Resposta do pe. Fábio de Melo

Leiam a resposta que o pe. Fábio de Melo enviou à Carta Aberta escrita pelo Gustavo Souza, após aquela entrevista em Jô Soares que provocou escândalo entre os católicos. O texto é grande e eu não vou reproduzir; leiam na íntegra lá. Apenas destaco algumas frases soltas escritas pelo Reverendíssimo sacerdote (recomendando enfaticamente que as leiam na íntegra do texto, para que eu não cometa o erro de descontextualizar o pensamento do pe. Fábio):

[A] Teologia nos ensina que a Plenitude da Revelação é Cristo, mas esta plenitude não significa esgotamento da verdade.  Os desdobramentos desta verdade estão em todos os lugares do mundo. Deus continua se revelando. Plenitude não significa finalização. […] Deus continua se revelando ao mundo. O limite da Revelação é a inteligência humana.

A linguagem metafórica não é mentirosa. Sou professor universitário e ensinei Antropologia Teológica. É uma clareza que não posso perder de vista. Ao falar da condição adâmica nós precisamos pensar na humanidade como um todo. Não temos a certidão de nascimento de Adão. O que temos é a fé de que Deus criou a humanidade.

[A] fé não é um conjunto de certezas, meu caro. Não temos provas concretas para muitos aspectos da fé que professamos. Se as tivéssemos não precisaríamos ter fé. Acreditamos no que não vemos.

O mito não é uma mentira, mas também não precisa ser verdade, diz ele. O importante é a fé que ele sugere. O importante é reconhecer que ele está a serviço de uma verdade superior, porque não cabe no tempo. […] O mesmo não se dá com as nossas convicções religiosas?

[S]ua visão soteriológica é muito estreita. Salvar almas, somente? Essa visão compartimentada do ser humano é herética. Precisamos salvar a totalidade do humano, meu caro. Esqueceu o postulado fundamental da Antropologia cristã? Somos corpo e alma. Unidade.

Minha roupa de padre não me garante muita coisa. O sacerdócio que o povo espera de mim não está no hábito que ostento, mas na sinceridade que preciso ter diante do meu compromisso assumido. Zelo para que Deus não seja transformado numa caricatura qualquer.

Cuidado com as generalizações. Você tem combatido as CEBS. Cuidado. Há muita gente honesta nestes movimentos. Eu as conheço. Vi de perto o trabalho frutuoso, espiritual, humano, salvação total acontecendo em muitos lugares deste grande Brasil. Vi nomes sendo citados de forma banal, irresponsável. Irmã Doroty morreu defendendo o evangelho, meu filho. Gostando você, ou não, ela é foi uma mulher comprometida com as causas de Jesus. É muito triste ver o nome dela citado no seu espaço, como se fosse uma “mulher qualquer”. Chico Mendes foi um homem que defendeu questões nobres. Só por isso já merece o nosso respeito. Frei Beto é um homem fabuloso. Já fez muita gente se aproximar de Deus, por meio de sua inteligência e sabedoria aguçada.

P.S.: Neste Ano Sacerdotal, rezemos pela santificação do clero. E roguemos insistentemente ao Senhor da Messe, para que Ele nos mande sempre santos sacerdotes.

Diversos: Chesterton, o Papa, a Virgem do Carmo

Chesterton beato? A mim, me agrada. Os textos do escritor inglês são excelentes (leitura praticamente obrigatória para os católicos dos nossos dias), e ele é um belo exemplo de como é possível e necessário dedicar-se à apologética nos tempos modernos. “Segundo as antigas categorias da Igreja, poderíamos definir Chesterton como um ‘confessor da fé’. Não foi só um apologista, mas também uma espécie de profeta que percebeu com grande antecipação o caráter dramático de questões da modernidade como a eugenia. O dominicano inglês Aidan Nichols sustenta que se deve olhar para Chesterton nada menos que como possível ‘padre da Igreja’ do século XX”.

– O Santo Padre sofreu um pequeno acidente e fraturou o pulso direito, após cair em seu quarto. Já passa bem e espera-se que seja liberado hoje à noite; rezemos pelo Papa.

Dom José celebra missa em tom de despedida; ontem, dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Recife – comemorou-se também o centenário da proclamação da Virgem do Carmelo como padroeira da Veneza Brasileira -, foi celebrada a Santa Missa por Sua Excelência Dom José Cardoso Sobrinho. Comentário do JC: “Durante o sermão, com direito a mensagem de bênção enviada pelo papa Bento 16, nada de surpresas: manteve o estilo sisudo e reafirmou dogmas da Igreja Católica”. Tem coisas que só o Jornal do Commercio faz por você…

O Flos Carmeli

Para os Membros da Família carmelita Maria, a Virgem Mãe de Deus e dos homens, não é só um modelo para imitar, mas também uma doce presença de Mãe e Irmã na qual confiar. Justamente Santa Teresa de Jesus exortava:  “Imitai Maria e ponderai qual deva ser a grandeza desta Senhora e o benefício de a ter como Padroeira” (Castelo interior, III, 1, 3).

Esta intensa vida mariana, que se exprime em oração confiante, em entusiástico louvor e em diligente imitação, leva a compreender como a forma mais genuína da devoção à Virgem Santíssima, expressa pelo humilde sinal do Espapulário, seja a consagração ao seu Coração Imaculado (cf. Pio XII, Carta Neminem profecto later [11 de Fevereiro de 1950:  AAS 42, 1950, pp. 390-391]; Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 67). É assim que no coração se realiza uma crescente comunhão e familiaridade com a Virgem Santa, “como maneira nova de viver para Deus e de continuar aqui na terra o amor do Filho à sua mãe Maria” (cf. Angelus, em Insegnamenti XI/3, 1988, p. 173). Pomo-nos desta forma, segundo a expressão do Beato mártir carmelita Tito Brandsma, em profunda sintonia com Maria, a Theotokos, tornando-nos como Ela transmissores da vida divina:  “Também a nós o Senhor envia o seu anjo… também nós devemos receber Deus nos nossos corações, levá-lo dentro dos nossos corações, nutri-lo e fazê-lo crescer em nós de tal forma que ele nasça de nós e viva connosco como Deus-connosco, o Emanuel” (Da relação do Beato Tito Brandsma ao Congresso Mariológico de Tongerloo, Agosto de 1936).

