Hélio, o aborto e a alma

Aproveitando o ensejo surgido em uma troca de emails com uns amigos, gostaria de comentar o artigo do Hélio Schwartsman de hoje sobre o aborto. Para fins de praticidade vou comentar por partes, abstendo-me de citar os trechos sobre os quais não tenho comentários a tecer; quem quiser ler o artigo na íntegra, vá no link supracitado.

Comecemos com um pequeno experimento mental. Suponhamos por um breve instante que as leis e instituições funcionassem direitinho no Brasil e que todas as mulheres que induzem ou tentam induzir em si mesmas um aborto (…) fossem identificadas, processadas e presas

[…]

Minha pergunta é muito simples: Você acha que a aplicação universal do que preconiza a lei do aborto tornaria o Brasil um país melhor ou pior do que é hoje?

Melhor, obviamente, porque um país que pune os crimes de seus cidadãos é sem dúvidas melhor do que um país onde reina a impunidade. Ademais, esta questão pragmática não tem nenhuma relevância no debate, simplesmente porque a “aplicação universal” de virtualmente qualquer artigo do Código Penal iria esbarrar nos exatos mesmos problemas apontados pelo articulista da Folha. E nem por isso nós advogamos pela extinção do Código Penal.

Trabalhos da década de 90 estimavam em até 1,4 milhão o número anual de interrupções forçadas da gravidez.

Estimativas chutadas, para dizer o mínimo. Sobre o número de abortos que ocorrem no Brasil, vale a pena ler este post do Murat – que, aliás, hoje completa exatamente um ano.

Independente disso, sob qualquer ótica minimamente racional, um grande número de crimes é motivo para se aumentar a fiscalização e a punição, e jamais para se lhe abrandar. Se os abortistas fizessem uma aplicação honesta dos seus princípios, quanto mais assaltos houvesse em uma cidade, maior deveria ser o clamor para a descriminalização do roubo. No entanto, eles não fazem isso. Só aplicam os seus “raciocínios” à questão do aborto.

É no mínimo complicado afirmar que a vida começa com a concepção.

Não, não é. O que é complicadíssimo – como o próprio articulista vai admitir no final – é negar que a vida comece na concepção. Mas já vamos chegar lá.

Uma semente não é uma árvore e não recebe do Ibama o mesmo nível de proteção que uma respeitável tora de mogno.

Não, mas o Ibama pune como crime contra a fauna a destruição de ovos – ainda que seja um único – de tartarugas marinhas. E aí, como ficamos? A vida das tartarugas começa “antes” da dos seres humanos? Trata-se de alguma peculiar característica evolutiva com a qual a espécie humana não foi agraciada?

O que a concepção produz é um ser humano em potência, para utilizar a distinção aristotélica, autor tão caro à igreja

Que grosseira petição de princípio. A concepção produz um ser humano em ato, e um homem adulto em potência. Como um recém-nascido é também um adulto em potência, e não “um ser humano em potência”.

Só o que torna coerente a posição do Vaticano, é um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a igreja inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção.

Não, negativo. Não é somente por causa disso que a Igreja condena o aborto. Bastaria ler a Declaração sobre o aborto provocado da Congregação para a Doutrina da Fé, onde se diz, citando inclusive autores do início do Cristianismo: “Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: « É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser »”. Aliás, vale a pena citar a nota de rodapé que fala explicitamente sobre a questão da infusão da alma:

Esta Declaração deixa expressamente de parte o problema do momento de infusão da alma espiritual. Sobre este ponto não há tradição unânime e os autores acham-se ainda divididos. Para alguns, ela dá-se a partir do primeiro momento da concepção; para outros, ela não poderia preceder ao menos a nidificação. Não compete à ciência dirimir a favor de uns ou de outros, porque a existência de uma alma imortal não entra no seu domínio. Trata-se de uma discussão filosófica, da qual a nossa posição moral permanece independente, por dois motivos: 1° no caso de se supor uma animação tardia, estamos já perante uma vida humana, em qualquer hipótese, (biológicamente verificável); vida humana que prepara e requer esta alma, com a qual se completa a natureza recebida dos pais; 2° por outro lado, basta que esta presença da alma seja provável (e o contrário nunca se conseguirá demonstrá-lo) para que o tirar-lhe a vida equivalha a aceitar o risco de matar um homem, não apenas em expectativa, mas já provido da sua alma.

Agora, sabem de quando é este documento? De 1974. Tem, portanto, mais de trinta anos. O que justifica que, em pleno século XXI, um sujeito tenha a pachorra de publicar um texto na internet acusando a Igreja de defender uma coisa que Ela não defende? Isso poderia ser encontrado em qualquer pesquisa do Google! Custa se informar sobre um determinado assunto antes de escrever sobre ele?

Uma das mais importantes autoridades da igreja, santo Tomás de Aquino, afirmou, acompanhando Aristóteles, que a alma de garotos só chegava ao embrião no 40º dia. Já a de garotas (vocês sabem como são as meninas!) só no 48º dia.

É sinceramente frustrante ser obrigado a ler um coisa dessas no dia de Santo Tomás de Aquino (que é comemorado hoje, dia 28 de janeiro).

