum ateu moderno, “mas se Deus criou todas as coisas, quem foi que criou Deus? Se tudo tem que ter um Criador, porque a mesma lógica não se aplica a Deus?”. A esta pergunta (profundamente pueril) pode-se responder da seguinte simples forma: se Deus foi criado por Algo, então Deus não é Deus e este Algo que criou Deus é que é Deus. E, se este Algo foi criado por algum “Outro Algo”, então o Algo primeiro não é Deus e Deus é, na verdade, o “Outro Algo”. E assim sucessivamente: o princípio permanece integralmente válido independente de quantos “Algos” sejam colocados no encadeamento das causas. No entanto, devido ao princípio conhecido por “navalha de Ockham”, não faz sentido multiplicar desnecessariamente o número de explicações para os fenômenos. Basta que haja uma Causa das Causas para explicar a existência do mundo ao nosso redor.

“E por que precisa existir esta Causa das Causas?”, pode insistir o nosso ateu. A resposta é óbvia: se não houvesse uma Causa Primeira, então não haveria efeitos (uma vez que, supressas as causas, suprimem-se os efeitos) e, portanto, não existiria nada. Ora, mas é evidente que as coisas existem: portanto, a única explicação para a existência das coisas é que elas tenham sido causadas por Algo que, por Sua vez, é Não-Causado. Há, portanto, necessariamente uma Causa Incausada. A Ela, nós chamamos de Deus.

“Beleza. Há um Primeiro Princípio. Mas dizer que este Primeiro Princípio é um Deus Pessoal já é extrapolar as conclusões da filosofia” – ainda assim pode insistir o nosso teimoso ateu. Também a isto é fácil responder: é evidente que os efeitos são “da mesma natureza” das suas causas. Assim, o fogo que aquece a panela tem que ser ele próprio quente, a tinta que tinge o portão de vermelho tem que ser ela própria vermelha, et cetera. Também isto é bastante óbvio. Em linguagem filosófica mais específica, nós diríamos que a passagem da potência para o ato dá-se necessariamente por meio de algo que já possui, em ato, a qualidade transmitida: o fogo que aquece precisa ser quente, o gelo que resfria precisa ser frio, a tinta que pinta de vermelho precisa ser vermelha, etc. E a Causa das Causas é também – exatamente por ser Causa das Causas – Ato Puro, i.e., um Ser que possui em ato todas as características.

Ora, há inteligência no mundo: a despeito de alguns questionamentos que nós infelizmente somos obrigados a ouvir, a existência da inteligência (que não pode ser confundida com “todas as pessoas são inteligentes”) é outro dado da realidade facilmente perceptível. E, se há inteligência, também esta precisa de uma Causa, de um Princípio. Na formulação feita por Gilson é possível dizer: como é possível explicar a existência da inteligência no mundo de outro maneira que não através de um Princípio que já inclua, n’Ele próprio, a Inteligência? Ora, não é possível pintar uma casa de vermelho sem tinta vermelha, e não é possível ferver a água do chá sem fogo ou alguma outra coisa que aqueça a água. Se a casa é vermelha, a conclusão de que existe tinta vermelha é imperativa e, se o chá é-nos servido às três da tarde, a conclusão de que existe fogo (ou microondas, ou seja lá o quê) para aquecer a água do chá é totalmente indiscutível. Ora, se existe inteligência no mundo, a conclusão de que o Primeiro Princípio é Inteligente, de que o Ato Puro é também Inteligência, são absolutamente incontestáveis [p.s.: na expressão bíblica, nós dizemos que in principio erat Verbum…]. A Causa das Causas, que nós chamamos de Deus, existe e é inteligente: e isto é a definição mesma de “Deus Pessoal”.

