Os paradoxos do Cristianismo – Chesterton

Este estranho efeito provocado pelos grandes agnósticos, de levantarem dúvidas ainda mais profundas do que as suas próprias, poda ser exemplificado de várias maneiras. Citarei apenas uma. Quando li e reli todos os relatos não-cristãos e anticristãos a respeito da Fé, de Huxley a Bradlaugh, logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sobre o meu espírito – a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo (como eu o entendia) tinha os mais  violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos que pareciam incompatíveis entre si. Atacavam-no por todos os lados e pelas mais contraditórias razões. Assim que um racionalista acabava de demonstrar estar o Cristianismo demasiadamente longe para o leste, outro vinha demonstrar, com igual clareza, que ele estava muito mais longe para o oeste. E tão logo minha indignação esmorecera perante sua angular e agressiva quadratura, logo minha atenção era despertada para observar e condenar sua enervante e sensual esfericidade. Caso algum leitor não tenha compreendido o que quero dizer, dar-lhe-ei tantos exemplos quantos, ao acaso, lembrar-me a respeito desta auto-contradição do ataque cético. Começarei por apresentar quatro ou cinco exemplos; existem mais de cinqüenta.

Por exemplo, deixei-me influenciar bastante pelo eloqüente ataque contra o Cristianismo por sua desumana melancolia, pois sempre pensei (e ainda penso) que o pessimismo sincero é o pecado imperdoável. O falso pessimismo é uma realização social, mais aceitável do que qualquer outra coisa e, felizmente, quase todo o pessimismo carece de sinceridade. Mas, se o Cristianismo fosse, como se costumava dizer, algo meramente pessimista e contrário à vida, então eu estaria inteiramente disposto a mandar pelos ares a Catedral de S. Paulo. O mais extraordinário, porém, é o seguinte: provaram-me, no Capítulo I (para minha absoluta satisfação), que o Cristianismo era demasiadamente pessimista; mas, depois, no Capítulo II, provaram-me que ele era, em grande parte, otimista demais. Uma das acusações contra o Cristianismo era a de que ele impedia os homens, por meio de lágrimas e terrores mórbidos, de procurarem a alegria e a liberdade no seio da Natureza. Outra acusação, porém, era que ele confortava os homens com uma fictícia providência e os colocava numa creche rosa e branca. Um grande agnóstico perguntava por que motivo a Natureza não era suficientemente bela, e por que razão custava tanto ser livre. Outro agnóstico argumentava que o otimismo cristão – “esse vestido ‘de mentirinha’ tecido por mãos piedosas” – escondia de nós o fato de que a Natureza era feia e que era impossível ser livre. Quando um racionalista classificava o Cristianismo como um pesadelo, já outro começava a chamá-lo de paraíso dos tolos. Isso me intrigavam porque tais acusações pareciam-me incompatíveis. O Cristianismo não podia ser, ao mesmo tempo, uma máscara preta sobre um mundo branco e uma máscara branca sobre um mundo preto. A situação de um cristão não podia ser, ao mesmo tempo, tão confortável a ponto de ser ele um covarde para prender-se a ela, ou tão desconfortável a ponto de ser um tolo para nela permanecer. Se o Cristianismo deturpava a visão humana, devia deturpá-la de uma forma ou de outra: o cristão não poderia usar, ao mesmo tempo, óculos verde e óculos cor-de-rosa. E, como todos os rapazes daquele tempo, eu repetia com terrível alegria as zombarias que Swinburne proferia contra a monotonia do credo:

“Venceste, ó pálido Galileu, e o Mundo tornou-se sombrio com o Teu hálito”.

Mas, quando li as narrativas deste mesmo poeta acerca do paganismo (como em “Atlanta”), cheguei à conclusão de que o Mundo era ainda mais sombrio, se isso fosse possível, antes do Galileu bafejá-lo com o seu sopro, do que depois disso. Certamente o poeta afirmava, em abstrato, que a própria vida era escura como breu. E no entanto, de uma forma ou de outra, o Cristianismo a tinha obscurecido ainda mais. O mesmo homem que acusava o Cristianismo de pessimismo era, ele próprio, um pessimista. Achei que devia haver algo errado. E, num momento de exaltação, veio-me à mente a idéia de que aqueles talvez não fossem os melhores juízes da relação entre a religião e a felicidade, pois não possuíam nem uma coisa nem outra.

Deve-se compreender que não concluí, apressadamente, que as acusações eram falsas ou que os acusadores não passavam de loucos. Apenas deduzi que o Cristianismo deveria ser algo mais estranho e perverso do que se pretendia afirmar. Uma coisa pode ter esses dois defeitos opostos, mas era necessário que fosse bastante estranha para poder concentrar tais características. Um homem podia ser muito gordo em uma parte do corpo e muito magro em outra, mas seria preciso que tivesse uma compleição deveras singular. Nesse ponto, todos os meus pensamentos centravam-se, apenas, na bizarra forma da religião cristã, sem atribuir qualquer forma bizarra ao pensamento racionalista.

Segue-se outro caso semelhante. Uma das coisas que eu julgava que mais depunham contra o Cristianismo era a acusação que lhe faziam, de que havia algo de tímido, de monacal e de desumano em tudo o que se costuma chamar de “cristão”, especialmente sua atitude perante a resistência e a luta. Os grandes céticos do século XIX eram, em grande parte, viris. Bradlaugh, de forma expansiva, e Huxley, de forma reservada, eram, decididamente, homens. Em comparação, parecia aceitável que existisse algo de fraco e de excessivamente paciente nos ensinamentos cristãos. O paradoxo do Evangelho acerca da outra face, o fato dos padres nunca lutarem em guerras, uma centena de coisas, enfim, tornava plausível a acusação de que o Cristianismo era uma tentativa de transformar o homem em um cordeiro. Li isso e acreditei, e, se não tivesse lido nada diferente, continuaria a acreditar. No entanto, li algo muito diferente depois. Virei a página seguinte do meu manual agnóstico, e logo meu cérebro ficou de pernas para o ar. Descobri, então, que tinha de odiar o Cristianismo, não por combater pouco, mas por combater demasiado. A religião cristã parecia a mãe das guerras. O Cristianismo tinha inundado o mundo em sangue. Eu, que havia ficado zangado com o Cristianismo por ele nunca se zangar, tinha, agora, de zangar-me com ele, porque sua fúria havia sido a coisa mais horrível e mais monstruosa da História da Humanidade. O seu ódio embebera-se na Terra e fumegara até o Sol. As mesmas pessoas que criticavam o Cristianismo por sua mansidão e pela não-resistência dos mosteiros eram as que vinham, agora, acusá-lo pela violência e pela bravura das Cruzadas. Fora por culpa do pobre e velho cristianismo (de uma forma ou de outra) que Eduardo, o Confessor, não combatera, e Ricardo Coração de Leão, sim. Os Quackers (assim ouvíamos dizer) eram os únicos cristãos típicos e, no entanto, os massacres de Cromwell e de Alba eram crimes tipicamente cristãos. O que tudo isso queria dizer? Que Cristianismo era este que sempre proibia as guerras e sempre estava a provocá-las? Qual poderia ser a natureza de uma coisa que era insultada, primeiramente, por não combater e, depois, por estar sempre envolvida em lutas? Em que mundo de enigmas se gerara esse monstruoso assassino e essa monstruosa mansidão? A forma do Cristianismo tornava-se mais estranha a cada instante.

