Nossa Senhora de Coromoto

Recebi hoje por email: Surpreendentes descobertas na imagem de Nossa Senhora de Coromoto, padroeira da Venezuela. Eu não conhecia a história; mas é certo que, sofrendo a Venezuela o que sofre, o país precisava, sem dúvidas, de uma especial proteção da Virgem Santíssima.

Nossa Senhora de Coromoto. Padroeira da Venezuela. Tem um artigo sobre Ela em Catolicismo. Tem outro na ACI. A história me lembrou a de Nossa Senhora de Guadalupe. Em ambos os casos, a Virgem apareceu a um índio. Em ambos, provocou inúmeras conversões. Em ambos, deixou uma imagem que até hoje existe. Mas, em Coromoto, o índio ao qual Ela apareceu não era batizado: a este, a “Mãe de Deus dirigiu-lhe a palavra na língua nativa dele, recomendando-lhe que fosse viver junto aos brancos para ‘poder receber água sobre a cabeça e assim poder ir ao Céu'” (Catolicismo).

E as análises científicas feitas na imagem de Nossa Senhora de Coromoto revelaram coisas muito semelhantes àquelas que sabemos sobre a imagem de Guadalupe: “estudando o olho esquerdo [da imagem] através do microscópio[, os especialistas] puderam discernir um olho com características humanas. Nele os especialistas diferenciaram com clareza a órbita ocular, o conduto lacrimal, o iris e um pequeno ponto de luz nele. Mas, a surpresa estava começando. Maximizando o ponto de luz os especialistas julgaram detectar uma figura humana que se assemelha muito à de um indígena”.

Que seja em nosso favor a Virgem Soberana. Que Ela nos livre do inimigo, com o Seu valor.

Cidade dos Homens, Cidade de Deus

Não tenho tempo nenhum para traduzir este interessante texto, de um jesuíta que leciona filosofia política em Georgetown, sobre a Caritas in Veritate. Apenas um período: “Assim, [a] Caritas in Veritate é uma encíclica social que não se resume a uma abordagem sobre ‘problemas sociais’, mas é uma reorientação [refocusing] do plano de nossa salvação em sua integridade, que toma lugar na arena de nossas vidas reais, em cidades de todas as constituições. Trabalhamos com o que nós temos. Fomos feitos para a vida eterna, a vida da Trindade, [concedida-nos] como um dom”.

E trago também, para comparação, algumas linhas que Daniel-Rops escreve sobre a Cristandade Medieval:

A “Cidade da Terra” encontra o seu sentido em função da “Cidade de Deus” que ela prepara. Como se vê no afresco de Santa Maria Novella, estão vinculadas uma à outra. Todos os batizados constituem desde já, na terra, uma entidade viva, fraternal, harmonizada pelos mesmos princípios, unida num mesmo esforço. Essa entidade recebe agora um nome: chama-se Cristandade.

[…]

O que é então a Cristandade no momento em que atinge o seu pleno desenvolvimento, isto é, no século XII? Dependendo da perspectiva de que se olhe (do céu ou da terra), podem-se dar duas definições, ambas solidárias. Em sentido lato, a Cristandade é o conjunto de homens regenerados por Cristo, que aspiram ao seu reino; em sentido estrito, é a sociedade dos cristãos enquanto vivem na terra e buscam fins temporais, partindo, porém, da base de que esses fins devem ser ultrapassados e realizados em Deus. A Cristandade é, portanto, um povo, a linhagem que nasceu de Cristo, que se nutre dEle e se dessedenta no seu sangue. É uma “nação”, uma comunidade que não está necessariamente ligada a um quadro geográfico e na qual todos os membros se sentem em sua própria casa. É uma sociedade, populus christianus, em que todas as desigualdades sociais e profissionais devem conciliar-se. É, enfim, uma pátria, por cujos interesses cada membro deve estar disposto a sacrificar a vida.

Fonte: A Igreja das Catedrais e das Cruzadas, Daniel-Rops, Ed. Quadrante, 1993, págs. 39-40.

Um afresco florentino – Daniel-Rops

[Fonte: sumateologica.wordpress.com

Belas linhas que estão logo no início do terceiro volume da História da Igreja de Cristo do Daniel-Rops. Quando li o texto, não encontrei a imagem à qual o historiador francês se referia; topei com ela hoje na internet, e reproduzo-a aqui. Cliquem para ampliar, é enfaticamente recomendado.

