Küng, por obséquio, silêncio!

Meus caros, eu gostaria de começar esse post com uma sequência verborrágica de palavras que sem dúvida alguma passariam longe do decoro guardado neste blog durante todo este tempo. Procurando “papa” no motor de busca do site da Folha de São Paulo, encontrei a seguinte reportagem, a qual reproduzo por inteiro, com os devidos comentários em vermelho e entre colchetes:

Teólogo pede renúncia do papa após reabilitação de bispo que negou Holocausto [já começa a canalhice cedo, por dois pontos: primeiro, Williamson nunca negou o holocausto, simplesmente afirmou que os números são exagerados e questionou a existência de câmaras de gás. Segundo, o levantamento da excomunhão não tem nada, nada, nada a ver com a opinião política de quem quer que seja]

da Efe, em Berlim

O teólogo heterodoxo suíço Hans Küng pediu a renúncia do papa Bento 16 [o que diabos faz um teologozinho de meia-tigela pedindo a renúncia do Sumo Pontífice?] após o escândalo gerado pela reabilitação à Igreja Católica do bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto e recentemente teve sua excomunhão suspensa. [Agora, eu não sei o que a EFE escreveu, mas “suspender” excomunhão é o termo mais inadequado que eu já vi pra tratar do que fez o papa. A pergunta que não quer calar é o que significa, exatamente, suspender uma excomunhão? Ademais, novamente a imprensa foca todo o caso na — já falsa — acusação de que Williamson nega o holocausto (vide supra)!]

Para Küng, a reabilitação de Williamson é apenas um equívoco a mais na série de erros com os quais Bento 16 vem pondo novos obstáculos no diálogo que as Igrejas cristãs travam entrem si e com outras religiões. [quer dizer, a re-incomunhão do bispo Williamson — e não dos outros — é um erro constituinte de um novo obstáculo? E a re-incomunhão dos outros 3, não? Nem seguir o próprio pensamento o pobre consegue…]

“Primeiro, ele questionou se os protestantes formam uma Igreja. Depois, em seu infeliz discurso de Regensburg, chamou os muçulmanos de desumanos. E agora ofende os judeus permitindo o retorno à Igreja de um negador do Holocausto”, disse Küng em declarações ao jornal “Frankfurter Rundschau”. [Não há questionamento. A Congregação para a Doutrina da Fé tem um documento especificando que o nome que se dá às “igrejas” protestantes é “comunidade eclesial”. A má-fé se faz patente quando se atribui ao Papa a sua anuência ao conteúdo de uma citação, algo como se dissessem que eu estou a defender a renúncia do Papa ao publicar este excremento jornalístico travestido de reportagem! De novo, um delito canônico que tem a sua pena perdoada pelo Papa sequer tem nada que ver com judeu nenhum, quanto mais ofender alguém. A Santa Sé já repetiu ad infinitum a sua opinião sobre a Shoah…]

“É hora de substituí-lo”, acrescentou Küng, que foi companheiro do papa quando ambos eram professores de teologia católica na Universidade de Tübingen. [Claro! Afinal de contas, o papa é um jogador de futebol que não vem rendendo e incomodando a torcida, não a do seu time, não a do adversário, mas a dos torcedores do time de rugby da cidade de Jati, no Ceará! Ah! E o treinador é o sr. Küng!]

O Vaticano proibiu Küng de ensinar a teologia católica em 1980, depois que ele questionou o dogma da infalibilidade papal.

Desde então, teólogo heterodoxo suíço, que permaneceu dentro da Igreja Católica, mas sem poder atuar como padre, se dedica ao diálogo entre as religiões.

Já Williamson e outros três bispos seguidores do cismático ultraconservador Marcel Lefebvre foram reabilitados pelo papa há uma semana.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u496876.shtml

Quer dizer, a Folha já faz reportagens ruins sem ajuda de ninguém. Quando faz clipping de agências internacionais então.. Só sai besteira! Vejamos a entrevista do Hans Küng ao jornal La Repubblica, publicada pela comunistíssima ADITAL:

– Professor Küng, qual é a importância da revogação da excomunhão dos quatro bispos?

– Os significados fundamentais foram propostos pelo processo geral em curso. A questão da revogação da excomunhão dos quatro bispos, segundo minha opinião, sozinha, não é tão importante, mas tem um significado e deve ser vista e enquadrada no contexto geral de restauração. [So far, so good.]

– Qual o significado deste contexto geral e os últimos acontecimentos?

– No contexto geral os últimos acontecimentos são um sinal do contínuo enrijecimento do Vaticano, a contínua marcha para trás, a contínua sequência de passo após passo para trás. Penso em tomar uma posição mais clara sobre os acontecimentos neste contexto. Estou refletindo ainda como fazê-lo. [Enrijecimento só se for do prumo entre as colunas da Santíssima Virgem e da Eucaristia… Adivinha o que está no meio? O Papa! A marcha é, de certa forma, pra trás: é em direção à Unidade, cujo sinal visível é o próprio Pontífice!]

– Quanto é preocupante e sério este processo?

– É muito preocupante. Mas quero esperar ainda alguns dias para fazer ouvir a minha voz. [Tomara que os dias se tornem semanas, e as semanas, meses, e os meses, anos, até o fim dos séculos! Sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

– Mas quanto ao caso Williamson, fiéis e a opinião pública ainda estão chocados. O que o senhor pensa?

– Williamson é somente um aspecto do contexto geral. Não o único. Por mais que o antisemitismo seja nojento, o conjunto do desenvolvimento em curso é muito mais carregado de conseqüências. [Viram? Pelo menos não perdeu o senso das proporções!] Estamos falando de pessoas que não ainda não subscreveram a declaração sobre a liberdade religiosa e o decreto sobre os judeus (documentos do Concílio Vaticano II, nota da redação) [Na verdade, ele deixou os pontos mais sensíveis de fora… So sweet! A dureza com que os rad-trads atacam a licitude da Missa segundo o Missal de Paulo VI é, sem dúvida, uma das chagas mais profundas. Com ela, se diz que a Igreja e o seu culto máximo a Deus, Nosso Senhor, é um ato ilícito e ainda protestantizado! E ainda faltou a questão do ecumenismo. Quanto aos judeus, eu nunca tinha ouvido falar dessa, ainda mais depois de ver a entrevista de D. Fellay chamando os judeus de “irmãos mais velhos” e dizendo que o anti-semitismo não tem lugar na FSSPX no Rorate Caeli…]

– Ou seja, o problema não somente a polêmica cristãos-judeus, mas as idéias de fundo da Igreja sobre o seu lugar no mundo moderno?

– Sim. A questão é o conjunto do curso que o Papa Ratzinger desencadeou na Igreja. Sem dúvida, um percurso que volta, significativamente, para trás.