Passo, agora, ao terceiro caso; o mais estranho de todos, porque envolve uma objeção real contra a Fé. A única objeção real contra a religião cristã é o fato [de] ser ela uma religião. O Mundo é um grande lugar, habitado por povos das mais diferentes espécies. O Cristianismo (parece-me razoável fazer esta afirmação) está limitado a um tipo de povo: surgiu na Palestina, e, praticamente, parou na Europa. Esse argumento impressionou-me fortemente na mocidade, e senti-me como que arrastado para a doutrina que sempre fora pregada nas sociedades éticas, isto é, a doutrina segunda a qual existe uma grande e inconsciente igreja que pertence a toda a Humanidade, fundada sobre a onipresença da consciência humana. Os credos – dizia-se então – dividiam os homens, mas a moral ao menos acabava por uni-los. A alma podia procurar as mais estranhas e mais remotas terras e épocas, e, ainda assim, encontraria o essencial senso comum ético. Podia encontrar Confúcio sob as árvores do Ocidente, mas encontrá-lo-ia escrevendo: “Não roubarás”. Podia decifrar os mais obscuros hieróglifos encontrados no mais primitivo deserto, e o seu significado, depois de decifrado, seria este: “Os meninos devem dizer a verdade”. Eu acreditava nesta doutrina da irmandade de todos os homens que diz respeito à posse de um senso moral, e nela acredito ainda, como acredito em outras coisas. Eu ficava, então, muito irritado com o Cristianismo, porque sugeria (como eu supunha) a idéia de que todas as épocas e impérios dos homens tinham escapado, inteiramente, a esta luz da justiça e da razão. Mas encontrei, depois, algo surpreendente. Verifiquei que as pessoas que diziam ser a Humanidade uma Igreja, de Platão a Emerson, eram as mesmas que afirmavam ter a moralidade mudado totalmente, afirmando, ainda, que o que era considerado certo em uma época já não o era em outra. Se eu pedisse, digamos, um altar, responder-me-iam que não havia necessidade dele, pois os nossos irmãos nos haviam deixado claros oráculos e um credo, nos seus ideais e costumes universais. Mas, se eu, serenamente, argumentasse que um dos costumes universais do homem era ter um altar, então os meus agnósticos mestres virar-se-iam completamente e responder-me-iam que os homens sempre tinham estado mergulhado nas trevas e nas superstições dos selvagens. Verifiquei que seu constante desdém em relação ao Cristianismo era por ser ele a luz de um povo, enquanto deixava todos os outros morrerem nas trevas. No entanto, pude também observar que era para eles motivo especial de orgulho o fato de serem a ciência e o progresso a descoberta de um povo, enquanto todos os outros povos jaziam na escuridão. O seu principal insulto contra o Cristianismo era, efetivamente, para eles, motivo de glória, e parecia uma estranha injustiça toda a sua relativa insistência nesses dois aspectos. Ao considerarmos algum pagão ou agnóstico, era forçoso lembrarmo-nos de que todos os homens tinham uma religião; ao considerarmos algum místico ou espiritualista, tínhamos apenas de ponderar as absurdas religiões que alguns homens professavam. Podíamos acreditar na ética de Epicteto porque a ética nunca tinha mudado, mas não devíamos acreditar na ética de Bossuet porque a ética tinha mudado. Operara-se uma mudança em duzentos anos, mas não em dois mil.

Tudo isso começava a parecer alarmante. Não que o Cristianismo fosse suficientemente mau para agregar em si todos os defeitos, mas qualquer vara era suficientemente boa para açoitar a religião cristã. A que poderíamos comparar esta coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem que, assim procedendo, contradiziam a si próprios? Observei o mesmo em todo o lugar. Não posso dispor de mais espaço para esta discussão em todos os seus pormenores, mas, para que não se suponha que estive selecionando, injustamente, três casos aleatórios, mencionarei, rapidamente, alguns outros. Alguns céticos descreveram que o grande crime do Cristianismo tinha sido o seu ataque contra a família. O Cristianismo arrastava as mulheres para a solidão e para a vida contemplativa de um mosteiro, longe de seus lares e de seus filhos. Mas logo outros céticos (ligeiramente mais avançados) vinham dizer que o grande crime do Cristianismo era forçar-nos ao casamento e à constituição da família, condenando as mulheres ao duro trabalho do lar e dos filhos, proibindo-lhes a solidão e a vida meditativa. As acusações eram, na verdade, contraditórias. Dizia-se, ainda, que algumas palavras das Epístolas ou do Rito do Matrimônio revelavam desprezo pelo intelecto das mulheres. No entanto, concluí que os próprios anticristãos sentiam desprezo pelo intelecto das mulheres, porque seu grande desdém pela Igreja no continente era devido ao fato de afirmarem que “só as mulheres” a freqüentavam. Outras vezes, o Cristianismo era censurado por seus trajes indigentes e pobres, por seu burel e suas ervilhas secas. Entretanto, no momento seguinte, o Cristianismo era censurado por sua pompa e ritualismo, seus relicários de pórfiro e suas vestes de ouro. Acusavam-no por ser demasiadamente humilde e por ser demasiadamente pomposo. O Cristianismo era acusado, ainda, de ter sempre reprimido em extremo a sexualidade, quando Bradlaugh, o Malthusiano, descobrira que ele a reprimia muito pouco. De um só fôlego, lançavam-lhe ao rosto uma recatada respeitabilidade e uma religiosa extravagância. Nas capas do mesmo panfleto ateu, fui encontrar a fé censurada por sua falta de união (“uns pensavam uma coisa e outros pensavam outra”) e, ao mesmo tempo, por sua união (“é a diferença de opinião que impede o Mundo de se arruinar”). No decorrer da mesma conversa, um amigo meu, livre-pensador, censurava o Cristianismo por desprezar os judeus e depois desprezava a si mesmo por ser judeu.