Uma nota de rodapé neste capítulo fala que foi diante deste quadro que um historiador agnóstico lamentou não existir em nossas dias “uma instituição fundada sobre a fé na unidade fraterna do gênero humano sob a paternidade de Deus”. Quanto mais nós, que temos Fé, não sentimos falta do tempo “em que a Filosofia do Evangelho governava as nações”, como disse Leão XIII! Rezemos ao Altíssimo, para que tenha misericórdia de nós e, após tudo o que foi perdido, que Ele não Se afaste da humanidade pecadora.]

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Um afresco florentino

Numa das paredes da sala do capítulo, no convento dominicano de Santa Maria Novella, em Florença, há um afresco diante do qual a maioria dos visitantes passa apressadamente e que, no entanto, se presta a uma inesgotável reflexão. Intitulam-no “os cães de Deus”, por causa dos molossos malhados de branco e negro que, na parte inferior do quadro, combatem uma horda de lobos. Na verdade, porém, esta batalha significa algo mais que a luta dos domini canes, dos filhos de São Domingos, contra a terrível matilha de tentações, pecados e heresias que ronda ininterruptamente a pobre humanidade. Seu autor, Andrea de Firenze, não é um mestre de primeira fila; a sua obra não poderia ser comparada aos Duccio, aos Ghirlandaio, aos Orcagna ou aos assombrosos Paolo Uccelo que, a dois passos dali, a ofuscam. Contudo, talvez nenhum outro artista cristão tenha sabido captar melhor do que ele, utilizando apenas alguns metros quadrados de superfície mural, tudo o que uma sociedade inteira quis, sonhou e tentou realizar na terra. Plasmada numa composição única, resume-se nesse afresco a síntese de uma civilização, tal como ela própria se concebeu.

Em primeiro plano vê-se o Papa, de pé, revestido de serena majestade, representante visível dos poderes do alto. A seu lado, quase da mesma altura, o Imperador, que diríamos estar com ele em plano de igualdade se não trouxesse nas mãos uma caveira, lembrando que os domínios da terra perecem, ao passo que os do céu não passam. De cada lado, dispõem-se, numa hierarquia estrita, os cargos religiosos e as dignidades laicas: cardeais, bispos e doutores à direita, e à esquerda reis, nobres e cavaleiros. Na base, o rebanho inumerável dos fiéis, ricos e pobres, piores e melhores, todos aqueles que levam para diante na terra a aventura humana do destino e do combate cotidianos. Estão representadas todas as categorias sociais, e cada uma ocupa o seu lugar nesta ordem, cada uma tem um papel a desempenhar. Qual? A obra indica-o por meio de dois símbolos, pois trata-se de uma dupla tarefa: concretamente, edificar com meios humanos a Igreja da terra, a assembléia dos batizados, cuja imagem visível é a recém-construída cúpula de Florença que se ergue no fundo da pintura; e sobrenaturalmente, participar da Igreja mística, transcender as misérias e as insignificâncias da terra, para elevar-se, ao longo do árduo caminho pelo qual avançam as filas dos eleitos, até o trono inefável em que Cristo, o Deus vivo, reina sobre o mundo, entre os cânticos dos anjos e as preces dos santos.

Esta grandiosa imagem, que por uma coincidência irônica o artista florentino pintou em meados do século XVI, ou seja, quando já deixara de corresponder à verdade, foi a imagem que dez gerações de homens albergaram no coração como o ideal de sua existência, como um desígnio e uma promessa, e tentaram transformar em realidade com o seu sangue e os seus esforços. Esta visão do mundo explicava-lhes tudo o que deviam fazer na terra e esperar do além; mostrava-lhes a humanidade perfeitamente ordenada, submetida a Deus, dirigida pelos seus mandamentos, regida por leis justas. Fazia-os compreender que não havia nenhuma instituição válida que não se encontrasse inserida no quadro das intenções divinas e não devesse ajudar o homem a ascender ao céu. Tudo possuía uma finalidade, um sentido, uma razão de ser; a aventura dos mortais não parecia nem absurda nem desesperadora, e cada um sabia por que trabalhava, sofria, vivia, e também porque devia morrer. Imagem grandiosa que a humanidade bem podia apreciar com nostalgia, num momento em que perdeu o sentido do porquê e do como, num momento em que procura inutilmente reencontrar a sua escala de valores e em que o abandono desse ideal se traduziu para ela num trágico caos.