Este rico património mariano do Carmelo tornou-se, no tempo, através da difusão da devoção do Santo Escapulário, um tesouro para toda a Igreja. Pela sua simplicidade, pelo seu valor antropológico e pela relação com o papel de Maria em relação à Igreja e à humanidade, esta devoção foi profunda e amplamente recebida pelo povo de Deus, a ponto de encontrar a sua expressão na memória de 16 de Julho, presente no Calendário litúrgico da Igreja universal.

[João Paulo II, Mensagem à Ordem do Carmelo por ocasião da dedicação do ano 2001 à Virgem Maria]

Kasper e FSSPX

Uns comentários ligeiros sobre a entrevista de Kasper, à qual tive acesso via Exsurge, Domine. Original no Fratres in Unum.

Em primeiro lugar, e data maxima venia a Sua Eminência Reverendíssima, “o que alguns membros da FSSPX disseram (…) inclusive sobre mim” é provavelmente “inacreditável”, mas nem por isso é necessariamente falso. O cardeal alemão nunca foi famoso por sua ortodoxia. Pode-se até conceder que o pessoal da FSSPX veja as coisas “negras” demais, mas o cardeal Kasper parece-me ver as coisas negras de menos. Colocar no mesmo saco João Paulo II, Bento XVI e Walter Kasper – como fez o eminentíssimo cardeal na sua entrevista – é inadequado, para dizer o mínimo.

Depois, concordo em parte com Sua Eminência quando ele diz que “a FSSPX deve refletir sobre o gesto magnânimo do Papa” porque, até o presente momento, não se vê “nenhum sinal de reflexão por parte deles”. Eu vejo sinais de reflexão na FSSPX; menos numerosos do que gostaríamos, sem dúvidas, mas seria utopia esperar coisas muito maiores do que isso, considerando quem é a Fraternidade. Sem dúvidas que é necessário haver mais reflexão, e nesta intenção elevo súplicas ao Altíssimo por meio da Virgem Santíssima, Onipotência Suplicante. Mais reflexões, também, da parte de alguns cardeais da Cúria Romana, inclusive os de origem germânica.

Por fim, parece-me errada (ou, no mínimo, capaz de induzir ao erro) a resposta que S. E. R. dá ao problema levando pela Fraternidade: “[a] Igreja Católica não entende a Tradição como a FSSPX, ou seja, de maneira congelada no tempo anterior ao Concílio. Somos uma Igreja viva”. A Tradição Apostólica é “congelada” não no tempo anterior ao Concílio, mas na morte do último Apóstolo, porque é Palavra de Deus, parte integrante do Depositum Fidei, fonte (ou canal) da Revelação – e a Revelação encerrou-se com a morte do último Apóstolo, como ensina a boa Doutrina Católica.

A Tradição é “viva” somente no sentido em que a própria palavra de Deus – inclusive a Sagrada Escritura – é viva e eficaz (cf. Hb 4, 12). A Revelação “desenvolve-se” (talvez fosse até melhor dizer “é esclarecida”) ao longo dos séculos, mas eu não tenho muita certeza se é isso que o cardeal Kasper tem em mente quando critica a concepção de Tradição que tem a FSSPX. Aliás, entre um e outro, eu me sentiria inclinado a dizer que a São Pio X compreende a Tradição melhor do que o Cardeal germânico.

Um, dois, três.

1. Uma bela Encíclica, pelo Marcelo Coelho, sobre a Caritas in Veritate. “[P]ara se interpretar corretamente a encíclica (assim como qualquer documento eclesiástico) é necessário se afastar de qualquer tentativa de transformá-la ou lê-la como um manifesto político-ideoloógico. […] Também é importante deixar claro que o conteúdo da encíclica não apresenta nenhuma novidade em relação à Doutrina Social da Igreja, ensinando o que esta sempre ensinou. Achar o contrário é mostrar que desconhecimento a respeito dos ensinamentos sociais da Igreja”.

2. Encontro de Barack Obama com o Papa Bento XVI. “De acordo com o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, no diálogo entre ambos, foram abordados temas de interesse mundial e convergentes, como a paz no Oriente Médio, e questões divergentes, como a gravidez indesejada. […] Ao se despedir de seus hóspedes, Bento XVI voltou-se para Obama, dizendo-lhe: ‘Presidente, rezo pelo senhor!’ O presidente norte-americano respondeu: ‘Santidade, espero em um relacionamento muito forte entre os EUA e a Santa Sé!'”. Que encontrem a benevolência do Altíssimo as orações do Vigário de Cristo!

3. Esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o aborto provocado – publicado n’O Osservatore Romano! “Pelo que se refere ao problema de determinados tratamentos médicos para preservar a saúde da mãe, é necessário distinguir bem entre dois fatos diferentes: por um lado, uma intervenção que diretamente provoca a morte do feto, chamada em ocasiões de maneira inapropriada de aborto “terapêutico”, que nunca pode ser lícito, pois constitui o assassinato direto de um ser humano inocente (…)”.

¿Dios existe?

[Texto original: Humanitas
Tradução: Wagner Marchiori
]

DEUS EXISTE?

Por P. Rodrigo Polanco
Secretário Acadêmico da Faculdade de Teologia da PUC – Chile

O livro que apresentamos é fundamentalmente uma transcrição literal de um debate sobre a pergunta que dá título a esta obra: Deus existe?, cujos protagonistas foram o então Cardeal Joseph Ratzinger e o filósofo Paolo Flores d’Arcais. O diálogo ocorreu no teatro Quirino, em Roma, em 21 de fevereiro de 2000, dentro do contexto do Jubileu convocado por João Paulo II pela ocasião do segundo milênio da encarnação do Verbo de Deus.

O debate, como era de se esperar, suscitou muito interesse antes mesmo de sua realização: o teatro estava repleto de público e ficaram mais de duas mil pessoas do lado de fora que conseguiram acompanhar o diálogo com a ajuda de um amplificador improvisado.