Eu desejava ser absolutamente imparcial, como ainda o desejo ser agora, e não concluí que o ataque ao Cristianismo fosse de todo injusto. Concluí apenas que, se o Cristianismo estava errado, estava, sem dúvida, muito errado. Tão hostis terrores poderiam ser combinados em uma só coisa, mas tal coisa devia ser bem estranha e única. Há homens que são avarentos e, ao mesmo tempo, perdulários; porém, são raros. Há também homens lascivos e, ao mesmo tempo, ascéticos, mas estes também são raros. Mas, se este amálgama de loucas contradições realmente existisse, pacifista e sanguinário, suntuoso e maltrapilho, austero e lascivo, inimigo das mulheres e seu tolo refúgio, pessimista declarado e otimista ingênuo, se este mal existisse, então haveria nele algo de supremo e único. De fato, não encontrei nos meus mestres racionalistas explicação alguma para tal excepcional corrupção. O Cristianismo (teoricamente falando) era, a seus olhos, apenas um dos mitos ordinários e um dos erros dos mortais. Eles não me davam a chave para esta retorcida e desnatural maldade. Esse mal assumia as proporções do sobrenatural. Era, sem dúvida, quase tão sobrenatural como a infalibilidade do papa. Uma instituição histórica que nunca se mostrou acertada é um milagre tão grande como uma instituição que nunca pode errar. A única explicação que imediatamente me ocorreu à mente foi que o Cristianismo não viera do céu, mas do inferno. Na verdade, se Jesus de Nazaré não fosse Cristo, devia ter sido o Anticristo.

G. K. Chesterton, “Ortodoxia”, pp. 114-121. Ed. LTr, São Paulo, 2001.

Santo Agostinho e o mal

Cap. 37 – Do mal dos pecadores Deus extrai um bem

Por conseguinte, se todas as naturezas conservassem o modo, a espécie e a ordem que lhes são próprios, não haveria o mal; mas, se alguém quer abusar desses bens, nem por isso vencerá a vontade de Deus, o qual sabe como fazer entrar, de maneira justa, os pecadores na ordem universal, de sorte que, se eles pela perversidade da sua vontade abusarem dos bens da natureza, Ele, pela justiça do seu poder, extrairá bens dos males, ordenando retamente com penas os que se desordenaram pelos pecados.

Cap.38 – O fogo eterno, que atormenta os maus, não é um mal

E eis que nem sequer o próprio fogo eterno, que atormentará os réprobos, é em si uma natureza má, porque também tem o seu modo, a sua espécie e a sua ordem, e não foi corrompido por nenhuma iniqüidade. Mas o tormento é um mal para os condenados, que mereceram pelos seus pecados. A própria luz atormenta os que têm olhos enfermos, sem todavia ser uma natureza má.

Cap. 39 – Diz-se que o fogo é eterno não porque o seja como Deus, mas porque não tem fim.

O fogo é eterno, mas não do mesmo modo como o é Deus; pois, conquanto não acabe nunca, teve porém princípio, e Deus não o teve. Além do mais, a sua natureza está sujeita à mudança, apesar de ter sido destinado a servir de castigo perpétuo para os pecadores. A verdadeira eternidade é a verdadeira imortalidade, ou seja, a suprema imutabilidade, que é atributo exclusivo de Deus, o qual é absolutamente imutável.

Uma coisa é não mudar, apesar da possibilidade de mudança, e outra, muito diferente, é não poder mudar. Diz-se, assim, que um homem é bom, conquanto não como a bondade de Deus, de Quem se disse: “ninguém é bom senão Deus só” (Mc X, 18); e diz-se que a nossa alma é imortal, mas não como o é Deus, de Quem se disse: “é o único que possui a imortalidade” (1Tm VI, 16); e diz-se que o homem é sábio, mas não como o é Deus, de Quem se disse: “a Deus, que é só o sábio” (Rm XVI, 27) – e também se diz que o fogo do inferno é eterno, mas não como o é Deus, cuja imortalidade é a verdadeira eternidade.

Cap. 40 – Não se pode causar dano a Deus, nem a nenhuma criatura sem a justa ordenação de Deus

Assim sendo, a Fé Católica, e a Sã Doutrina, e a Verdade bem compreendida, proclamam que ninguém pode causar dano à natureza de Deus, e que a natureza de Deus não aflige mal injusto a ninguém, e que Ele não permite que nenhuma injustiça fique sem castigo. “Aquele, pois, que cometer injustiça”, diz o Apóstolo, “receberá segundo o que fez injustamente: e não há acepção de pessoas diante de Deus” (Col III, 25).

Santo Agostinho, “A Natureza do Bem”, pp. 49-53. 2ª Edição, Sétimo Selo, Rio de Janeiro, 2006

Padre Fernando Cardoso sobre a fidelidade à Doutrina

[Publico transcrição do pe. Fernando Cardoso, de São Paulo, em programa que foi ao ar pela Rede Vida, onde Sua Reverendíssima fala sobre a missão do sacerdote católico.

O programa original está aqui; os créditos pela transcrição são do Francisco Dockhorn, a quem agradeço.]

TRANSCRIÇÃO DO PROGRAMA O PÃO NOSSO DE CADA DIA, EXIBIDO PELA REDE VIDA DE TELEVISÃO DIA 27/05/09.

Padre Fernando J. C. Cardoso
Arquidiocese de São Paulo

Ontem eu iniciei uma meditação sobre o perfil do verdadeiro Pastor de almas, aproveitando-me do testamento espiritual de Paulo.

Hoje gostaria de aprofundar ainda mais no tema e encerrá-lo; dois são os traços característicos do Apóstolo que nos são legados por Lucas no texto que se lê como primeira leitura.

Em primeiro lugar, o pastor de almas deve ser capaz e estar pronto, para ensinar a verdadeira doutrina. Hoje, como nos tempos de Paulo, a Igreja possui um único Evangelho, e ela não tem o direito de adulterá-lo, de aguá-lo, de diminuir as suas exigências para torná-lo mais atraente ao mundo moderno.

Atenção: o Evangelho não está em liquidação, e a Igreja de Cristo tem a promessa de seu fundador de estar presente na humanidade até o final dos tempos. Ela também não está em estado de término, liquidando o pouco que tem.

Nós possuímos um corpo de doutrinas que deve ser solidamente conhecido por um Sacerdote, e não é à toa que ele estuda filosofia e teologia durante cinco, seis ou sete anos, e deve ser esta doutrina transmitida na sua inteireza e na sua clareza a todos os fiéis que lhe são confiados.

Um bom Sacerdote faz isto na catequese, nos círculos bíblicos, na pregação, no aconselhamento espiritual e até mesmo dentro de um confessionário.

Ai do pastor de almas que não pregar Jesus Cristo, ou não pregar Cristo, como quer a Igreja católica que Ele seja apresentado, porque nenhum de vocês nos buscam por aquilo que nós somos pessoalmente. Quando nos procuram, buscam em nós um ministro da Igreja católica e deseja dele receber uma palavra autorizada e clara da Igreja católica.

Se nós nos desvinculássemos da Igreja católica, ninguém nos procuraria por aquilo simplesmente que somos.

Paulo nos deixa um último exemplo antes de se despedir dos cristãos e dos presbíteros de Éfeso, ele não foi um dinheirista, ele não foi uma pessoa ávida de bens materiais; “Estas mãos – diz ele no texto – proveram o meu sustento e o sustento daqueles que estavam comigo e em tudo vos demos o exemplo de como deveis proceder”.