A primavera da Cristandade

Durante três séculos – entre 1050 e 1350, aproximadamente -, a concepção do mundo que prevaleceu foi essa noção de Cristandade. Formou-se lentamente, à custa de sangue e lágrimas, e foi-se também perdendo aos poucos. Por trezentos anos impôs a sua lei, e, evidentemente não por acaso, foi esse talvez o período mais rico, mais fecundo e, sob muitos aspectos, mais harmonioso de todos os que a Europa conheceu até os nossos dias. Saindo das trevas invernais da época bárbara, a humanidade cristã viveu a sua primavera.

O que inicialmente impressiona a quem analisa o conjunto destes trezentos anos é a sua riqueza de homens e de acontecimentos. À semelhança da seiva que jorra por todos os lados na primavera, tudo parece agora germinar e desabrochar numa abundância de folhagem sobre o solo batizado por Cristo. Em todos os âmbitos se manifesta o fervor criativo, a exigência profunda de empreender, de encaminhar a caravana humana para o futuro. Os mais minuciosos quadros cronológicos não seriam suficientes para captar este impulso. Constroem-se catedrais; parte-se para a conquista do Santo Sepulcro, da Espanha que ainda se encontra submetida ao poder mouro, das regiões bálticas ainda pagãs; nas universidades, discutem-se as grandes questões humanas; escrevem-se epopéias, criam-se mitos eternos; milhares de pessoas transitam pelas rotas de peregrinação; no ímpeto de descobrir o mundo, chega-se até o secreto coração da Ásia; elaboram-se novas formas políticas… E tudo isso simultaneamente, num ardor de vida em que todos os acontecimentos se precipitam e interagem, numa complexidade que desencoraja por antecipação quem quiser abarcá-la.

Este impulso prodigioso, contudo, não é uma improvisação de frágeis resultados, não desemboca numa dessas florações prematuras que os primeiros ventos de abril lançam ao chão. Traz frutos, e que frutos! Perto de algumas criações mais imperecíveis que o gênio europeu produz nesta época, as mais ousadas obras modernas tornam-se irrisórias. É o tempo das altas naves góticas, do Pórtico Real de Chartres e das fachadas de Reims e de Amiens, dos vitrais da Sainte-Chepelle e dos afrescos de Giotto. É o tempo em que se erguem, paralelamente aos edifícios de pedra e como eles desafiando os séculos, essas catedrais de sabedoria que são a mística de São Bernardo e a de São Boaventura, a Suma Teológica de São Tomás, as canções de gesta, a obra profética de Roger Bacon e a de Dante. É o tempo ainda em que nascem instituições, tanto religiosas como civis, que servirão de base às gerações futuras, como o Conclave dos cardeais, o Direito Canônico e as diversas formas de governo. Insigne fecundidade. Somente os séculos de Péricles, de Augusto e de Luís XIV podem rivalizar em poder criativo com este período de tempo que vai de Luís VII da França à morte do seu bisneto São Luís, da eleição de Inocêncio II à de São Celestino.

É claro que semelhante fecundidade pressupõe uma enorme riqueza de talentos. A Europa dá-nos a impressão de ter possuído nesta época, em todos os âmbitos, personalidades de primeira ordem, com uma abundância que não voltaria a encontrar depois. A lista é infindável. São os santos, cujo valor de exemplo e de irradiação se mostram admiráveis: São Bernardo, São Norberto, São Francisco de Assis, São Domingos, que podemos citar entre centenas. São os expoentes do pensamento: Santo Anselmo, São Boaventura, São Tomás de Aquino, e Abelardo, e Duns Escoto, e Bacon, e Dante… São os artistas geniais, os inventores de técnicas e os criadores de formas, mestres e artistas cujos nomes estamos longe de conhecer em muitos casos. São homens de Estado, eminentes pela sua sabedoria, como Filipe Augusto ou São Luís, ou pela profundidade da sua visão política, como grande Frederico Barba-Roxa e o inquietante Frederico II. São os chefes guerreiros à testa de tropas imensas, desde  Guilherme o Bastardo, que conquistou a Inglaterra, e os seus primos, que instalaram no sul da Itália a dominação normanda, até os grandes cruzados, um Godofredo de Bulhões e um Balduíno, ou aqueles que, com o Cid Campeador, travaram na Espanha batalhas semelhantes. Não faltam representantes das mais altas categorias, os que fazem progredir a humanidade: escritores, escultores, músicos, sábios, juristas. E qualquer outra categoria que citemos possuirá, entre 1050 e 1350, nomes que a posteridade há de respeitar. E no cimo destas nobres coortes, vemos os papas, muitos dos quais foram personalidades excepcionais, quer se trate de um Gregório VII ou de um Inocêncio III.