Em primeiro lugar, a teoria não dizia que as almas femininas eram infusas “no 48º dia”, e sim no 80º (ou no 90º, segundo alguns). Em segundo lugar, essa posição era mais científica (da “embriologia” de então) do que teológica, uma vez que, à época do Estagirita e do Aquinate, acreditava-se que os homens produziam “homúnculos” que se instalavam no útero materno e iam recebendo “almas sucessivas” (primeiro vegetativa, depois sensitiva e, depois, intelectiva – era essa última que era infusa no 40º dia) conforme fossem se desenvolvendo. Em terceiro lugar, há quem defenda que Santo Tomás não adotava a teoria da animação sucessiva. Em quarto lugar, a Igreja não condenou jamais nem uma teoria nem outra. Em quinto lugar, mesmo com as disputas filosóficas sobre o instante da infusão da alma, nem Santo Tomás de Aquino e nem ninguém na Igreja nunca defendeu o aborto (veja-se, p.ex., Dom Estêvão sobre o assunto, ou João Paulo II na Evangelium Vitae, n. 61)! Aliás, vou citar esta passagem da EV (grifos meus):

Ao longo da sua história já bimilenária, esta mesma doutrina [em classificar o aborto como desordem moral particularmente grave] foi constantemente ensinada pelos Padres da Igreja, pelos seus Pastores e Doutores. Mesmo as discussões de carácter científico e filosófico acerca do momento preciso da infusão da alma espiritual não incluíram nunca a mínima hesitação quanto à condenação moral do aborto.

Esta carta encíclica é de 1995. Tem quinze anos. E tem no Google. Custava ler antes de escrever?

Volto ao Schwartsman:

Mas será que a noção de alma para em pé?

Vale salientar que, uma vez que (como foi mostrado) a condenação moral do aborto independe do momento da infusão da alma, todas as objeções do Hélio à teoria da animação simultânea têm somente interesse filosófico. Em absolutamente nada mudam a condenação moral do aborto. No entanto, vamos às objeções dele.

Estima-se que 2/3 a 3/4 dos óvulos fecundados jamais se fixem no útero, resultando em abortos espontâneos.

Irrelevante. Um limbo “super-povoado”, embora me incomode profundamente, não é de per si uma demonstração da animação tardia.

Além da hipótese da superpopulação do Limbo, pode perfeitamente acontecer que (a) as estimativas estejam erradas; (b) estes abortos sejam frutos de um defeito na concepção, resultando assim em matéria não adequadamente disposta para a recepção da alma intelectiva e, portanto, neste caso, é precisamente a ausência da alma que provoca a “morte” do embrião e o subseqüente aborto espontâneo; (c) a teoria da animação simultânea esteja errada. Ou qualquer outra coisa na qual eu não consiga pensar agora.

Isso, como foi dito, pode até ter interesse metafísico, mas é completamente irrelevante no debate sobre o aborto.

Para começar, a própria concepção não é exatamente um instante, mas um intervalo que varia de 24 a 48 horas. Esse é o tempo que transcorre entre a penetração do espermatozóide no óvulo e a fusão genética dos gametas. Será que a alma leva todo esse tempo para ser soprada no novo ser?

Pode-se perfeitamente assumir que a infusão da alma ocorre ao fim do processo, quando a matéria está adequadamente disposta. Aliás, se a gente parar de pensar em “infusão da alma” como um “sopro”, literalmente, e considerar as coisas da maneira que a filosofia católica considera, todas as dificuldades levantadas pelo artigo da Folha deixam de existir.

O homem, como todas as coisas (exceto os anjos), tem matéria e forma. O corpo é a matéria, a alma é a forma. Para existir o homem – como, aliás, para existir qualquer coisa – é preciso que haja a matéria e a forma, porque “matéria não-informada” não existe e, forma sem matéria, só os anjos. Se, portanto, há um ser humano, há forma, há alma. Em outras palavras: se a matéria orgânica está disposta de tal maneira que seja um ser humano (lógico, e este ser humano em questão está vivo), há uma forma a lhe dar consistência ontológica, há uma alma. Assim considerando, todas as objeções perdem o fundamento, como se pode ver a seguir.

Como já expliquei em outras colunas, gêmeos monozigóticos (idênticos) se formam entre um e 14 dias depois da fertilização, quando o embrião sofre um desenvolvimento anormal dando lugar a dois ou mais indivíduos com o mesmo material genético. A alma, é claro, já estava lá. Cabem, assim, algumas perguntas. Ela também se divide, ou outras almas surgem para animar os demais irmãos?

As almas surgem quando a matéria está disposta, conforme acima explicado. Assim, caso uma divisão celular resulte em dois embriões, a segunda alma surge junto com o segundo embrião, da mesma forma como surgiria se o embrião fosse resultante de fecundação, e não de divisão celular.

Quem fica com a alma “original” é uma pergunta obviamente irrelevante e impossível de ser respondida.

O quimerismo é relativamente raro entre humanos, mas ocorre quando dois ou mais embriões se fundem antes do quarto dia de gestação.

Se o embrião deixa de existir, a alma dele morre. Qual a dificuldade com isso?

O que procurei mostrar com essas considerações é que não é tão certo que a vida comece com a concepção.

Aqui, o Hélio identifica – de maneira totalmente indevida – “a vida começa na concepção” com “a alma é infundida na concepção”. A primeira, é um dado científico incontestável; a segunda, é uma questão filosófica em aberto. O Hélio contestou a segunda; sobre a primeira, não deu um único pio ao longo de todo o longo artigo.