Uma vez mais o óbolo, a esmola, o pedido que faço: uma oração profunda sentida, que parta do intimo do coração para que o povo católico desta nação tenha a presença de sacerdotes à sua altura, tenha a presença de Santos Sacerdotes, que não meçam esforços para apresentar na inteireza, Jesus Cristo à sua comunidade.

Papini & I Fioretti di San Francesco

Um amigo mandou-me agora à hora do almoço um bonito texto sobre São Francisco de Assis publicado no site da Quadrante, que vale a leitura; mostra como um dos maiores santos da Igreja é hoje as mais das vezes “caricaturizado” pelo sentimentalismo reinante, e o Francisco que aparece nos nossos dias (e que, infelizmente, está bem impresso na mentalidade da média das pessoas) é bem diferente do São Francisco de Assis que a Providência Divina fez surgir na Idade Média.

Há meio século, e talvez mais [nota: o artigo é de 1922], São Francisco é o único, da legião flamejante dos invasores do Paraíso, que encontrou graça diante dos olhos míopes dos cristãozinhos divididos e até de muitos blasfemos alegóricos a serviço do Demônio. A vida do “Pobre de Assis”, solertemente lapidada para dela retirar tudo o que há de sobrenatural, que enoja os delicadíssimos apêndices olfativos do “homens modernos”, é recebida com cordial condescendência entre os livros de que se podem convenientemente nutrir a senhora e o senhor que estão “à altura dos tempos”.

O autor do ensaio,  Giovanni Papini, alude por diversas vezes aos Fioretti, que eu – apesar de já ter ouvido falar por diversas vezes – ainda não havia lido. Procurei em português e encontrei o Florilégio, que não sei dizer se é a mesma obra. No entanto, achei coisa melhor: I Fioretti di San Francesco em edição bilingüe, italiano – português, disponível na internet!

Dentre as diversas passagens da vida do santo que o livreto contém, destaco a seguinte:

São Francisco, instigado pelo zelo da fé de Cristo e pelo desejo do martírio, foi uma vez ao ultramar com doze companheiros santíssimos, para ir direto ao Sultão da Babilônia. E, chegando a uma região dos sarracenos, onde as passagens eram guardas por homens tão cruéis que nenhum cristão, que passasse por aí, podia escapar sem ser morto. Aprouve a Deus que não fossem mortos mas, presos, espancados e amarrados, foram levados à presença do sultão.

Estando São Francisco diante dele, ensinado pelo Espírito Santo, pregou tão divinamente sobre a fé de Cristo, que por essa fé eles até queriam entrar no fogo. Por isso o sultão começou a ter uma enorme devoção por ele, tanto pela constância de sua fé como pelo desprezo do mundo que nele via, pois não queria receber dele nenhum presente, e mesmo pelo desejo do martírio, que nele via. Daí em diante o sultão o escutava de boa mente, e pediu que voltasse muitas vezes a ele, concedendo livremente a ele e aos companheiros que pudessem pregar onde quer que lhes aprouvesse. E lhes deu um sinal para que não pudessem ser ofendidos por ninguém.

[…]

Nesse tempo [após a morte do santo], São Francisco apareceu a dois frades e mandou-lhes que fossem sem demora ao sultão e cuidassem de sua salvação, conforme lhe havia prometido. Os frades logo se moveram, passaram o mar e foram levados pelos ditos guardas para o sultão. Quando os viu, o sultão teve uma enorme alegria e disse: “Agora eu sei verdadeiramente que Deus mandou-me os seus servos para a minha salvação, de acordo com a promessa que São Francisco me fez por revelação divina”. Tendo, então, recebido a formação da fé de Cristo e o santo batismo pelos ditos frades, assim regenerado em Cristo morreu naquela doença, e sua alma foi salva pelos méritos e pelas orações de São Francisco.

[Fior 24]

Que diferença do verdadeiro São Francisco de Assis para este “Francisco” apresentado nos nossos dias!

Pulchrum

Uma das coisas mais tocantes da história do Brasil foi aquela passagem da carta de Pero Vaz de Caminha, quando ele narra a primeira missa no Brasil. Ele conta que os portugueses chegaram, os padres formaram o altar, prepararam o órgão e começou a missa. Os índios foram chegando e começaram a imitar os gestos dos portugueses. Um detalhe interessante é que durante a missa chegou um outro grupo de índios. Um índio do primeiro grupo, que já estava ali, quando certamente interrogado por um índio do segundo grupo sobre o que estava acontecendo, apontou para a missa e apontou para o céu. Para mim este é o melhor comentário sobre a missa. Apontou para a missa e apontou para o céu: quer dizer, está-se passando a comunicação da terra com o céu. Está-se fazendo uma coisa sagrada. Esse caráter sagrado é que a gente não pode deixar perder na liturgia.

Entrevista de Dom Fernando Rifan publicada em ZENIT.

O Belo, ao lado do Bom e do Verdadeiro, é transcendente. Verum, Bonum, Pulchrum: o Universo é uma catedral, como disse certa vez Plínio Corrêa de Oliveira. Talvez as pessoas não percebam imediatamente o sentido dessas palavras: a Beleza é absoluta, e não relativa, como também a Verdade é absoluta e a Bondade é absoluta.

Nos dias de hoje onde impera a ditadura do relativismo, talvez o Pulchrum tenha sido o transcendental mais duramente atacado. Frases que caíram no inconsciente popular como, p.ex., “gosto é gosto e cada um tem o seu”, junto com a avalanche de coisas horrorosas que foram empurradas às pessoas sob o singelo nome de “arte moderna”, contribuíram de maneira muito eficaz para isso. O resultado foi a perda do “senso estético” e a dificuldade de se compreender como é possível que a Beleza seja absoluta. Hoje em dia, é politicamente incorreto chamar o que quer que seja de “feio”; o que há são “belezas diferentes”.

Um amigo sacerdote disse-me outro dia, quando lhe perguntei sobre o porquê de serem construídas igrejas tão feias – sim, porque o abandono do Pulchrum atingiu desgraçadamente até mesmo a arquitetura das nossas igrejas -, uma coisa muito interessante. Falou que, para constatar que uma igreja antiga era realmente bela, bastava mostrá-la às pessoas. Todas elas, ainda que simples, iriam contemplá-la embevecidas, mesmo que não soubessem explicar cada um dos detalhes que ela continha, e iriam dizer que ela era bonita. Já uma obra de arte moderna, para poder ser contemplada, é necessário um especialista que explique uma série de coisas sem as quais ninguém consegue encontrar nela nada de aprazível. Esta [bem discutível] “beleza” escondida por detrás de um monte de técnicas modernas e paradigmas estéticos que de modo algum são evidentes é característica da arte moderna. E é o contrário de, por exemplo, uma catedral. Nas igrejas que são belas porque são erigidas em honra d’Aquele que é Belo, a beleza é manifesta – não escondida. É ao alcance de todos, e não somente de um grupo restrito de “iniciados” nos arcanos da estética.