– Isso também diz respeito ao Papa Wojtyla?

– Sim. Certamente, Papa Wojtyla soube evitar alguns erros, e sabia falar melhor às pessoas. E foi ele que excomungou os bispos de Lefebvre. Eis um outro exemplo de um passo para trás. Em geral, a vontade de reconciliação com os membros da Fraternidade Sacerdotal Pio X pode ser avaliada positivamente. Mas, insisto, mas não está ainda claro que estes bispos reconhecem o Concílio Vaticano II ou que respeitam o decreto sobre a liberdade religiosa. [Está claríssimo, só Küng que não vê: apesar do Cardeal Castrillón ter dito que Fellay reconhece o Vaticano II teologicamente, é ponto pacífico que eles rejeitam uma parte do Concílio! Não há coisa mais clara. Williamson e de Mallerais não nos deixam esquecer disso!]

– O Papa vive verdadeiramente no mundo moderno, ele entende os fiéis?

– O Pontífice vive no seu mundo. Ele se afastou dos homens e, além de grandes procissões e pomposas cerimônias, não enxerga mais os problemas dos fiéis. Por exemplo, a moral sexual, a cura pessoal das almas, a contracepção. A Igreja está em crise. Espero que ele reconheça isso. [A Igreja está em crise, e claro que o Papa reconhece. Mas a dimensão da crise não tem nada a ver com o que Küng está falando. A moral sexual da Igreja, longe de ser um problema, é a solução dos problemas afetivos que assolam o mundo moderno. Acusar o papa de ter perdido de vista “a cura pessoal das almas” é um absurdo sem tamanho. Qualquer um que leu principalmente os livros-entrevista com o Papa sabe que essa afirmação é completamente gratuita e imerecida!. Sobre contracepção, bem… É tema recorrente deste blog, inclusive um texto muito bom sobre o número de filhos que Jorge publicou] Serei feliz se der passos de reconciliação também na direção dos ambientes dos fiéis progressistas, Mas Bento não está vendo que está alienando a si mesmo de grande parte da Igreja católica e da cristandade. Não vê o mundo real. Somente vê o mundo vaticano. [Quer dizer, agora Nosso Senhor Jesus Cristo, em favor da opinião do sr. Küng, deve diminuir as exigências morais feitas ao homem, porque aparentemente, para Küng, só existe um lugar no mundo em que a vida santa pode ser praticada: a Basílica de São Pedro e o seu arredor. Todo o resto deve ser fadado a uma moral canhestra, cujo conteúdo deve se adaptar aos vícios locais, haja vista ser esta a interpretação da inculturação que tem o sr. Küng! Fugir da realidade, cujo criador é o próprio Deus, é querer exigir do homem menos do que ele é capaz. É massificar a sociedade inteira! O Papa não faz mais do que a sua obrigação quando cobra dos cristãos a nobreza que é própria dos filhos de Deus redimidos pelo preciosíssimo sangue de Nosso Senhor na cruz! Faça-nos um favor, sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

Edito: Dionísio Lisboa bem me lembrou que os tradicionalistas não negam a validade, mas a licitude da Missa Nova. Corrigido!


“Novidades” Litúrgicas

ZENIT nos traz uma notícia muito animadora: segundo o Cerimoniário Pontifício, estão previstas algumas novidades nas celebrações litúrgicas presididas pelo Sumo Pontífice. No entanto, e graças a Deus, não estamos falando de rerum novarum, e sim de rerum vetarum… o próprio Monsenhor Marini o afirma taxativamente: “não se trata de fazer coisas novas, mas de fazer as coisas de forma nova”.

Uma delas, é a colocação de uma escultura da Virgem Maria com o Menino Jesus “junto ao altar da confissão desde a noite do dia 24 até o dia da Epifania, e não só na Solenidade da Santíssima Mãe de Deus”. O Natal é um tempo mariano por excelência – julgo excelente que se enfatize, então, na Liturgia o papel singularíssimo da Virgem. Maria é a Porta do CéuJanua Coeli -, por meio de Quem o Céu desce até nós. É por meio d’Ela que recebemos o Deus-Menino que no Natal festejamos – nada mais justo, então, que os fiéis sejam levados a contemplar e adorar o “Deus envolto em faixas” nos braços da Sua Mãe Santíssima, de quem O recebemos.

Será também eliminado “o tradicional rito de oferenda de flores das crianças em representação dos diversos continentes” após o Glória – as flores serão oferecidas somente “quando o [p]ontífice se aproximar do presépio para colocar a imagem do Menino Jesus”, ou seja, após a Missa. O Santo Padre está colocando ordem na casa, dando ênfase naquilo que é digno de ênfase (a escultura da Virgem Maria) e expurgando os elementos estranhos à Liturgia (as oferendas de flores) e que não ajudam os fiéis a penetrarem no Mistério do Sacrifício de Cristo tornado presente no altar da Santa Missa.

Mas a melhor parte da notícia foi saber que o Papa celebrará de novo “de costas para o povo” – de frente para Deus! – na Capela Sistina, por ocasião da festa do Batismo do Senhor:

«Celebrar-se-á. novamente no antigo altar para não alterar a beleza e harmonia desta jóia arquitetônica, preservando sua estrutura desde o ponto de vista celebrativo, e usando uma possibilidade contemplada pela normativa litúrgica.»

«Isso supõe que o Papa em alguns momentos, junto com os fiéis, se voltará para o Crucifixo, sublinhando também assim a orientação correta da celebração eucarística: a orientação ao Senhor.»

A orientação correta da celebração eucarística! Não se trata materialmente do versus Deum (posto que, senão, o versus populum seria “incorreto”, o que é absurdo), mas da orientação ao Senhor que o versus Deum expressa com grande e incontestável eloqüência. Deus abençoe o Santo Padre! E permita que ele continue corajosamente a trabalhar – sem medo dos lobos – pela exaltação da Santa Igreja de Deus.

Sobre músicas protestantes

Tenho uma natural repulsa a músicas protestantes. O problema não é propriamente teológico – porque, como alguém já apontou, se a música não contiver heresias ela é uma música católica, num sentido análogo àquele em que a “fé protestante” em Jesus Cristo como Deus e Senhor não é uma “fé protestante”, e sim a exata Fé Católica -, mas sim PASTORAL. É muitíssimo inconveniente que os católicos sejam levados a acreditar que não tem problema algum em ser herege protestante, já que as músicas deles podem ser usadas pelos católicos. É inconveniente que os católicos tomem gosto por músicas que são intrinsecamente pobres (já que há uma gama enorme de verdades da Fé Católica que os protestantes nunca colocarão em suas músicas, porque não as aceitam). É inconveniente favorecermos os grupos heréticos, quando poderíamos favorecer e fomentar os grupos católicos. Enfim, a utilização de músicas reconhecidamente protestantes (excluo deste rol aquelas que já se tornaram praticamente de domínio público, e que quase ninguém associa ao protestantismo quando a escuta) por católicos é muito inconveniente.