O meu palpite (e é só um palpite, porque eu, ao contrário de alguns religiosos, tenho muito poucas certezas) é que não dá para estabelecer um instante mágico a partir do qual o embrião se torna um ser humano. Ou melhor, até podemos eleger esse momento, mas ele será tão arbitrário quanto qualquer outro.

E, já que a definição é necessariamente arbitrária, não vejo motivos para não a ajustarmos às nossas necessidades.

Que pérola! Antes de mais nada, a embriologia já define perfeitamente que um embrião é um ser humano (se não for um ser humano, ele é o quê? Uma galinha?); o que o Hélio quer dizer, confundindo as duas questões que eu mencionei acima, é que não dá para dizer com certeza quando a alma é infusa.

E a “solução” para ele, ao invés do in dubio pro reo obviamente mais sensato (i.e., considerar ao menos que o embrião pode ser um ser humano, dado que esta possiblidade não foi de modo algum excluída e, portanto, todas as pessoas, para serem honestas, precisam considerá-la e, por conseguinte, proteger o embrião), é… ser arbitrário. Já pensou que maravilha? A gente pode mandar a biologia às favas. A gente pode arbitrar quando é que o ser humano passa a existir. Alguns podem escolher que é na concepção, outros, que é aos 48 dias. Outros podem escolher que é aos dezoito anos. Outros, aos sessenta. E talvez outros possam arbitrar que, para algumas pessoas (digamos, deficientes mentais, ou negros ou judeus), não é nunca. Afinal, não dá para saber com certeza…

Sim, o mundo não é um lugar perfeito. Mas seria muito, muito pior se os abortistas fossem levados a sério em todas as sandices que defendem.

Mais sobre os castigos temporais de Deus

Recebi alguns comentários interessantes no meu texto de ontem sobre o Haiti e os castigos de Deus. Vou falar mais algumas coisas sobre o assunto; primeiro, sobre o caso particular da tragédia recente e, depois, sobre a pergunta mais geral: Deus castiga?

Sobre o Haiti, vou ser lacônico: o Julio Severo está errado. Simplesmente não é verdade, antes de mais nada, que “[a] religião oficial do Haiti (…) é o vodu”. A wikipedia diz que a religião oficial de Estado é o Catolicismo Romano. Sobre esta informação, é importar ressaltar que a Constituição do Haiti de 1987 não diz isso; no entanto, tampouco fala em voodoo. De onde foi que o Julio Severo tirou que é esta a religião oficial do Haiti?

Ainda que fosse, isto por si só não é motivo suficiente para inferir que o terremoto no país foi um castigo divino por causa da feitiçaria praticada pelo povo. Já disse que Deus não “funciona” com o determinismo de uma lei física de causa-e-efeito do tipo “se o povo é mau, então vou mandar uma catástrofe”. Ou, por acaso, todos os lugares do mundo onde se praticam feitiçaria sofreram catástrofes naturais? Ou todas as catástrofes naturais do mundo ocorreram em lugares onde se praticam feitiçaria?

Dito isto, passemos para o caso mais geral. Que Deus castiga, imagino que seja ponto pacífico e não necessite de mais discussão. O que parece estar ainda em litígio é: as tragédias naturais podem ser castigos de Deus?

E, sinceramente, não vejo como seja possível responder “não, não podem” a esta pergunta. Pelos motivos os mais diversos. Em primeiro lugar, há exemplos, nas Escrituras, de tragédias naturais que são castigos de Deus. E um único contra-exemplo bastaria para derrubar a regra.

Além disso, há o testemunho da Liturgia. Pus aqui as orações antigas da missa votiva para ocasiões de terremoto, e elas são peremptórias: “tais flagelos são castigos da Vossa mão”. E nós rezamos conforme nós cremos.

Fiz questão de olhar no missal de Paulo VI e lá tem uma missa pro tempore terraemotus. Infelizmente, ela foi terrivelmente mutilada, tendo sobrado somente a colecta – que é uma mistura das três orações da missa antiga – e, mesmo assim, todas as referências à ira de Deus e aos castigos foram simplesmente suprimidas. No entanto, durante mil e novecentos anos rezou-se dizendo que os terremotos eram castigos da mão de Deus; lex orandi, lex credendi. Da (infeliz) supressão das orações no Novus Ordo Missae não segue que a doutrina da Igreja tenha “mudado”.

Há, além disso, a questão mais geral da Providência Divina. Nós sabemos que nem um pássaro cai por terra sem a vontade de Deus (Mt 10, 29); como, em sã consciência, podemos postular que uma cidade inteira caia em ruínas sem o consentimento do Onipotente? É óbvio que Deus sempre pode evitar as tragédias, e é empírico que Ele, às vezes, não as evita. Aliás, Deus poderia perfeitamente ter criado a terra de tal maneira que não houvesse movimento de placas tectônicas ou que estes movimentos não provocassem na superfície os estragos que provocam. Se há tragédias, é porque aprouve a Deus que houvesse. E, se aprouve a Deus que houvesse, é porque há algum propósito nelas, ainda que nós não o conheçamos – do contrário, teríamos que admitir que o mero acaso, afinal, tenha precedência sobre os desígnios de Deus, ou que os desígnios de Deus sejam aleatórios e sem sentido. Ora, se nós admitimos que há um sentido nas coisas que acontecem, e admitimos não conhecer os desígnios do Deus Altíssimo, baseados em quê excluiríamos a priori o castigo divino – já sabemos que Deus castiga! – dos motivos possíveis pelos quais o Todo-Poderoso permitiria uma catástrofe natural qualquer?