Ora, todo este edifício filosófico foi construído pela humanidade ao longo de séculos para responder a questionamentos que, sem ele, não têm absolutamente nenhuma resposta! Após tudo isso, chega a ser frustrante ver alguém comparar Deus com um bule de chá voador. Ora, pra quê serve o Bule Voador? Ele porventura responde às questões sobre o ser das coisas que encontramos ao nosso redor? Ele traz alguma contribuição para as cadeias de causa-efeito cuja existência (e necessidade) nós conhecemos pela razão? Ele responde a algumas das perguntas relevantes da filosofia como, p.ex., por que existe algo ao invés de nada? Ele tem alguma relevância filosófica, psicológica, sociológica ou antropológica? A resposta é não, não, não e não: o Bule Voador nem de longe tem a mais remota relação com a Causa das causas e, portanto, trata-se de um estratagema pueril para se furtar às perguntas que conduzem o homem a Deus. E ainda vêm os ateus a dizerem que a religião impede as perguntas! Como se pode facilmente constatar, é exatamente o contrário: é a ideologia atéia que, na tentativa de afastar os homens do Primeiro Princípio, busca impedi-los de pensarem sobre as questões que somente no Deus Altíssimo podem encontrar respostas.

[p.s.: na expressão bíblica, nós dizemos que in principio erat Verbum…]

Ateísmo: religião que deu errado

Na esteira do texto sobre a parede vazia atéia aqui publicado recentemente, um dos comentadores do blog trouxe um texto sobre os supostos respeito e consideração que os ateus têm para com as religiões. Como foge demasiadamente das questões sobre a imposição da simbologia atéia nos órgãos públicos (texto original), passo a comentá-lo aqui. Em vermelho e itálico, o texto comentado; em fonte normal, os meus comentários.

Um erro comum aos ateus, todavia, é demonizar completamente as religiões.

Este erro é mais do que “comum”, é virtualmente onipresente, mas vamos lá…

Não; a religião não é boa nem é má.

Começou mal…

A religião é indubitavelmente boa, pelo menos considerando o fim ao qual ela se presta, qual seja, o de religar o homem à divindade. Naturalmente, os que rezam conforme o credo ateu não são capazes de perceber este aspecto incontestavelmente positivo do fenômeno religioso, mas isso pouco importa. As coisas não mudam o seu ser para agradar às visões parciais e distorcidas de um subconjunto (e ainda ínfimo, diga-se de passagem) da humanidade.

Ela assume a característica que damos a ela: podemos usar a religião como desculpa para atos vis, ou como influência para grandes bondades.

Isto aqui são outros quinhentos.

Mutatis mutandis, podemos dizer que a linguagem é uma característica humana indubitavelmente boa, porque ela se presta a tornar possível a comunicação entre os homens, o intercâmbio de idéias, a expressão do pensamento, et cetera. E, naturalmente, alguém pode usar a linguagem para inventar mentiras, para caluniar, para ofender. Isto é uma distorção da linguagem, uma traição àquilo que é o seu fim precípuo.

Seria uma profunda insanidade dizer que, por conta disso, a linguagem “não é boa nem é má”! A linguagem, em si, é boa, ponto. O que não a impede de ser mal utilizada.

Já a religião (pelo menos a esmagadora maioria das religiões) não prescreve jamais “atos vis”, e sim somente atos virtuosos. Alguém “usar a religião como desculpa para atos vis” só é possível (na esmagadora maioria dos casos, ao menos) por meio da desobediência aos próprios preceitos da religião. Portanto, não faz o menor sentido fazer um juízo de valor negativo (ou “neutro”) das religiões por causa de coisas que são feitas à revelia delas.

A religião não é uma aberração; como estaria, então, presente em todas as culturas humanas?

Perfeitamente.

O que muitos ateus radicais precisam entender é que a religião nada mais foi do que o primeiro fazer-científico da humanidade. Como os egípcios, por exemplo, poderiam explicar os fenômenos ao seu redor? Como os primeiros humanos explicariam o fato de serem tão mais desenvolvidos que os demais animais? Como poderíamos entender, nesse tempo, a natureza da “consciência”?

Já isto aqui é um perfeito absurdo.