Trago as considerações do excelente Dom Estêvão, de saudosa memória, sobre o assunto, publicadas na Pergunte & Responderemos (n/] 516, 2005):

“Não é conveniente adotar cânticos protestantes em celebrações católicas pelas razões seguintes:

1)Lex orandi lex credendi (Nós oramos de acordo com aquilo que cremos). Isto quer dizer: existe grande afinidade entre as fórmulas de fé e as fórmulas de oração; a fé se exprime na oração, já diziam os escritores cristãos dos primeiros séculos.

No século IV, por ocasião da controvérsia ariana (que debatia a Divindade do Filho), os hereges queriam incutir o arianismo através de hinos religioso, ao que Sto. Ambrósio opôs os hinos ambrosianos.

Mais ainda: nos séculos XVII-XIX o Galicanismo propugnava a existência de Igrejas nacionais subordinadas não ao Papa, mas ao monarca. Em conseqüência foi criado o calendário galicano, no qual estava inserida a festa de São Napoleão, que podia ser entendido como um mártir da Igreja antiga ou como sendo o Imperador Napoleão.

Pois bem, os protestantes têm seus cantos religiosos através de cuja letra se exprime a fé protestante. O católico que utiliza esses cânticos, não pode deixar de assimilar aos poucos a mentalidade protestante; esta é, em certos casos, mais subjetiva e sentimental do que a católica.

2) Os cantos protestantes ignoram verdades centrais do Cristianismo: A Eucaristia, a Comunhão dos Santos, a Igreja Mãe e Mestre… Esses temas não podem faltar numa autêntica espiritualidade cristã.

3) Deve-se estimular a produção de cânticos com base na doutrina da fé.”

(Dom Estevão Tavares Bettencourt, OSB)

Recomendo ainda a leitura deste artigo do Amo Roma!. E que nos esforcemos para resgatar a riqueza da música católica.

Respeitar a Liturgia para participar da Santa Missa

O augusto sacrifício do altar não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai, vítima agradabilíssima. “Uma… e idêntica é a vítima: aquele mesmo, que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes, se ofereceu então sobre a cruz; é diferente apenas, o modo de fazer a oferta”.
[Pio XII, Mediator Dei, 61]

O Sacrifício da nossa Redenção, o Sacrifício Propiciatório de um Deus feito homem por amor a nós e que Se entrega ao Pai Eterno em expiação dos nossos pecados: eis a Santa Missa. Não uma simples comemoração, não uma mera lembrança, mas o mesmo Sacrifício da Cruz do Calvário. A Santa Missa transcende infinitamente qualquer coisa que nós poderíamos fazer por nós próprios; n’Ela, é Cristo Sacerdote e Vítima quem é o verdadeiro protagonista.

A Igreja sempre insistiu, no decorrer dos séculos, na necessidade de se encarar a Liturgia como um patrimônio de toda a Igreja, de maneira alguma sujeita ao arbítrio de particulares. É importante encontrar a Liturgia – e a Santa Missa em particular – como uma coisa que se recebe da Igreja, e não como um produto de nossa criatividade ou de nossos anseios. A Liturgia é presente legado pela Igreja; de modo algum é obra dos fiéis, e nem mesmo dos sacerdotes celebrantes. Respeitar a Santa Missa é respeitar a Igreja, respeitar a Santíssima Eucaristia, o Santo Sacrifício do Altar.

Não é por acaso que existe uma correlação facilmente perceptível entre o zelo com o qual um sacerdote celebra o Santo Sacrifício da Missa e a sua ortodoxia, a solidez de sua moral, a fecundidade da sua vida de oração; pois desrespeitar as normas estabelecidas pela Igreja para a celebração do Santo Sacrifício da Missa é debochar da Igreja, menosprezar a Eucaristia e negar aos fiéis os tesouros que a Esposa de Cristo, por meio da Liturgia, deseja-lhes dispensar. Ora, quem assim age não é um servo fiel da Igreja e de Jesus Cristo e, por conseguinte, jamais pode ser um bom sacerdote. Quem quiser, portanto, encontrar um sacerdote santo nos dias de hoje, procure-o na devoção ao Santo Serviço do Altar, no respeito às rubricas prescritas pela autoridade competente, na fidelidade inegociável à Liturgia da Igreja.

Faz já quatro anos que a Santa Sé publicou um documento chamado Redemptionis Sacramentum, no qual são estabelecidas “algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia”. O documento é atualíssimo e, nele, podemos encontrar uma infinidade de coisas que – infelizmente – vemos acontecer com muita freqüência nas missas das quais participamos e que não poderiam acontecer. Só à guisa de exemplo, trago alguns trechos desta instrução tão importante quanto negligenciada, cuja leitura é absolutamente fundamental para todos os fiéis católicos dos nossos dias:

[É] um abuso fazer que algumas partes da Oração Eucarística sejam pronunciadas pelo diácono, por um ministro leigo, ou ainda por um só ou por todos os fiéis juntos. [RS 52]

Cesse a prática reprovável de que sacerdotes, ou diáconos, ou mesmo os fiéis leigos, modificam e variem, à seu próprio arbítrio, aqui ou ali, os textos da sagrada Liturgia que eles pronunciam. [RS 59]

Assim pois, não é lícito negar a sagrada Comunhão a um fiel, por exemplo, só pelo fato de querer receber a Eucaristia ajoelhado ou de pé. [RS 91]

Reprove-se o costume daqueles sacerdotes que, a pesar de estar presentes na celebração, abstém-se de distribuir a Comunhão, delegando esta tarefa a leigos. [RS 157]

É de fundamental importância que todas as prescrições relacionadas à celebração da Santa Missa sejam diligentemente observadas, a fim de que os fiéis possam ter uma correta compreensão do Sacrifício Eucarístico e possam participar de maneira frutuosa da Santa Missa. Já Pio XII dizia ser “necessário (…) que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do santo sacrifício eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que os ponha em contato íntimo com o sumo sacerdote” (MD 73). Ao contrário do que estamos acostumados a ver nos nossos dias, contudo, “participar” do Santo Sacrifício Eucarístico não tem nada a ver com cantar, bater palmas, fazer leituras, responder ao sacerdote, etc. Participar do Santo Sacrifício da Missa é unir-se ao Sacrifício de Cristo, é oferecer a Vítima Divina presente no altar a Deus Pai “por meio do sacerdote” e “juntamente com o sacerdote” (cf. MD 83), e ainda oferecer-se a si mesmo, unido ao Sacrifício da Cruz do Calvário: para os fiéis, “é necessário que eles se imolem a si mesmos como vítimas” (MD 88).