Os empreendimentos, os conflitos e até os dramas em que estes homens se envolveram trazem também  sinal da grandeza. Há períodos da história em que os acontecimentos têm qualquer coisa de mesquinho: os tempos merovíngios, por exemplo, ou os do desmembramento do Império de Carlos Magno. Durante os três séculos da Baixa Idade Média, porém, tudo transcorre de outro modo: a Cruzada é uma empresa grandiosa, mas também o é a invasão mongol, apesar da sua crueldade e violência, ou a própria entrada em cena dos almorávidas na Espanha. E mesmo nas desastrosas lutas entre o papado e as potências terrenas, subsiste uma intensidade dramática que atinge a dimensão de um confronto decisivo entre duas concepções do mundo.

Mas esta época dá a impressão de ordem e equilíbrio tanto como de vitalidade e de frondoso desabrochar. As instituições políticas e sociais, bem como o sistema econômico, surgem como entes concretos e reais, proporcionados à estatura do homem. Não se observa neles essa tendência para o desmedido e para a abstração desumana que caracteriza o mundo moderno. Toda essa época assemelha-se à sua mais bela criação – a Catedral -, cuja infinita complexidade e cujos múltiplos aspectos testemunham um caudal inesgotável, mas que obedece a uma evidente ordem preestabelecida, graças à qual o conjunto ganha o seu sentido e cada detalhe o seu alcance.

Muitos filósofos da história, de Oswald Spengler a Toynbee, pensam que as sociedades humanas, à semelhança dos seres individuais, obedecem a uma lei cíclica e irreversível que as faz percorrer estágios bastante parecidos aos da infância, juventude, maturidade e velhice do ser fisiológico. Se tais comparações são válidas, é indubitável que, ao longo destes três séculos, a humanidade cristã do Ocidente conheceu a primavera da vida, a juventude, com tudo o que esta traz consigo de vigor criativo, de violência generosa e por vezes inútil, de combatividade, de fé e de grandeza.

Fonte: A Igreja das Catedrais e das Cruzadas, Daniel-Rops, Ed. Quadrante, 1993, pág. 9-13.

Vício, Virtude, Totalitarismo

Virtude x Vício, texto muito bom publicado hoje no Estadão. Já falei aqui por outras vezes que existe um processo – no meu entender, deliberado – de substituição da Moral Católica, no inconsciente popular, por uma “moral” arbitrária e estranha ao catolicismo; felizmente, parece que não estou sozinho, porque o professor de Filosofia que assina o texto do Estado de São Paulo diz que “[o] politicamente correto apresenta-se, então, como se fosse, moralmente falando, uma forma do bem que estaria enfrentando o mal, no caso, o mau comportamento”.

O professor Denis Lerrer Rosenfield não fala especificamente sobre o cigarro, embora o inclua expressamente; fala também sobre o álcool e alguns alimentos “considerados daninhos ao organismo”. O problema de fundo é o mesmo – a demonização de uma coisa que, em si, é neutra, por causa dos efeitos maus indesejados advindos do seu uso – e tem tudo a ver com a “síndrome de Paulo Cintura” sobre a qual julgo já ter falado algures: a máxima “saúde é o que interessa, o resto não tem pressa” parece ter se transformado em um axioma incontestável dos tempos modernos. Todo católico sabe que saúde interessa, sem dúvidas, mas não é o que mais interessa; a salvação da própria alma é muitíssimo mais importante, por exemplo. Fazem-se, no entanto, de surdos e mudos diante da imposição do culto ao corpo hodierno.

A análise do texto não é do ponto de vista meramente moral, mas principalmente histórico e político. Fala que esta ingerência estatal nos hábitos dos cidadãos remonta à Alemanha Nazista. “A propaganda nazista não cessava de apregoar a virtude de seus dirigentes, ressaltando que Hitler era antitabagista, enquanto seus inimigos, como Churchill, Roosevelt e Stalin, eram adeptos do fumo, o primeiro, de charutos e os outros dois, de cigarros. […] Na perspectiva nazista, assinalada em sua propaganda, Hitler era um homem virtuoso, que se dedicava a combater o vício, enquanto os seus adversários eram capitalistas ou comunistas degenerados, frutos de uma civilização decadente. Tratava-se, portanto, para ele, de fazer um resgate da virtude, em contraposição aos que se dedicavam ao vício”.