A religião nunca teve como objetivo (somente) a explicação de eventos empíricos [e, nas vezes em que ela fez isso, foi apenas de modo acidental]. A religião (considerada em si) é a resposta do ser humano à afirmação da sua consciência de que existe uma divindade, existe um transcendente, com o qual ele [o ser humano] tem o desejo de se relacionar. É este o problema que a religião “se propõe a resolver”. O problema das leis da matéria e dos fenômenos naturais é um outro problema.

Tanto que as duas coisas (religião e fazer científico) sempre coexistiram, não apenas “nos primórdios da humanidade” (o homem primitivo que tinha provavelmente religiões anímicas é o mesmo que inventou a roda e aprendeu a fazer fogo) como em todos os tempos, povos e culturas.

O conhecimento primitivo impulsionou a criação de mitos e crenças, tanto que as maiores religiões do planeta se originaram em eras de pouco conhecimento científico.

Bobagem completa. O Cristianismo converteu o mundo romano e o helênico, perto dos quais a virtual totalidade dos atuais inimigos da religião são de uma pobreza intelectual sofrível.

Outrossim, e apenas como ad hominem, é interessante: muitos gostam de exaltar o avanço científico de civilizações antigas, como por exemplo dos Maias, ou dos egípcios que construíram pirâmides sem que até hoje saibamos como, et cetera, et cetera. No entanto, todos esses povos foram sempre profundamente religiosos…

O problema da religião é que ela se infiltrou demais na cultura humana; somos seres naturalmente “religiosos”, mas deveríamos ir abandonando a religião conforme conhecemos a elegância do funcionamento das coisas, desde a física à biologia.

Outro completo absurdo. Se somos seres “naturalmente religiosos”, é óbvio que a cultura humana deve estar impregnada de religião. Estranho seria se fosse diferente. É como (de novo, mutatis mutandis) dizer que somos seres naturalmente comunicativos e lamentar, depois, que a linguagem tenha penetrado demais na cultura humana…

E a segunda parte do período padece, de novo, do mesmo erro de base ao qual já fiz referência acima: o objetivo da religião não é, e nem nunca foi, explicar “o funcionamento das coisas”.

A humanidade, porém, levou a religião muito “à sério”:

O que é uma coisa perfeitamente natural, considerando que a religião é inerente ao ser humano.

religião e ciência se tornaram coisas antagônicas, quando na verdade a religião nada mais é do que a primeira expressão científica do ser humano. É uma ciência rude, primitiva, mas é um tipo de ciência (os próprios religiosos fundamentam suas crenças em argumentos e desenvolvem teorias teológicas).

Isto aqui é o samba do crioulo doido.

Em primeiro lugar, religião e ciência só “se tornaram antagônicas” na cabeça de alguns religiosos fundamentalistas (e incluo aqui os adeptos da religiosidade atéia, como Dawkins, p.ex.). Ciência e Religião são perfeitamente compatíveis, como sempre o foram, e como qualquer pesquisa elementar sobre o assunto é capaz de mostrar.

Em segundo lugar, como já foi dito, é simplesmente falso que a religião tenha sido “a primeira expressão científica do ser humano”. Isto está errado, o objetivo da religião é outro, sempre foi. Enquanto os ateus continuarem tratando a religião sob este prisma desfocado, não terão a menor idéia do inimigo que se propõem a combater.

Em terceiro lugar, “teorias teológicas” não têm nada a ver com ciência, e não se faz a menor idéia de como isto veio parar aqui.

Mas é uma ciência que sobrevive apenas pela metafísica (uma forma de filosofia inteiramente subjetiva, baseada em especulações e pensamentos, não em observação analítica) e pelo fundamentalismo (a antítese moderna da razão).

Mais absurdos…

A religião não sobrevive “apenas” (!) pela metafísica, mas também pela filosofia em seu sentido mais amplo (da qual a metafísica é uma parte) e pela História. Estou, propositalmente, desconsiderando os fatores internos ao fenômeno religioso que o fazem sobreviver.