Ainda: que há “castigos temporais infligidos por Deus” é doutrina definida pelo Concílio de Trento (Trento, Sessão XIV, Cap. 9). Qual a natureza destes castigos o Concílio não diz; mas diz que são temporais. Deus, portanto, inflige também castigos que não são espirituais. Se são temporais, então suas causas imediatas são naturais; ainda assim, são castigos infligidos por Deus. Ora, se há coisas que possuem causas naturais e, mesmo assim, são castigos de Deus, por qual motivo deveríamos excluir os efeitos dos movimentos das placas tectônicas – ou quaisquer outras catástrofes naturais – dos possíveis castigos divinos?

Atenção! Não estou dizendo que todo raio que cai, todo terremoto, toda inundação, toda gripe, todo câncer, toda falência são castigos de Deus. Estou dizendo que podem ser. Porque também nem toda adversidade é um castigo pelo pecado. Clemente XI condenou o seguinte erro de Quesnel:

Dios no aflige nunca a los inocentes, y las aflicciones sirven siempre o para castigar el pecado o para purificar al pecador.

Errores de Pascasio Quesnel, Condenados en la Constitución dogmática Unigenitus, de 8 de septiembre de 1713

Nada impede, portanto, que Deus envie aflições aos inocentes. Nada impede que uma catástrofe natural, portanto, seja, ao mesmo tempo, um castigo de Deus infligido aos pecadores e uma aflição aos inocentes que não lhes seja castigo. Isto não significa – repito! – que uma tragédia concreta seja um castigo divino; mas significa que pode perfeitamente ser.

Temos, em resumo, que (1) Deus castiga; (2) Deus também inflige castigos temporais; (3) nada obsta à inclusão das catástrofes naturais entre os possíveis castigos que Deus pode infligir.

Missa Votiva – em ocasião de terremoto

[Falei aqui sobre as orações que havia no missal tridentino para serem usadas em situações diversas, e que havia umas específicas para após um terremoto. Não sei como (ou se) ficaram estas orações após a Reforma de Paulo VI; o que sei é que ainda há, no Missal Romano atual, uma parte referente às “Missas para diversas necessidades”.

Reproduzo aqui as orações antigas, que considero muito bonitas: a ira de Deus que abala os fundamentos da terra, a terra que treme com o peso de nossas iniqüidades! Essa compreensão falta completamente ao homem moderno. Perdendo de vista as causas finais e só enxergando a causalidade imediata, comporta-se ele como alguém que, diante de um relógio, diz que ele marca as horas correctamente devido ao movimento de suas engrenagens internas, e isso não tem nada a ver com a vontade do relojoeiro que o fez…

E que o Todo-Poderoso tenha misericórdia de todos nós.]

EM OCASIÃO DE TERREMOTO

Colecta

Omnipotens sempiterne Deus, qui respicis terram et facis eam tremere: parce metuentibus, propitiare supplicibus; ut, cujus iram terrae fundamenta concutientem expavimus, clementiam contritiones ejus sanantem jugiter sentiamus. Per Dominum nostrum Jesum Christum Filium Tuum.

Ó Deus eterno e omnipotente, que olhais para a terra e a fazeis estremecer, perdoai aos que Vos temem e sede indulgente com os que Vos imploram, a fim de que, depois de vermos com terror a Vossa ira abalar os fundamentos da terra, sintamos a Vossa misericórdia reparar os estragos produzidos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Secreta

Deus, qui fundasti terram super stabilitatem suam, suscipe oblationes et preces populi tui: ac, tremendis terrae periculis penitus amotis, divinae tuae iracundae terrores in humanae salutis remedia converte; ut, qui de terra sunt et in terram revertentur, gaudeant se fieri sancta conversationem caelestes. Per Dominum.

Ó Deus, que estabelecestes a terra em suas bases, recebei as oblações e as preces do Vosso povo, e, removido o perigo dos terremotos, convertei os flagelos da Vossa ira em remédios de salvação, para que aqueles que são da terra e hão-de a ela voltar se alegrem por se tornarem cidadãos do Céu pela prática da virtude. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Póscomunhão

Tuere nos, Domine, quaesumus, tua sancta sumentes: et terram quam vidimus nostris iniquitatibus trementem, superno munere firma; ut mortalium corda cognoscant, et te indignante talia flagelia prodire, et te miserante cessare. Per Dominum nostrum Jesum Christum Filium tuum.

Protegei-nos, Senhor, já que recebemos os Vossos santos mistérios, e por Vossa misericórdia firmai a terra que vemos tremer com o peso de nossas iniqüidades, a fim de que os mortais saibam que tais flagelos são castigos da Vossa mão, e o seu termo efeito da Vossa misericórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Católicos e ateísmo

O Alien fez a seguinte pergunta em um comentário sobre outro texto cá do blog:

Não sei se a mídia não mostra, ou não temos acesso, mas alguma vez alguém da Igreja Católica já confrontou cara a cara os defensores do ateísmo? Em público?

Não sei a resposta completa à pergunta, pois não conheço todos os católicos que desenvolvem trabalho apologético nos meios de comunicação mundo afora. Historicamente, sei que muitos católicos já confrontaram abertamente os defensores de todos os erros e heresias (quanto ao agnosticismo em particular, não poderia deixar de mencionar o grande Chesterton), mas imagino que o Alien esteja perguntando com relação aos nossos tempos.