Aqui, falo eu: se Estado arvora-se em guardião da moralidade dos atos – papel que, absolutamente, não compete a ele -, é realmente espantoso que tal Estado torne-se, mais cedo ou mais tarde, totalitário? Não é óbvio? Quem pode o mais, pode o menos: se até mesmo nas consciências e liberdades individuais o Estado pode imiscuir-se, e tal atitude é referendada pelo silêncio ou até mesmo apoio entusiasta dos cidadãos, como será possível impedi-lo de se meter em demasia nas relações sociais, na produção intelectual, nas atividades econômicas, na liberdade religiosa? Se o Estado é guardião do vício e da virtude, e a tal ponto que é capaz não apenas de combater o primeiro e favorecer o segundo, mas de definir mesmo o que é vicioso e o que é virtuoso… como escapar do monstro?

Caiu a Alemanha Nazista com o seu Führer vegetariano e anti-tabagista; no entanto, o saldo foi bastante negativo. Ao fim da Guerra, entre outras coisas, os alemães que se libertaram do jugo de Hitler adquiriram novamente o direito de comer gordura, beber e fumar. Não pensemos que é pouca coisa; foi com a supressão destes simples direitos – que, aliás, pressupõe poderes estatais nada simples e nada pequenos – que começou a ascenção do III Reich. Defendamos o que precisa ser defendido, por pequeno que pareça; a história é testemunha de que grandes erros iniciam-se sempre com [aparentemente] pequenos desvios.

Ligeiros comentários

– Foi publicado o já esperado motu proprio do Papa Bento XVI, que une a Comissão Ecclesia Dei à Congregação para a Doutrina da Fé. Ecclesiae Unitatem; em italiano no site do Vaticano e em português [tradução não-oficial] no Fratres in Unum. Merece melhores comentários, que faço depois.

– A bíblia mais antiga do mundo foi digitalizada. O Codex Sinaiticus está disponível na internet. Estranhamente, agora estou recebendo uma mensagem de erro que diz Der Objektverweis wurde nicht auf eine Objektinstanz festgelegt, o que deve ser algum problema de conexão com o banco de dados que espero estar resolvido em breve. Deu para perceber que o Codex contém apócrifos como o Pastor de Hermas.

Record quer estrear Gugu com padre e show em estádio. “Esta seria uma forma de mostrar que o apresentador, católico, terá liberdade dentro da emissora de Edir Macedo, líder da Igreja Universal”. Padre Marcelo na Record? O catolicismo de Augusto Liberato? Liberdade na emissora do Edir Macedo? É cada uma…!

Galileo, Fé e Ciência

I documenti vaticani del processo di Galileo Galilei; é o nome do livro sobre o cientista cuja nova edição foi apresentada ontem na Sala de Imprensa da Santa Sé. Foi Dom Sergio Pagano, prefeito do Arquivo Secreto Vaticano, o responsável por ela. Na opinião do prelado Vaticano: “O caso de Galileu ensina a ciência a não se considerar professora da Igreja em matéria de fé e de Sagradas Escrituras […]. E, ao mesmo tempo, ensina a Igreja a abordar os problemas científicos – também os relacionados com a mais moderna pesquisa sobre as células estaminais, por exemplo – com muita humildade e circunspecção”.

Eu nunca entendi a súbita “canonização” de Galileo. Desculpas, estátuas em sua homenagem, congressos, livros… tudo isso sempre me pareceu francamente exagerado. O “Caso Galileo” é precisamente um exemplo de como não devem ser as relações entre cientistas e religiosos, vá lá, e é importante aprender com os erros de antigamente; mas, como em tudo o que se refere à Igreja Católica, o que o mundo exige d’Ela é um aprendizado de mão única. “Galileo estava certo, a Igreja estava errada”.

Veja-se, p.ex., a intervenção do prefeito do Arquivo Secreto Vaticano: ensinar à ciência… ensinar à Igreja. A primeira parte, sem dúvidas, vai ser completamente descartada. Não sei como foi que a segunda ainda não ganhou manchetes mundo afora, do tipo “Igreja precisa aprender com Galileo, segundo prelado vaticano” ou qualquer outro título cretino como os que estamos acostumados a ver quando o assunto é a Igreja Católica. E, pra ser sincero, ao mesmo tempo em que eu não entendia a rasgação de seda, achava a idéia perigosa.