Depois, a (boa) filosofia em geral (e a metafísica em particular) é e sempre foi baseada na observação da realidade (tendo sido apenas a filosofia moderna quem rompeu com este princípio). “Metafísica”, aliás, foi um termo cunhado precisamente por Aristóteles e cujo estudo foi posto, em seus escritos, logo em seguida aos tomos que tratavam da física – e tendo esta por base, acrescente-se.

Ainda: não existe nenhum problema em tratar as coisas por meio de “especulações”. A menos, é claro, que se negue a capacidade da razão humana de atingir a verdade, pressuposto que no entanto faria toda a ciência experimental moderna cair por terra.

Ademais, a acusação de “fundamentalismo” é totamente gratuita.

A religião é o apêndice da ciência: foi útil para a humanidade em seus primeiros “passos”, mas se tornou, naturalmente, ultrapassada e inútil.

De novo: a religião tem objetivos diferentes da ciência. Enquanto esta se preocupa com os fenômenos naturais, aquela se preocupa com o transcendente e a sua relação com os homens. São dois campos de ação totalmente diferentes.

E a relação dos homens com Deus não se tornou, de modo algum, “ultrapassada e inútil”. Os homens continuam precisando se relacionar com Deus, hoje como nos primórdios da humanidade.

A recusa sistemática em tratar a religião da maneira como ela é – aliás, da maneira como ela se apresenta! – é típica do fundamentalismo irracional dos paladinos da nova religião atéia.

Ou, como diz Hitchens, “a religião é uma ciência que deu errado”.

Parafraseando (e corrigindo) Hitchens: o ateísmo, este sim, é uma religião que deu muito errado!

As desorientações pastorais e doutrinárias da CNBB

Mostraram-me que a CNBB havia divulgado orientações sobre as eleições. Para ser mais preciso, “[u]ma nota intitulada “Votar Bem” com dez orientações sobre a participação dos fiéis nas próximas eleições foi divulgada nesta quinta-feira, 1, pelos 50 bispos do Regional Sul 1 da CNBB (estado de São Paulo), que participaram da 73ª Assembleia dos Bispos do Regional”.

Fui ver a nota. Nada surpreendentemente, ela apresenta em sua virtual totalidade um tom esquerdizante e naturalista, apenas com alguns surtos (mínimos) de catolicidade – mas mesmo assim tíbios o bastante para serem, na melhor das hipóteses, inócuos. São, na verdade, desorientações. Mais confundem do que ajudam.

O exemplo mais claro disso que estou falando pode ser visto da seguinte maneira: é óbvio que a Igreja não tem (e nem pode ter) candidato político. Mas a Igreja pode e dever dizer quem NÃO é um candidato aceitável. Ora, nas citadas orientações, qual a única ocasião em que é dada uma orientação negativa? É justamente quando, no ponto 6, diz-se que “[c]andidatos com um histórico de corrupção ou má gestão dos recursos públicos não devem receber nosso apoio nas eleições”.

Ou seja, segundo a Regional Sul 1 da CNBB, a única coisa que é inaceitável na política brasileira a ponto de merecer uma “desrecomendação” pública e expressa é… a má gestão dos recursos públicos! E o aborto? Quem apóia aborto pode receber o apoio dos católicos nas eleições? Na nota, isso não está dito com a ênfase necessária. Orienta-se apenas que se “veja” (sim, o verbo é esse mesmo!) “se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com a justiça e a solidariedade social, a segurança pública, a superação da violência, a justiça no campo, a dignidade da pessoa, os direitos humanos, a cultura da paz e o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até à morte natural”. Só no final de uma longa e enfadonha lista é feita menção ao aborto, e mesmo assim sem nem mesmo usar a palavra exata.