E as igrejas são feias porque abandonaram o Pulchrum, abandonaram o Belo. Poder-se-ia falar em uma apostasia arquitetônica generalizada. Se os templos são feios, como se pode esperar que eles conduzam para o Deus que é Belo…? Subverter a arte e esconder a beleza é uma forma de tirar Deus do alcance das pessoas. Deus é encontrado também na beleza das coisas criadas. Privar as pessoas da Beleza é privá-las de oportunidades de elevar o pensamento, ao Deus que é Belo, por meio das coisas belas.

E o mesmo vale para a Sagrada Liturgia. Se a celebração não for bela – “bela” em relação ao Pulchrum que é transcendental, óbvio, e não de acordo com o [mau] gosto de cada um -, ela não ajuda os fiéis a elevarem-se a Deus e, ao contrário, pode até atrapalhá-los. Sim, qualquer semelhança com a “Escola Litúrgica da CAJU” não é mera coincidência, mas não é somente dela que eu estou falando, e sim da liturgia mal celebrada que encontramos em todos os lugares. A citação de Dom Rifan em epígrafe explica bem isso, e faço questão de trazê-la também no original de Pero Vaz de Caminha:

E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. (…) Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles [índios], assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.

Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!

Isto é a beleza da Liturgia, expressão do Pulchrum que consegue ser percebida tanto por portugueses quanto por nativos selvagens. Esta é uma experiência que nós, infelizmente, provavelmente não conseguiríamos repetir hoje em dia, se mostrássemos uma missa católica mediana a alguém de cultura diferente da nossa – e tal coisa é uma tristeza, uma desordem que precisa ser sanada. Precisamos recuperar o senso estético dos católicos, resgatar o Belo da Liturgia, o Pulchrum na Igreja do Deus que é Infinita Beleza. Para que assim Ele possa mais facilmente ser encontrado e adorado como convém a Sua Infinita – e Infinitamente Bela! – Majestade.

O Papa na Terra Santa 2: judeus e muçulmanos

Lusa: Bento XVI apela à “reconciliação” entre cristãos e judeus. Folha: Bento 16 diz que religião se “corrompe” se servir à violência e ao abuso. Mais dois discursos do Santo Padre que ganham espaço na mídia: o primeiro no Monte Nebo, o segundo numa mesquita.

“Nas águas do Batismo, nós passamos da escravidão do pecado para a nova vida e a esperança. Na comunhão da Igreja, Corpo de Cristo, nós aguardamos [look forward] a visão da cidade celeste, a Nova Jerusalém, onde Deus será tudo em todos”. Estas palavras foram proferidas no monte onde Moisés contemplou a Terra Prometida; um lugar, portanto, sagrado para os judeus. No coração do Velho Testamento, o Vigário de Cristo fala do Novo Testamento: a verdadeira Terra Prometida é a Igreja de Nosso Senhor, e a verdadeira libertação da escravidão jorra das águas do Batismo. As coisas antigas passaram e cederam lugar para as novas; a Sinagoga deu lugar à Igreja de Cristo.

Os “liames inseparáveis entre a Igreja e o povo judeu” estão radicados precisamente na clara noção da “unidade dos Dois Testamentos”; não é ao povo judeu dos nossos dias, àqueles que renegaram a Nosso Senhor, que a Igreja encontra-se teologicamente unida. A plena “reconciliação entre cristãos e judeus” passa – obviamente – pelo reconhecimento de que Nosso Senhor é o Messias; somente assim haverá verdadeira paz no Oriente Médio, a paz que vem de Nosso Senhor Jesus Cristo e que o mundo não é capaz de dar. Enquanto este dia não chega, o “respeito mútuo” – que, como já disse, não mútua concordância – é condição essencial para que a Igreja possa frutificar: para que os cristãos possam anunciar a sua Fé e para que o Evangelho possa ser pregado também aos judeus.

“A religião é desfigurada quando é forçada ao serviço da ignorância ou do preconceito, do desprezo, da violência e do abuso”, disse o Papa neste sábado na cerimônia de colocação da pedra fundamental da futura Universidade Católica da Universidade de Madaba; mais tarde, diante de uma mesquita, disse o seguinte, quase repetindo as palavras anteriormente proferidas:

Alguns sustentam que a religião falha em sua pretensão de ser, por natureza, uma construtora de unidade e harmonia, uma expressão de comunhão entre as pessoas e com Deus. Sem dúvidas, alguns afirmam que a religião é necessariamente uma causa de divisões no nosso mundo; e então eles argumentam que, quanto menos atenção for dada à religião na esfera pública, melhor. Certamente, a contradição de tensões e divisões entre os seguidores de diferentes tradições religiosas, tristemente, não pode ser negada. Entretanto, não seria também o caso de, freqüentemente, ser a manipulação ideológica da religião, às vezes para fins políticos, o verdadeiro catalisador de tensões e divisões e, às vezes, até de violência na sociedade?

Tal incômoda pergunta, dirigida a líderes muçulmanos na frente de uma mesquita, é por si só bastante eloqüente e bem poderia ser tomada como uma provocação. É bem conhecida a violência do Islam e a violação dos direitos humanos básicos nos países que estão sob o jugo dos infiéis filhos de Maomé; passa-me a impressão de que, divertidamente, o Papa utiliza-se de uma espécie de ad hominem e pergunta retoricamente se a violência do Islam é fruto do Islam em si ou de uma sua ideologização. A primeira resposta é embaraçosa para os muçulmanos moderados e, a segunda, para os radicais; qualquer uma delas é constrangedora para o Islam como um todo.

No meio deste discurso perigoso e deste “campo minado” no qual o Vigário de Cristo precisa mover-se cautelosamente, há uma belíssima defesa da complementaridade entre Fé e Razão no âmbito público (grifos meus):

E, como crentes no Deus único, nós sabemos que a razão humana é ela própria um dom de Deus, que se eleva [soars] para seu mais alto patamar quando preenchida [suffused] com a luz da Verdade Divina. De fato, quando a razão humana humildemente permite a si mesma ser purificada pela Fé, ela está longe de ser enfraquecida; ao contrário, é fortalecida para resistir à presunção e para ultrapassar [to reach beyond] suas próprias limitações. Desta maneira, a razão humana é encorajada [emboldened] a perseguir seu nobre propósito de servir à humanidade, dando expressão às nossas mais profundas aspirações comuns e estendendo, ao invés de manipulando ou confinando, o debate público. Assim, a genuína adesão à religião – longe de estreitar [narrowing] nossas mentes – alarga o horizonte do entendimento humano. Ela protege a sociedade civil dos excessos do ego desenfreado que tende a absolutizar o finito e eclipsar o infinito; ela garante que a liberdade seja exercitada de mãos dadas [hand in hand] com a verdade; e ela adorna a cultura com insights relativos a tudo que é verdadeiro, bom e belo.

Que Deus abençoe o Santo Padre em sua peregrinação!

Que Deus é Esse?