Perigosa, sim. Veja-se a declaração que Dom Pagano teve a capacidade de dar: a Igreja precisaria examinar as pesquisas científicas com células estaminais com muita humildade e circunspecção – isso dito, registre-se, em alusão ao “mártir da Ciência”! Será que é preciso ser paranóico para perceber a insinuação de que o ensino moral da Igreja sobre a inviolabilidade da vida humana “desde a concepção até a morte natural” estaria no mesmo saco das querelas científicas renascentistas? Esta inferência por acaso é verdadeira? Toda a louvação ao astrônomo italiano feita nos últimos anos não induz inexoravelmente a estas conclusões? Isso não é mais do que previsível? O que se pretende, portanto, com o revisionismo eclesiástico sobre Galileo?

As relações entre Fé e Ciência são obviamente sempre harmoniosas, porque a Fé e a Razão binae quasi pennae videntur quibus veritatis ad contemplationem hominis attollitur animus. O mesmo não se pode dizer, infelizmente, das relações entre os cientistas e os religiosos. Não há nenhuma novidade nisso. Importa, sim, sem dúvidas, aprender com a História, mas isso não pode ser feito de modo que aparente ser uma capitulação da Igreja ante os famosos do mundo; porque, neste caso, estar-se-ia agravando a falsa discrepância entre Fé e Ciência ao invés de a sanar…

Miscelânea de véspera de feriado

Mais coisas a comentar do que tempo para o fazer…

Manifesto do Silêncio, proposto pela ABRACEH, sobre o julgamento da psicóloga Rozangela Justino que foi remarcado para o dia 31 de julho de 2009. A ABRACEH também destaca a atividade do deputado federal Paes de Lira, que – entre outras coisas – conseguiu aprovar um requerimento para que houvesse uma audiência pública onde a própria dra. Rozangela, junto com “Joide Miranda (que deixou a condição de travesti), Claudemiro Soares (escritor do livro sobre abordagens terapêuticas para deixar a homossexualidade, ele mesmo tendo saído dela), além do Pastor Silas Malafaia e um representante da CNBB”, possam expressar o seu ponto de vista “acerca do Estatuto da Família e Leis da Homofobia”. Não sei a data desta audiência.

– Hoje é dia de São Thomas More e São João Fisher, mártires da Reforma Protestante na Inglaterra que não aceitaram o cisma de Henrique VIII. Vejam este texto e este outro sobre São João Fisher, junto com este e este sobre São Thomas More. E que os santos que não se dobraram diante do protestantismo possam interceder pela conversão dos hereges e cismáticos à única Igreja de Cristo.

Campanha pela santificação do clero brasileiro lançada pelo Veritatis Splendor. Nas atuais conjunturas chega às raias da utopia [possui coisas como “[q]ue os sacerdotes sejam absolutamente fiéis ao Magistério e valorosos defensores do Papa”, “[q]ue os sacerdotes ensinem a verdadeira DSI e a verdadeira moral, e deixem de favorecer a Teologia da Libertação” e “[q]ue os sacerdotes honrem o latim na liturgia e celebrem a Missa, mesmo na forma ordinária, em latim em suas igrejas”…], é forçoso reconhecer, mas precisamos rezar pelos nossos sacerdotes. Que a Virgem Santíssima consiga um portentoso milagre para esta Terra de Santa Cruz.

Presos dois homens acusados de intolerância religiosa. Protestantes da “Igreja Geração Jesus Cristo” (sic). É o primeiro caso de prisão por intolerância religiosa que ocorre no Brasil. A despeito de ser óbvio que ninguém pode invadir a casa dos outros e sair quebrando as coisas, a condenação está equivocada e pode abrir um perigoso precedente, porque caberia no máximo uma pena por invasão de domicílio e danificação de propriedade privada, não por “intolerância religiosa”. Guardadas as devidas e necessárias proporções entre os protestantes sem noção e os católicos de antigamente, destruir ídolos é em si uma coisa boa. Hernan Cortez o fez no México, e São Francisco Xavier, na Indonésia. Quando o Estado começa a se meter em questões religiosas, legislando sobre matéria que não tem competência, onde estão os defensores do Estado Laico?