E o Gayzismo? Pode-se dar o voto a gayzistas? De novo, a nota não diz quase nada. Fala-se, muito genericamente, no “respeito à família”. “Ajude a promover, com seu voto, a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural”. De novo, como na questão do aborto, não há a recomendação negativa que existe para a “má gestão dos recursos públicos”. Parece que, para a CNBB, a primeira e mais importante coisa que deve ser olhada é se o candidato possui “ficha limpa”. O resto, é plena discordância legítima. Votar em quem tem “histórico de (…) má gestão dos recursos públicos” é o único crime que não pode ser cometido, o único pecado cívico contra o Espírito Santo que não tem perdão. O resto, é coisa de pouca monta, é diversidade legítima. “Veja” se seu candidato é abortista, “ajude” a defender a família…

Sugiro que se catolicize este lixo naturalista emanado pela Conferência. Sim, católicos, votem apenas em quem possui a ficha limpa!

Seu candidato já foi terrorista? Ficha suja! Não vote nele! O seu candidato já desviou recursos públicos para a promoção da imoralidade na Parada da Vergonha Gay? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele. O seu candidato já batalhou pela liberação do aborto no Brasil? Ficha suja! Não vote nele. Já autorizou o uso de dinheiro público para o assassinato de crianças inocentes? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele!

Só assim os católicos poderão exercer de maneira consciente a sua cidadania. Senhores bispos, custa falar as coisas da maneira que o povo entenda?

* * *

Como se não bastasse a desorientação pastoral que consta na tal nota, a primeira frase que se lê nela é uma grosseira heresia. Em negrito e itálico, é dito que “o poder político emana do povo”, em frontal contradição à carta de São Paulo aos Romanos, onde o Apóstolo diz que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13, 1).

Esta tese liberal e revolucionária de que o poder emana do povo já foi expressamente condenada pela Igreja. Por exemplo, pelo Papa Leão XIII, na Encíclia Libertas (o texto é longo, mas vale a pena ser lido porque é profético):

17. E, com efeito, o que são os partidários do Naturalismo e do Racionalismo em filosofia, os fautores do Liberalismo o são na ordem moral e civil, pois que introduzem nos costumes e na prática da vida os princípios postos pelos partidários do Naturalismo. — Ora, o princípio de todo o racionalismo é a supremacia da razão humana, que, recusando a obediência devida à razão divina e eterna e pretendendo não depender senão de si mesma, se arvora em princípio supremo, fonte e juiz da verdade. Tal é a pretensão dos sectários do Liberalismo, de que Nós falamos: não há, na vida prática, nenhum poder divino ao qual se tenha de obedecer, mas cada um é para si sua própria lei. Daí procede essa moral que se chama independente, e que, sob a aparência da liberdade, afastando a vontade da observância dos preceitos divinos, conduz o homem a uma licença ilimitada.

É o que, finalmente, resulta disto, principalmente nas sociedades humanas, é fácil de ver; porque uma vez fixada essa convicção no espírito de que ninguém tem autoridade sobre o homem, a conseqüência é que a causa eficiente da comunidade civil e da sociedade deve ser procurada, não num princípio exterior ou superior ao homem, mas na livre vontade de cada um, e que o poder público dimana da multidão como sendo a sua primeira fonte; além disso, tal como a razão individual é para o indivíduo a única lei que regula a vida particular, a razão coletiva deve sê-lo para a coletividade na ordem dos negócios públicos; daí o poder pertence ao número, e as maiorias criam o direito e o dever.

Leão XIII, Libertas Praestantissimum, grifos meus

O que eu grifei, e que o Papa condena, é exatamente o que, com quase as mesmas palavras, a CNBB afirma hoje! Se fossem católicos ignorantes, poder-se-lhes-ia desculpar; mas os pastores da Igreja iniciando um documento com uma erro doutrinário crasso já condenado pelo Magistério há muito tempo, é demais. Exsurge, Domine! Quare obdormis?

Os milagres, a Metafísica, a Providência

As provas da existência de Deus não são de natureza empírica. Isto é óbvio, e está contido nas próprias definições de “Deus” (espiritual) e “empírica” (sensível). O espírito não é sensível, não é perceptível pelos sentidos, não é passível de experimentação em laboratório.