O motivo do interesse? Em primeiro lugar os debatedores: o Cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Conhecido por sua competência em temas filosóficos e teológicos e, particularmente, porque um de seus maiores interesses foi precisamente poder penetrar e compreender melhor a cultura atual e suas dificuldades em aceitar a mensagem cristã; e, mais especificamente, são conhecidos seus numerosos trabalhos acerca da possibilidade e necessidade da fé em um Deus pessoal que possa fundamentar a cultura e a ética no mundo contemporâneo. Hoje é nosso Santo Padre Bento XVI, cujo magistério se viu claramente influenciado por estas preocupações. Esperavam-se, então, de suas reflexões bons aportes ao debate atual.

O outro debatedor era Paolo Flores d’Arcais, filósofo e jornalista, nascido em Udine, Itália, em 1944. Ele se reconhece como ateu e é, na atualidade, uma referência intelectual no âmbito da cultura européia contemporânea. É, além disso, fundador e diretor da revista “Micromega”, que publicou este diálogo (foi publicado também na França pela editora Payot et Rivage e, na Alemanha, pela Wagenbach Verlag). Flores d’Arcais é um decisivo impulsionador dos valores cívicos da democracia e da igualdade. Seu ateísmo significa, para ele, “simplesmente considerar que tudo se passa aqui, em nossa existência, finita e incerta. E, portanto, são importantes os valores que se elegem e a própria conduta” (pg 30). Pode-se perceber, de imediato, que entre esses dois expoentes há pontos em comum apesar de uma diferença fundamental, o que augurava um debate que não decepcionaria.

O diálogo – e esta é a segunda razão do interesse do livro – que foi muito bem moderado por Gard Lerner (um jornalista italiano judeu), se desenvolveu de maneira intensa, muito honesta, às vezes de forma incisiva, mas sempre com respeito à opinião do outro e em sincera busca pela verdade. Ao longo do debate foram saindo os clássicos argumentos contra a existência de Deus e que foram permitindo ao Cardeal Ratzinger colocar com muita claridade, não somente a realidade da existência de Deus, mas, também, o porquê é hoje necessário e, sobretudo, racional (isto é, adequado a uma razão moderna) crer em Deus.

O diálogo – transcrito integralmente no livro – é aberto, fundamentalmente, com uma colocação de Flores d’Arcais que se tornará o fio condutor do debate, pois é justamente o núcleo da discussão sobre a existência de Deus. Afirma Flores d’Arcais que a fé deve aceitar – seguindo a São Paulo em seu “escândalo para a razão” e àquilo que se atribui a Tertuliano, “credo ut absurdum” (creio porque é absurdo (o que creio)) – que é digna de respeito, tem direito a uma cidadania, mas não é exigível nem pode ter a pretensão de ser aceita pela razão, já que “suas verdades” não podem ser demonstradas pela razão e que, inclusive, isso não foi pretensão do cristianismo primitivo que se considerava uma religião à margem da razão. Esta é uma afirmação que talvez muitos cristãos, à primeira vista, subscreveriam.

Pois bem, a partir dessa mesma observação, o Cardeal Ratzinger começa sua exposição demonstrando, com dados históricos, exatamente o contrário. O cristianismo desde suas origens considerou-se como uma religião e uma fé que certamente não era absurda e que, além disso, devia dar “razão de sua esperança”. A primeira carta de São Pedro diz precisamente “estais sempre dispostos a todos os que vos pedem dar razão de vossa esperança” (1Pe 3,15). Os cristãos devem, então, estar em condições de demonstrar o sentido profundamente racional de suas convicções. De fato, o cristianismo primitivo triunfou sobre as religiões pagãs de seu entorno justamente por sua reivindicação de racionalidade. Apresentou-se, inclusive, como filosofia, isto é, como resposta à busca da verdade, do ‘logos’ do mundo. Já no ano 150, Justino, filósofo e mártir cristão, fundava em Roma uma escola de formação cristã, aonde se podia aprender a refletir a fé entendida como filosofia verdadeira. Sua conversão, longe de afastá-lo da filosofia, o fez verdadeiramente filósofo. Certamente, ao entender o cristianismo como a filosofia perfeita, a filosofia que leva à verdade, “não se entendia, então, como uma disciplina acadêmica puramente teórica, mas também, e antes de tudo, desde uma perspectiva prática, como a arte de viver e morrer retamente à qual só se pode chegar à luz da verdade”. Além disso, a pergunta pela verdade, pelo ‘logos’ das coisas, era a pergunta da filosofia e não das religiões pagãs da época.

A convicção básica da Antiguidade – e creio que também nossa – era que no mundo existe uma racionalidade sobre a irracionalidade – o mundo, a vida, cada um de nós mesmos não somos um absurdo – e, por isso, uma religião, qualquer que seja, mostrar-se-á adequada e verdadeira na medida em que se apresente como “vera religio”, isto é, como verdade universal e fundante. E dessa verdade se deduz também a natureza do homem e, portanto, seu dever moral. De fato, “o que a lei supõe realmente, as exigências que o Deus único coloca para a vida do homem e que a fé cristã traz à luz, coincide com o que o homem, todo homem, leva escrito no coração, de maneira que o considera bom quando aparece diante dele. Coincide com o que é ‘bom por natureza’ (Rom 2,14)” (pág. 16-17). Na base dos direitos humanos universais – nascidos em contexto cristão e desde o cristianismo – está precisamente a convicção de uma verdade comum – o homem – e um fundamento último: Deus. Essa foi sempre a pretensão do cristianismo, que nasce não tão somente da Revelação, mas também da racionalidade das coisas que existem.

E o debate continua se desenvolvendo, sempre em forma de diálogo e com oportunas reflexões de Paolo Flores d’Arcais em que apresenta suas considerações, sejam factuais ou filosóficos, para não aceitar as verdades e a pretensão do cristianismo. Por exemplo: sendo Deus o “Totalmente Outro”, pode alguém pretender realmente conhece-Lo?  Não são todas as religiões aproximações igualmente válidas, já que não se pode nem sequer se aproximar por analogia àquilo que Deus é? Porque é necessário que haja “um” sentido para a vida? Não bastaria que cada um encontrasse um sentido particular para sua vida, ainda que seja absurdo para outro? Por que deve haver um único sentido?