FSSPX ordena treze novos sacerdotes nos Estados Unidos, “de surpresa”, em meio à polêmica sobre outras ordenações que estavam marcadas para o fim do mês; estas que geraram celeuma estão programadas para o dia 27 de junho, na Alemanha. Bom, o que dizer diante disso? Por um lado, cabe perguntar se não seria possível à FSSPX esperar um pouco e ter um mínimo de deferência ao Santo Padre que, não obstante esteja tratando com tanta benevolência os lefebvristas, ainda não conferiu status canônico algum à Fraternidade; por outro lado, talvez fosse utópico achar que uma simples canetada fosse transformar de repente a São Pio X em ovelha dócil e fiel ao Sucessor de Pedro. Estas ordenações provavelmente vão gerar ainda mais confusão. Rezemos pelo Papa, rezemos pela FSSPX.

Alguns mitos sobre as cruzadas, texto excelente disponível na Quadrante. “A atual visão a respeito das Cruzadas nasceu do Iluminismo do século XVIII. Muitos dos então chamados “filósofos”, como Voltaire, pensavam que a Cristandade medieval fora apenas uma vil superstição. Para eles as Cruzadas foram uma migração de bárbaros devida ao fanatismo, à ganância e à luxúria. A partir desse momento, a versão iluminista sobre as Cruzadas entrou e saiu de moda algumas vezes. As Cruzadas receberam boa imprensa e foram consideradas como guerras de nobreza (mas não de religião) durante o Romantismo e até o início do século XX. Depois da Segunda Guerra, contudo, a opinião geral voltou-se decisivamente contra as Cruzadas. Na esteira de Hitler, Mussolini e Stalin, os historiadores concluíram que a guerra por motivos ideológicos – seja qual for a ideologia em questão – é abominável”.

Sagrado Coração de Jesus e Ano Sacerdotal

Amanhã, sexta-feira, festa do Sagrado Coração de Jesus, será aberto o Ano Sacerdotal desejado por Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Esta devoção – cujo “fundamento (…) é tão antigo como o próprio cristianismo” (cf. Bento XVI apud pe. Claudiomar) – teve como grande propagadora Santa Margarida Maria Alacoque, no século XVII. Há uma curiosa história sobre esta santa e esta devoção, narrada por Plinio Corrêa de Oliveira:

As revelações do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, ocorridas em Paray-le Monial, na França, se verificaram durante o reino de Luiz XIV, glorioso sob tantos títulos, mas maculado pela incorreção dos costumes privados do soberano. Incumbiu Nosso Senhor a Santa Margarida Maria de fazer saber ao soberano que se quisesse evitar para seu país as maiores catástrofes, o consagrasse ele em pessoa, ao Sacratíssimo Coração de Jesus. O rei não deu ouvidos ao aviso, e o fato passou desapercebido. É curioso notar, entretanto, que na família real talvez a negativa de Luiz XIV tenha deixado uma impressão penosa, porque Luiz XVI, preso durante a Revolução, consagrou no seu cárcere a França ao Sagrado Coração de Jesus, a fim de libertar sua Pátria dos horrores da perseguição que sobre ela se abatia. Mas era tarde demais. A recusa de Luiz XIV havia afastado a possibilidade de se evitarem para a França os males que sobre ela vieram a cair. Por aí se vê como pode ferir a Nosso Senhor a recusa de um ato público e solene de piedade. E, neste caso, tratava-se de uma recusa muito menos grave do que a dos Estados leigos que, ao contrário da França de Luiz XIV, não reconhecem a Religião oficialmente, e erigem em norma habitual de conduta para com Deus o não cumprimento de seus deveres religiosos.

E, hoje, em Paris, há a Basilique du Sacré Coeur. Com uma placa contendo uma declaração do Parlamento Francês, dizendo ser “de utilidade pública a construção de um Templo em honra ao Sagrado Coração de Jesus” – ou algo assim, pois cito de memória. Foram necessários os horrores da Revolução Francesa para que a Cidade das Luzes desse ouvidos a Santa Margarida Maria Alacoque. Que nós nos empenhemos em divulgar esta devoção sem que precisemos passar pela mesma terrível experiência.