Infelizmente, o grau de incompreensão dos anti-clericais destes princípios tão básicos chega às raias do surreal. É frustrante; tenho às vezes a impressão de estar conversando com retardados. Semana passada, eu pus aqui uma foto – divulgada na Espanha – que mostra uma criança sendo batizada e a água, ao cair, formando uma cruz (ou “um terço”). Eu nem sequer sei se a foto é mesmo verdadeira – parece ser – ou se foi objeto de edição com o Photoshop ou congêneres, simplesmente pelo fato de que isto pouco importa. A foto é uma excelente catequese, que mostra “o que acontece” efetivamente no Batismo, escondido sob os sinais sacramentais (da mesma maneira que outras figuras clássicas, mostrando o que acontece na Santa Missa, por exemplo esta, esta ou esta). Não é um “milagre”, nem uma “prova da existência de Deus”, nem nada do tipo – ao contrário do que insinuaram os comentaristas engraçadinhos que por aqui passaram. No máximo, é Providência Divina, permitindo que a câmera capturasse daquela maneira o momento batismal.

Ninguém precisa de sinais extraordinários para ter Fé, e ninguém que já tenha decidido a priori não ter Fé (como os anti-clericais) vai se deixar convencer por sinais extraordinários. O problema da descrença não é de natureza empírica, mas sim intelectual. Enquanto os irreligiosos insistirem na auto-mutilação da razão, não adianta o Todo-Poderoso descer dos Céus em meio a fogo e toques de trombeta – pois certamente vão dizer que se trata de uma invasão extra-terrestre.

Um dos lados deste curioso fenômeno moderno é o desprezo da metafísica; o outro lado, é a incapacidade de se distinguir entre um fenômeno natural e uma prova da existência divina. Chega a ser impressionante: as provas, eles as ignoram e desprezam e, as coisas naturais, eles querem tratar como se provas fossem! À exceção dos milagres (que, por definição, ultrapassam a natureza e sobre os quais eu não vou tratar aqui), todas as coisas naturais são (a redundância, infelizmente, parece ser necessária) naturais, e não sobrenaturais.

Há uma enorme confusão feita entre a Providência Divina (que a forma ordinária segundo a qual Deus “rege” a história) e os milagres; e, ainda, entre estes e as provas da existência de Deus. E, se é verdade que qualquer um pode receber de Deus a graça da Fé ao contemplar a ação da Providência na História, não é menos verdade que esta, por si só, não é suficiente para se impôr à inteligência (menos ainda no caso de quem, deliberadamente, mutila a própria razão fechando-lhe o acesso àquilo que transcende a matéria). Providência é providência, milagre é milagre, metafísica é metafísica. O surgimento de um gênio do calibre de Santo Tomás de Aquino numa época em que parecia que a filosofia aristotélica era apanágio dos árabes, é Providência; a levitação do Aquinate quando ele, em êxtase, contemplava a Santíssima Eucaristia, é milagre; as Cinco Vias Tomistas, são metafísica. Coisas bem distintas entre si. Naturalmente, qualquer um dos três pode servir para aproximar as almas bem-intencionadas de Deus. Igualmente, todos podem ser rejeitados recorrendo-se ao “Acaso”, ao “Desconhecido” ou ao “Impossível-a-priori”. Nós sabemos muito bem disso, não sendo necessário que os prosélitos da Irreligião venham alardear tais obviedades como se tivessem acabado de descobrir a pólvora. Igualmente, nós sabemos que a Providência não é “sobrenatural” e que a metafísica prescinde da Fé – e tratar estas coisas sob um enfoque distinto deste não é intelectualmente honesto.