Neste ponto do diálogo aparece um elemento crucial na exposição de Flores d’Arcais: se o cristianismo – diz ele – se visse a si mesmo como uma religião que é escândalo para a razão (ou seja, não racional), não haveria problemas, porque uma fé assim somente pediria à sociedade que a respeitasse e não tentaria se impor na sociedade, isto é, não seria missionária. O problema para Flores é se – ao contrário – a “fé católica pretende ser o sumário e o cume da razão, ser o sumário e o cume de tudo aquilo que é mais característico do homem”, ou em palavras do Concílio Vaticano II se “o mistério do homem somente se esclarece no mistério do Verbo Encarnado” (GS 22), então é essencial (ao cristianismo) seu interesse em propagar esta “Boa Nova” (já que o bem é difusivo por si próprio), mas, ao mesmo tempo, é inevitável o risco de que mais tarde caia na tentação de se impor. O Cardeal Ratzinger está, evidentemente, totalmente de acordo em que é preciso evitar o perigo de tentar se impor. A fé apela sempre à consciência e à razão, o ato de fé é necessariamente um ato que nasce da liberdade e de haver reconhecido a Deus que se revela e oferece a salvação, mas sempre é oferecimento livre.

Mas o motivo da missão e da evangelização, isto é, este elemento essencial da fé católica, “nasce do fato que nós, os crentes, cremos que temos algo que dizer ao mundo, a todos, que a questão de Deus não é uma questão privada…, pelo contrário, estamos convencidos de que o homem necessita conhecer a Deus, estamos convencidos de que em Jesus apareceu a verdade e a verdade não é propriedade privada de alguém, mas que tem de ser compartilhada, tem de ser conhecida”. Novamente o tema da verdade e da razão.

À continuação o tema se desenvolve em diversos matizes e se chega assim a um novo passo na reflexão de nosso atual Santo Padre. Havia dito que a fé católica é racional e que, como verdade, é necessário que todos a conheçam; passa, agora, a discutir com Flores a “novidade cristã de Deus”. A Bíblia nos apresenta um Deus que está além do Deus da filosofia, isto é, um Deus pessoal que é amor. O mundo vem da razão – logos – mas esta razão é pessoa, é amor – isto é o que o característico e próprio do cristianismo. Isso também não é absurdo, mas supera o alcance da razão por si mesma. Com esta afirmação – segundo o Cardeal Ratzinger quando ainda era um professor universitário – aparece o conceito de criação, tão próprio do cristianismo. O mundo é positivo, é bom e é fruto do amor. É, então, bom viver nele. Portanto, o mundo tem uma direção e medida porque é fruto do Criador que se expressa nele. E, se é fruto do amor, está transpassado pelo amor e a liberdade de acolher esse mesmo amor (cf. J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo). E de onde concluímos isso? Simplesmente de que Deus é como se manifesta. Deus não pode se manifestar como não é. Em termos filosóficos, estamos falando de ‘analogia entis’ e, mais em particular, da ‘analogia amoris’.

O que é a fé, então?  Não é simplesmente um saber, mas uma forma de se situar frente ao mundo, frente a toda a realidade, é a orientação de toda a vida humana, o que é somente possível em virtude de um sentido que a sustente. E esse sentido “não se pode construir, somente se pode receber” (ibid). Isso é a fé: aceitar o dom da revelação que fundamenta gratuitamente nossa vida, é o compreender a existência como resposta ao Logos que tudo sustenta. É aceitá-Lo e n’Ele confiar. E isso é totalmente contrário ao “irracional”. Efetivamente, é aproximar-se ao fundamento, ao sentido da vida e esse fundamento não pode ser – para o homem – outra coisa que não a verdade. Um sentido que não fosse verdade seria um sem-sentido. A fé, no fundo, nos faz compreender autenticamente o mundo, isto é, entendê-lo e fazê-lo próprio.

Mas esse compreender – e isso é essencial para o conceito de fé – é fundamentalmente um encontro com Deus-amor, é uma relação pessoal, é uma aceitação livre de Deus como Deus, é deixar a Deus ser Deus. A fé sustenta não somente que Deus é Logos, mas que, além disso, esse Logos, essa Razão, é liberdade, é amor criador e pessoa. E, portanto, “o supremo não é o mais geral, mas o particular; por isso a fé cristã é, antes de tudo, opção pelo homem como ser irredutível que aponta à infinitude” (ibid). Deus não só conhece, mas que também ama, é criador porque é amor. É um Deus para o qual nada é demasiadamente pequeno e, portanto, um Deus que entra em relação com todo ser humano de modo pessoal.

Neste ponto as posições se aproximam. Para Flores d’Arcais, o ser humano, ainda na opção “desde o desencanto” – que é a opção do pensamento ateu (em contraposição à opção ‘desde a fé’) (*) – deve igualmente escolher entre uma vida com a primazia do EU – solitário – ou do TU – do encontro que soma – para orientar toda sua vida, ainda que seja sua efêmera vida. E aí, no amor ao próximo, há a possibilidade do encontro entre crentes e ateus. E isso é o que permite, desde a Antiguidade, a convivência pacífica na mesma ‘polis’ entre os que pensam diferente.

O diálogo não pode seguir além de duas horas e meia que já dura, mesmo ainda tendo deixado muitos temas e perguntas sem tratamento e, mais ainda, havendo deixado muitas questões colocadas no meio do debate que suscitaram novas perguntas e dão incentivos para pensar e aprofundar nas próprias convicções. Com que gosto haveríamos seguido escutando – ou lendo – este diálogo elevado! De qualquer maneira, o livro ainda nos agrega dois textos complementares ao debate e em torno dos mesmos temas. Um, do Cardeal Ratzinger, intitulado “A pretensão da verdade colocada em dúvida”. E outro, de Paolo Flores d’Arcais, chamado “Ateísmo e verdade”. Como se pode apreciar a partir destes títulos, o tema Deus é, no fundo, um tema sobre a verdade e, finalmente, um tema religioso, mas, ao mesmo tempo, metafísico. E religioso porque metafísico.

Em síntese, um interessante livro sobre um tema extremamente atual que mostra, uma vez mais, o amor à verdade de nosso Santo Padre Bento XVI, sua confiança no diálogo com o outro que pensa diferente e, também, seu respeito pelas opiniões contrárias; assim como sua amplíssima cultura e profundidade para tratar temas atuais. Por outro lado, Paolo Flores d’Arcais deixa uma grata impressão de homem inteligente, aberto e que advoga, de maneira muito aguda, as características e perguntas do ateísmo contemporâneo. Um livro que ajuda a pensar e a pensar também a própria fé, porque “todo o que crê, pensa; pensa crendo e crê pensando (…). Porque se o que se crê não se pensa, a fé é nula” (Sto Agostinho, “De praedestinatione sanctorum” 2, 5 em ‘Fides et Ratio’ 79).