Sem o conhecimento do que seja o Santo Sacrifício Eucarísitico e sem uma correta e diligente catequese litúrgica, é completamente impossível aos fiéis participarem da Santa Missa, ainda que façam leituras ou sejam coroinhas, cantem no Ministério de Música e batam palmas, chorem e se emocionem com as palavras do padre. Nada disso é participar da Missa. A verdadeira e frutuosa participação é predominantemente interior, que se exprime, sim, por meio de gestos exteriores, mas nem estes gestos constituem a participação em si, nem são quaisquer gestos que são adequados à Santa Missa. E, aqui, voltamos à questão da obediência às rubricas e às determinações que a Santa Igreja dá sobre a Liturgia; fora de um profundo respeito à Santa Missa, à autoridade da Igreja, à Santíssima Eucaristia, é impossível falar em verdadeira participação da Missa.

Esforcemo-nos, portanto, para conhecermos os tesouros da Liturgia da Igreja, para promovermos o respeito exigido às normas litúrgicas promulgadas pelas autoridades eclesiásticas competentes, a fim de que consigamos participar de maneira frutuosa do Santo Sacrifício da Missa. Ofereçamos as nossas vidas a Deus Pai Onipotente, unidas ao Sacrifício de Cristo tornado presente nos nossos altares sempre que um sacerdote celebra a Santa Missa. Conheçamos a nossa Fé, conheçamos o que a Igreja nos oferece, e não aceitemos passivamente que os Sagrados Mistérios dos quais precisamos sejam-nos entregues diminuídos, por ignorância ou negligência de quem quer que seja. Afinal, “o povo católico tem direito a que se celebre por ele, de forma íntegra, o santo Sacrifício da Missa, conforme toda a essência do Magistério da Igreja” (RS 12).

Recife – Adoração ao SSmo. Sacramento

Esta eu vi no The Blogger, que reproduzia uma reportagem do Diário de Pernambuco: Católicos de volta às igrejas. O “fenômeno” relatado pelo jornal é a redescoberta do valor da Adoração Eucarística pelos católicos da cidade – as igrejas onde há exposição do Santíssimo Sacramento estão atraindo cada vez mais fiéis em profusão, sedentos de Deus, desejosos das graças do Alto.

Comento algumas das coisas que foram ditas pelo Diário (algumas boas, muitas nem tanto):

Nesse momento acontece a Adoração do Santíssimo, quando o padre leva aos fiéis a hóstia consagrada, considerada o corpo de Cristo.

Bom… não. A menos que o jornal esteja chamando a exposição/procissão do SSmo. de “levar (…) a hóstia consagrada”, o momento em que os fiéis recebem o Corpo de Cristo é a comunhão, que é no interior da Missa, e não após ela (a reportagem está falando da adoração que ocorre após a missa).

Para os católicos, apenas o toque no ostensório seria suficiente para conseguir um milagre.

Não, para os católicos o milagre não necessita de “toques” no ostensório (para quem não sabe, é a custódia onde se coloca o Santíssimo Sacramento para ser exposto e/ou levado em procissão) ou onde quer que seja, pois depende somente de Deus. As pessoas que vão à adoração não vão para conseguirem um “toque no ostensório” como condição para alcançarem milagres. Vão para rezar.

Alguns especialistas acreditam que esse ritual seja um retrocesso da igreja, já que foge do catolicismo mais racional e remete à magia, ao encantado.

Não sei quais “especialistas” disseram uma besteira dessas (talvez seja o gênio citado mais abaixo na reportagem), mas não há retrocesso algum em se adorar a Deus, no Santíssimo Sacramento do Altar, coisa que a Igreja sempre fez há séculos.

Um pouco semelhante ao que acontece em alguns cultos evangélicos.

Claro… vá dizer a algum evangélico que uma igreja cheia de pessoas de joelho dobrado em adoração ao Deus escondido sob as espécies do Pão Consagrado é parecido com o que ocorre nos cultos dele! Qual é a semelhança? A que ambos rezam? Nossa!

Para os fiéis que lotam as igrejas (…) esse é um momento de fé e nada tem a ver com o sobrenatural.

Considerando que a fé é por definição sobrenatural, estou até agora tentando entender o que o jornal quis dizer…

A Adoração do Santíssimo vem acontecendo em pelo menos cinco igrejas (Santa Luzia, Torre, Espinheiro, Boa Viagem e Piedade).

Acrescento a igreja da Imbiribeira (também na quinta à noite) e a igreja Matriz de Santo Antônio (igreja do Santíssimo Sacramento), que tem exposição diária do Santíssimo.

A pequena Capela São Francisco de Assis, na Vila Santa Luzia, comunidade de baixa renda no bairro da Torre, vem se destacando. A cerimônia atrai centenas de católicos de outros bairros de classe média alta. Lado a lado, advogadas, médicas e merendeiras, unidas na mesma fé.

Sim, conheço a capelinha de São Francisco. Atrai, realmente, muita gente. E felicíssima a última frase do jornal, que mostra a catolicidade da Igreja e a comunhão dos santos: “lado a lado, advogadas, médicas e merendeiras, unidas na mesma fé”. Excelente!

O especialista em religião e professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, Inácio Strieder, acredita que essa prática seja uma maneira de atrair as pessoas para a igreja, mas critica a cerimônia. “Voltar a incentivar esse tipo primitivo de religiosidade é um retrocesso. Essas iniciativas são mais parecidas com rituais que os evangélicos fazem, quando os pastores benzem água pela televisão, por exemplo. Trazer objetos diante do santíssimo exposto é algo questionável, pois dá um certo aspecto de magia. Isso é uma negação da religiosidade cristã que tem um culto racional”

Ahh, deve ser esse o “especialista” citado acima. O que o Strieder fala não se escreve, nós já sabemos disso; a cerimônia de adoração ao Santíssimo Sacramento faz parte da tradição da Igreja Católica e é uma coisa muito boa e muito santa. Não sei de onde vem a comparação com “pastores [que] benzem água pela televisão”, porque nem a Eucaristia é a mesma coisa (nem mesmo semelhante) a água benta, e nem as cerimônias citadas pela reportagem são feitas “pela televisão”. Tenho as minha próprias críticas ao modo como são conduzidas (em Recife, ao menos) a Adoração ao SSmo. n’algumas igrejas, mas elas não têm nada a ver com a cerimônia em si. Esta, é santa, justa e agradável a Deus. Que o Altíssimo possa abençoar o nosso país, em atenção aos milhares de fiéis que se aproximam para vê-Lo na Hóstia Consagrada; e que a presença diante de Deus em contemplação possa transformar as almas cada  vez mais n’Aquele que é contemplado.