No entanto – de novo por definição -, “acaso” não é causa, “ignorância” não é conhecimento positivo e “rejeição a priori” não é determinante de inexistência. Se os ateus querem ter a fé deles, que tenham. Se querem mutilar a própria inteligência, protestaremos, mas que mutilem – afinal, ninguém pode ser forçado a abandonar uma idéia, por mais estúpida que ela seja. Agora, se quiserem impôr a sua fé a todos como a única aceitável, então nós não aceitaremos. Temos bastante amor à nossa inteligência – dom de Deus! – para imolá-la no moderno altar da descrença. Somos bastante céticos para acreditarmos nos contos-de-fada dos anti-clericais. Somos já bem crescidinhos – afinal, temos dois mil anos… – para nos perturbarmos com a histeria de adolescentes mimados.

Et Verbum caro factum est

O Cristianismo é a religião do Verbo Encarnado, do Logos e, por isso, trata-se sem dúvidas de uma religião eminentemente intelectual. De facto, em sendo a racionalidade uma característica própria do ser humano, e tão intimamente sua que o distingue de todo o resto da Criação, é de se esperar que a Religião Verdadeira possa elevar o homem também – e, aliás, principalmente – em sua capacidade racional. Seria completamente absurdo pretender que a Religião, que trata da relação do homem com o Sagrado, o seu Princípio verdadeiro e seu Fim último, fosse descuidar daquilo que é intrínseco e essencial à natureza humana: a sua capacidade intelectual.

A oposição entre Fé e Razão, entre religião e racionalidade, portanto, é não apenas falsa como também absolutamente vazia de sentido. Os que postulam tal incompatibilidade ignoram quer a natureza humana, quer a natureza da religião. Nunca existiu – e nunca nem poderia existir – uma religião que se apresentasse como “irracional”, que fosse estranha à razão humana, a ela oposta ou mesmo que com ela não se importasse. O problema de Deus, posto em seus termos filosóficos elementares, pode também ser exposto da seguinte maneira (que Gilson já apontava no seu “Deus e a Filosofia”, e que cito de memória): dado que existe racionalidade no mundo, como postular um Princípio que não seja, ele próprio, também racional?

Estas considerações prescindem, até o presente momento, de qualquer credo específico. Não raro encontram-se pessoas que, à vista das provas metafísicas da existência de Deus (como as Cinco Vias tomistas, por exemplo), e não lhes podendo negar a força, afirmam que, do Primeiro Motor Imóvel à Trindade Santa, vai uma distância muito grande que a razão humana “sozinha” não é capaz de atravessar. Isto, concedemos facilmente (até porque nunca foi segredo que a Fé ensina coisas que, embora não contrárias à razão humana, por esta sozinha não poderiam ser descobertas); o que não concedemos é que tal constatação (aliás, do óbvio) seja suficiente para impugnar a racionalidade quer da própria existência de Deus, quer da Doutrina Cristã.

Porque, vejamos: da mesma forma como é necessário que haja um Primeiro Motor que seja a origem do movimento no Universo, que haja um Ser Subsistente no qual esteja a origem do ser dos entes criados, é também necessário que haja uma Inteligência que seja a causa da natureza racional encontrada no mundo. O Primeiro Princípio, portanto, é necessariamente racional. A esta conclusão é capaz de chegar a teologia natural; e,  ao encontro dela, vem a Revelação Cristã dizer que in principio erat Verbum.

E, ainda: se o Primeiro Princípio é racional, então Ele é pessoa, porque pessoa – na definição de Boécio adotada por Santo Tomás de Aquino – é precisamente uma subsistência individual de natureza racional. Ora, o Primeiro Princípio é subsistente por definição. É necessário que Ele seja de natureza racional, para explicar a existência da racionalidade no mundo. Logo, o Primeiro Princípio é pessoa. Deus é pessoal, e não é (ainda) preciso que as luzes da Fé venham em auxílio à razão humana para que este conceito de Deus seja pelos homens atingido.