Não conheço muito sobre a apologética católica anti-ateísta contemporânea. Mas posso responder que sim, alguma vez alguém da Igreja Católica, alguém grande, já “confrontou cara a cara os defensores do ateísmo”. Em público, em um teatro, que lotou e foi necessária a colocação improvisada de alto-falantes, para que as pessoas que se aglomeravam do lado de fora pudessem acompanhar o debate.

Quem foi? O então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI gloriosamente reinante. O seu adversário foi o filósofo ateu Paolo Flores d’Arcais. O debate está transcrito em um livro lançado no ano passado, “Deus existe?”, que ainda não li, mas está na minha lista.

Inclusive o ateu Marcelo Coelho, articulista da Folha, escreveu já por duas vezes sobre este debate. O texto que está disponível no seu blog pode ser lido aqui. E seu início não deixa de ser um elogio ao Papa: “Pode-se discordar muito de Bento 16 – e mesmo detestá-lo. Mas é, sem dúvida, um ótimo papa do ponto de vista intelectual”. Em um outro texto (aqui para assinantes), o ateu é forçado a reconhecer a vitória do cardeal católico:

Flores d’Arcais não sai vitorioso, entretanto, do debate com Joseph Ratzinger. Quando se trata de defender princípios universais e inalienáveis, como os direitos humanos, nosso ateu de plantão cai na armadilha do relativismo: muitas sociedades admitiram o homicídio, a antropofagia…

Ratzinger insiste, com razão, que se muitas sociedades fizeram coisas detestáveis, isso não torna casuais, contingentes, os direitos humanos. D’Arcais também não gostaria que isso acontecesse, mas se confunde no debate.

Debates assim são importantes e devem ser divulgados e incentivados. Pois a razão está do lado da Fé, e não do ateísmo. É importante fazer as pessoas compreenderem isso.

P.S.: Sobre este livro, vale a pena ler: ¿Dios existe?, tradução de um artigo do pe. Rodrigo Polanco, aqui publicado.

A Lei Natural e a Ignorância

Eu sempre achei muito complicado falar em “Ignorância Invencível” em se tratando da Lei Natural. Os exemplos são os mais variados possíveis: os sacrifícios humanos dos astecas, os homossexuais, os ateus e, agora os suicidas: descobri hoje que a Leila Lopes se matou para ir para junto de Deus.

Por um lado, é fato incontestável que o suicídio é pecado mortal. Por outro lado, é também incontestável que, para que haja pecado mortal, é necessário, além da matéria grave, pleno conhecimento e deliberado consentimento. Estes dois últimos aspectos são subjetivos; mas será que a subjetividade é absoluta? O fiel da balança fica sendo, então, em última instância, a (má) consciência do indivíduo?

Santo Tomás de Aquino ensina que a Lei Natural só é conhecida de todos os homens no tocante aos seus primeiros princípios universais (Summa I-IIae, q. 94, a. 4). Ensina também que as paixões podem obscurecer a razão (id. ibid, q. 77, a. 2), e que as paixões antecedentes ao pecado o atenuam (id. ibid, q. 77, a. 6). No entanto, o mesmo Santo Tomás diz (id. ibid., q. 77, a 8) que, quando o ato pecaminoso ou o consentimento deliberado é executado de maneira passional, isso não ocorre repentinamente, de modo que a razão deliberante pode fazer frente e, se não o faz, é pecado mortal…

Reconheço que é complicado, e reconheço que, às vezes, sentimo-nos tentados a escusar. Seja o ateu que teve uma péssima formação filosófica e religiosa, seja o homossexual que, desde a mais tenra infância, foi exposto à depravação até o seu senso moral ser destruído, seja um asteca que levava a sua religião tão a sério a ponto de oferecer, ao que ele julgava ser Deus, o que há de mais excelente na Criação: um outro ser humano. Ao mesmo tempo, no entanto… é possível postular este subjetivismo radical da culpa?

Eu não consigo mensurar a culpabilidade de alguns atos. Acho, porém, que não vale a pena fazê-lo: o que realmente interessa, na minha opinião, é estabelecer as matérias pecaminosas e combatê-las nos casos concretos, independente da culpabilidade dos pecadores. Afinal, sem sombra de dúvidas é possível que, quando houver matéria grave, haja também pecado mortal. E o risco de não dar a devida importância a uma alma que – pelo menos – possivelmente caminha a passos largos para o Inferno é grande demais para ser corrido em tranqüilidade de consciência.

Divulgação – V Jornada Tomista de Pernambuco

V JORNADA TOMISTA DE PERNAMBUCO

Recife, 04, 05 e 06 de Novembro de 2009

TEMA

“TOMÁS DE AQUINO E A MÍSTICA MEDIEVAL”

ATIVIDADES

Conferência de Abertura: Prof. Dr. Paulo Faitanin (Univ. Federal Fluminense): “A hierarquia celeste: iniciação à doutrina dos anjos de São Tomás de Aquino”.

ATIVIDADES DAS NOITES

Quarta-feira (04/11):  Conferência –  das 19h às 22h – Auditório do CIRCAPE – Rua do Riachuelo, 105, 10o andar

–   Prof. Dr. Paulo Faitanin  – Univ. Federal Fluminense: “A hierarquia celeste: iniciação à doutrina dos anjos de Santo Tomás de Aquino”.