Após tomar conhecimento dos exorbitantes gastos com a manutenção do site da Arcauniversal, a minha curiosidade foi mais forte do que o meu senso de aproveitar bem o tempo e eu me pus a dar uma rápida navegada pelo site e pelo blog do Edir Macedo. Dois minutos foram o suficiente para que eu me deparasse com esta pérola de desabafo, que me levantou a seguinte questão: será que o sr. Macedo é ateu? Vejam só o que ele diz, rebatendo as críticas que lhe são dirigidas:

E se a santidade deles é tão acentuada assim, por que não são tão abençoados por Deus como gostariam? Seria Deus injusto para com eles?

Que Deus é Esse que abençoa um “bandido” e amaldiçoa os certinhos?

Oras, o Deus que “abençoa” [muitas aspas aqui e já digo o porquê] os iníquos é precisamente o Deus da Bíblia, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó! Como o sr. Macedo não conhece o Deus a Quem diz servir?! Será que o pseudo-bispo da Universal nunca leu os Evangelhos, onde Nosso Senhor diz que o Pai “faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt V, 45b)? Não sabe ele que, desde que o mundo é mundo, os iníquos prosperam, a ponto do Rei Davi precisar cantar nos seus salmos: “[n]ão invejes o que prospera em suas empresas, e leva a bom termo seus maus desígnios” (Sl 36, 7b)? Nunca percebeu o “bispo” Macedo que o salmista queixa-se a Deus por causa da prosperidade dos maus, dizendo “[a]té quando, Senhor, triunfarão os ímpios? Até quando se desmandarão em discursos arrogantes, e jactanciosos estarão esses obreiros do mal?” (Sl 93, 3-4)? Nunca leu ele o salmo 72? Eis um excerto:

2. Contudo, meus pés iam resvalar, por pouco não escorreguei,
3. porque me indignava contra os ímpios, vendo o bem-estar dos maus:
4. não existe sofrimento para eles, seus corpos são robustos e sadios.
5. Dos sofrimentos dos mortais não participam, não são atormentados como os outros homens.
6. Eles se adornam com um colar de orgulho, e se cobrem com um manto de arrogância.
7. Da gordura que os incha sai a iniqüidade, e transborda a temeridade.
8. Zombam e falam com malícia, discursam, altivamente, em tom ameaçador.
9. Com seus propósitos afrontam o céu e suas línguas ferem toda a terra.
10. Por isso se volta para eles o meu povo, e bebe com avidez das suas águas.
11. E dizem então: Porventura Deus o sabe? Tem o Altíssimo conhecimento disto?
12. Assim são os pecadores que, tranqüilamente, aumentam suas riquezas.
13. Então foi em vão que conservei o coração puro e na inocência lavei as minhas mãos?
14. Pois tenho sofrido muito e sido castigado cada dia.

[Sl. 72]

O Deus, portanto, que abençoa um “bandido” e amaldiçoa os certinhos é o Deus da Bíblia, e todos os cristãos de todos os tempos e, antes deles, os judeus, sempre o souberam muito bem. Espanta-me que o Edir Macedo o desconheça! Na verdade – e este é o motivo da minha pergunta inicial -, o “argumento” por ele utilizado é precisamente aquele que os ateus utilizam para “mostrar” que Deus não existe! Compare-se a pergunta do sr. Macedo com, p.ex., este post de um blog ateu [sobre um padre assassinado em Recife] ou, para sermos mais recentes, este aqui que é desta semana [sobre um protestante que morreu ao cair do morro onde havia subido para orar]. Que Deus é esse que, ao que parece, não protege os Seus? A resposta [implícita] do “bispo” da Universal e a dos ateus é exatamente a mesma: este Deus não existe. Nós, porém, temos coragem de afirmá-lo ousadamente: este Deus é o nosso Deus!

Quanto ao problema da existência do mal [e as aspas acima colocadas que eu disse que iria explicar depois], o Papa Bento XVI disse em Auschwitz há quase três anos: “[n]ós não podemos perscrutar o segredo de Deus [vendo] apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história”. Nós acreditamos que, um dia, as injustiças serão reparadas, e toda lágrima será enxugada, e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor (cf. Ap 21, 4). Nós acreditamos, como Santo Agostinho, que Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar um bem ainda maior – ainda que não consigamos perceber claramente que bem pode ser esse. Nós acreditamos que a história ainda não terminou; e, se é permitido ao joio crescer junto com o trigo – por motivos que Deus em Sua Providência sabe -, um dia ele será lançado fora, pois o mal não tem a última palavra. Enquanto isso, esperamos e oramos, enquanto pedimos ao Altíssimo paciência nas tribulações e encontramos conforto na Cruz de Nosso Senhor. Sim, o nosso Deus é Senhor da História. Em tudo seja bendito o Seu Santo Nome.

Ateísmo Irracional

[Texto anterior: O agnóstico ateu]

Ateísmo irracional

Chegamos portanto àquele que é, a meu ver, o principal motivo pelo qual o ateísmo não se difunde tão facilmente nos nossos dias quanto o Cristianismo se difundiu na Idade Média: não é de modo algum evidente que Deus com certeza não exista, e esta idéia só a muito custo penetra na mente das pessoas. É necessário um verdadeiro bombardeio de falsos argumentos, unido ao desejo interior e a priori de que Deus não exista, para que alguém “se convença” de tão anti-natural tese.

Façamos desde já uma ressalva muito importante. Não estou chamando de “irracional” o ateísmo porque ele seja oriundo de uma loucura qualquer, sem contar com nenhum elemento racional. Não é isso. É claro que os argumentos ateus fazem um certo sentido – caso contrário, o número dos seus adeptos seria consideravelmente menor do que é hoje. O problema é que eles – ao contrário do que muitas vezes pretendem – simplesmente não esgotam a questão.

Imagine um Deus Onipotente – pode dizer um ateu. Este Deus pode criar uma pedra tão pesada que nem Ele mesmo consiga carregar? A resposta a esta questão pueril é muito simples: não, não pode, porque tal pergunta (e qualquer variante dela: o machado que tudo destrói contra a porta indestrutível, a meia-calça indesfiável contra as Facas Ginsu, etc) pode ser resumida em sua formulação mais genérica que é “Deus pode não poder”? E é claro que Deus não pode não poder, e isto, ao invés de provar a inexistência da onipotência divina, está na própria definição de “Todo-Poderoso”. Lembro-me de um catecismo antigo que trazia uma pergunta parecida com “Deus pode pecar ou morrer?” – cito de memória e não ipsis litteris. E a resposta dada era: não, Deus não pode pecar e nem morrer, porque tais coisas são frutos de fraqueza e não de potência. A plenitude da potência – a Onipotência – exclui a fraqueza. Pretender “provar” a impossibilidade da Onipotência desrespeitando a sua própria definição não é honesto e não prova nada.

Tome então o paradoxo de Epicuro, pode acrescentar o nosso ateu. Em linhas gerais: se Deus conhece o mal e pode acabar com ele e não o faz, então não é bondoso; se é bondoso e pode acabar com o mal e não o faz, então é porque não o conhece [não é onisciente]; se sabe que o mal existe, é bondoso e não acaba com ele, então é porque não pode [não é onipotente]. Faltou a Epicuro, no entanto [provavelmente por ter vivido antes do Cristianismo], uma quarta possibilidade para o seu Deus: e se Ele é bondoso, conhece o mal, pode acabar com ele e não o faz de imediato porque tem planos melhores?