O nascimento dos filhos de Deus

Ontem à noite, fui a um batizado de adultos. Primeira vez que vi uma celebração completa; nas outras oportunidades que tive, sempre era o rito reduzido ao essencial, com pouco mais ou menos cerimônias acessórias. Ontem à noite, não; tudo foi feito com a maior riqueza de símbolos e ritos. E quão eloqüentes são os símbolos do Rito do Batismo!

No início: todo mundo para a porta da Igreja. Pro lado de fora. Os catecúmenos estão fora da Igreja, e é pelo Batismo que eles ingressam n’Ela como por uma porta. Diversas perguntas, sobre o nome dos candidatos, se eles meditaram bem sobre a decisão que estão prestes a tomar, etc. Enfim, as perguntas mais conhecidas:

– Que pedes à Igreja de Deus?
– A Fé.
– E o que te dá a Fé?
– A Vida Eterna.

As pessoas, portanto, batizam-se (como o padre frisou explicitamente depois, durante a exortação) para serem salvas. Não estão cumprindo uma agenda social, não estão diante de uma mera formalidade, não estão escolhendo com indiferença um caminho de vida que poderia ser qualquer outro, nada disso. Estão se batizando porque se querem salvar, querem a Vida Eterna, e para ter esta é necessário ter Fé e, portanto, os catecúmenos vêm pedir à Igreja de Deus – à Única Igreja de Deus – a Fé Católica e Apostólica. Sem a qual é impossível agradar a Deus.

Ainda à porta da Igreja, dirige-se o padre aos padrinhos. Pergunta-lhes se julgam ser dignos os candidatos ao Batismo. Mais um sinal de que a Igreja não é a “terra-de-ninguém” onde cada um faz o que bem quiser e está tudo por isso mesmo: são os padrinhos que apresentam os seus afilhados, são os padrinhos que dão testemunho dele: julgo que é digno. Depois, portanto, de terem os catecúmenos pedido a Fé e terem os padrinhos atestado que eles são dignos de adentrarem na Igreja, o padre os convida a entrar. Não para o batistério, ainda, mas para o interior da igreja. Onde vão ouvir algumas leituras das Escrituras Sagradas.

Após o Evangelho, uma breve exortação: pode ser resumida em “estais aqui porque quereis ser salvos”. Os catecúmenos não são chamados de “irmãos”, e sim de “amigos”, já que eles não são ainda filhos de Deus. Daqui a pouco, na pia batismal, mortos com Cristo, aí sim, receberão a filiação divina e os poderemos chamar “irmãos” – irmãos na Fé. É esta Fé que eles buscam, é a comunhão com a Igreja e com Cristo, é a filiação divina que eles desejam. Para obtê-la, precisarão morrer com Cristo, nas águas do Batismo, sobre as quais a Igreja, então, já pediu o Espírito Santo.

Diversos símbolos se sucedem. O Batismo perdoa os pecados, e então os catecúmenos, de joelhos, pedem perdão a Deus por suas faltas. São ungidos com óleo no peito e, então, são proferidos sobre eles os exorcismos – o Batismo os arranca da escravidão do pecado e os liberta do poder de Satanás. Recebém a Bíblia Sagrada e, enfim, já podem se dirigir à Pia Batismal na entrada da Igreja.

Para viverdes na liberdade dos Filhos de Deus, renunciai ao Pecado? Renuncio! Ressoam na pequena Igreja as promessas batismais. Imediatamente após, a solene profissão de Fé, com perguntas e respostas – credes em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra? Creio! Após, o Batismo propriamente dito, a parte essencial do Sacramento: qual o teu nome? Quer ser batizado? Fulano, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém. Os padrinhos, segurando-lhe os ombros. Até aqui eles o acompanham, e se comprometem a acompanhá-lo pelo resto da vida – da nova vida que acaba de ser iniciada. As velas são acesas pelos padrinhos e entregues aos recém-batizados – não mais catecúmenos! -, que já são irmãos nossos, já são filhos de Deus. Encerrou-se a celebração, e a Igreja em festa acolhe os Seus novos membros, Seus novos filhos; pois só os filhos da Igreja são os verdadeiros filhos de Deus.

Diocese de Santo André – sobre o vinho da missa

Reproduzo comunicado de S.E.R. Dom Nelson Westrupp, bispo diocesano de Santo André, a respeito do uso do vinho para a celebração do Santo Sacrifício da Missa. Nestes dias em que se cogita a substituição do vinho por suco de uva, devido à recente Lei Seca, o comunicado de Sua Excelência é bastante esclarecedor. O documento foi publicado no site da Diocese de Santo André.

Apenas preciso que, por “suco de uva”, Sua Excelência quer dizer mosto, pois este é que constitui matéria válida para a celebração da Eucaristia, segundo a Congregação para a Doutrina da Fé.

* * *

Comunicado do Bispo Diocesano de Santo André
acerca do Uso do vinho para a Celebração da Santa Missa


A respeito da matéria a ser usada na celebração da Santa Missa, para se evitar interpretações errôneas sobre o uso de suco de uva na Missa, vale recordar o que está em vigor, isto é, o que ensina a Doutrina da Igreja a esse respeito:


1. Redemptionis Sacramentum:
“O vinho utilizado na celebração do santo sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, genuíno, não alterado, nem misturado com substâncias estranhas. Na mesma cerimônia da Missa se mistura ao vinho uma pequena quantidade de água. Cuide-se com a máxima preocupação para que o vinho destinado à Eucaristia seja conservado em perfeito estado e não se torne vinagre. É absolutamente proibido usar vinho, sobre cuja constituição e proveniência há dúvida. Não se admita, depois, sob nenhum pretexto preferir usar outras bebidas de qualquer gênero que seja, que não constituem matéria válida” (nº 50).

2. Instrução Geral do Missal Romano:
“O vinho para celebrar a Eucaristia deve ser de uvas, fruto da videira (cf. Lc 22, 18), natural e puro, quer dizer, sem qualquer mistura de substâncias estranhas” (nº 322).
“Tenha-se grande cuidado em que o pão e o vinho destinados à Eucaristia se conservem em perfeito estado, isto é, que nem o vinho se azede nem o pão se estrague ou endureça tanto que se torne difícil parti-lo” (nº 323).

3. Código de Direito Canônico:
“O sacrossanto Sacrifício eucarístico deve ser celebrado com pão e vinho, e a este se deve misturar um pouco de água” (Cânon 924 § 1).
N.B.:

4. A mudança de vinho só deve ser feita quando autorizada pela Santa Sé e não é de direito do padre mudar vinho por suco de uva. Não se trata somente de um ato legislativo, no caso da troca do vinho, mas de um conceito teológico da Tradição Litúrgica: nós celebramos com vinho porque Jesus usou vinho na última Ceia.
Além do mais, dois goles de vinho não registram nada no bafômetro. Por isso, continua-se a usar vinho e não suco de uva.