Quinta-feira (05/11): Comunicações – das 19h às 22h – Auditório do CTCH – 1o Andar – Bloco B – UNICAP

–    Prof. Dr. Ivanaldo Santos – UERN: “O tomismo analítico”.

–    MSc. Nalfran Modesto Benvinda – Doutorando em Filosofia – UFPB/UFPE/UFRN: “As qualidades requeridas na oração a partir do Comentário ao Pai Nosso de Santo Tomás”.

–  Ricardo Evangelista Brandão – Mestrando pela UFPB ; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “Há possibilidade das paixões do corpo afetarem a alma, segundo Santo Agostinho?”

Sexta-feira (06/11):  Comunicações – das 19h às 22h – Auditório do Bloco D – 1o andar  – UNICAP

–    Prof. Dr. Witold Skwara – UFPE: “O tempo qualitativo em Santo Agostinho e o tempo quantitativo em Tomás de Aquino”.

–    Jair Lima dos Santos – Curso de Direito – PIBIC/UNICAP ; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “A Lei Natural em Tomás de Aquino e sua Repercussão na Doutrina Política de Marsílio de Pádua”.

–   Carlos Alberto Pinheiro Vieira – Mestrando em Ciências da Religião – UNICAP; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “O amor como fundamento da ordem social em Santo Agostinho”.

ATIVIDADE DAS TARDES

Quarta a sexta feira (04, 05, 06/11):  minicurso – das 14h às 17h – Sala 005 – Térreo – Bloco G4 – UNICAP

– Prof. Dr. Paulo Faitanin  (Univ. Federal Fluminense): “O único necessário: iniciação à ascética e mística de Santo Tomás de Aquino”

INSCRIÇÕES

(na Secretaria do CTCH – 1o Andar – Bloco B – UNICAP)

Inscrições de Comunicações

As inscrições para apresentação de comunicações (30minutos cada, incluindo debate), vão até o dia 25.10.2009. Para tal, enviar título de trabalho e resumo (com, no máximo, 200 palavras acompanhadas de 3 a 5 palavras-chave) para o seguinte endereço eletrônico: marcos@unicap.br

Inscrições de Ouvintes

(A partir de 19.10.2009, na Secretaria do CTCH – 1º andar – Bloco B – UNICAP)

Para as atividades das noites serão fornecidos Certificados gratuitos a quem tiver freqüência de, pelo menos, 75%

Para emissão do Certificado do Minicurso da Tarde será cobrada uma taxa de R$ 20,00.

Coordenação:

Prof. Dr. Marcos Costa – UNICAP/INSAF e Prof. Dr. Elcias da Costa – Presidente do Instituto Tomista

Realização:

Instituto de Pesquisa Filosófica Santo Tomás de Aquino/CIRCAPE – INSAF – UNICAP

Teologia Monástica e Teologia Escolástica

Original: Vaticano

Tradução: Wagner Marchiori

TEOLOGIA MONÁSTICA E TEOLOGIA ESCOLÁSTICA

Bento XVI – Audiência de 28 de outubro de 2009

Caros irmãos e irmãs,

vou me deter hoje sobre uma interessante página da história, que diz respeito ao florescimento da teologia latina no século XII e que veio à luz por uma série providencial de coincidências. Nos países da Europa ocidental reinava, então, uma relativa paz que assegurava à sociedade o desenvolvimento econômico e a consolidação da estrutura política e, ao mesmo tempo, favorecia uma vivaz atividade cultural graças a contatos com o Oriente. A Igreja, internamente, se beneficiava da vasta ação da chamada “reforma gregoriana que, promovida vigorosamente no século anterior, havia aportado uma maior pureza evangélica na vida da comunidade eclesial, sobretudo no clero, e havia restituído à Igreja e ao Papado uma autêntica liberdade de ação. Também estava em curso uma vasta renovação espiritual apoiada no exuberante desenvolvimento da vida consagrada: nasciam e se expandiam novas Ordens religiosas, enquanto as já existentes conheciam uma promissora renovação.

Floresceu, também, a teologia, adquirindo uma maior consciência de sua própria natureza: refinou seu método, afrontou novos problemas, avançou na contemplação do Mistério de Deus, produziu obras fundamentais, inspirou iniciativas importantes na cultura – da arte à literatura -, e preparou as obras-primas do século seguinte, o século de Tomás de Aquino e de Boaventura da Bagnoregio. Dois foram os ambientes em que surgiu com vigor esta atividade teológica: os mosteiros e as escolas das cidades, as “scholae”, algumas das quais rapidamente haveriam de dar vida à Universidade, que se constituiu em uma dessas típicas “invenções” do Medievo cristão. Partindo destes dois ambientes, os mosteiros e as scholae, pode-se falar de dois diferentes modelos de teologia: a “teologia monástica” e a “teologia escolástica”. Os representantes da teologia monástica eram os monges, em geral abades, dotados de sabedoria e fervor evangélico, dedicados essencialmente  a suscitar e a alimentar  o desejo amoroso de Deus. Já os representantes da teologia escolástica eram homens cultos, apaixonados pela investigação; os ‘magistri’ (mestres) desejosos de mostrar a racionalidade e o fundamento do Mistério de Deus e do homem, acreditado com a fé, certamente, mas que inclui a razão. As diferentes finalidades explicam a diversidade de método e do modo de fazer teologia entre eles.