O Santo Padre escreveu uma carta aos sacerdotes para a proclamação do Ano Sacerdotal. Destaco:

Todos nós, sacerdotes, deveríamos sentir que nos tocam pessoalmente estas palavras que ele [São João Maria Vianney] colocava na boca de Cristo: «Encarregarei os meus ministros de anunciar aos pecadores que estou sempre pronto a recebê-los, que a minha misericórdia é infinita». Do Santo Cura d’Ars, nós, sacerdotes, podemos aprender não só uma inexaurível confiança no sacramento da Penitência que nos instigue a colocá-lo no centro das nossas preocupações pastorais, mas também o método do «diálogo de salvação» que nele se deve realizar. O Cura d’Ars tinha maneiras diversas de comportar-se segundo os vários penitentes. Quem vinha ao seu confessionário atraído por uma íntima e humilde necessidade do perdão de Deus, encontrava nele o encorajamento para mergulhar na «torrente da misericórdia divina» que, no seu ímpeto, tudo arrasta e depura. E se aparecia alguém angustiado com o pensamento da sua debilidade e inconstância, temeroso por futuras quedas, o Cura d’Ars revelava-lhe o segredo de Deus com um discurso de comovente beleza: «O bom Deus sabe tudo. Ainda antes de vos confessardes, já sabe que voltareis a pecar e todavia perdoa-vos. Como é grande o amor do nosso Deus, que vai até ao ponto de esquecer voluntariamente o futuro, só para poder perdoar-nos!». Diversamente, a quem se acusava de forma tíbia e quase indiferente, expunha, através das suas próprias lágrimas, a séria e dolorosa evidência de quão «abominável» fosse aquele comportamento. «Choro, porque vós não chorais»: exclamava ele. «Se ao menos o Senhor não fosse assim tão bom! Mas é assim bom! Só um bárbaro poderia comportar-se assim diante de um Pai tão bom!». Fazia brotar o arrependimento no coração dos tíbios, forçando-os a verem com os próprios olhos o sofrimento de Deus, causado pelos pecados, quase «encarnado» no rosto do padre que os atendia de confissão. Entretanto a quem se apresentava já desejoso e capaz de uma vida espiritual mais profunda, abria-lhe de par em par as profundidades do amor, explicando a inexprimível beleza de poder viver unidos a Deus e na sua presença: «Tudo sob o olhar de Deus, tudo com Deus, tudo para agradar a Deus. (…) Como é belo!». E ensinava-lhes a rezar assim: «Meu Deus, dai-me a graça de Vos amar tanto quanto é possível que eu Vos ame!».

Cor Iesu Sacratissimum,
miserere nobis!

Encerrando o dia

Revelado plano de Hitler para matar Pio XII. “Segundo Freytag von Loringhoven, nos dias 29 e 30 de julho de 1943, houve em Veneza um encontro secreto para informar ao chefe de contraespionagem italiano, o general Cesare Amè, da intenção do Führer de punir os italianos pela prisão Mussolini, com o sequestro ou o assassinato de Pio XII e do rei da Itália”. A reportagem original do Avvenire: Hitler voleva eliminare Pio XII.

Comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé sobre as anunciadas ordenações presbiterais da FSSPX: “não há nada a acrescentar ao que foi afirmado pelo Santo Padre em sua carta aos bispos da Igreja Católica no último dia 10 de março: (…) “Enquanto a Sociedade (de São Pio X) não tiver um status canônico na Igreja, seus ministros não exercem ministérios legítimos na Igreja (…) até que as questões doutrinais sejam esclarecidas, a Sociedade não tem status canônico na Igreja, e seus ministros (…) não exercem legitimamente nenhum ministério na Igreja”. As ordenações são, portanto, ainda consideradas ilegítimas”.

CNBB pede rapidez na aprovação do Estatuto da Igreja Católica. Enquanto isso, parlamentares divergem sobre o estatuto. A mesma lenga-lenga do “Estado Laico”, mas a pérola agora aventada é preciosa: “Eu sou contra porque não há um acordo entre dois estados que não se comparam: um é um estado teocrático e outro é um estado republicano”. São palavras do deputado Ivan Valente, do PSOL.

Juiz ordena prisão de padre e outros 5 pedófilos no México; reparem no título da matéria e no destaque que é dado ao “padre”. Na manchete, ele é pedófilo. Na primeira linha da reportagem, a conversa muda para “seis supostos pedófilos”. Diz ainda a reportagem que “após a detenção a Igreja Católica pediu que o religioso não fosse prejulgado”. Mas a presunção de inocência parece ser um princípio jurídico que não se aplica aos sacerdotes católicos.

– Esta tem mais a cara do Tubo de Ensaio: a Folha noticiou que cientistas revertem evolução e devolvem barbatanas a peixe. Darwin estava certo? Bom, o que os anti-clericais de todos os naipes precisam entender é que, ainda que Darwin esteja certo, isso não muda um milímetro a necessidade metafísica do Deus Criador. Derrubemos os espantalhos.