O Bispo só pode autorizar um padre a celebrar a santa Missa usando suco de uva natural, sem álcool, somente em três circunstâncias, a saber:

– Falta de vinho (como acontece na região de Nova Guiné, na África);
– Problemas de saúde do padre;
– Problema de alcoolismo.

Fora disso não se pode celebrar a missa com outra bebida que não seja o vinho puro de uva sem mistura, conforme visto acima.


Dom Nelson Westrupp, scj
23 de agosto de 2008

Herr Professor

Saiu no Le Monde (disponível para compra) e saiu uma tradução na mídia brasileira (só para assinantes), que eu recebi por email e reproduzo abaixo. A matéria é da autoria de Henri Tincq, que é um jornalista francês especialista em religião. Não o conhecia.

O google me mostrou outras coisas dele:

Henri Tincq’s Portrait of Josef Ratzinger (part I e part II), de 2005, em inglês.

Qui est Josef Ratzinger?, no Le Monde de abril de 2005, em francês.

Na minha opinião, o texto abaixo tem o seu valor principalmente pela – digamos – “consideração não-religiosa” da importância do papado de Bento XVI, bem como pela sóbria biografia do Santo Padre. E – eu não poderia deixar de salientar – pela citação a respeito da Liturgia, que é preciosa (grifos meus):

A liturgia não foi reformada, diz ele [o então padre Ratzinger], “para aumentar o número de pessoas que vão à missa”, mas sim para colocá-las “diante do gládio cortante da Palavra de Deus”. Ou seja, em outras palavras, a convicção teológica passa antes da conveniência pastoral. Mesmo que correndo riscos de passar por um nostálgico da antiga liturgia e por um aliado dos tradicionalistas, o papa jamais renegará este dogma.

A Igreja tem muito o que ensinar a todos os homens. Bom seria se o Papa fosse considerado (ao menos!) como um professor por aqueles que não professam a Fé Católica e Apostólica. Eis o sadio “diálogo com o mundo” que seria tão salutar!

* * *

Quando chamam o papa de “Herr Professor”

Henri Tincq

Este homem de 81 anos escreveu muitos livros, inclusive a respeito dele mesmo, e com pudor. Contudo, este autor prolífico, este universitário que dedicou cerca da metade da sua vida à sua função de docente antes de passar a ocupar os mais expostos entre os cargos da Igreja, permanece um enigma. Não se pode compreender sua visão trágica da história, seu combate contra o “relativismo” moral, sua fidelidade para com a antiga liturgia, sem antes reexaminar de perto o itinerário deste intelectual que revela ser muito mais atormentado do que sugerem as caricaturas que fazem dele.

Enquanto João Paulo 2º tinha a Polônia, Bento 16 tem a Bavária. Ou seja, dois pólos situados nessa Mitteleuropa – a “Europa do Meio”, cujas capitais são Cracóvia e Munique – onde os campanários dotados de um bulbo e a arte barroca esculpiram um catolicismo da Contra-Reforma; onde a liturgia, os ornamentos e os cânticos se fundem na paisagem rural, na vida familiar, nas festas, na cultura, no movimento das idéias e na música. Para Joseph Ratzinger, a Bavária não representa apenas um berço, como é também um santuário onde ele se alimenta da sua combinação de suavidade com perseverança. De um catolicismo bávaro encantado, ele herdou um gosto imoderado pela tradição, pela solenidade litúrgica, uma veneração pela música de Bach e de Mozart, além de um respeito repleto de melindres pelos ritos e os ofícios.

Da mesma forma que Karol Wojtyla, ele sofreu o ascendente de um pai militar que, ao sabor das transferências, deslocou sua família para cima e para baixo, entre o Inn e a Salzach – Joseph Ratzinger nasceu em 17 de abril de 1927 em Marktl-am-Inn -, nessa Baixa Bavária mais próxima da Áustria católica do que da Prússia protestante. Dentre os dois patriotismos bávaros do século 19 – o primeiro voltado para o Reich alemão, e o segundo, para o império austríaco, católico e grande admirador da França -, é neste último que se inscrevem os seus genes familiares. Contudo, o patriotismo da família Ratzinger é intenso, porém nem um pouco exaltado. Ao lado da sua irmã Maria e do seu irmão Georg, o futuro papa, que já se mostra tímido, solitário, introvertido, cresce em meio a um ambiente estudioso, pio, tranqüilo.

Esse mundo acaba desmoronando com a guerra. Tanto o alemão Ratzinger quanto o polonês Wojtyla passam a serem tragados muito cedo por dramas que iriam alimentar, neles, uma visão trágica da história, na qual estão vinculados a insensatez, a morte de Deus e o aniquilamento do homem. Na época, Joseph Ratzinger ainda é novo demais para assistir ao crescimento do nazismo, que ele descobre apenas através das explicações oferecidas pelo seu pai. “O 3º Reich o repugnava terrivelmente”, confessaria o futuro papa em sua autobiografia. Assim como todos os adolescentes, ele é alistado por meio da força para servir na Hitlerjugend (as Juventudes hitlerianas). Quando já era seminarista, ele foi mobilizado em Munique para participar da defesa antiaérea. Após ser internado num campo americano, ele foi libertado em junho de 1945.

Ratzinger nunca se mostrará muito loquaz em relação a este período. Em Auschwitz, em maio de 2006, Bento 16 chegará até mesmo a chocar a platéia no discurso em que ele apresenta sua análise a respeito do nazismo, o qual ele reduziu a um crime perpetrado “por um bando de criminosos”. Na opinião de Claude Dagens, um bispo e acadêmico, ele pertence “àquela geração de alemães que carregou nas costas todo o peso da culpabilidade”. Por serem raras, as suas declarações a respeito dessa questão são tanto mais valiosas. Em 2001, durante uma conferência na igreja Notre-Dame de Paris; e depois, em 6 de junho de 2004 em Caen (na Normandia), por ocasião do 60º aniversário do Desembarque dos Aliados, aquele que ainda não se tornou o cardeal Ratzinger identifica todas as barbáries – Auschwitz; o gulag; os genocídios no Camboja e em Ruanda – com ideologias fundamentadas na ruptura com Deus (“O inferno é viver na ausência de Deus”) e com a Razão, que se tornou cínica e enlouqueceu.