Nos mosteiros do século XII o método teológico era relacionado principalmente com a explicação da Sagrada Escritura, da “sacra pagina”, para se exprimir como os autores daquele período; praticava-se especialmente a teologia bíblica. Os monges eram, portanto, devotos ouvintes e leitores da Sagrada Escritura e uma de suas principais ocupações consistia na ‘lectio divina’, isto é, na leitura rezada da Bíblia. Para eles, a simples leitura do Texto Sagrado não era suficiente para se perceber o sentido profundo, sua unidade interior e sua mensagem transcendente. Importava, portanto, praticar uma “leitura espiritual”, conduzida em docilidade pelo Espírito Santo. Como na escola dos Padres, a Bíblia vinha interpretada alegoricamente para descobrir, em cada página tanto do Antigo como do Novo Testamento, tudo o que diz de Cristo e da sua obra de salvação.

O Sínodo dos Bispos do ano passado que versou sobre o tema “Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja” chamou a atenção para a importância da leitura espiritual da Sagrada Escritura. Para tal escopo, é útil fazer uso do tesouro da teologia monástica, uma ininterrupta exegese bíblica, assim como das obras compostas por seus representantes, preciosos comentários ascéticos aos livros da Bíblia. Ao conhecimento literário a teologia monástica unia a espiritualidade. Havia consciência de que uma leitura puramente teórica e profana não basta: para entrar no coração da Sagrada Escritura é preciso lê-la no espírito com que foi escrita e criada. O conhecimento literário era necessário para conhecer o exato significado da palavra e facilitar a compreensão do texto, refinando a sensibilidade gramatical e filológica. O estudioso beneditino do século passado, Jean Leclercq, assim intitulou um ensaio  em que apresenta a característica da teologia monástica: “L’amour des lettres et le désir de Dieu” (O amor da palavra e o desejo de Deus). De fato, o desejo de conhecer e de amar a Deus, que vem a nosso encontro através do acolhimento, meditação e prática de Sua Palavra, conduz a procurar se aprofundar no texto bíblico em todas as suas dimensões. Não pode assumir outra atitude aqueles que praticam a teologia monástica a não ser uma íntima postura orante, que deve preceder, acompanhar e completar o estudo da Sagrada Escritura. Em última análise, porque a teologia monástica é escuta da Palavra de Deus, não se pode não purificar o coração ao acolhê-La e, sobretudo, não se pode não acender o coração de fervor por encontrar o Senhor. A teologia se torna, então, meditação, oração, canto de louvor e leva a uma conversão sincera. Muitos dos representantes da teologia monástica atingiram, por esta via, estágios mais elevados da experiência mística e se constituem num convite a nós para nutrir nossa existência da Palavra de Deus mediante, por exemplo, uma escuta mais atenta da leitura do Evangelho, especialmente na Missa dominical. É também importante reservar um tempo a cada dia para a meditação da Bíblia, a fim de que a Palavra de Deus seja luz que ilumina nosso caminho cotidiano sobre a Terra.

A teologia escolástica, por sua vez – como já afirmei -, era praticada nas ‘scholae’, que surgiram junto às grandes catedrais da época, para a preparação do clero, ou em torno de um mestre de teologia e seus discípulos, para formar profissionais da cultura, em uma época na qual o saber era cada vez mais apreciado. No método dos escolásticos era central a ‘quaestio’, isto é, o problema que se coloca o leitor ao se defrontar com a palavra da Escritura e da Tradição. Ante o problema que estes textos “de autoridade” põem, surgem questões e nasce o debate entre o mestre e os estudantes. Apoiado, de um lado, nos argumentos “de autoridade” e, de outro, nos argumentos da razão, o debate se desenvolve  buscando encontrar, ao final, uma síntese entre “autoridade” e razão para chegar a uma compreensão mais profunda da palavra de Deus. A esse respeito, São Boaventura diz que a teologia é “per additionem” (cfr “Commentaria in quatuor libros sententiarum”, I, proem., q. 1, concl.), isto é, a teologia acrescenta a dimensão da razão à palavra de Deus e, assim, cria uma fé mais profunda, mais pessoal e, portanto, também mais concreta na vida do homem. Neste sentido, encontravam-se diversas soluções e se chegavam a conclusões que começavam a construir um sistema de teologia. A organização das “quaestiones” conduzia à compilação de sínteses cada vez maiores, ou seja, compunham-se as diversas “quaestiones” com as respostas encontradas, criando, assim, uma síntese, as chamadas “summae”, que eram, na realidade, amplos tratados teológico-dogmáticos nascidos do confronto da razão humana com a palavra de Deus. A teologia escolástica almejava apresentar a unidade e a harmonia da Revelação cristã através de um método – chamado “escolástico“, da “escola” – que dá confiança à razão humana: a gramática e a filologia a serviço do saber teológico, mas, mais ainda, a lógica, que é a disciplina que estuda o “funcionamento” do raciocínio humano de modo a tornar evidente a verdade de uma proposição. Ainda hoje, ao ler as “Summae” escolásticas, chama a atenção a ordem, a clareza, a concatenação lógica dos argumentos e a profundidade de algumas intuições. Com linguagem técnica, é atribuída a cada palavra um significado preciso e, entre crença e compreensão, estabelece-se um recíproco movimento de clarificação.