A resposta ao problema do mal, reconheçamos, não é fácil. Mas a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo erguida diante de nós ensaia-nos uma resposta: o sofrimento tem sentido. Ele não é um mal absoluto, porque pode produzir [e amiúde produz] o bem. É análogo a, suponhamos, um pai que castiga o seu filho para ensiná-lo: a criança pode não entender, ou entender mal, o castigo que sofre, mas o pai sabe o que está fazendo. Também nós podemos não entender, ou entender mal, o porquê de existir mal no mundo: mas Deus o sabe. Deus permite o mal no mundo, pois, para respeitar a liberdade humana e porque pode tirar deste mal um bem ainda maior: eis as linhas gerais da resposta cristã. Que – vale salientar, antes que comecem os protestos dos ateus que não a aceitem – não é de modo algum uma demonstração da existência de Deus, mas sim uma alternativa a Epicuro que se propõe a eliminar o paradoxo por ele introduzido na definição de Deus.

E se o mundo “sempre existiu” – pode perguntar, por último, o nosso ateu – e não precisar, portanto, de ter sido criado em um dado momento? E se a ciência demonstrar que a matéria, ao menos em suas partículas elementares, não pode ser destruída e, portanto, tudo indica que ela “sempre existiu” mesmo? Para a teologia, isso à primeira vista não apresenta nenhum problema, porque [p.ex.] o inferno “sempre existiu” e vai existir para sempre e, nem por isso, a gente prescinde de Deus para criá-lo. Portanto, em uma resposta sucinta: se as coisas criadas “sempre existiram” – coisa que julgo muitíssimo pouco provável e que nem sei se é ortodoxa, admitindo aqui apenas para argumentar com o nosso ateu imaginário -, mesmo assim, pelo simples fato de serem criadas, elas precisam de um Criador.

A menos que elas fossem “incriadas”, mas a falsidade disso é empiricamente constatável. As coisas visíveis estão em constante movimento, degeneram-se, mudam, transformam-se: percebe-se que falta algo a elas, algo de onde elas possam tirar o próprio ser, que nelas sempre se apresenta… mutável. Os teístas, ao contrário do que devem pensar os ateus, não multiplicam os elos da corrente sem necessidade: se, ao investigar a Causa das causas, nós não paramos no Universo e damos um passo além para chegarmos a Deus, é porque o Universo não atende aos requisitos necessários para ser Causa Não-Causada, e não porque queiramos “multiplicar os entes” sem motivos.

A Fé, portanto, pode trazer argumentos em sua própria defesa e, se não os consegue erigir em demonstração matemática, é porque a natureza do objeto estudado é diferente e não o permite. A descrença, via de regra, resume-se a caluniar a Igreja Católica, “refutar” inadequadamente os argumentos em favor da existência de Deus, e apresentar considerações que tampouco se apresentam com a clareza de uma demonstração matemática. Os ateus, portanto, não provam as suas próprias teses da maneira que exigem que os teístas provem as suas. Podem optar por elas? Poder, podem (embora seja imprudente: lembrem-se de Pascal…), mas precisam entender que não são o baluarte do racionalismo contra as trevas religiosas, dado que a sua descrença é também culturalmente influenciada e não existe demonstração definitiva alguma da veracidade de suas teses.

O agnóstico ateu

[Texto anterior: A cultura atéia]

O agnóstico ateu

Como já foi colocado, uma coisa é não saber que Deus existe; outra, bem diferente, é saber que Deus não existe. O agnóstico pode afirmar a primeira; a segunda, no entanto, afirma-a o ateu. Se o agnóstico pode alegar em sua defesa a ausência de provas da existência de Deus, o ateu, no entanto, para embasar a sua afirmação peremptória, precisaria prová-la. A questão que se coloca, por conseguinte, é: como provar que Deus não existe?

Não dá para provar que Deus não existe. Desconheço até mesmo qualquer tentativa atéia de fazê-lo: todas as justificativas dos ateus para mostrar como é “racional” a sua posição resumem-se a [tentar] refutar os argumentos em favor da existência de Deus. Ora, em boa lógica, todo mundo sabe que a refutação de um argumento é somente a refutação do argumento, e não da tese; Schopenhauer até elenca entre os estratagemas da sua dialética erística [cf. “Como vencer um debate sem precisar ter razão”] um que consiste em tomar a prova de uma certa coisa por esta coisa em si. Em poucas palavras: “refutar” um argumento que se proponha a demonstrar a existência de Deus não é a mesma coisa de refutar a existência de Deus. Isso é claro. Mas muitos ateus não o percebem ou, se o percebem, agem como se não houvesse uma grande diferença entre uma coisa e outra.

Tomemos um agnóstico: um sujeito que se abstém de decidir pela existência ou inexistência de Deus, por considerar que não é possível saber se é verdade uma coisa ou a outra. Aceitemos – vá lá! – que uma mente aleijada graças ao envenenamento pela cultura descristianizada da qual falávamos anteriormente seja, de fato, incapaz de saber que Deus existe. O que ele deve fazer? A resposta correta para este dilema foi enunciada de maneira lapidar pela famosa “aposta de Pascal”: se não dá para saber se Deus existe e se, entre as duas posições a serem tomadas, uma delas fica entre ganhar tudo (caso esteja certa) e não perder nada (caso esteja errada) e, a outra, entre não perder nada (caso esteja certa) e perder tudo (caso esteja errada), é muito mais razoável “apostar” pela primeira, isso é, que Deus existe. Nós fazemos isso o tempo todo nas nossas vidas: ninguém tira órgãos para transplante de alguém que não se sabe se está morto, ninguém contrata um engenheiro que não se sabe se é formado em engenharia, ninguém liga um aparelho eletrônico de 110v em uma tomada que não se sabe se é 110v ou 220v, etc. É também famoso o princípio do Direito que diz que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu: in dubio pro reo. Ora, se nessas coisas mais simples a prudência manda optar por aquilo que vai causar o maior bem e/ou evitar o maior mal, mesmo que não se tenha certeza, por que motivo haveríamos de agir diferente quando a nossa incerteza é sobre uma coisa tão crucial quanto a existência de Deus?

Um agnóstico razoável, portanto, deveria acreditar que Deus existe, mesmo que estivesse convencido da impossibilidade de demonstrá-lo. Só que eu nunca vi um agnóstico agir dessa maneira: todos eles agem como se Deus não existisse, comportando-se na prática como se fossem realmente ateus. O ateísmo é uma escolha muito séria, que não pode deixar margem para dúvidas – lembremo-nos de Pascal. Portanto, um ateu que tenha consciência do que está fazendo precisa estar certo de que Deus não existe, sob pena de estar correndo um risco que ninguém em sã consciência ousaria correr. Dado, contudo, que não dá para demonstrar a inexistência de Deus, existe uma pergunta que não quer calar: de onde vem a certeza dos ateus?