No seminário de Freysing, na Bavária, o jovem Ratzinger devora todos os livros, sejam eles de autoria de escritores contemporâneos alemães (Gertrud von Le Fort, Ernst Wiechert), ou estrangeiros (Dostoievski, Péguy, Claudel, Bernanos, Mounier, Mauriac). Ele descobre as idéias dos filósofos Heidegger e Jaspers, além de “testemunhas eminentes” como Thomas More, o cardeal Newman e Dietrich Bonhoeffer, que “fizeram prevalecer sua consciência acima do consenso geral”. Em teologia, ele lê Romano Guardini, Henri de Lubac e os mestres alemães: Luther (Martin Luther, 1483-1546, o pai do protestantismo), de quem ele conhece as idéias de cor e salteado e de quem ele admira o gênio espiritual, mais do que as realizações da Reforma; Rudolf Bultmann, o exegeta modernista, ou Karl Barth, o protestante que prega a primazia absoluta da palavra de Deus.

Contudo, nenhum destes, em sua opinião, é superior a Santo Agostinho (354-430). Uma alma atormentada, Agostinho carrega o peso do Mal e do pecado, os quais, segundo ele, são redimidos pela “graça”. Na qualidade de bispo, ele é uma testemunha da esperança cristã, num Império romano que está desmoronando. Ele encarnará a culpabilidade ocidental, até o advento de Luther e do jansenismo (nos séculos 17 e 18). Ou seja, uma visão do mundo insuperável no entender do jovem Ratzinger que, além da experiência da guerra, também preza em Agostinho a sua visão de um mundo “niilista”. Portanto, é a este Pai da Igreja que ele dedica a sua tese de doutorando em teologia (1953). Além disso, será por ocasião de um congresso “agostiniano” que ele virá pela primeira vez a Paris, em 1954.

Ratzinger não é um filósofo nem um moralista, diferentemente de João Paulo 2º, cujos estudos haviam sido impregnados pela fenomenologia (Max Scheler, Husserl), e que freqüentava os filósofos franceses Ricoeur e Levinas. Ratzinger é em primeiro lugar um teólogo, convencido de que a sua disciplina está acima da filosofia. As suas categorias se alimentam das obras dos Pais da Igreja (Agostinho, Gregório o Grande, Santo Máximo o Confessor), os quais ele costuma citar até hoje em abundância, e principalmente desde que se tornou papa, em seus escritos. A sua teologia ambiciona ser uma meditação, a partir das santas Escrituras, a respeito da história humana. Este posicionamento comportava certos riscos para a sua carreira universitária, diante dos seus “mestres” alemães ainda marcados pelas categorias petrificadas do néo-tomismo (movimento iniciado no final do século19, baseado numa revisão das idéias de São Tomás de Aquino -1225-1274) e da escolástica. Num primeiro momento, a sua tese sobre a teologia da história na obra de São Boaventura (1221-1274) não obtém uma nota suficiente.

Mas ele poderá saborear sua revanche durante o concílio Vaticano II (1962-1965) durante o qual, aos 35 anos, quando ainda era um jovem universitário em Bonn, ele atuaria como especialista a serviço do cardeal Joseph Frings, uma proeminente figura reformadora do concílio. “Ratzinger vivenciou este evento sem euforia”, comenta Claude Dagens. “Ele é antes um intelectual que não se deixar envolver pela exaltação do momento”. Na presença de sumidades tais como Karl Rahner, Hans Küng, Yves Congar ou Henri de Lubac, ele enxerga no concílio uma chance para o renascimento do pensamento teológico, por meio da reavaliação das santas Escrituras, dos escritos dos Pais da Igreja e de um diálogo com a cultura contemporânea. Em sua opinião, o ponto fundamental é a Revelação de Deus atualizada na história dos homens. Conforme ele havia desejado, o concílio aprova por meio de uma votação um documento de grande importância, a respeito das “duas fontes” da Revelação, as Escrituras compensando o peso da tradição.

Ratzinger chegou ao concílio como um inovador. Mas, dele saiu com a imagem de um conservador. Há mais de quarenta anos que corre esta lenda. O mal-entendido provém da reforma da liturgia, que foi implementada de uma maneira que ele considerava excessivamente radical. Logo, no discurso que ele pronuncia no Katholikentag de Bamberg, em 1966, o professor Ratzinger condena o arcaísmo litúrgico e a modernização desmedida. A liturgia não foi reformada, diz ele, “para aumentar o número de pessoas que vão à missa”, mas sim para colocá-las “diante do gládio cortante da Palavra de Deus”. Ou seja, em outras palavras, a convicção teológica passa antes da conveniência pastoral. Mesmo que correndo riscos de passar por um nostálgico da antiga liturgia e por um aliado dos tradicionalistas, o papa jamais renegará este dogma.

O mal-entendido agrava-se com a revolta estudantil. No final da década, Ratzinger passa a ensinar na universidade de Tübingen. Em 1969, ele enfrenta anfiteatros agitados. Na França, muitos são aqueles que não conseguem compreender – num país onde ela não é ensinada na universidade pública – que a teologia possa se transformar num campo de batalha. Em Tübingen, ela torna-se uma “ideologia revolucionária” no quadro da qual a referência ao Cristo se torna secundária, analisa Ratzinger, ferido por esta “traição”, e que prefere então voltar a ensinar na Bavária (em Ratisbon), rompendo também com a revista progressista “Concilium” para fundar uma outra publicação, a “Communio”, em parceria com Hans Urs von Balthazar. No decorrer dos desentendimentos que o cardeal vivenciará mais tarde, em Roma, com Hans Küng, o seu antigo colega em Tübingen, ou ainda com os teólogos da libertação, esta experiência terá uma influência decisiva.

Este alemão é acima de tudo um filho da Aufklärung, uma corrente de pensamento identificada com as Luzes, da qual ele não é tão radicalmente crítico quanto dizem. Enquanto, para ele, a Fé, sem a Razão, está ameaçada pelo “iluminismo”, a Razão, sem a Fé, está ameaçada pelo “positivismo”, que não atribui à ciência outra lei senão aquela do seu próprio desenvolvimento, sem qualquer preocupação com a ética. Mas, no entender de Ratzinger, as Luzes também criaram as condições políticas necessárias para a liberdade dos crentes. No diálogo que ele manteve, em janeiro de 2004, na Academia da Bavária, com o filósofo agnóstico Jürgen Habermas, o cardeal Ratzinger sublinhou a legitimidade da razão secular, quando o seu interlocutor admitiu que a razão moderna não pode prescindir do “potencial de sentido” da religião, sobre o qual está fundamentada a substância ética dos Estados de direito e das sociedades democráticas.