Caros irmãos e irmãs, ecoando o convite da Primeira Carta de São Pedro, a teologia escolástica nos estimula a estarmos sempre prontos a dar a todo aquele que nos pede a razão da esperança que está em nós (cfr 3,15). Sentir a pergunta como nossa e, assim, sermos capazes também de dar uma resposta. Recorda-nos que entre a fé e a razão existe uma amizade natural, fundada na própria ordem da criação. O Servo de Deus João Paulo II, no ‘incipit’ da encíclica “Fides et Ratio, escreve: “A fé e a razão são como as duas asas com as quais os espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. A fé se abre ao esforço de compreensão da razão; a razão, por sua vez, reconhece que a fé não a fere, e, sim, possibita-lhe alcançar horizontes mais amplos e elevados.  Insere-se aqui a perene lição da teologia monástica. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram de alegria quando juntas estão animadas na busca da união íntima com Deus. Quando o amor vivifica a dimensão orante da teologia os conhecimentos adquiridos pela razão se alargam. A verdade se busca com humildade e se a recebe com assombro e gratidão: em uma palavra, o conhecimento cresce somente se se ama a verdade. O amor se converte na inteligência e a teologia em autêntica sabedoria do coração que orienta a fé e a vida daquele que crê. Oremos para que o caminho do conhecimento e do aprofundamento nos mistérios de Deus seja sempre iluminada pelo amor divino.

Divulgando – pe. Ian Boyd sobre Chesterton

[Recebi os seguintes convites de um amigo sacerdote; são duas palestras sobre Chesterton que irão acontecer no Rio de Janeiro (Niterói), nos próximos dias 05 e 06 de novembro, proferidas pelo pe. Ian Boyd, C.S.B., presidente do C. K. Chesterton Institute for Faith and Culture, EUA. A entrada é franca. Quem puder participar, não deixe de ir.

Cliquem nas figuras para as ampliar.]

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Astrofísica e (ainda!) Gripe Suína

Duas notícias interessantes, da Espanha, que recebi nos últimos dias.

A primeira: Robert J. Spitzer: «Los nuevos hallazgos astrofísicos dejan poco sitio al ateísmo». Segundo o físico jesuíta, todo modelo do Big Bang mostra aquilo que os cientistas chama de uma singularidade, e a existência de cada singularidade exige que exista um elemento externo ao Universo. “Todas as explicações nos levam «a uma força que é anterior ao e independente do Universo. Pode parecer um argumento teológico, mas na verdade é uma conclusão científica», assegurou”.

“A mesma Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do mundo, pelo conhecimento que as suas obras nos dão dele [Rom 1,20]”, como reza a boa Doutrina Católica (Concílio do Vaticano I, Sessão III, Capítulo II); e esta verdade resplandece com clareza para onde quer que se olhe sem preconceitos. Não é a ciência que afasta de Deus, e sim a má ciência. O conhecimento das coisas criadas conduzem o homem ao Deus Criador.

A segunda é um divertido desabafo: Señora ministra de Sanidad, escúcheme usted. Tem um mês (é do dia nove de setembro), mas só agora eu li. Parece-me que o Ministério da Saúde colocou os médicos no grupo de risco da nova gripe e está histericamente preocupado em garantir que eles não sejam vitimados pela tragédia suína que atualmente flagela o mundo.

A dra. Mónica Lalanda escreve indignada. “Está ya más que claro que este virus, aunque muy contagioso, es muy poco agresivo y más del 95% de los casos cursa de manera leve”. “Muchos hospitales en el país están siendo objeto de cambios arquitectónicos absurdos e innecesarios para prepararse para una hecatombe que ya sabemos no va a ocurrir”. “Señora ministra, explíqueme por qué tiene usted el Tamiflú bajo custodia del ejército. (…) Ponga el fármaco en las farmacias que es donde debe estar y déjese de fantasías más propias de Hollywood”.

No Brasil, graças a Deus, a pandemia perdeu interesse. Tanto que a notícia mais recente que encontrei sobre o assunto diz justamente que o MS não registra mais nenhuma morte em decorrência da gripe suína. No entanto, não encontrei o mais remoto indício de que as abusivas determinações proibindo a comunhão na mão – supostamente por causa do surto de gripe – tenham sido revogadas. Infelizmente.

Bento XVI aos bispos da Regional Nordeste II

[O]s fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir na realidade, inclusive através do empenho político, a visão antropológica cristã e a doutrina social da Igreja. Diversamente, os sacerdotes devem permanecer afastados de um engajamento pessoal na política, a fim de favorecerem a unidade e a comunhão de todos os fiéis e assim poderem ser uma referência para todos. É importante fazer crescer esta consciência nos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos, encorajando e vigiando para que cada um possa sentir-se motivado a agir segundo o seu próprio estado.

O aprofundamento harmônico, correto e claro da relação entre sacerdócio comum e ministerial constitui atualmente um dos pontos mais delicados do ser e da vida da Igreja. É que o número exíguo de presbíteros poderia levar as comunidades a resignarem-se a esta carência, talvez consolando-se com o fato de a mesma evidenciar melhor o papel dos fiéis leigos. Mas, não é a falta de presbíteros que justifica uma participação mais ativa e numerosa dos leigos. Na realidade, quanto mais os fiéis se tornam conscientes das suas responsabilidades na Igreja, tanto mais sobressaem a identidade específica e o papel insubstituível do sacerdote como pastor do conjunto da comunidade, como testemunha da autenticidade da fé e dispensador, em nome de Cristo-Cabeça, dos mistérios da salvação.

Ad Limina dos Bispos do Brasil – Regional Nordeste 2,
17 de setembro de 2009,
Papa Bento XVI