(*) Para Flores d’Arcais a postura atéia considera que “tudo se joga aqui, em nossa existência, finita e incerta”, isto é, ser ateu consiste em ser o homem do desencanto e do finito. (N. T.)

“Castigo dos pecados do padre” – Santo Afonso de Ligório

[Tenho cansado de repetir aqui que, longe de “passar a mão” na cabeça dos sacerdotes, a Igreja prega que os pecados por eles cometidos são de uma gravidade que os anti-clericais não são capazes de imaginar. Longe de ser conivente com os pecados dos clérigos, a Igreja dirige a eles duríssimas palavras. Como foi sugerido pelo Gustavo, estou postando aqui um trecho de um livro de Santo Afonso de Ligório escrito para padres e seminaristas, que fala muito bem sobre isso. Não que eu ache que vá ser de serventia para aquelas pessoas que nitidamente estão de má vontade para com a Igreja, mas para os católicos é uma obra que vale a pena – sem dúvidas! – ser conhecida. Que, neste ano sacerdotal, a Virgem Santíssima possa conseguir um milagre do Seu Filho sobre o clero da Igreja d’Ele.]

Consideremos agora o castigo, que tem de ser proporcionado à gravidade do seu pecado. S. João Crisóstomo tem por condenado o padre que no tempo do seu sacerdócio comete um só pecado mortal: Se pecardes como particular, será menor o vosso castigo; se pecais no sacerdócio, estais perdido.

São em verdade terríveis as ameaças, que o Senhor profere pela boca de Jeremias contra os padres que pecam: Estão manchados o profeta e o sacerdote, e eu encontrei na minha casa a iniqüidade deles, diz o Senhor. Por isso o seu caminho será como um atalho escorregadio e coberto de trevas; hão de impeli-los e cairão. Que esperança de vida poderíeis dar a quem caminhasse à borda dum precipício, em terreno escorregadio e às escuras, sem ver onde punha os pés, e ao mesmo tempo impelido fortemente para o abismo por seus inimigos? Tal é o estado desgraçado a que se encontra reduzido o padre que comete um pecado mortal.

Lubricum in tenebris. Pecando, o padre perde a luz e cai nas trevas. Mais lhes valera, assegura S. Pedro, não ter conhecido o caminho da justiça, do que voltar atrás depois de o haver conhecido. Ó, sem dúvida, mais valia para um padre que peca ser antes um camponês ignorante, que nunca tivesse estudado coisa alguma; porque depois de tantos conhecimentos adquiridos, — pelos livros que leu, pelos oradores sagrados que ouviu, pelos diretores que teve — depois de tantas luzes recebidas de Deus, o desgraçado calca aos pés todas as graças, pecando, e merece que as luzes recebidas só sirvam para o tornar mais cego e impenitente. A maior ciência, diz S. Crisóstomo, dá lugar a mais severo castigo; se o pastor cometer os mesmos pecados que as suas ovelhas, não receberá o mesmo castigo, mas uma pena muito mais dura. Um padre cometerá o mesmo pecado que os seculares; mas sofrerá um castigo muito maior, permanecerá mais profundamente cego que todos os outros; será punido conforme o anúncio do Profeta: Que vendo não o vejam, e ouvindo não compreendam!

É o que a experiência deixa ver, diz o autor da Obra imperfeita: Um secular, depois de pecar, facilmente se arrepende. Se assiste a uma missão, se ouve um sermão enérgico sobre alguma verdade eterna, — malícia do pecado, certeza da morte, rigor do juízo de Deus, penas do inferno, entra facilmente em si e volta-se para Deus; porque estas verdades, como coisas novas, tocam-no e penetram-no de temor. Mas quando um padre há calcado aos pés a graça de Deus, com todas as luzes e conhecimentos recebidos, — que impressão podem fazer ainda nele as verdades eternas e as ameaças das divinas Escrituras? Tudo quanto encerra a Escritura, continua o mesmo autor, é para ele uma coisa sediça de pouco valor; porque as coisas mais terríveis que lá se encontram, por muito lidas, já lhe não fazem impressão. Donde conclui que nada mais impossível que a emenda de quem sabe tudo e peca.

Quanto maior é a dignidade dos padres, diz S. Jerônimo, tanto maior é a sua ruína, se num tal estado chegam a abandonar a Deus. Quanto mais alto é o posto em que Deus os colocou, diz S. Bernardo, tanto mais funesta será a sua queda. Quando se cai em plano, diz Sto Ambrósio, raro se experimenta grande mal; mas cair de alto não é só cair, é precipitar-se, e a queda será mortal.

Nós os padres regozijamo-nos, diz S. Jerônimo, por nos vermos erguidos a tão alta dignidade; mas seja igual o nosso temor de cair. Parece que é aos padres que Deus fala, quando diz pela boca de Ezequiel: Coloquei-vos sobre o monte santo de Deus… e vós pecastes; e eu vos expulsei do monte de Deus, e vos entreguei à ruína. Vós que sois padres, diz o Senhor, eu vos estabeleci sobre a montanha santa, para serdes os faróis do universo: Sois vós a luz do mundo. Uma cidade assente no cimo duma montanha não pode estar escondida.

Tem pois razão S. Lourenço Justiniano em dizer que quanto maior é graça concedida por Deus aos padres, tanto mais digno de castigo é o seu pecado, e quanto mais alto o seu estado, mais mortal a sua queda. Quem cai num rio, diz Pedro de Blois, mergulha tanto mais fundo, quanto de mais alto tiver caído.

Compreende bem, ó padre: Deus, elevando-te ao sacerdócio, ergueu-te até ao Céu, e fez de ti, não mais um homem da terra, mas um homem celeste, pensa pois quanto te será funesta uma queda, segundo o aviso de S. Pedro Crisólogo. A tua queda, diz S. Bernardo, será semelhante à do raio que se precipita com impetuosidade. Quer dizer que a tua perda será irreparável. Assim, ó desgraçado, cairá sobre ti a ameaça que o Senhor lançou sobre Cafarnaum: E tu, ó Cafarnaum, erguida até ao Céu, serás abatida até ao inferno.