Espantar-nos-ia constatar que ela não vem de lugar nenhum? É mera crença, que se impõe ao intelecto sem necessidade de demonstrações. Mera crença, que pode ter diversas explicações – desde a confusão acima mencionada entre a refutação da demonstração e a da tese, passando por problemas morais à aceitação da idéia de que existe um Deus, até puro preconceito, incompreensão do problema da existência do mal ou outros obstáculos intelectuais, etc. -, mas nunca razões verdadeiras. Aliás, diga-se de passagem, ao contrário da Fé, que sempre pode aduzir razões em seu favor…

Temos, portanto, que os “argumentos” em desfavor da existência de Deus poderiam conduzir no máximo ao agnosticismo, mas nunca ao ateísmo. Não obstante, vemos o tempo inteiro ateus encherem o peito para explicarem a sua opção por caminhos que a ela não conduzem de nenhuma maneira! Não se passa do agnosticismo ao ateísmo sem ser por meio de uma crença gratuita e irracional. Não deixa de ser irônico que todo o edifício construído pelos paladinos das luzes contra o obscurantismo medieval esteja assentado sobre bases tão frágeis como estas.

A cultura atéia

[Texto anterior: O nascimento de um ateu]

A cultura atéia

Sem pretensão de oferecer uma análise exaustiva da descristianização da nossa cultura, aponto três aspectos dela em particular que, no meu entender, muito colaboram para a proliferação dos ateus no mundo contemporâneo: os ataques à Igreja Católica, o desprezo da boa filosofia e o crescente progresso científico dos últimos séculos.

A Igreja Católica é a Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, é – fora de quaisquer dúvidas – a maior e mais eloqüente testemunha de que existe, indubitavelmente, um Deus que Se deixa alcançar pelos seres humanos por Ele criados. Lembro-me de que, há alguns anos, um amigo meu – católico convicto, convertido do protestantismo – disse que, caso a Igreja Católica não fosse verdadeira, ele seria ateu, porque então nada existiria. Há muito de verdade nesta frase, porque a Igreja reúne em Si a totalidade de tudo aquilo que é verdadeiramente espiritual; ora, se até mesmo a Igreja Católica for falsa, então todo o resto é também falso. A Igreja é o verdadeiro alvo das campanhas que tentam banir Deus da nossa cultura, exatamente porque os que fazem isso sabem perfeitamente que, caindo a Igreja, cai toda a religião – dado que em todas as demais religiões nada existe de verdadeiro que não pertença, por direito, à Igreja Católica e Apostólica.

A mais eficaz maneira de conduzir as pessoas ao ateísmo é, portanto, desacreditar a Igreja Católica, maior prova da existência de Deus que pode ser encontrada no mundo visível, dado que é obra fundada pelo próprio Deus. É por isso que, num mundo onde o catolicismo é menosprezado, onde os mais variados rótulos odiosos são aplicados à Igreja, onde Ela é alvo constante de um tão grande número de ataques que se torna tremendamente difícil encontrá-La por debaixo da poeira levantada pelos projéteis contra Ela atirados, o ateísmo pode crescer. Se a Igreja é falsa, tudo o mais é falso: os ataques à Igreja fornecem, portanto, excelente matéria-prima para o nascimento dos ateus.

O desprezo à boa filosofia vem engrossar as fileiras dos que militam pela descristianização da cultura ocidental. Também aqui não tenho tempo e nem tampouco competência para uma análise profunda, mas desejo apenas dar uma pincelada sobre o assunto: é francamente de se espantar o desdém que a nossa cultura nutre pela metafísica, como se fosse coisa de pouca monta, ou como se se resumisse a devaneios de desocupados, ou como se estivesse no campo das meras opiniões particulares! Como se as grandes mentes da humanidade que ao longo dos séculos se tivessem debruçado sobre estes problemas tivessem apenas desperdiçado tempo e energia.

Quando acontece de alguém ler, p.ex., as Cinco Vias de Santo Tomás de Aquino e pretender ser capaz de “refutá-las” com meia dúzia de argumentos simplórios (como se ninguém tivesse sido capaz de pensá-los até o século XX!), uma pessoa dessas certamente não entende o que está em discussão. Ou ela não sabe a quê se propõe a metafísica – que não é a mesma coisa de um experimento de laboratório, vale salientar – ou não lhe concede valor. Tomemos um exemplo da primeira opção: demonstra-se a existência de um Criador a partir das coisas criadas. Quando se percorre a seqüência até o fim e se chega ao Não-Criado, e um dos “refutadores” de Santo Tomás aplica a Navalha de Ockham (!) para “eliminar um passo” e dizer que o próprio Universo [p.ex.] pode ser incriado… o que dizer? É óbvio que o Universo não pode ser “incriado”, não pode ser o Primeiro Motor Imóvel simplesmente porque… ele (é empiricamente constatável) se move, se transforma, é contingente! Se uma pessoa não percebe isso, então ela não entende o que está discutindo. Aristóteles e Santo Tomás revirar-se-iam no túmulo caso vissem a qualidade dos “filósofos” que os desafiam!

Pode-se também não conceder valor à metafísica por achar que todo conhecimento digno deste nome é o dito “científico”. A única realidade existente – ou pelo menos a única digna de atenção – seria aquela mensurável em laboratório e reprodutível in vitro. Tal ilusão é fruto do deslumbramento provocado pelo progresso da ciência e pelos benefícios dele advindos. Não que o progresso em si seja uma coisa ruim – de modo algum, é excelente. Mas a má-formação filosófica das pessoas, como foi dito acima, faz com que elas passem a idolatrá-lo! E isso, sim, é inaceitável. É como se elas ouvissem: “ouve, ó século XX! A Ciência é o único conhecimento, e fora d’Ela não há nenhum outro”. Comportam-se, então, como sacerdotes de um novo culto intolerante, e não aceitam que haja mais nada para além dos limites da Deusa-Ciência. A caricatura não é exagerada, pois muitos comportam-se [à parte a terminologia] exatamente assim.

Eis, pois, em linhas gerais (mais não exaustivas), a cultura que propicia e enseja o surgimento de ateus: privados da Igreja Católica, amputados da sã filosofia e deslumbrados com os avanços da ciência, os homens findam por cair na descrença. O progresso científico provocou um terrível fascínio nas almas daqueles que não conseguiam mais enxergar a Verdadeira Igreja nem sabiam mais a arte do bom pensar, fascínio semelhante àquele que os fenômenos naturais provocavam nos povos primitivos: um e outro degenerou em uma crença irracional.

Ao me referir ao ateísmo falo em “crença”, sim, porque existe uma passagem nada sutil entre o agnosticismo e o ateísmo, mas que no entanto quase todo mundo realiza sem lhe dar a menor importância. É sobre ela que pretendo falar um pouco agora.