A grande obsessão do professor Ratzinger é mesmo aquela da “crise da Verdade”. Na Sorbonne, em 1999, ele declarou: “A Verdade, que era uma promessa confiável, atualmente não passa de uma expressão cultural da sensibilidade religiosa geral”. Será o caso de fazer deste papa o artesão de uma reafirmação identitária do catolicismo? A articulação entre a Revelação bíblica e a Razão grega é determinante em todos os seus ensinamentos. É nela que se inspira a encíclica “Fides et Ratio”, de João Paulo 2º (1998), e ainda o famoso discurso de Bento 16 em Ratisbon (2006), que será relembrado apenas por conta da citação histórica que inclui uma crítica contundente do Islã. Este papa emite um alerta ao homem contra toda subserviência da fé à razão de Estado, e contra toda subserviência da razão de Estado a uma fé. Neste sentido, ele está decidido a premunir o mundo contra toda forma de extremismo.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Bento XVI e a Conferência Francesa

Do discurso do Santo Padre de ontem aos lobos mitrados à Conferência Episcopal Francesa, domingo dia 14 de setembro de 2008, festa de exaltação da Santa Cruz e primeiro aniversário da entrada em vigor do motu proprio Summorum Pontificum (negritos e sublinhados meus):

El pueblo cristiano debe teneros afecto y respeto. La tradición cristiana ha hecho hincapié desde el principio en este punto: «Los que son de Dios y de Jesucristo, están con el Obispo», decía san Ignacio de Antioquía (Ad Phil., 3,2), que añadía también: «A quien el dueño de la casa haya mandado para la administración de la casa, hay que recibirlo como al que lo ha mandado (Ad Ef. 6, 1). Vuestra misión, espiritual sobre todo, consiste, pues, en crear las condiciones necesarias para que los fieles, citando de nuevo a san Ignacio, puedan «cantar al unísono por Jesucristo un himno al Padre» (ibíd., 4, 2) y hacer así de su vida una ofrenda a Dios.

[…]

Sí, queridos Hermanos en el Episcopado, seguid llamando al sacerdocio y a la vida religiosa, como Pedro echó las redes por orden del Maestro, tras pasar una noche de pesca sin obtener nada (cf. Lc 5,5).

Nunca se repetirá bastante que el sacerdocio es esencial para la Iglesia, por el bien mismo del laicado. Los sacerdotes son un don de Dios para la Iglesia. No pueden delegar sus funciones a los fieles en lo que se refiere a las misiones que les son propias. Queridos Hermanos en el Episcopado, os invito a seguir solícitos para ayudar a vuestros sacerdotes a vivir en íntima unión con Cristo. Su vida espiritual es el fundamento de su vida apostólica. Exhortadles con dulzura a la oración cotidiana y a la celebración digna de los sacramentos, especialmente de la Eucaristía y la Reconciliación, como lo hacía San Francisco de Sales con sus sacerdotes. Todo sacerdote debe poder sentirse dichoso de servir a la Iglesia. A ejemplo del cura de Ars, hijo de vuestra tierra y patrono de todos los párrocos del mundo, no dejéis de reiterar que un hombre no puede hacer nada más grande que dar a los fieles el cuerpo y la sangre de Cristo, y perdonar los pecados. Tratad de estar atentos a su formación humana, intelectual y espiritual, y a sus recursos para vivir. Pese a la carga de vuestras gravosas ocupaciones, intentad encontraros con ellos regularmente, sabiéndolos acoger como hermanos y amigos (cf. Lumen gentium, 28; Christus Dominus, 16). Los sacerdotes necesitan vuestro afecto, vuestro aliento y solicitud. Estad a su lado y tened una atención especial con los que están en dificultad, los enfermos o de edad avanzada (cf. Christus Dominus, 16). No olvidéis que, como dice el Concilio Vaticano II usando una espléndida expresión de san Ignacio de Antioquía a los Magnesios, son «la corona espiritual del Obispo» (Lumen gentium, 41).

El culto litúrgico es la expresión suprema de la vida sacerdotal y episcopal, como también de la enseñanza catequética. Queridos Hermanos, vuestro oficio de santificar a los fieles es esencial para el crecimiento de la Iglesia. Me he sentido impulsado a precisar en el “Motu proprio” Summorum Pontificum las condiciones para ejercer esta responsabilidad por lo que respecta a la posibilidad de utilizar tanto el misal del Beato Juan XXIII (1962) como el del Papa Pablo VI (1970). Ya se han dejado ver los frutos de estas nuevas disposiciones, y espero el necesario apaciguamiento de los espíritus que, gracias a Dios, se está produciendo. Tengo en cuenta las dificultades que encontráis, pero no me cabe la menor duda de que podéis llegar, en un tiempo razonable, a soluciones satisfactorias para todos, para que la túnica inconsútil de Cristo no se desgarre todavía más. Nadie está de más en la Iglesia. Todos, sin excepción, han de poder sentirse en ella “como en su casa”, y nunca rechazados. Dios, que ama a todos los hombres y no quiere que ninguno se pierda, nos confía esta misión haciéndonos Pastores de su grey. Sólo nos queda darle gracias por el honor y la confianza que Él nos otorga. Por tanto, esforcémonos por ser siempre servidores de la unidad.

[…]

Queridos Hermanos en el Episcopado, con alegría y emoción os encomiendo a Nuestra Señora de Lourdes y a Santa Bernadette. El poder de Dios se ha manifestado siempre en la debilidad. El Espíritu Santo ha lavado siempre la suciedad, regado lo árido, enderezado lo torcido. Cristo Salvador, que ha tenido a bien convertirnos en instrumentos para transmitir su amor a los hombres, nunca dejará de haceros crecer en la fe, la esperanza y la caridad, para daros el gozo de llevar a Él un número creciente de hombres y mujeres de nuestro tiempo. A la vez que os confío a su fuerza de Redentor, os imparto a todos y de corazón una afectuosa Bendición Apostólica.

Comento eu: que despedida mais apropriada! Aludir, falando à Conferência Episcopal Francesa, ao Deus que é a solução para toda debilidade, sujeira, aridez e coisas tortas caiu como uma luva!

O Papa e o Summorum Pontificum

Eu havia estranhado a resposta dada pelo Santo Padre a um jornalista, no avião que o levava à França, sobre o Motu Proprio Summorum Pontificum (cuja entrada em vigor completa um ano amanhã). No entanto, o Fratres in Unum traduziu a versão oficial das respostas do Papa, publicadas na Sala de Imprensa da Santa Sé.

A diferença fundamental entre os dois textos está na pergunta. Veja-se:

Na Radio Vaticana: Respondendo a outro jornalista, que lhe perguntou sobre o motu proprio, que permite celebrar a Missa em latim, como um passo atrás ao Concílio (…).
Na Sala de Imprensa da Santa Sé: O que vós dizeis aos que, na França, temem que o Motu proprio `Summorum pontificum’ marque um passo atrás sobre as grandes intuições do Concílio Vaticano II? Como vós podeis tranqüilizá-los?

Ou seja, a resposta do Papa não é uma “consideração particular” sobre o motu proprio que ele julgou necessário expôr; é, ao contrário, uma resposta tranquilizadora provocada por uma pergunta de um jornalista sobre o temor de alguns franceses. Faz toda a diferença.