Um padre que peca merece tal castigo, por causa da sua ingratidão para com Deus, a quem deve um reconhecimento tanto maior quanto recebeu dele os maiores benefícios, como nota S. Gregório. Merece o ingrato ser privado de todos os bens que recebera, como observa um sábio autor. Jesus Cristo disse: Ao que já possui, dar-se-á, e ele estará na abundância; mas o que nada possui, ver-se-á despojado até do que parecia ter. Quem é grato para com Deus obterá maior abundância de graças; mas um padre que, depois de tantas luzes, depois de tantas comunhões, volta as costas a Deus, e desprezando todos os favores recebidos, renuncia à sua graça, — este padre será com justiça privado de tudo. É o Senhor liberal com todas as suas criaturas, mas nunca com os ingratos. A ingratidão, diz S. Bernardo, faz estancar a fonte da bondade divina.

Por isso S. Jerônimo pôde dizer: Nenhuma besta há no mundo mais feroz que um mau padre, porque esse não se quer deixar corrigir. E o autor da Obra imperfeita: Os leigos facilmente se emendam, mas um mau eclesiástico é incorrigível. Segundo S. Damião, é de preferência aos padres pecadores que se aplicam estas palavras do Apóstolo: Porque os que foram alumiados, os que saborearam o dom celeste, e receberam o Espírito Santo… depois caíram, é impossível que se renovem pela penitência. Com efeito, quem mais que o padre recebeu de Deus graças abundantes? Quem mais do que ele gozou dos favores do Céu e participou dos dons do Espírito Santo? Segundo Sto. Tomás, permaneceram obstinados no pecado os anjos rebeldes, porque pecaram em face da luz; é assim, escreve S. Bernardo, que o padre será tratado por Deus: tornado anjo do Senhor, ou há de ser eleito como anjo, ou réprobo como o anjo. Eis o que o Senhor revelou a Sta. Brígida: Olho os pagãos e os judeus, mas não vejo ninguém pior que os padres: o seu pecado é como o que precipitou Lúcifer. E notemos aqui o que diz Inocêncio III: Muitas coisas que nos leigos são pecados veniais, nos eclesiásticos são mortais.

É ainda aos padres que se aplicam estas palavras de S. Paulo: Uma terra, que, depois de muito regada pelas chuvas, só produz espinhos e silvas, está reprovada e sujeita a maldição: acabará por ser entregue ao fogo. Que chuva de graças não recebe de Deus continuamente o padre? E contudo, em vez de frutos, só produz silvas e espinhos: Desgraçado! Está prestes a ser reprovado e a receber a maldição final, para ir, depois de tantas graças, que Deus lhe prodigalizou, arder no fogo do inferno! — Mas, que temor pode ter ainda do fogo do inferno um padre, que voltou as costas a Deus? Os padres que pecam perdem a luz, como levamos dito, e perdem também o temor de Deus. É o Senhor quem no-lo declara: Se eu sou o Senhor, onde está o meu temor, vos diz o Senhor, a vós, ó padres, que desprezais o meu nome?. Segundo S. Bernardo, os sacerdotes, caindo da altura a que se acham elevados, de tal modo se afundam na malícia, que perdem a lembrança de Deus, e tornam-se surdos a todas as ameaças da justiça divina, a tal ponto que nem o perigo da sua condenação os espanta.

Mas que haverá nisso de admirável? O padre, pecando, cai no fundo do abismo, onde fica privada da luz e despreza tudo. Acontece então o que diz o Sábio: Caído no fundo do abismo do pecado, o ímpio despreza. Este ímpio é o padre que peca por malícia; um só pecado mortal o precipita no fundo das misérias, em que cegamente permanece mergulhado. Nesse estado despreza tudo: castigos, advertências, presença de Jesus Cristo, a quem toca no altar. Não córa de se tornar pior que o traidor Judas, como o próprio Senhor um dia disse a Sta. Brígida: Tais padres já não são sacerdotes meus, mas verdadeiros traidores. Sim, tais padres são verdadeiros traidores, porque abusam da celebração da Missa, para ultrajarem mais cruelmente a Jesus Cristo pelo sacrílego!

E qual será, depois de tudo, o triste fim do padre mau? Ei-lo: Praticou a iniqüidade na terra dos santos, não verá a glória do Senhor. Será, numa palavra, o abandono de Deus, e depois o inferno. — Mas, dirá alguém, essa linguagem é demasiado aterradora: quereis lançar-nos da desesperação? — Respondo com Sto. Agostinho: Se vos espanto, “é que eu próprio estou espantado”. — Assim, dirá um padre, que tiver tido a desgraça de ofender a Deus no sacerdócio, não haverá para mim esperança de perdão? — Ó, não posso afirmar isso; haverá esperanças, desde que haja arrependimento do mal cometido. Que esse padre seja pois extremamente reconhecido para com o Senhor, se ainda se vê ajudado da graça; mas é preciso que se apresse a dar-se a Deus, enquanto o chama, conforme o aviso de Sto. Agostinho: “Abramos os ouvidos à voz de Deus, enquanto nos chama, com receio de que se recuse a ouvir-nos, quando estiver prestes a julgar-nos”.

[Santo Afonso de Ligório, “A Selva”, para ordenandos e sacerdotes; download em .pdf aqui]

Diversos

– Um pequeno – mas muito bom! – texto sobre a alma da Dicta & Contradicta: Apenas Letal. “Uma casa é uma pilha de tijolos, mas não é apenas uma pilha de tijolos. Não acredita em mim? Vá aos fundos de uma olaria; lá haverá muitas pilhas de tijolos, mas nenhuma casa. A definição dada responde à causa material, à pergunta ‘do que é feito?’, mas é apenas uma parte da resposta à pergunta mais ampla ‘o que é?’. Faltou o mais essencial: uma casa é definida, antes de tudo, não pelos materiais que a compõem (embora também por eles), mas por seu projeto: ela é dividida em cômodos, cada um com sua função no todo cujo fim último é abrigar e permitir a vida de uma pessoa ou grupo delas. E o que é esse projeto? Ele está desenhado num papel, na planta, mas ele não é o desenho. Tanto é assim que é possível desenhar o mesmo projeto em outro papel com outro lápis, e nem por isso a casa terá dois projetos. O projeto é aquilo que o desenho expressa: a estrutura lógica, racional, da construção: os tamanhos e localizações dos cômodos, onde cada material será usado, a função de cada cômodo, etc. […] Tijolos sem projeto, e projeto sem tijolos, não seriam uma casa”.