Se, portanto, Deus é Pessoa, Ele naturalmente pode relacionar-Se com os homens: segue-se daí, portanto, que a possibilidade de uma Revelação é perfeitamente coerente com a natureza humana e com a natureza divina conhecida a partir da razão humana. E então a Revelação judaico-cristã vem – mais uma vez – ao encontro deste anseio legitimamente humano, integralmente humano. Não se trata de uma “fuga” da realidade, de uma superstição irracional, mas ao contrário: da realização concreta de uma perfeita possibilidade racional. O homem investiga o Universo e conclui que há um Deus; investiga a si próprio e conclui que este Deus possui inteligência. E anseia por encontrar este Princípio racional, este Deus que é a causa da sua própria existência.

E Deus veio ao encontro do Homem. E uma Luz brilhou nas Trevas. E, a despeito das Trevas não A compreenderem, o Verbo – que no Princípio estava junto de Deus, e era Deus –  Se fez Carne, e habitou entre nós.

Provas da existência de Deus – prof. Orlando Fedeli

Com todas as desavenças que eu tenho para com a Associação Cultural Montfort, é uma questão de honestidade reconhecer a inacreditável capacidade didática do professor Orlando Fedeli. Não comungo – quem me lê sabe disso – da maior parte das posições da Montfort referentes à crise atual que atravessa a Igreja de Cristo; em consciência, não posso deixar de dar combate àquilo que considero deletério para a Igreja de Nosso Senhor e pernicioso para as almas católicas. No entanto, também em consciência, não posso deixar de reconhecer o valor do material produzido pelo professor Orlando em outros assuntos.

A série de vídeos a seguir, que falam sobre a existência de Deus, é um exemplo das coisas indubitavelmente boas legadas pela Montfort. O primeiro, segue abaixo:

E, quem tiver interesse em assistir aos demais, segue abaixo a lista que recebi por email. Que a Virgem Santíssima olhe para o bem realizado pelo professor Fedeli, e possa interceder para que a Associação Cultural Montfort não encaminhe as almas para longe da Barca de Pedro, fora da qual só existe confusão.

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Vídeo 1 de 9

INTRODUÇÃO

http://www.youtube.com/watch?v=N-WzHIEDC68

Vídeo 2 de 9

INTRODUÇÃO (continuação)

http://www.youtube.com/watch?v=-hgPO4BW-S0

Vídeo 3 de 9

PRIMEIRA PROVA – PROVA DO MOVIMENTO

http://www.youtube.com/watch?v=VKdkfMunW38

Vídeo 4 de 9

PRIMEIRA PROVA – PROVA DO MOVIMENTO (continuação)

http://www.youtube.com/watch?v=-6cIT-RsXcA

Vídeo 5 de 9

PRIMEIRA PROVA – PROVA DO MOVIMENTO (término –> 7:00 min)

SEGUNDA PROVA – PROVA DA CAUSALIDADE (início –> 7:01 min)

http://www.youtube.com/watch?v=1PuzqHgMpYY

Vídeo 6 de 9

SEGUNDA PROVA – PROVA DA CAUSALIDADE (continuação) (término –> 1:10 min)

TERCEIRA PROVA – PROVA DA CONTINGÊNCIA (início –> 1:11 min; término –> 6:23min)

QUARTA PROVA – PROVA DOS GRAUS DE PERFEIÇÃO DOS ENTES (início –> 6:24 min)

http://www.youtube.com/watch?v=h9HosG7Ie9Y

Vídeo 7 de 9

QUARTA PROVA – PROVA DOS GRAUS DE PERFEIÇÃO DOS ENTES (continuação)

http://www.youtube.com/watch?v=XYsvGHSVrNs

Vídeo 8 de 9

QUARTA PROVA – PROVA DOS GRAUS DE PERFEIÇÃO DOS ENTES (término –> 7:42 min)

QUINTA PROVA – PROVA DA FINALIDADE (início –> 7:43 min)

http://www.youtube.com/watch?v=nXsPomgy9IU

Vídeo 9 de 9

QUINTA PROVA – PROVA DA FINALIDADE (continuação e término)

http://www.youtube.com/watch?v=85jkhReRI0s