Número especial da revista “Brava Gente” sobre o príncipe Dom Pedro Luiz de Orleans e Bragança. Um compêndio de tudo o que aconteceu com a Família Imperial desde o desaparecimento do vôo 447 da Air France; de quebra, uma oportunidade de conhecer melhor a Casa Imperial.

Não há lugar no ministério sacerdotal para pedófilos, como diz Dom Cláudio Hummes. Sem dúvidas, Eminência, sem a menor sombra de dúvidas: eis o verdadeiro discurso do óbvio! No entanto, é de se lamentar que Sua Eminência prefira louvar os sacerdotes por serem homens que “se esforçam pela dignidade humana, pelos direitos humanos, a justiça social e a solidariedade com os pobres”. Data venia, Eminência, não é este o apanágio do sacerdote católico!

– Hoje é dia de San Josemaría Escrivá, e o santo espanhol fala sobre o sacerdócio muito melhor do que o cardeal brasileiro: “Através desse sacerdócio ministerial, que difere essencialmente – e não com uma simples diferença de grau do sacerdócio comum de todos os fiéis -, os ministros sagrados podem consagrar o Corpo e o Sangue de Cristo, oferecer a Deus o Santo Sacrifício, perdoar os pecados na confissão sacramental e exercer o ministério da doutrina in iis quae sunt ad Deum, em tudo e somente naquilo que se refere a Deus”. San Josemaría Escrivá de Balaguer, rogai por nós!

– Uma interessante decisão do juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, ao suspender parte da Lei Antifumo estadual. Vale a pena dar uma olhada na íntegra da decisão, da qual destaco:

Veja-se o paradoxo: o governo federal aumentou a alíquota para os cigarros e a reduziu para os carros, supostamente para reduzir o consumo daqueles em proteção da saúde. Na verdade, trata-se apenas de compensar a perda (1,5 bilhão) com a redução tributária de um setor, transferindo-a para o outro. Ora, os veículos (dada a péssima qualidade do combustível) poluem muito mais e prejudicam muito mais a saúde. E nada indica que haverá redução do consumo de cigarro, porque 40% não pagam impostos (contrabandeados ou produzidos por sonegadores), mas sim estimular a ilegalidade.

Quanto ao tabaco, existem alternativas, há medida intermediária à proibição: de um lado, áreas reservadas ou fumódromos; de outro, a livre escolha dos não-fumantes em frequentar tais ambientes.

As discotecas (danceterias) são ambientes de marcante poluição sonora (também prejudicial à saúde, inclusive dos empregados) e freqüentadas voluntariamente pelos que gostam de barulho, sem qualquer proibição em respeito à liberdade individual. Quem não aprecia, não é obrigado a nelas ingressar. Se o faz, pratica ato de opção (alguém dirá que o freqüentador está viciado por dependência química? Ou está apenas ficando surdo?).

Mais de dez anos depois de a lei federal obrigar os empresários a despender recursos na instalação de fumódromos, vem a norma estadual dizer que eles são inúteis e devem deixar de existir em 90 dias.

Santo António de Pádua

[Excerto de sermão de Santo António de Pádua, “O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas”]

Lê-se na história natural que as abelhas pequeninas trabalham sem descanso. Têm asas fininhas e são de cores mais escuras, como se fossem queimadas.

Abelhas pequenas são os bons cristãos sem pretensões que só se ocupam de boas e úteis obras, de forma que o diabo não os encontra nunca de mãos vazias ou desocupadas.

Têm asas finas, isto é, desprezam as vaidades e os prazeres do mundo e se inflamam de amor pelo Reino Celestial. Com essas asas sobem alto, voando livres no ar puro, com o coração fixo na Glória de Deus.

As abelhas trabalhadeiras são de cor escura, como se fossem queimadas. A respeito disto, a alma cristã exclama no Cântico dos Cânticos (1.5-6): “Sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, sou como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis na minha tez morena, pois foi o sol que me queimou!” Oh! anjos do céu, oh! almas santas, sou morena porque as abstinências, os jejuns, as vigílias e outras penitências me tomaram assim. Porém, sou bela na alma pela pureza da mente e pela integridade da fé. Sou morena como as tendas de Cedar, que quer dizer nômade; habito de fato em tendas móveis que se transportam de um lugar para o outro, das quais os soldados atacam ou nas quais são atacados, “porque não temos aqui embaixo nenhuma cidade permanente, andamos em busca da que há de vir” (Hb 13,14).

Não deis importância ao fato de eu ser morena, pois sou morena porque o sol me queimou. O sol em eclipse descora todas as coisas. Assim Jesus Cristo, o verdadeiro sol, “que conheceu seu ocaso” (SI 103,19) quando na cruz padeceu o eclipse da morte, deixou a atração das vaidades, as falsas glórias, todas as honras mundanas.

Por isso, a alma cristã pode afirmar com razão: “Sim, sou morena, minha pele é escura, o sol me queimou”. Enquanto, com efeito, com os olhos da fé eu contemplo a meu Deus, meu esposo, meu Jesus, pregado na cruz, atravessado por cravos, alimentado com fel e vinagre, e coroado de espinhos, toda a beleza, toda a glória, toda a honra, toda a pompa mundana empalidece a meus olhos e perde todo o valor… Eis aqui, estas são as abelhas pequenas e escuras, como se fossem queimadas. Assim pensam e atuam os verdadeiros cristãos.

Abelhas de bela aparência são ao contrário todos os cristãos inautênticos e todos os que não sabem fazer outra coisa senão agitar aos quatro ventos as falsas credenciais de sua falsa honestidade e bondade, enquanto na realidade são somente sepulcros, de aparência bela e solene, porém cheios por dentro de podridão e ossos ressequidos…

* * *

[Trecho de Biografia de Santo António de Pádua]

Na solidão do claustro, Santo Antônio entregou-se com empenho à oração e ao estudo. Aprofundou-se na doutrina do grande doutor da igreja, santo Agostinho, e começou a saborear a doçura e a suavidade do Senhor. Dedicou sua aguda inteligência a conhecer mais profundamente as Sagradas Escrituras, que, sendo livros inspirados por Deus, contêm, “a plenitude da sabedoria”- expressão muito usual entre os mestres de teologia da Idade Média. Vale destacar que, na leitura dos Santos Padres da Igreja, guardava na memória tudo o que lia, levantando a admiração dos monges que o cercavam. Os anos que permaneceu em Coimbra foram determinantes para o conhecimento das ciências sagradas. Entretanto, esses progressos eram mais frutos da graça de Deus e de seu esforço pessoal do que do ambiente monacal e do trabalho dos mestres competentes, pois naqueles anos os monges do mosteiros estavam envolvidos nas intrigas políticas de seu país, muito nefastas e cruéis. Foi chamado “arca do Testamento” pelo Papa Gregório IX e Tomás de Vercelli, por causa de seu método de exegese e também “Martelo dos hereges”. Foi considerado exímio teólogo, peritíssimo exegeta e perfeito frade menor, porque num tempo de grave crise da Ordem, fez da pregação como que uma cátedra itinerante, considerando-a como uma lição de teologia.

Passava muitos dias em meditação e oração e enquanto rezava em um desses eremitérios, recebeu a visita do Menino Jesus. Em razão dessa aparição, Santo Antônio é representado carregando o Menino Jesus nos braços. O lírio que aparece nos braços ou nos pés, é o símbolo da pureza. A sua mensagem de fé e de amor para com Deus e a sua caridade para com os pobres continuam atuais. Sal da terra e luz do mundo, Santo Antônio é tão procurado pelas pessoas que se tornou um dos santos mais populares do mundo.

* * *

[Trecho de mais um texto sobre Santo António]

Segundo alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando foi acometido por violenta tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na catedral, o jovem traçou uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando nela impressa como em cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o adolescente quis entrar para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos Regulares de Santo Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando contava 19 anos de idade.

[…]

Um dos milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua pregação aos peixes. Em Rimini, durante seu sermão, o povo se mantinha indiferente. Abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de peixes de vários tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o santo, que tinha sido seguido pela população da cidade, testemunha do milagre.

Santo Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque a heresia não teve inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia, conhecida pelo nome de Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários”.

* * *

Santo António de Pádua,
rogai por nós!

Corpus Christi

ECCE PANIS ANGELORUM
FACTUS CIBUS VIATORUM
VERE PANIS FILIORUM
NON MITTENDUS CANIBUS

Hoje a Igreja celebra a festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. É uma festa móvel, que sempre cai numa quinta-feira: a primeira quinta-feira após a Oitava de Pentecostes (i.e., após a Solenidade da Santíssima Trindade). Pentecostes também é móvel, porque é celebrado no 50º dia após a Páscoa. A festa de hoje, portanto, é celebrada 60 dias após o Domingo de Páscoa.

A solenidade de Corpus Christi remete à Idade Média, ao século XIII; vale a pena ler o texto escrito pelo pe. Elílio sobre o dia de hoje, é um excelente resumo. Foi Santo Tomás de Aquino quem compôs a liturgia do dia de hoje, em particular a seqüência – o Lauda Sion – de onde foi retirada a estrofe em epígrafe.

“Eis o Pão dos Anjos, feito alimento dos peregrinos”: de nós, degredados filhos de Eva, que estamos neste mundo em peregrinação rumo à Pátria Celeste. O Pão dos Anjos, a Santíssima Eucaristia, o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor é alimento para a nossa alma, que tem absoluta necessidade de se fortalecer para que possa vencer o mundo, o demônio e a carne. O Catecismo de São Pio X elenca cinco efeitos da Eucaristia naqueles que A recebem dignamente (dos quais os dois primeiros são os principais – cf. Catecismo Maior de São Pio X, q. 623-624):

  1. conserva e aumenta a vida da alma, que é a graça, como o alimento material sustenta;
  2. perdoa os pecados veniais e preserva dos mortais; produz consolação espiritual;
  3. enfraquece as nossas paixões, e em especial amortece em nós o fogo da concupiscência;
  4. aumenta em nós o fervor e ajuda-nos a proceder em conformidade com os desejos de Jesus Cristo;
  5. dá-nos um penhor da glória futura e da ressurreição do nosso corpo.

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Há uma curiosa história de Santo Antônio de Pádua associada à Eucaristia. Um incrédulo daqueles tempo – porque incrédulos sempre houve – disse ao santo que só acreditaria que Cristo estava realmente presente na Eucaristia caso a sua mula se ajoelhasse diante dela. O santo aumentou o desafio: disse que deixasse a mula três dias sem comer e, ao cabo deles, colocasse diante dela um feixe de feno e a Hóstia Consagrada, que a mula iria deixar o feno para se prostrar diante do Deus escondido sob as espécies do pão. Dito e feito: diante do povo, a mula – após três dias de jejum – “fez genuflexão” quando foi apresentada à Santíssima Eucaristia, desprezando o alimento físico que lhe era oferecido. Até as mulas são menos teimosas do que alguns incrédulos; até uma mula reconheceu Deus no Santíssimo Sacramento!

Visitemos uma Igreja hoje [aliás, a missa é de preceito, como a dominical], e ofereçamos a Nosso Senhor um pouco do nosso tempo, “em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido”, como pediu o Anjo em Fátima. Nas condições habituais (confissão, comunhão e oração pelas intenções do Santo Padre), adoração eucarística de meia hora pelo menos é ação por meio da qual pode-se lucrar indulgência plenária (não só hoje; qualquer dia). Hoje é um dia propício para visitarmos Jesus Eucarístico. Que Ele tenha misericórdia de nós, e nos dê sempre forças para continuarmos na nossa peregrinação rumo ao Céu. Como canta a piedade popular:

Que o Santo Sacramento
que é o próprio Cristo Jesus
seja adorado e seja amado
nesta Terra de Santa Cruz!

Bendito seja Deus, no Santíssimo Sacramento do Altar.